RE - 53939 - Sessão: 09/04/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por ILSON MAURO DA SILVA BRUM e ADENILDO DE JESUS PADOVAN, candidatos, respectivamente, ao cargo de prefeito e vice-prefeito no município de Uruguaiana, em face da sentença que desaprovou suas contas referentes às eleições municipais de 2016, em razão do reconhecimento das seguintes irregularidades: a) ausência dos extratos bancários da conta "outros recursos" referente a todo o período de campanha; b) irregularidade na receita de recursos estimáveis em dinheiro oriundos de doador que não detém a propriedade do bem doado; c) ausência de pagamento de despesas de campanha eleitoral no valor de R$ 10.458,00; d) doadores com indícios de ausência de capacidade econômica em doação de R$ 86.000,00; e) doadores que integram quadro de empresa recebedora de recursos públicos.

Em suas razões recursais (fls. 384-388), sustentam que postularam a intimação pessoal do doador João Francisco Telechea Filho para que apresentasse a documentação relativa a seus rendimentos, requerimento não apreciado, gerando nulidade da sentença.

Defendem que a propriedade transmite-se com a tradição, portanto, a doação ou cessão de uso de veículo, que constava nos registros do DETRAN em nome de terceiro, configura, no máximo, uma mera impropriedade administrativa.

Quanto às sobras de campanha, dizem que não se verifica nenhuma inconsistência passível de desaprovação, que todas as transações foram contabilizadas e que pode ter havido algum tipo de erro formal, mas que jamais houve tentativa de burlar o sistema eleitoral.

Em relação à falta de capacidade financeira do doador Sr. João Francisco, argumentam que ele é conhecido nacionalmente como um dos maiores acionistas da marca Ipiranga, mas que se negou a fornecer a documentação dos rendimentos, o que faria apenas por determinação judicial.

No que diz respeito às doações realizadas pelo Sr. Thelmo, reafirmam que não há como o candidato ter o conhecimento de que o doador é integrante de empresa que tenha recebido valores da administração pública e entendem que o valor doado é ínfimo.

Nesta instância, o Procurador Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento do recurso com a declaração de nulidade da sentença. Caso não acolhida a preliminar de nulidade, no mérito, opina pelo provimento parcial do recurso, afastando-se parte das irregularidades.

É o relatório.

VOTO

Preliminarmente: Nulidade da sentença

Defendem os recorrentes, em preliminar de mérito, que seria nula a decisão do magistrado a quo em razão de sua omissão quanto à análise da petição (fls. 16-18) e dos documentos juntados (fls. 19-58), em especial do requerimento da fl. 17, para que fosse determinada ao Sr. João Francisco a exibição de seus comprovantes de rendimentos.

A matéria confunde-se com o mérito da irregularidade e será analisada no item próprio.

Mérito

A sentença fundamentou-se nas seguintes irregularidades: a) ausência dos extratos bancários da conta outros recursos referentes a todo o período de campanha; b) irregularidade na receita de recursos estimáveis em dinheiro oriundos de doador que não detém a propriedade do bem; c) ausência de pagamento de despesas de campanha eleitoral no valor de R$ 10.458,00; d) doadores com indícios de ausência de capacidade econômica em doação de R$ 86.000,00; e) doadores que integram quadro de empresa recebedora de recursos públicos.

a) ausência dos extratos bancários da conta outros recursos referentes a todo o período de campanha:

Entre os documentos de entrega obrigatória quando da prestação de contas eleitorais estão os extratos bancários. Prescreve o art. 48, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 48. Ressalvado o disposto no art. 57, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta, cumulativamente:

(…)

II) pelos seguintes documentos:

a) extratos da conta bancária aberta em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário, quando for o caso, nos termos exigidos pelo inciso III do art. 3º, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira; (grifo nosso)

O prestador, no entanto, apresentou extratos bancários parciais (fl. 99).

Apesar de intimado, não se manifestou em relação à irregularidade, além de não ter apresentado irresignação quanto ao ponto.

Assim, permanece a irregularidade.

b) irregularidade na receita de recursos estimáveis em dinheiro, oriundos de doador que não detém a propriedade do bem doado:

Houve cessão de veículo por Edson Marião Oliveira Pituco à campanha de Ilson Mauro Da Silva Brum. Entretanto, consoante alerta dos sistemas automatizados da Justiça Eleitoral, o bem se encontra registrado, perante o Detran, em nome de Higino Renato da Silva Brum.

Foi acostada aos autos procuração outorgando poderes ao doador para alienar o bem (fl. 52).

Dessa forma, ainda que tenha figurado como doador pessoa diversa daquela registrada no Detran, acolho integralmente o que constou no parecer da douta procuradoria no sentido de que a procuração é hábil a demonstrar que a cessão do veículo foi feita em nome do seu proprietário, inexistindo a irregularidade.

c) ausência de pagamento de despesas de campanha eleitoral no valor de R$ 10.458,00:

Sobre a ausência de pagamento de despesas de campanha eleitoral, no valor de R$ 10.458,00, percebe-se não haver nos autos comprovação de que os requisitos para assunção de dívidas após a data da eleição tenham sido observados.

Diz o art. 27 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 27. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

Os recorrentes não apresentaram os necessários esclarecimentos acerca das dívidas de campanha, motivo pelo qual deve permanecer o apontamento.

d) doadores com indícios de ausência de capacidade econômica para doação:

Sobre doador com indícios de ausência de capacidade econômica em relação à doação de R$ 86.000,00, os recorrentes suscitaram nulidade da sentença em face da não intimação de João Francisco Telechea Filho.

Consoante iterativa jurisprudência desta Casa, eventual ausência de capacidade do doador deve ser apurada em autos próprios, não sendo a prestação de contas a esfera competente.

Nesses termos, colaciona-se ementa do RE n. 267-48.2016.6.21.0056, da relatoria do Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI, julgado em 16.02.2017:

(…)

Eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas ora em apreciação. Ausentes elementos nos autos a demonstrar falta de capacidade econômica do candidato prestador, não se pode presumir que os recursos próprios utilizados são incompatíveis com os respectivos rendimentos.

Ademais, não há regulamento que estabeleça, como causa de desaprovação de contas, a ausência de capacidade econômica de doadores.

Dessarte, afasto a falha.

e) doadores que integram quadro de empresa recebedora de recursos públicos:

Por derradeiro, sobre o ponto que diz respeito aos doadores que integram quadro de empresa recebedora de recursos públicos, conforme posicionou-se a Procuradoria Regional Eleitoral, o valor doado por Thelmo Egídio Carnegnelutti Junior é quase o dobro do valor recebido do Poder Público por parte da pessoa jurídica da qual é sócio. Não há, outrossim, comprovação de que os recursos doados pela pessoa física sejam oriundos dos recursos públicos recebidos pelas empresas das quais é sócio, razão pela qual merece reforma a sentença.

Consoante se verifica, remanescem apenas duas irregularidades: ausência da totalidade dos extratos bancários e não formalização da assunção de dívida no valor de R$ 10.458,00.

De outro vértice, os recorrentes movimentaram R$ 229.268,00 (fl. 64) em sua campanha, representando a falha menos de 5% do montante global (R$ 10.458,00), circunstância que autoriza a aplicação dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade, seguindo sedimentada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, para aprovar com ressalvas as contas dos recorrentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VALOR IRRISÓRIO. MÁ-FÉ. AUSÊNCIA. PRÍNCIPIO DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVA. DESPROVIMENTO.

1. Se as falhas, em seu conjunto não comprometem a análise da regularidade da prestação de contas e atingem percentual diminuto (1,25 %) em relação aos recursos movimentados na campanha, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a ensejar a aprovação das contas com ressalva.

2. Agravo regimental desprovido.

(TSE - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 6159- 63.2010.6.05.0000, Salvador/BA, relator Ministro Dias Toffoli, julgado em 05.12.2013, publicado no DJE 029, em 11.02.2014, p. 38.)

Ante o exposto, rejeito a preliminar e, no mérito, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto, reformando a sentença de 1º grau, para aprovar as contas com ressalvas de Ilson Mauro da Silva Brum e Adenildo de Jesus Padovan, respectivamente, candidatos a prefeito e vice-prefeito de Uruguaiana-RS nas eleições de 2016.