RE - 483 - Sessão: 06/05/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ARAI CAVALLI contra sentença proferida pelo Juízo da 11ª Zona Eleitoral – São Sebastião do Caí – (fls. 49-50), que julgou procedente a representação por doação de recursos acima do limite legal proposta pelo MPE, condenando o recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 28.418,85 (vinte e oito mil, quatrocentos e dezoito reais e oitenta e cinco centavos), correspondente a cinco vezes o valor do excesso, com fundamento no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões (fls. 53-61), o recorrente argui, preliminarmente, a decadência para a propositura da ação, por ter transcorrido o prazo de 180 dias da diplomação. Sustenta que a Resolução TSE n. 23.462/15, ao dilatar o prazo para o ajuizamento de ação por doação acima do limite, viola os princípios da reserva legal e da separação dos poderes, ao argumento de que o art. 32 da Lei n. 9.504/97 dispõe expressamente que o prazo decadencial é de 180 dias.

Quanto ao mérito, assevera que a decisão não considerou a prova juntada e a justificativa apresentada. Diz que a jurisprudência deste Tribunal leva em conta a capacidade contributiva do doador, ou seja, o total dos rendimentos auferidos, não apenas os tributáveis, devendo ser considerado, além dos subsídios relativos ao cargo de vice-prefeito, o pró-labore recebido da sua empresa. Alega a ocorrência de confusão patrimonial entre pessoas jurídica e física, bem como que o montante doado equivale a dez por cento dos valores recebidos pela empresa no ano de 2015.

Ao final, pugna pelo acolhimento da preliminar de decadência e, em relação ao mérito, pelo provimento do recurso.

O Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões às fls. 67-70, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

Nesta instância, os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pela rejeição da preliminar e pelo provimento parcial do recurso. Ainda, em questão de ordem, pugnou pela determinação de anotação do ASE relativo à inelegibilidade no cadastro do eleitor.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

O recorrente foi intimado da sentença em 21.8.2018 (fl. 51), e o recurso foi interposto em 22.8.2018 (fl. 52), dentro, portanto, do tríduo legal.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminar de decadência pelo recorrente

O recorrente pleiteia o decreto da decadência da ação, em virtude da representação ter sido ajuizada após o prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da diplomação. Alega que a Resolução TSE n. 23.462/15, ao estabelecer como data-limite para o ajuizamento da representação o dia 31.12.2017, viola o disposto no art. 32 da Lei das Eleições, que prevê o prazo de 180 dias, e fere os princípios da reserva legal e da separação dos poderes.

A preliminar não comporta acolhida.

Ao contrário do que defende o recorrente, a norma inserta no art. 32 da Lei Eleitoral não se refere a prazo para ajuizamento de representações ou ações de qualquer espécie. Em vez disso, apenas determina, verbis: “Até cento e oitenta dias após a diplomação, os candidatos ou partidos conservarão a documentação concernente a suas contas.”

Tal conservação de documentos diz respeito à escrituração contábil dos recursos arrecadados e gastos na campanha, não servindo, nem como parâmetro, para determinar prazos decadenciais para o que quer que seja.

O que a Resolução fez, foi, nada mais nada menos, repetir a redação do art. 24-C, § 3º, da Lei n. 9.504/97, verbis:

§ 3º A Secretaria da Receita Federal do Brasil fará o cruzamento dos valores doados com os rendimentos da pessoa física e, apurando indício de excesso, comunicará o fato, até 30 de julho do ano seguinte ao da apuração, ao Ministério Público Eleitoral, que poderá, até o final do exercício financeiro, apresentar representação com vistas à aplicação da penalidade prevista no art. 23 e de outras sanções que julgar cabíveis.

Por isso, ajuizada a presente representação em 19.12.2017, dentro, portanto, do prazo legalmente estabelecido, não há se falar em decadência do direito, o que leva à rejeição da preliminar.

Mérito

Cuida-se de recurso interposto por ARAI CAVALLI contra sentença proferida pelo Juízo da 11ª Zona Eleitoral (fls. 49-50), que julgou procedente a representação por doação acima do limite legal, condenando-o ao pagamento de multa de R$ 28.418,85 (vinte e oito mil, quatrocentos e dezoito reais e oitenta e cinco centavos) – correspondente a cinco vezes o valor que teria excedido o permitido para doação –, nos termos do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, in verbis:

Art. 23. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição.

(...)

§ 3º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso, sem prejuízo de responder o candidato por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar n. 64/1990.

É incontroversa a doação, no montante de R$ 18.650,00 (fls. 41-43), realizada por ARAI CAVALLI em favor de candidato no pleito de 2016, girando a inconformidade do recorrente em torno do total considerado como rendimentos brutos.

Defende, a respeito, que deveriam ser considerados, no somatório da sua renda bruta, aqueles recebidos por sua empresa. Alega confusão patrimonial entre a pessoa física e a jurídica, que inclusive funciona no seu endereço residencial.

Sem razão.

Diferentemente do que sustenta, os rendimentos da pessoa jurídica não se confundem com os recebidos como pessoa física.

Tanto é que os rendimentos obtidos da empresa Comércio de Alimentos AA Ltda., pertencente ao recorrente, foram declarados, como não poderia deixar de ser, em nome da pessoa jurídica.

Assim, a título de pró-labore, só pode ser considerado o valor lançado como tal na declaração de renda do recorrente (pessoa física) – já somado no cômputo de rendimentos pelo juízo a quo –, não o total de rendimentos da pessoa jurídica.

De fato, o juízo singular considerou, para efeito de rendimentos brutos, os valores recebidos da Prefeitura Municipal de Portão – R$ 117.657,99 – e o pró-labore auferido da empresa Comercial de Alimentos AA Ltda, de R$ 12.000,00, que somam a quantia de R$ 129.657,99.

Como alertou o ilustre Procurador Regional Eleitoral, “se fosse possível incluir os rendimentos da pessoa jurídica, da qual a pessoa física doadora é sócia, estaríamos permitindo, por vias transversas, doações por pessoa jurídica, o que é vedado expressamente pelo art. 25, inc. I, da Resolução TSE nº 23.463/2015”.

Assim, tendo como certa a não inclusão dos rendimentos declarados ao fisco pela pessoa jurídica, resta analisar se o valor utilizado como base para a condenação está correto.

Conforme pontuado pela Procuradoria Regional Eleitoral, o juízo eleitoral considerou como rendimentos brutos apenas os tributáveis, no valor de R$ 129.662,35. No entanto, além dessa quantia, o recorrente auferiu o valor de R$ 9.961,43, sujeito à tributação exclusiva, e R$ 2.045,23, a título de diárias e ajudas de custos (fl. 19 do Anexo), o que eleva o total de rendimentos brutos no ano-calendário 2015 para R$ 141.669,01.

Assim, considerado o percentual de 10% sobre os rendimentos brutos auferidos no exercício financeiro de 2015 (10% = R$ 14.166,90) e o valor da doação (R$ 18.650,00), apura-se a quantia de R$ 4.483,10 (quatro mil, quatrocentos e oitenta e três reais e dez centavos) em excesso ao limite previsto no art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Desse modo, identificada a doação acima do limite legal, impõe-se a manutenção da respectiva penalidade, procedendo-se apenas à adequação do valor, conforme já demonstrado, que importa na quantia de R$ 22,415,50.

Por fim, tenho que merece acolhida a promoção da Procuradoria Regional Eleitoral, relativa ao lançamento do ASE 540 – inelegibilidade – no cadastro eleitoral do doador, lembrando que tal apontamento se destina unicamente a subsidiar a apreciação de eventual pedido de registro de candidatura.

No ponto, assinalo o entendimento firmado pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de exigir, para a configuração da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "p", da Lei Complementar n. 64/90, prévia análise pelo juízo competente para apreciar eventual pedido de registro de candidatura, que considerará a existência de quebra da isonomia entre os candidatos, bem como o risco à normalidade e à legitimidade do pleito ou a ocorrência de abuso do poder econômico.

Por oportuno, destaco arestos deste Tribunal:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. ELEIÇÕES 2016. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 1º, DA LEI N. 9.504/97. IRRETROATIVIDADE DAS NOVAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.488/17. APLICAÇÃO DA NORMA VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. CORREÇÃO DO VALOR DA MULTA. PATAMAR MÍNIMO LEGAL. ANOTAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. PROVIMENTO.

1. A doação realizada por pessoa física restringe-se a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, nos termos do art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Caracterizado o excesso ao parâmetro autorizado pela lei, impositiva a aplicação da sanção decorrente.

2. Inaplicabilidade da Lei n. 13.488/17, por força do princípio de que o tempo rege o ato. Nesse sentido, o TSE determina expressamente a incidência da penalidade vigente ao tempo da doação, devendo ser aplicada ao caso a redação originária do art. 23 da Lei das Eleições, que estabelecia a sanção pecuniária de cinco a dez vezes o valor doado em excesso. Considerado o valor absoluto do excesso e a sua potencialidade para interferir no pleito, fixada a multa no patamar mínimo previsto na disposição normativa.

3. Anotação de inelegibilidade no cadastro do doador, decorrente de condenação por doação irregular, após o trânsito em julgado do presente feito, a qual somente será aferida em eventual registro de candidatura futuro. Entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de exigir, para a configuração da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "p", da Lei Complementar 64/90, prévia análise pelo juízo competente para apreciar eventual pedido de registro de candidatura, que considerará a existência de quebra da isonomia entre os candidatos, bem como o risco à normalidade e à legitimidade do pleito ou a ocorrência de abuso do poder econômico.

4. Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 22798, ACÓRDÃO de 21.11.2018, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, N. 213, p. 8.) (Grifei.)

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. ELEIÇÕES 2016. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 1º, DA LEI N. 9.504/97. IRRETROATIVIDADE DAS NOVAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.488/17. APLICAÇÃO DA NORMA VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. CORREÇÃO DO VALOR DA MULTA. PATAMAR MÍNIMO LEGAL. ANOTAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. PROVIMENTO.

A doação realizada por pessoa física restringe-se a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, nos termos do art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Caracterizado o excesso ao parâmetro autorizado pela lei, impositiva a aplicação da sanção decorrente.

Controvérsia, entretanto, sobre o preceito sancionatório aplicado pela decisão de primeiro grau, haja vista as alterações legislativas ocorridas entre a época do fato e a data da sentença. A Lei n. 13.488/17 pune a mesma infração com sanção mais branda, caracterizando hipótese de novatio legis in mellius. Inaplicabilidade da nova lei, no entanto, por força do princípio de que o tempo rege o ato. Nesse sentido, o TSE determina expressamente a incidência da penalidade vigente ao tempo da doação, neste caso, a redação originária do art. 23 da Lei das Eleições, que estabelecia a sanção pecuniária de cinco a dez vezes o valor doado em excesso.

Reforma da sentença. Fixação da multa no patamar mínimo previsto na disposição normativa da Lei n. 9.504/97, considerado o valor absoluto do excesso e a sua potencialidade para interferir no pleito.

Anotação de inelegibilidade no cadastro do eleitor, decorrente de condenação por doação irregular, após o trânsito em julgado do presente feito, a qual somente será aferida em eventual registro de candidatura futuro. Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 22531, ACÓRDÃO de 22.1º.2019, Relator DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, Publicação: Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS N. 14, p. 11, Data: 25.1º.2019.) (Grifei.)

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. ELEIÇÕES 2016. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 1º, DA LEI N. 9.504/97. IRRETROATIVIDADE DAS NOVAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.488/17. APLICAÇÃO DA NORMA VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. CORREÇÃO DO VALOR DA MULTA. PATAMAR MÍNIMO LEGAL. ANOTAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. PROVIMENTO.

A doação realizada por pessoa física restringe-se a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, nos termos do art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Caracterizado o excesso ao parâmetro autorizado pela lei, impositiva a aplicação da sanção decorrente.

Inaplicabilidade da Lei n. 13.488/17, por força do princípio de que o tempo rege o ato. Nesse sentido, o TSE determina expressamente a imposição da penalidade vigente ao tempo da doação, incidindo, no caso, a redação originária do art. 23 da Lei das Eleições, que estabelecia a sanção pecuniária de cinco a dez vezes o valor doado em excesso. Considerado o valor absoluto do excesso e a sua potencialidade para interferir no pleito, fixada a multa no patamar mínimo previsto na disposição normativa.

Anotação de inelegibilidade no cadastro do doador, decorrente de condenação por doação irregular, após o trânsito em julgado do presente feito, a qual somente será aferida em eventual registro de candidatura futuro. Entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de exigir, para a configuração da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "p", da Lei Complementar 64/90, prévia análise pelo juízo competente para apreciar eventual pedido de registro de candidatura, que considerará a existência de quebra da isonomia entre os candidatos, bem como o risco à normalidade e à legitimidade do pleito, ou a ocorrência de abuso do poder econômico. Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 22883, ACÓRDÃO de 19.12.2018, Relatora DESA. ELEITORAL MARILENE BONZANINI, Publicação: Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, N. 14, p. 9.) (Grifei.)

Dessa forma, a anotação do comando ASE em decorrência deste juízo condenatório embasará o exame de futura declaração judicial de inelegibilidade a ser precedida de relação jurídica processual própria, assegurada defesa ampla e irrestrita sobre o tema, sendo seu reconhecimento de competência do juízo do registro de candidatura, se eventualmente o eleitor vier a se candidatar.

Assim prescreve o § 10 do art. 11 da Lei n. 9.504/97:

As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo provimento parcial do recurso interposto por ARAI CAVALLI, apenas para o fim de reduzir o valor da multa para a quantia de R$ 22.415,50 (vinte e dois mil, quatrocentos e quinze reais e cinquenta centavos), e, acolhendo a promoção da Procuradoria Regional Eleitoral, determinar a anotação, no cadastro do eleitor, do código ASE 540, sem que isso implique, desde já, reconhecimento de sua inelegibilidade, a qual somente será aferida em eventual registro de candidatura futuro.