RC - 130 - Sessão: 13/05/2019 às 11:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral com atuação junto à 85ª Zona – Torres – recorreu da decisão monocrática proferida pelo juízo daquela Zona Eleitoral que indeferiu o pedido de decretação de prisão preventiva do réu José Alexandre da Costa Braga (fl. 72 e v.).

Em suas razões, o recorrente sustenta haver elementos suficientes a amparar a segregação pleiteada, haja vista os inúmeros crimes eleitorais cometidos, a influência negativa do recorrido no meio social em que vive e o prejuízo que ele pode vir a causar ao desenvolvimento regular do processo. Refere que o réu foi condenado pela Justiça Militar, nos autos do Processo n. 2734.2010.12.9.21.0002, por prevaricação, bem ainda que foi preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo e de munição de uso restrito às Forças Armadas, tendo obtido liberdade provisória. Afirma, ainda, que as pessoas ouvidas relataram receio quanto a possíveis ameaças por parte do recorrido (fls. 02-10v.).

Em contrarrazões, o recorrido pugnou pela manutenção da decisão de primeiro grau, sob o argumento de não estarem presentes os requisitos dos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal (fls. 86-89).

Nesta Instância, com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo recebimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento (fls. 92-94).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade Recursal

Consoante referido pela Procuradoria Regional Eleitoral, o recurso é tempestivo e preenche os requisitos do art. 581, inc. V, do Código de Processo Penal, devendo ser conhecido.

Mérito

José Alexandre da Costa Braga foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral com atuação junto à 85ª Zona Eleitoral como incurso nas sanções dos arts. 288, caput (associação criminosa), e 332 (tráfico de influência), 9 vezes, ambos do Código Penal e art. 299 do Código Eleitoral (corrupção eleitoral), 15 vezes, na forma do art. 69, caput, do Código Penal (concurso material), com a agravante do art. 62, inc. I, do mesmo diploma.

Segundo narra o órgão ministerial, durante a campanha eleitoral relativa às eleições municipais de 2012, em Torres, o recorrido, Major da Brigada Militar e então candidato a vereador – em concurso com outros denunciados –, teria distribuído uma enorme quantidade de bens a eleitores carentes, tais como materiais de construção, cestas básicas, carnes, gasolina e outros, como forma de cooptar-lhes o voto.

Tão logo protocolada a denúncia, o autor da ação penal requereu fosse decretada a prisão preventiva do réu, justificando-a como única medida para “descontinuar as agressões constantes a que vem sendo submetida a ordem pública, mediante a prática de atos criminosos, graves e de altíssima reprovabilidade”.

Sustentou que não se pode ignorar o fato de ter o recorrido, Major Braga, como é conhecido, se valido da sua função de oficial da Brigada Militar para arregimentação de delinquentes à prática de crimes eleitorais. Acrescentou que fechar os olhos para essa realidade é permitir que os ilícitos continuem acontecendo e que o fato de se encontrar, o Major, na reserva, em nada alteraria esse quadro (fls. 09-10).

Indeferido o pedido, o Ministério Público recorreu a este Tribunal, pleiteando a reversão da decisão.

Pois bem.

Primeiramente, anoto que, tratando-se de prisão preventiva, espécie do gênero prisão cautelar, o julgamento do presente recurso estaria, a rigor, prejudicado, em face do decurso do tempo entre a sua interposição e a subida dos autos a este Tribunal, cujas causas serão, adianto, devidamente apuradas.

Todavia, para não incorrer em desprestígio ao recorrente, passo ao enfrentamento do mérito.

Como é cediço, a prisão preventiva é um instrumento processual previsto no art. 312 do Código de Processo Penal, passível de utilização no decorrer de um inquérito policial ou já na ação penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, desde que presentes os seguintes requisitos: a) garantia da ordem pública e da ordem econômica; b)  por conveniência da instrução criminal; c) ou para assegurar a aplicação da lei penal. Em outras palavras, a prisão preventiva justifica-se quando houver fundado receio de que o réu, solto, continue praticando crimes, atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testemunhas ou destruindo provas ou venha a se evadir, de modo a inviabilizar a aplicação da lei penal.

Cediço, ainda, que a prisão preventiva, como modalidade de prisão provisória, é medida excepcional, que somente pode ser imposta quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, consoante determina o § 6º do art. 282 do Código de Processo Penal.

Partindo dessas premissas, tenho que andou bem o juízo de origem ao indeferir o pedido formulado pelo Parquet, cujos fundamentos, a seguir transcritos, agrego às minhas razões de decidir:

Em que pese haja nos autos prova da materialidade do fato e indícios de autoria, como já dito, não se observa a presença de quaisquer das hipóteses elencadas no art. 312 do Código de Processo Penal, a justificar a segregação cautelar do flagrado.

Cumpre salientar, inicialmente, que a prisão cautelar constitui exceção que apenas se justifica em casos especiais, nos quais a restrição da liberdade do agente se mostre indispensável, não cabendo impô-la em toda e qualquer situação.

Não se pode afirmar que haja fundado receio de que, solto, virá a cometer outros fatos que atentem, seriamente, contra a ordem pública, em especial aproveitando-se de sua função para tanto, já que, atualmente, é policial militar inativo.

Também, nada demonstra que sua custódia preventiva é necessária para assegurar a instrução criminal, já que as alegadas intimidações feitas por “’Pardal’ e sua organização criminosa” se davam quando o mesmo era Vice-Prefeito do Município de Torres e candidato a Prefeito, todavia, o mesmo não foi eleito e não pode eventualmente utilizar a estrutura do poder político para ameaçar pessoas.

Ainda, eventual possibilidade de o representado, Major Braga, constranger testemunhas é mera especulação, sendo que não há nenhum fato concreto que ampare tal afirmativa, ademais, como referido, o mesmo está na reserva remunerada, não mais estando em atividade. Assim, não há qualquer indicativo de que, em liberdade, poderá vir a causar transtornos à adequada instrução e ao regular trâmite do processo, o que, evidentemente, não se pode presumir sem qualquer elemento de base para isso afirmar.

No mesmo sentido é o parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral (fls. 92-94):

[…]

Ocorre que, no caso, em que pese haja indícios de autoria e materialidade da prática dos crimes imputados ao paciente, bem como esteja preenchido o requisito os arts. 313, inciso I, do CPP, ante o concurso de crimes, nos termos do reconhecido pela própria decisão de fls. 72 e v., não estão presentes os demais requisitos para se decretar a medida segregadora, consistentes na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal, uma vez que pautadas as alegações do MPE à origem em meras suposições de ocorrência de ameaças a testemunhas, desprovidas de qualquer elemento concreto.

Esse entendimento encontra amparo na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, conforme ilustram as ementas abaixo colacionadas:

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. CONVERSÃO EM PRISÃO DOMICILIAR. MEDIDA CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO. SUFICIÊNCIA NA ESPÉCIE. ORDEM CONCEDIDA.

1. "Na linha da jurisprudência do TSE e do STF, a prisão preventiva é medida extraordinária e excepcional, sujeita à demonstração concreta do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, não podendo ser adotada como medida de antecipação da pena" (HC 0601797-94, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 16.11.2016).

2. No caso, não está demonstrada a indispensabilidade da prisão preventiva, convertida em prisão domiciliar, para a conveniência da instrução processual, uma vez que não se verifica nenhum elemento indicativo de que as testemunhas tenham sido procuradas ou intimidadas pelo paciente, havendo apenas a notícia de uma única abordagem sobre pessoa também denunciada.

3. A medida cautelar de proibição de contato com as testemunhas do processo, imposta pelo Juízo Eleitoral, afigura-se suficiente para evitar, nas circunstâncias dos autos, a influência do paciente na produção da prova testemunhal. Habeas corpus concedido. (Habeas Corpus nº 060167110, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 119, Data 21/06/2017)

 

HABEAS CORPUS. ELEIÇÕES 2010 (DEPUTADO FEDERAL), 2012 (PREFEITO), 2014 (GOVERNADOR) E 2016 (PREFEITO). AÇÃO PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA PARA FINS ELEITORAIS (ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL). CORRUPÇÃO PASSIVA (ART. 317 DO CP). EXTORSÃO (ART. 158, § 1º, DO CP). LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º DA LEI 9.613/98). DECRETAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA (ART. 312 DO CPP).

(…)

TEMA DE FUNDO. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO. FALTA. REFERÊNCIA. ATO CONCRETO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ELEIÇÕES FINDAS. PREFEITURA GERIDA POR ADVERSÁRIOS POLÍTICOS.

8. Decreta-se a prisão preventiva somente quando não for cabível sua substituição por outra medida cautelar e quando efetivamente se mostrar necessária e adequada às circunstâncias em que cometido o delito e às condições pessoais do agente. Exegese do art. 282, § 6º, do CPP.

(…)

(Grifei.)

(Habeas Corpus nº 060430054, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 183, Data 12/09/2018.)

Da mesma forma, o STF tem assentado que “(…) a mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa” (HC 115613, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-155 DIVULG 12- 08-2014 PUBLIC 13-08-2014).

Assim, não obstante o empenho do órgão ministerial de piso, comungo do entendimento tanto do magistrado de primeiro grau quanto da Procuradoria Regional Eleitoral, uma vez que inexistem, nos autos, elementos aptos a demonstrar que o réu, solto, continue a praticar ilícitos de natureza eleitoral, ainda mais em período distante das eleições passadas e futuras, tampouco que venha a atrapalhar a instrução do processo e/ou coagir testemunhas.

Aliás, em relação ao último item, há referência genérica na peça recursal acerca de “possíveis ameaças” por parte do recorrido, insuficiente, como já referido, para justificar a excepcional medida de segregação preventiva do réu.

Com essas considerações, encaminho o meu voto no sentido de negar provimento ao recurso.

Por fim, anoto que, no uso das minhas atribuições como Corregedora, já determinei a apuração dos motivos que levaram à demora na subida dos presentes autos a este Tribunal, com vistas à adoção das medidas pertinentes.

Dispositivo

Diante do exposto, conheço do recurso e voto no sentido de negar-lhe provimento, mantendo a decisão interlocutória proferida pelo Juiz da 85ª Zona Eleitoral, que indeferiu o pedido de decretação de prisão preventiva do réu José Alexandre da Costa Braga.