RE - 2368 - Sessão: 14/05/2019 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Panambi contra a sentença do Juízo da 115ª Zona Eleitoral (fls. 106-107v.), que, em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas pela norma eleitoral, desaprovou as contas da grei partidária referentes à movimentação financeira do exercício de 2017 e, em consequência, determinou o recolhimento de R$ 3.260,00 ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 10% deste montante, bem como a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 8 meses.

Em suas razões (fls. 111-125), o recorrente sustenta que a Lei n. 13.488/17, ao alterar a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, passou a admitir contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados ao partido. Invoca o princípio da retroatividade mais benéfica para que a nova lei seja aplicada aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência. Alega a inconstitucionalidade da redação original do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, uma vez que as contribuições de filiados não representam recursos públicos e a Constituição Federal assegura a participação do cidadão na agremiação de sua preferência, inclusive por meio de doações financeiras. Refere que vários partidos políticos preveem a obrigatoriedade de contribuição pecuniária de seus filiados. Requer a aprovação das contas, mesmo com ressalvas, ou, subsidiariamente, a diminuição das penalidades aplicadas.

Em parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 131-138).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em decorrência do recebimento de quantias procedentes de fontes vedadas, no valor total de R$ 3.260,00, uma vez que doadas por pessoas físicas detentoras de cargos demissíveis ad nutum com funções de direção e chefia na administração pública, conforme enumerados nas folhas 66v.-67 dos autos.

Inicialmente, o recorrente alega a inconstitucionalidade do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em seu texto original, cuja regulamentação consta no art. 12, inc. IV e § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Impende ressaltar que os dispositivos constantes em leis ordinárias possuem presunção de constitucionalidade até manifestação do Poder Judiciário em sentido contrário, seja em sede de controle difuso, seja em controle concentrado.

Sobre o tema específico, a ADIn n. 5.494-DF, ajuizada pelo Partido da República - PR, em face da expressão “autoridade”, contida no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, foi extinta sem resolução do mérito em 15.6.2018, em decisão proferida pelo relator, Ministro Luiz Fux, publicada no DJe n. 119/2018, diante da perda do objeto, tendo em vista a revogação superveniente do ato normativo impugnado.

Vê-se, portanto, que não há espécie de pronunciamento vinculante da Corte Suprema sobre o tema. Desse modo, a norma, editada nas linhas do devido processo legislativo, ostenta presunção de constitucionalidade, devendo ser preservada e aplicada em todos os seus efeitos desde a sua vigência.

Em juízo de controle difuso da compatibilidade vertical das normas, igualmente, não verifico indicativos de inconstitucionalidade do preceito.

Rememoro que, no âmbito do TSE, ao ponderar sobre o elemento finalístico da norma em comento, em resposta à Consulta n. 1428, o Ministro Cezar Peluso, relator, assim se posicionou:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

Com efeito, a vedação não tem outro objetivo que não o de obstar a partidarização da administração pública, principalmente diante dos princípios da moralidade, da dignidade do servidor e da necessidade de preservação contra o abuso de autoridade e do poder econômico.

Como se percebe, a proibição busca justamente garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a patrimonialização das posições públicas pela distribuição oportunística de cargos, corolários próprios do ambiente de regularidade democrática e republicana.

Desse modo, não prospera a alegação de inconstitucionalidade.

Nas suas razões, ainda, o órgão partidário requereu a aplicação do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação trazida pela Lei n. 13.488/17, que admite contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados ao partido.

No ponto, observo que este Tribunal, ao apreciar o tema, posicionou-se pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Portanto, as normas aplicáveis ao caso devem ser aquelas vigentes no momento em que foram arrecadados os recursos.

Ocorre que a Lei n. 13.488/17 entrou em vigor no dia 06.10.2017, revogando a proscrição absoluta de doações advindas de autoridades públicas ao incluir o inciso V ao artigo 31 da Lei n. 9.096/95, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

Dessarte, em relação ao exercício financeiro em testilha, há um duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na administração pública, em decorrência da sucessão legislativa.

Em relação às contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, deve ser observada a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as contribuições ainda que provenientes de filiados a partidos políticos.

De outra banda, se realizadas a partir de 06.10.2017, cumpre aplicar o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos.

Com efeito, ainda que se reconheça a força normativa da Resolução TSE n. 23.464/15, a Lei n. 13.488/17 veicula previsão legal em sentido formal e material, hierarquicamente superior, trazendo conteúdo derrogatório de uma restrição de direitos. Assim, a nova disposição deve ser aplicada direta, imediata e integralmente às hipóteses ocorridas a partir da sua vigência, repelindo as cláusulas normativas em sentido contrário.

Nesse sentido, destaco recente julgado de minha relatoria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS PROCEDENTES DE FONTES VEDADAS. DETENTORES DE CARGOS DEMISSÍVEIS AD NUTUM. IRRETROATIVIDADE DA LEI N. 13.488/17. DUPLO TRATAMENTO JURÍDICO DAS DOAÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS EXERCENTES DE CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RETIFICAÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. REDUÇÃO DAS PENALIDADES DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DE MULTA. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Recebimento de recursos procedentes de fontes vedadas. É proibido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da Administração direta ou indireta, quando ostentarem a condição de autoridades. No caso dos autos, identificado o recebimento de doações de recursos financeiros de ocupantes de funções de direção e chefia. 2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17. 2.1. Posicionamento, deste Tribunal, pela aplicação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 em sua redação original, devido à irretroatividade de novas disposições legais, ainda que mais benéficas ao prestador de contas, em homenagem aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. 2.2. Duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na Administração Pública, em decorrência da sucessão legislativa. Devido ao fato de a Lei n. 13.488/17 ter entrado em vigor no dia 06.10.2017, cumpre aplicar, em relação às contribuições anteriores a esta data, a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, as quais vedavam as contribuições ainda que provenientes de filiados a partidos políticos. Todavia, as contribuições realizadas a partir de 06.10.2017 devem observar o disposto no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos. 3. Irregularidade que representa, aproximadamente, 29,7 % dos recursos arrecadados no exercício em análise, não sendo aplicáveis os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade em vista da relevância das cifras no conjunto das contas. Manutenção da sentença de desaprovação dos registros contábeis. 4. Penalidades. Retificação do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional. Redução do patamar fixado para a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário para o período de 3 (três) meses. Diminuição, ainda, da multa aplicada para o índice de 5% (cinco por cento). Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 1474 FARROUPILHA - RS, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 04.02.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 22, Data: 06.02.2019, p. 5.) (Grifei.)

Prosseguindo, as certidões extraídas do Sistema de Filiações Partidárias e juntadas pelo partido (fls. 79-91) confirmam que, efetivamente, todos os doadores identificados pela unidade técnica como detentores de cargos de chefia ou direção ostentavam filiação regular durante todo o período financeiro em análise.

Dessarte, a partir do Demonstrativo de Contribuições Recebidas (fls. 24-32), relacionando as doações por data, fonte e valor, constata-se que são lícitas e regulares as doações efetuadas no dia 26.12.2017 por Romário Heitor Malheiros (R$ 230,00), Luis Sérgio Schneider (R$ 130,00), Vera Liane Weber (R$ 100,00), Margit Marli da Silva (R$ 50,00), Eliara Ramos Steinhorst (R$ 72,00), Evoli Chagas de Oliveira (R$ 83,00), Sérgio Luis Degen (R$ 230,00), Elizabete Farias de Souza (R$ 160,00), Gilberto Koltwitz Almeida (R$ 205,00), Paulo Bejamin Costa da Silva (R$ 130,00) e Derli Franco (R$ 100,00), porquanto efetuadas por contribuintes regularmente filiados à agremiação política sob a égide das alterações trazidas pela Lei n. 13.488/17, no somatório de R$ 1.490,00.

Por outro lado, com supedâneo no princípio do tempus regit actum, as demais contribuições destacadas pela unidade técnica são regidas pelo art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em seu texto original, e pelo art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, os quais vedam de forma irrestrita os auxílios pecuniários a partidos políticos por pessoas, filiadas ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Diante desse regime jurídico, não cabe indagar o caráter de liberalidade da doação ou qualquer outra circunstância de cunho subjetivo em relação ao ingresso das aludidas receitas, uma vez que a regra proibitiva incide objetivamente, bastando a ocorrência do aporte dos recursos.

Além disso, a proibição não cria obstáculos à liberdade política do filiado, o que poderá livremente participar da organização e do funcionamento partidário, sendo apenas vedada a doação pecuniária para o financiamento da agremiação enquanto perdurar a nomeação a cargo público demissível ad nutum.

Cumpre, ainda, afastar a alegação do prestador de contas no sentido de que as contribuições são lícitas porque autorizadas pelo Estatuto do Partido.

O fato de haver imposição estatutária no sentido da doação de ocupantes de cargos em comissão não torna a arrecadação de recursos regular, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Ademais, a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, tendo relevo, no caso concreto, o rol constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.432/14. Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido ou inviabiliza o seu funcionamento, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos mediante diversos outros meios não proibidos pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

Igualmente, não prospera a pretensão quanto à adoção ao caso concreto de solução análoga à pronunciada nos julgamentos dos recursos RE n. 14-78 e RE n. 13-93, sessão de 06.12.2017, ambos de minha relatoria, a partir dos quais este Tribunal encampou o entendimento de que os detentores de mandato eletivo não são consideradas fonte vedada de recursos.

Em realidade, nos referidos acórdãos restou expressamente assentada a impossibilidade de equiparação entre os detentores de mandatos políticos, conquistados via sufrágio universal, e os ocupantes de cargos comissionados de chefia ou direção, de livre nomeação e exoneração pela administração pública, uma vez que somente estes últimos podem figurar como instrumento do aparelhamento financeiro dos partidos, sendo taxativamente considerados fonte proscrita de receita pela norma eleitoral.

Desse modo, a irregularidade verificada consolida-se no valor de R$ 1.770,00, que representa, aproximadamente, 36,5% do total de recursos arrecadados no exercício (R$ 4.843,00; fl. 92), não sendo aplicáveis os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade em vista da relevância das cifras no conjunto das contas.

Quanto às consequências decorrentes da irregularidade, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, com previsão legal no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e esteio regulamentar no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, deve ser retificada para o montante de R$ 1.770,00.

No tocante à sanção contida no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, o qual prevê a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário no caso de recebimento de recursos de fonte vedada, pondero que, em observância à gravidade e ao quantum da irregularidade, cabe a redução equitativa do patamar fixado para o período de 4 meses.

Em desfecho, igualmente ponderando a proporcionalidade e considerando a equivalência das quantias irregulares diante da receita final da agremiação no exercício de 2017, entendo que a multa aplicada nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95 deve sofrer redução para o índice de 7% da quantia irregular, resultando no valor de R$ 123,90.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, mantendo a desaprovação das contas em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, mas reduzindo: a) a quantia irregular a ser recolhida ao Tesouro Nacional, em virtude do percebimento de receitas de fonte vedada, para R$ 1.770,00; b) o prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para 4 meses; e c) o percentual de multa para o patamar de 7% do montante identificado como irregular, ou seja, R$ 123,90.