RE - 1591 - Sessão: 04/06/2019 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de PANAMBI contra a sentença do Juízo da 115ª Zona Eleitoral que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2017, em virtude de: 1) ausência de contabilização do serviço de advogado; 2) ausência de identificação da destinação da despesa; 3) recebimento de recursos de origem não identificada. A decisão impôs o recolhimento da importância de R$ 2.677,27 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 10%, correspondente a R$ 267,73, totalizando R$ 2.945,00, bem como determinou a suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário pelo período de 8 meses (fls. 92-93v.).

Em seu recurso, o partido defende a regularidade das doações. Quanto aos serviços de advogado do partido, alega que foram concedidos de forma gratuita, não havendo estimativa de valores a ser realizada. Ainda, no relativo a valores repassados por outros diretórios, afirma que a receita estaria identificada nos extratos bancários com o CNPJ do diretório estadual e/ou diretório nacional do PT. Aduz que o valor não identificado, no montante de R$ 1.345,00, referente ao saque do dia 6.3.2017, foi distribuído entre os filiados que repassaram para o diretório através da pessoa física, acrescentando que devido à mudança da composição partidária nesse ano não foram encontrados comprovantes. Assevera que não restaram irregularidades em suas contas de campanha, salvo pequenos ajustes. Requer o recebimento e provimento do recurso com a aprovação das contas (fls. 97-102).

Intimado, o Ministério Público Eleitoral não apresentou contrarrazões (fl. 105).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela manutenção da sentença (fls. 108-112v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

O PT de PANAMBI teve suas contas partidárias relativas ao exercício de 2017 julgadas desaprovadas em razão: 1) do recebimento de recursos de origem não identificada, depositados por meio do CNPJ do PT estadual e/ou nacional, sem a identificação do CPF do doador originário; 2) da ausência de contabilização do serviço de advogado; 3) da ausência de identificação da destinação da despesa de R$ 1.345,00.

A sentença determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 2.945,00, valor correspondente à irregularidade (R$ 2.677,27), acrescida de multa no patamar de 10% (R$ 267,73), estabelecida no art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15 (Lei n. 9.096/95, art. 37).

A propósito, e de acordo com o art. 65, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17, as contas relativas ao exercício de 2017 devem ser examinadas de acordo com a Resolução TSE n. 23.464/15, como realizado pelo 1º Grau de jurisdição:

Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2018.

[…].

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

[…].

III - as prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução TSE n. 23.464, de 17 de dezembro de 2015;

(Grifei.)

Nessa linha, este Tribunal sedimentou o posicionamento pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, em conformidade com os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

À análise.

1. Recursos de origem não identificada – RONI

A decisão recorrida acolheu a conclusão do órgão técnico no sentido de que o partido recebeu depósitos em dinheiro do diretório nacional/estadual do partido, em sua conta bancária, sem identificação do CPF da pessoa física depositante, ou seja, do doador originário, no total de R$ 2.677,27 (fls. 73-75).

De fato. Os extratos bancários (fls. 33-44) que compreendem a movimentação bancária do partido, no exercício de 2017, demonstram a irregularidade.

A agremiação argumenta que a receita estaria identificada nos extratos bancários com o CNPJ do diretório estadual e/ou do diretório nacional do PT, sendo os depósitos (a) do Diretório Nacional PT Matriz, CNPJ 00.676.262/0001-70 de Brasília (depósitos de: R$ 1.834,60 e R$ 526,81); e (b) do Diretório Nacional PT Filial, CNPJ 00.676.262/0002-51 de São Paulo (depósitos de: R$ 80,08, R$ 136,85, R$ 7,61, R$ 15,22, R$ 38,05, R$ 7,61 e R$ 30,44).

Contudo, a agremiação utiliza como argumento exatamente a situação que gerou a irregularidade. Senão, vejamos:

O relatório conclusivo indicou a existência de créditos na conta bancária n. 06.017743.0-0, agência 0758, do Banrisul, CNPJ 00.676.262/0001-70 e CNPJ 00.676.262/0002-51, os quais pertenceriam ao Diretório Nacional PT – Matriz, em Brasília, e ao Diretório Nacional PT Filial, em São Paulo.

No entanto, repito, os doadores originários dos valores transferidos não foram identificados em documentos como o Demonstrativo de Transferências Intrapartidárias e em Recibos Eleitorais, nos termos dos arts. 5º, inc. IV; 7º; 8º, §§ 1º e 2º, todos da Resolução TSE n. 23.464/15, em especial, o art. 11, inc. III:

Art. 5º Constituem receitas dos partidos políticos:

[...]

IV – doações de pessoas físicas e de outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais e das despesas ordinárias do partido, com a identificação do doador originário;

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/95, art. 39, § 3º).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

Art. 11. Os órgãos partidários de qualquer esfera devem emitir, no prazo máximo de três dias contados do crédito na conta bancária, recibo de doação para:

[…]

III – as transferências financeiras ou estimáveis em dinheiro realizadas entre níveis de direção partidária do mesmo partido político, com a identificação do doador originário; (Grifei.)

Acerca da realização de diligências para identificação dos doadores, cumpre ressaltar que o partido foi intimado, com oportunidade de produzir provas. Mero contato intrapartidário, por exemplo, poderia esclarecer a identidade dos doadores originários; entretanto, o prestador de contas não trouxe aos autos documentação mínima da fonte originária dos recursos.

Desse modo, irretocável a conclusão do magistrado a quo no ponto correspondente à importância de R$ 2.677,27, quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional.

2. Doação estimada de serviços advocatícios

A agremiação sustenta que não houve contabilização dos serviços de advogado, nem mesmo como doação estimada, porquanto concedidos de forma gratuita, e não haveria estimativa de valores a ser realizada.

Contudo, caberia ao recorrente apresentar recibo eleitoral relativo à doação de serviços advocatícios, pois é sabido que serviços devem ser contabilizados e registrados como doação estimada. A Resolução TSE n. 23.464/15 determina, em seu art. 5º, inc. VI:

Art. 5º – Constituem receitas dos partidos políticos:

[…]

VI – doações estimáveis em dinheiro;

O recorrente confunde a gratuidade com a inexistência de valor: por exemplo, há tabela de honorários da OAB/RS,  para ser utilizada como parâmetro do valor do serviço advocatícios. Claro está que se tratou de uma doação estimável em dinheiro e, como tal, haveria de ser obrigatoriamente escriturada.

Assim, a falta apontada deveria ser considerada no bojo da análise das contas, como aliás realizado pelo Juízo de Origem.

3. Ausência de identificação da destinação da despesa

A falha, no valor de R$ 1.345,00, referente a um saque do dia 06.3.2017, teria ocorrido porque o partido declarou a transferência deste valor para a direção nacional, sem a realização via respectiva operação bancária.

Segundo apontou a unidade técnica, “não há nenhum comprovante desta transação (comprovante de depósito na conta da direção nacional, por exemplo) pois o partido sacou a quantia, no lugar de transferir eletronicamente via conta bancária (fl. 64)”.

O partido justificou que o valor foi distribuído entre os filiados e esses, por sua vez, repassaram para o diretório como pessoas físicas.

Contudo, não há comprovantes dessas operações. Aliás, a operação pode redundar em falta de transparência da própria prestação de contas do órgão nacional, dada a nítida confusão entre doadores, sem a respectiva documentação.

Permanece a falha.

4. Juízo de aprovação, ou desaprovação, das contas

Como indicado, os recursos de origem não identificada (RONI) alcançam R$ 2.677,27 e perfazem a totalidade (100%) das receitas do recorrente.

Indico que há precedentes deste Tribunal em que, malgrado as irregularidades decorrentes de RONI tenham composto 100% da receita do exercício, as contas restaram aprovadas com ressalva. Nesse sentido, por exemplo, o RE n. 45-78, de relatoria do Desembargador João Batista Pinto Silveira, julgado em 01.02.2019.

Contudo, naquele caso se tratava de quantia de R$ 741,99.

Penso que, muito embora aqui se esteja a analisar uma prestação de contas de exercício financeiro, um bom parâmetro para aferir a relevância (ou irrelevância) de uma irregularidade é a quantia de R$ 1.064,10, teto para doações que não se realizem via transação eletrônica.

No presente caso, a irregularidade alcança R$ 2.677,27, mais de duas vezes e meia o parâmetro escolhido, e compõe 100% da receita.

Nessa toada, entendo deva ser mantido o juízo de desaprovação das contas, sobretudo quando considerada em conjunto com a omissão da doação estimável em dinheiro e a ausência de identificação de despesas, acima analisadas.

5. Sanções: multa e suspensão de recebimento do Fundo Partidário

5.1. Multa e sua dosimetria

Quanto à multa, consignou a Procuradoria Regional Eleitoral que “o valor total das irregularidades constatadas (R$ 2.677,27) corresponde a 100% do total de recursos financeiros arrecadados pelo partido (conforme fl. 9), o que ensejaria a aplicação de multa no percentual de 20%”.

De fato, a multa de 20% é o grau máximo de penalidade.

Entretanto, o magistrado a quo considerou o percentual de 10% suficiente para sancionar as irregularidades, em legítimo sopesamento, ainda que tal dosimetria não reflita, a rigor, a proporcionalização utilizada por esta Corte, atualmente.

Contudo, e diante da ausência de recurso do Ministério Público Eleitoral da 1ª Instância em relação à questão da dosimetria, entendo preclusa a questão, sob pena de proibida reformatio in pejus. Ainda que se considere se tratar de matéria de ordem pública, não é possível, de ofício, agravar a sanção em desfavor do único recorrente.

Nesses termos, o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional deve ser mantido nos termos da sentença.

5.2. Suspensão do repasse de valores do Fundo Partidário por 8 meses

Aqui, a decisão recorrida merece reparo, em provimento parcial ao recurso.

Isso porque o suporte normativo para a aplicação da suspensão pelo prazo de 8 (oito) meses foi, expressamente, o art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, fl. 93:

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

[...]

II – no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13 desta Resolução, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral;

Contudo, é pacífica a Jurisprudência deste tribunal de que tal suspensão só pode ser aplicada durante o curso do processo. Assim não fosse, criar-se-ia a possibilidade de causas desabrigadas de coisa julgada: com o esclarecimento da origem dos recursos eternamente recusado por esta especializada.

Daí, e em que pese à manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, anoto que a penalidade da suspensão de recursos do Fundo Partidário, até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral, somente tem sentido durante a tramitação do feito e não após o julgamento das contas, pois nele, julgamento, deve ser determinado que os recursos de origem não identificada retornem integralmente aos cofres públicos, como ocorreu no particular, sob pena de imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico interno.

Logo, a interpretação teleológica do texto evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito, aqui já ocorrido.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para (a) manter a desaprovação das contas e o recolhimento, ao Tesouro Nacional, de R$ 2.677,27, acrescido de multa de 10%, totalizando R$ 2.945,00, e (b) excluir a sanção de suspensão de recebimento de novas quotas do Fundo Partidário.