RE - 7580 - Sessão: 02/05/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Hulha Negra contra sentença do Juízo Eleitoral da 142ª Zona (fls. 49-52) que, reconhecendo a irregularidade consistente na ausência de conta bancária específica, desaprovou suas contas relativas às eleições de 2018 e determinou a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 3 (três) meses.

Em suas razões recursais (fls. 56-62), o diretório municipal sustenta que a desconformidade é meramente formal e que somente tomou conhecimento da imposição de prestar contas ao ser intimado a tanto. Declara que não houve qualquer movimentação financeira relativa ao pleito, inexistindo doações ou gastos. Alega que, transcorridas as eleições, tentou abrir conta bancária, não obtendo sucesso, em face de restrição ligada ao CNPJ do partido. Ao final, requer a reforma da sentença, com o afastamento da sanção ou, subsidiariamente, sua redução.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 65-69).

É o relatório.

VOTO

O Diretório Municipal do PDT de Hulha Negra apresentou contas relativas ao pleito geral de 2018, e a contabilidade foi desaprovada, por ausência de abertura de conta bancária específica.

A Resolução TSE n. 23.553/17, em seu art. 48, inc. II, al. “d”, § 11, dispõe sobre a obrigatoriedade de os órgãos partidários municipais prestarem contas à Justiça Eleitoral acerca da arrecadação e do gasto nas eleições, prescrevendo que a ausência de movimentação de recursos não os isenta de tal dever, verbis:

Art. 48. Devem prestar contas à Justiça Eleitoral:

I - o candidato;

II - os órgãos partidários, ainda que constituídos sob forma provisória:

a) nacionais;

b) estaduais;

c) distritais; e

d) municipais.

(...)

§ 11. A ausência de movimentação de recursos de campanha, financeiros ou estimáveis em dinheiro, não isenta o partido político e o candidato do dever de prestar contas na forma estabelecida nesta resolução.

(…)

Já o art. 10 do mesmo diploma normativo reza que as agremiações políticas devem abrir conta bancária específica, independentemente da circunstância de auferir receita e realizar despesa relacionadas à campanha eleitoral, litteris:

Art. 10. É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil.

§ 1º A conta bancária deve ser aberta em agências bancárias ou postos de atendimento bancário:

I - pelo candidato, no prazo de dez dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

II - pelos partidos políticos registrados após 15 de agosto de 2016, até 15 de agosto do ano eleitoral, caso ainda não tenham aberto a conta "Doações para Campanha", disciplinada no art. 6º, II, da Resolução-TSE nº 23.464/2015.

§ 2º A obrigação prevista neste artigo deve ser cumprida pelos partidos políticos e pelos candidatos, mesmo que não ocorra arrecadação e/ou movimentação de recursos financeiros, observado o disposto no § 4º.

§ 3º Os candidatos a vice e suplente não são obrigados a abrir conta bancária específica, mas, se o fizerem, os respectivos extratos bancários deverão compor a prestação de contas dos titulares.

§ 4º A obrigatoriedade de abertura de conta bancária eleitoral prevista no caput não se aplica às candidaturas:

I - em circunscrição onde não haja agência bancária ou posto de atendimento bancário (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 2º);

II - cujo candidato renunciou ao registro antes do fim do prazo de 10 (dez) dias a contar da emissão do CNPJ de campanha, desde que não haja indícios de arrecadação de recursos e realização de gastos eleitorais.

§ 5º A abertura de conta nas situações descritas no § 4º deste artigo obriga os candidatos a apresentar os extratos bancários em sua integralidade.

O magistrado a quo, com base em tais dispositivos, concluiu que a falta de abertura de conta-corrente se constitui em irregularidade grave, apta a comprometer a confiabilidade dos registros contábeis, por impedir a averiguação da existência de transações financeiras e, por essa razão, desaprovou as contas do PDT de Hulha Negra e determinou a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário por três meses.

Pois bem.

A Resolução TSE n. 23.406/14, a qual disciplinou a prestação de contas nas eleições de 2014, estabelecia que, caso os órgãos partidários municipais arrecadassem recursos para custear as despesas de campanha, tornar-se-iam obrigados a prestar informações à Justiça Eleitoral, preconizando, ainda, que a aplicação de recursos pelo diretório municipal não seria objeto de julgamento específico pelo juiz eleitoral, visto que a análise ocorreria por ocasião do julgamento da prestação de contas anual subsequente.

A Resolução TSE n. 23.553/17, atual diploma regulador da matéria, diversamente, determina, em seu art. 49, que todos os órgãos partidários vigentes, após a data prevista no calendário eleitoral para o início das convenções partidárias e em todas as esferas, independentemente da circunscrição da eleição e da movimentação ou não de recursos, devem prestar contas à Justiça Eleitoral.

O PDT de Hulha Negra atendeu ao comando de apresentar suas contas eleitorais, declarando não ter havido receita ou gasto, mas não cumpriu a exigência de abrir conta bancária específica para registrar o movimento financeiro de campanha.

Aqui, há que se destacar o fato de se tratar de órgão diretivo de partido político vinculado a município pequeno, com menos de cinco mil eleitores, e de as contas serem alusivas a disputas travadas em circunscrições eleitorais a ele estranhas.

Entendo, por tais razões, que a irregularidade consubstanciada na falta de conta-corrente não tem o condão de comprometer a confiabilidade das contas prestadas, ressaltando inexistir qualquer indício de participação do diretório nas eleições ocorridas.

A regra que determina a abertura de conta bancária há de ser interpretada com equidade e sofrer temperamento em situações como a dos autos, de modo a se evitar iniquidades. Não se mostra razoável que sejam desaprovadas as contas de modesto órgão partidário municipal que, mesmo declarando, de maneira absolutamente verossímil, não ter arrecadado ou aplicado recursos em prol de uma campanha eleitoral que transcende a seus interesses imediatos, tenha deixado de abrir conta bancária específica, em inobservância à recente exigência de ordem regulamentar.

Ainda, anoto que a conta bancária serve para registrar o trânsito de recursos financeiros, não sendo hábil a atestar a arrecadação e a aplicação daqueles estimáveis em dinheiro.

A utilidade da conta-corrente, portanto, resume-se a rastrear a origem e o destino de valores pecuniários, e não a utilização de bens e serviços.

Consoante declaração da agência do Banco do Estado do Rio Grande do Sul em Hulha Negra (fl. 4), houve solicitação de abertura de conta-corrente para fins eleitorais pela grei partidária, mas não restou atendida, porquanto o respectivo CNPJ encontrava-se na condição “inapto”. Logo, infere-se que o partido não titularizava conta em qualquer outra instituição bancária.

Sendo assim, estava a agremiação impossibilitada de movimentar recursos monetários, pois tal somente pode ocorrer, nos termos da legislação, por intermédio de contas bancárias.

A demonstrada incapacidade de o PDT de Hulha Negra deter conta em entidade bancária se harmoniza, portanto, com sua declaração no sentido de não ter participado economicamente do pleito eleitoral.

Mesmo que o diretório partidário, contrariamente ao afirmado, tivesse movimentado recursos financeiros e os injetado na campanha eleitoral de 2018, o trânsito de valores teria que ter ocorrido sub-repticiamente, por meio outro que não o bancário, visto que não titulariza conta-corrente, e a análise dos extratos bancários seria irrelevante para apuração da fraude.

A falta de abertura de conta-corrente por diretório municipal em eleições disputadas em circunscrição distinta não tem por corolário lógico a desaprovação das contas, que pode ocorrer a depender das circunstâncias fáticas do caso vertente. A rigor, ela equivaleria à ausência de movimentação financeira.

Trago à colação precedente desta Casa que, analisando as contas de órgão partidário estadual relativas a eleições municipais, aprovou-as, com ressalvas, ainda que ausente conta bancária específica:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. SERVIÇOS DE ADVOCACIA E CONTABILIDADE. UTILIZADOS PARA APRESENTAÇÃO DAS CONTAS. AUSÊNCIA DE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. AGREMIAÇÃO SEM PARTICIPAÇÃO NO PLEITO. ELEIÇÕES 2016. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. O uso de serviços advocatícios e de contabilidade para elaboração e apresentação das contas não são despesas de campanha, conforme dispõe o art. 29, § 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15.

2. A ausência de abertura de conta bancária específica para as eleições é irregularidade que, por si só, é apta a ensejar a desaprovação das contas. No entanto, ausentes indícios de participação do partido no pleito, adequado o entendimento de aprovação das contas com ressalvas, nos termos do parecer conclusivo da unidade técnica do Tribunal.

Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 210-04.2016.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 18.10.2017.)

Em razão de os fatos objeto do presente feito guardarem estreita pertinência com os daquele julgado, reproduzo, a seguir, excerto do lúcido voto do relator, Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura:

A Secretaria de Controle Interno anotou que não houve abertura de conta bancária específica para a campanha de 2016, em contrariedade ao determinado no art. 7º da Resolução 23.463/15:

art. 7º. É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil.

 

Apesar do dispositivo, o órgão técnico registrou que a falha não comprometeu a confiabilidade das contas, considerado o contexto dos autos.

Transcrevo a pertinente passagem do parecer conclusivo (fl. 63v):

As falhas apontadas nos itens 2.1 e 2.2 configuram impropriedades hábeis a justificar ressalvas, as quais, porém, não comprometem a regularidade das contas, quando examinadas no seguinte contexto:

 

O partido afirma não ter realizado gastos eleitorais no pleito municipal de 2016, seja com recursos financeiros, seja por meio de doações estimáveis em dinheiro e, ainda, de origem do Fundo Partidário;

 

Por meio de cruzamentos eletrônicos realizados pelo TSE entre as informações da prestação de contas em exame e de prestações de contas apresentadas por outros candidatos e partidos, não se verificam indícios de que o partido tenha participado da campanha mediante a arrecadação ou repasse de recursos.

 

O Ministério Público Eleitoral manifestou-se pela desaprovação das contas, sob o entendimento de que a ausência de abertura de conta bancária específica para a campanha “é irregularidade que, por si só, é apta a ensejar a desaprovação das contas” (fl. 75v).

Apesar dos argumentos tecidos pelo douto Procurador Regional Eleitoral, as circunstâncias dos autos evidenciam que a falha não prejudicou a confiabilidade das contas.

Com razão o órgão ministerial quando salienta a relevância da conta bancária como instrumento de prova da movimentação financeira, servindo como meio idôneo também para demonstrar a eventual ausência de arrecadação de recursos financeiros.

Reconhecendo essa importância, a jurisprudência firmou entendimento que a ausência de conta bancária compromete a transparência e confiabilidade das contas, como se extrai da seguinte ementa:

Prestação de contas. Partido politico. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Eleições 2014.

É obrigatória para os partidos políticos, comitês e candidatos a abertura de conta bancária específica, ainda que não haja movimentação financeira de campanha. Inteligência do artigo 12, § 3º, da Resolução TSE n. 23.406/14.

Irregularidade que compromete a transparência e a confiabilidade das contas, pois impede tanto a comprovação de eventual inexistência de recursos quanto a identificação da sua origem e destinação quando arrecadados para o custeio da campanha eleitoral.

Aplicação da sanção de suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário no patamar mínimo legal.

Desaprovação. (TRE/RS, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, julg em 17.9.2015.)

 

Contudo, o processo em julgamento apresenta peculiaridades que o afasta dos casos ordinariamente enfrentados por este Tribunal, e que formaram a jurisprudência citada.

Inicialmente, as contas foram apresentadas zeradas. Informa a agremiação que não foram arrecadados recursos de qualquer espécie, nem realizados gastos de campanha.

Trata-se de contas de campanha, e não do exercício financeiro da agremiação, no qual há inequívocos gastos com a manutenção ordinária do partido. Os gastos de campanha, diferentemente, são pontuais e excepcionais.

Ademais, o prestador informou que não participou da campanha eleitoral de 2016.

A respeito dessa informação, cumpre destacar duas circunstâncias.

Primeiro, o prestador é órgão partidário, sendo possível aceitar o argumento de que, excepcionalmente, não participou do pleito. Os partidos são órgãos permanentes, diferente da figura do candidato, cujo único propósito é disputar as eleições. A respeito do candidato, é improvável que não tenha disputado o pleito ou realizado gastos de campanha, mostrando-se mais importante a abertura da conta bancária.

Em segundo lugar, trata-se de órgão estadual, e as contas dizem respeito ao pleito municipal de 2016. A distinção entre o âmbito de atuação partidária e de realização da campanha torna crível a ausência do partido na eleição. Diferente seria o raciocínio se as contas fossem de órgão municipal em pleito municipal, âmbito de atuação direta da agremiação que demanda natural envolvimento do partido.

Por fim, o órgão técnico confirmou, por procedimentos de verificação, que o partido não atuou na campanha de 2016. O parecer conclusivo atestou que, “por meio de cruzamentos eletrônicos realizados pelo TSE entre as informações da prestação de contas em exame e de prestações de contas apresentadas por outros candidatos e partidos” não foram verificados indícios da participação do órgão no pleito (fl. 63v).

Dessa forma, as peculiaridades do caso tornam plausível a alegação de que o partido não se envolveu na campanha de 2016, argumento corroborado pela análise técnica das contas, de forma que a ausência da conta bancária específica não trouxe prejuízo à análise da movimentação financeira informada.

Se, naquele caso, houve a aprovação com ressalvas das contas de diretório estadual que não possuía conta bancária específica por ocasião de eleições municipais, com mais razão devem ser aprovadas as contas de campanha, relativas a certame voltado ao preenchimento de cargos eletivos estaduais e federais, prestadas por órgão partidário municipal que não seja titular de conta bancária, mormente quando inexistam indícios de participação da agremiação no pleito, como ocorre nestes autos.

Assim, entendo que, dadas as peculiaridades deste caso, a inexistência de conta bancária constitui-se em impropriedade formal, não ensejando a desaprovação das contas do órgão partidário.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas relativas às eleições de 2018 do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Hulha Negra.