RE - 62405 - Sessão: 13/05/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença que julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo ajuizada contra MÁRCIO POLITOWSKI e SILVESTRE WOJCIECHOWSKI, eleitos, respectivamente, prefeito e vice-prefeito do município de Sete de Setembro, no pleito de 2016, por considerar não comprovada a participação dos candidatos, na forma de ciência ou anuência, na entrega de R$ 500,00 (quinhentos reais) à eleitora Méri Terezinha da Silva, no dia 27.9.2016, em troca da abstenção do seu voto. A sentença também condenou a União ao pagamento de honorários advocatícios aos procuradores dos réus, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), com fundamento no art. 85 do CPC.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL recorreu da sentença, afirmando que os candidatos não tinham como desconhecer que Amauri Politowski, irmão de MÁRCIO POLITOWSKI, agiu em conjunto com Nelson Andrzewski e Júlio Pluta, seus apoiadores de campanha, para praticar captação ilícita de sufrágio. Alega que os cabos eleitorais entregaram dinheiro à eleitora Méri Terezinha da Silva em troca de seu título eleitoral e documento de identidade, de forma a garantir a sua abstenção de voto. Sustenta que a gravação ambiental juntada aos autos e os registros de diversos telefonemas trocados entre o candidato a prefeito e os envolvidos demonstram sua ciência e concordância com a infração. Aponta não ser plausível acreditar que o candidato desconhecia as ações de seu irmão em benefício de sua candidatura. Colaciona jurisprudência e postula a reforma da sentença a fim de ser julgada procedente a ação (fls. 737-747v.).

Nas contrarrazões, MÁRCIO POLITOWSKI e SILVESTRE WOJCIECHOWSKI arguem as preliminares de: a) inépcia da inicial por inadequação da ação, falta de interesse de agir por ausência de caracterização de abuso do poder econômico, inexistência de ingresso de valores na campanha e falta de potencialidade de influência no resultado do pleito ou de prova da anuência dos candidatos; b) nulidade da instrução e quebra da paridade de armas entre as partes por apresentação intempestiva do rol de testemunhas pelo impugnante; c) carência de ação por ausência de denúncia penal; d) ilicitude da gravação ambiental que acompanha a inicial e caracterização de flagrante preparado; e) diante da ausência de garantia do contraditório e da ampla defesa, além de incompetência do juízo, impossibilidade de: condenação baseada em prova emprestada extraída de inquérito policial, procedimento preparatório eleitoral; afastamento de sigilo de dados telefônicos e telemáticos; procedimento de produção antecipada de provas relativo à gravação ambiental de áudio e concessão de mandado de busca e apreensão; f) ofensa à ampla defesa e nulidade por falta de realização do interrogatório dos candidatos ao final da instrução. Colacionam doutrina e jurisprudência. Requerem o desprovimento do recurso (fls. 751-802).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do apelo interposto (fls. 805-813).

Em despacho da fl. 815, propus a devolução à proprietária do material contido no envelope da fl. 491, relativo a um aparelho gravador, pilhas e cabo de energia, devendo permanecer nos autos apenas a mídia que o acompanha.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se favoravelmente acerca da possibilidade de imediata restituição do gravador e respectivos acessórios à proprietária, ressaltando que o aparelho já fora periciado, não havendo, portanto, utilidade/necessidade de sua permanência no feito (fl. 822).

É o relatório.

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

1. Preliminares

Passo ao exame das preliminares suscitadas pelos recorridos, adiantando que não prosperam.

A matéria invocada nas contrarrazões recursais foi devidamente afastada pelo juízo a quo ao longo da instrução processual e na sentença recorrida, não sendo enfrentados os fundamentos das decisões das fls. 324-327, 400-402, 408-409, 545-546, 606-607v. e 727-735v., que entenderam pela ausência de nulidades no feito.

Em verdade, as contrarrazões limitam-se a repetir os argumentos apresentados na peça defensiva e nas alegações finais, sem atacar, especificamente, as razões de decidir do magistrado, desrespeitando o princípio da dialeticidade recursal, que impõe às partes inconformadas o dever de apontar o desacerto da decisão.

a) Inépcia da inicial por inadequação da ação, falta de interesse de agir por ausência de caracterização de abuso do poder econômico, inexistência de ingresso de valores na campanha e falta de potencialidade de influência no resultado do pleito ou prova da anuência dos candidatos

As preliminares comportam rejeição.

Conforme entendimento sedimentado no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral: “A captação ilícita de sufrágio, espécie do gênero corrupção eleitoral, enquadra-se nas hipóteses de cabimento da AIME, previstas no art. 14, § 10, da CF” (RO 1522, Rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, DJE 10.5.2010).

Ademais, é certo que todo e qualquer valor eventualmente utilizado para a prática da captação ilícita de sufrágio e do  abuso de poder em benefício de candidaturas pode ser compreendido como recurso de campanha, e que a demonstração ou não do abuso com potencialidade para influir no resultado do pleito, bem como a prova da anuência dos candidatos com a infração, são matérias atinentes ao julgamento do mérito da ação.

b) Nulidade da instrução e quebra da paridade de armas entre as partes por apresentação intempestiva do rol de testemunhas pelo impugnante

O § 3° do art. 2° da LC n. 64/90 determina que a inicial esteja acompanhada de rol de testemunhas, mas, no caso dos autos, o Ministério Público Eleitoral não efetuou o arrolamento quando da propositura da ação, tendo sido intimado para proceder à juntada após a apresentação das defesas (fls. 327 e 329).

Os impugnados insurgiram-se contra o ato por meio de petição atravessada nos autos (fls. 351-354) e impetração de mandado de segurança perante este TRE (fls. 356-373).

O MS foi julgado extinto sem resolução do mérito, em razão da irrecorribilidade das decisões interlocutórias prolatadas nos processos eleitorais (MS 0600026-62.2017.6.21.0000, Rel. Des. Eleitoral Eduardo Dias Bainy, DEJERS 25.4.2017, acórdão transitado em julgado em 2.5.2017).

O juízo singular, por sua vez, entendeu não se verificar ofensa ao devido processo legal, pois, embora sem arrolar nomes, o Parquet requereu a produção de prova oral na petição inicial (fl. 15v.), e as testemunhas posteriormente arroladas foram expressamente mencionadas na inicial e previamente ouvidas no Procedimento Preparatório Eleitoral que acompanha a AIME (fl. 401).

A decisão está devidamente fundamentada, não se evidenciando a nulidade alegada.

Os impugnados tiveram prévia ciência do rol apresentado pelo impugnante, sem ofensa ao princípio da não surpresa, sendo oportunizado amplo contraditório na coleta da prova oral e ao longo da instrução.

Dessa forma, embora o rito processual da AIME preconize o oferecimento do rol com a inicial, não se verifica a existência de prejuízo em virtude do arrolamento extemporâneo.

Devem ser sopesados, na hipótese, o interesse público do feito e o bem jurídico tutelado pela ação, que é a legitimidade do pleito. Além disso, há jurisprudência consolidada no sentido de que a nulidade pela falta de rol de testemunhas na inicial é meramente relativa, não devendo ser pronunciada em caso de ausência de prejuízo (REspe 38332, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE 26.6.2015).

Com essas razões, rejeito a preliminar.

c) Carência de ação por ausência de denúncia penal

A preliminar de carência de ação por falta de denúncia penal segue afastada, seja em razão da independência entre as instâncias cível e criminal, seja porque a alegação não é verdadeira, dado que, em 15.12.2016, os recorridos foram denunciados nos autos da AP n. 623-20 (fls. 202-208), que atualmente tramita perante a 96ª Zona Eleitoral de Cerro Largo, por alegada prática de corrupção eleitoral relativa ao fato narrado na inicial (art. 299 do Código Eleitoral).

d) Ilicitude da gravação ambiental de áudio e caracterização de flagrante preparado

Conforme consta da Ação Cautelar n. 337-42, apensa aos autos principais no dia 29.9.2016, o Ministério Público Eleitoral requereu ao juízo a quo uma autorização judicial para que a Polícia Civil realizasse captação ambiental de áudio e imagem, em razão das declarações prestadas por Méri Therezinha da Silva à Promotoria Eleitoral de Cerro Largo, noticiando a proposta de compra da abstenção de voto da eleitora.

Na companhia da sua comadre, a então prefeita de Sete de Setembro Rosane Grabia, Méri narrou ao Parquet que Nelson Andrzewski compareceu em sua casa, no dia 27.9.2016, junto de Amauri Politowski, irmão de Márcio Politowski, e Júlio Pluta, ocasião em que lhe ofereceram R$ 500,00 em troca da entrega do título de eleitor e documento de identidade, a fim de que Méri não exercesse o voto na data da eleição, 2.10.2016. Realizada a proposta, a eleitora ficou de entrar em contato com Nelson para que a esposa deste, Ana Paula Tiburski, buscasse seus documentos.

O magistrado deferiu a produção da prova, ponderando que a eleitora concordou em colaborar ativamente com a coleta de sons e imagens para comprovar a captação ilícita de sufrágio.

Entretanto, a prova foi obtida pela eleitora em 30.9.2016, sem a atuação da Polícia Civil ou do Ministério Público Eleitoral.

Como explica a sentença, “Méri adiantou o encontro com Nelson, não tendo sido utilizado na escuta ambiental equipamento da Polícia Civil, mas sim um aparelho gravador entregue pela então Prefeita, Rosane”. Depois desse encontro, no qual a eleitora entregou os documentos solicitados, “Nelson foi abordado pela Autoridade Policial, mas nenhum documento de Méri foi encontrado em sua posse. Posteriormente, Rosane compareceu na Delegacia de Polícia e entregou R$ 500,00, que teriam sido entregues por Nelson a Méri.”0

A sentença avalia muito bem a questão do comprometimento da gravação em virtude da intervenção da adversária política dos recorridos na coleta da prova:

Sempre existe forte componente político nos acontecimentos que dão base a uma ação de impugnação de mandato eletivo por abuso de poder e, frequentemente, as comunicações de ilicitudes partem do grupo adversário àquele que se atribui a prática da conduta contrária ao direito. Entretanto, no caso em tela, houve a participação direta da então Prefeita Municipal, Rosane Grabia, adversária política dos réus, na realização da captação ambiental, tanto na orientação de Méri, de quem é comadre, como no fornecimento do equipamento utilizado, e posterior recolhimento deste e do dinheiro pago, os quais, por seu intermédio, chegaram à Polícia Civil.

Além dos interesses políticos da então Prefeita Rosane, restou comprovado que esta tinha desavenças com Nelson e a esposa dele, Ana Paula, em especial, com esta última, tanto que orientou Méri a convencer Ana Paula a vir lhe ver visitar para realizar a gravação.

Dessa forma, ainda que precedida da devida autorização judicial, a concretização da diligência foi contaminada pela forte intervenção de pessoas suspeita, o que deveria ter sido impedido pela Autoridade Policial. Além disso, a Polícia não acompanhou a realização da diligência, o que resulta na fragilização do valor das provas colhidas.

Ainda, o áudio captado é de baixa qualidade, tem diversos trechos incompreensíveis, e não corresponde à integralidade dos diálogos mantidos entre Méri, Nelson e Ana Paula, o que restou confirmado pelo laudo pericial de fls. 475/490 e 517/521, no qual foi esclarecido que o aparelho gravador contava com sistema VAS, sistema de ativação por voz, e que houve cortes na gravação.

Nada obstante, o cenário narrado nos autos não evidencia a existência dos institutos de Direito Penal invocados pelos recorridos, não se depreendendo hipóteses de flagrante preparado, esperado ou forjado.

O flagrante esperado ocorre quando o sujeito, sem provocação ou induzimento, comete o delito e acaba sendo surpreendido pela autoridade policial que, ciente do fato, já o aguardava. No flagrante “preparado”, há indução ou provocação para que o sujeito pratique o crime e no flagrante “forjado” quem comete o delito é a pessoa ou autoridade que simula uma situação ilícita para que a autoria seja imputada ao sujeito (Rangel, Paulo. Direito processual penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 792; Brito, Alexis Couto de; Fabretti, Humberto Barrionuevo; Lima, Marco Antônio Ferreira. Processo penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 245).

O verbete da Súmula n. 145 do STF proíbe o flagrante preparado ou provocado: “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

Porém, não há provas de que Nelson Andrzewski, Amauri Politowski e Júlio Pluta tenham sido instigados pela eleitora Méri Therezinha da Silva a praticar o alegado abuso de poder econômico na forma de captação ilícita de sufrágio, nem qualquer indício de que terceiros tenham facilitado as condições para que a infração fosse perpetrada.

Assim, muito embora a prova tenha sido contaminada pela interferência da opositora política Rosane Grabia, que emprestou o gravador para a coleta da captação ambiental (fl. 491), essa questão não a torna inválida ou ilícita.

Não foi o cometimento da suposta infração que foi preparado, mas, sim, a gravação da sua prática, para fins de prova, situação que torna legítima a captação e não encontra vedação na legislação.

Dessa forma, acertada a sentença a quo no sentido de que a prova é lícita.

Com essas razões, afasto a preliminar.

e) Diante da ausência de garantia do contraditório e da ampla defesa, além de incompetência do juízo, impossibilidade de: condenação baseada em prova emprestada extraída de inquérito policial, procedimento preparatório eleitoral; afastamento de sigilo de dados telefônicos e telemáticos; procedimento de produção antecipada de provas relativo à gravação ambiental de áudio e concessão de mandado de busca e apreensão

A preliminar não se sustenta.

Os candidatos recorridos não foram condenados, pois a sentença concluiu pela improcedência dos pedidos condenatórios.

Além disso, o afastamento de sigilo de dados telefônicos e telemáticos, a autorização para captação ambiental e para  busca e apreensão foi concedida pelo juiz eleitoral competente para o julgamento da ação, não havendo incompetência alguma do juízo decretante.

Também não merece guarida a alegação de ausência de contraditório e ampla defesa em relação à prova emprestada.

O art. 372 do CPC autoriza a admissão de prova emprestada, produzida em outro processo, desde que as partes tenham possibilidade de se manifestar sobre seu conteúdo, garantindo-se o contraditório, consoante procedido no feito, pois aos candidatos foi oportunizada a mais ampla defesa durante a instrução do processo.

Ademais, ficou devidamente comprovado que os requerimentos para que fosse determinada expedição de mandado de busca e apreensão, captação ambiental e afastamento de sigilo de dados telefônicos e telemáticos estavam vinculados a procedimento investigatório conduzido no âmbito do próprio Ministério Público Eleitoral e inquérito policial instaurado pela Policia Civil de Guarani das Missões.

Em sede de investigação criminal ou ministerial, vige o sistema inquisitivo, pressupondo que se garanta o elemento surpresa imprescindível à eficácia mínima da colheita inicial de provas.

Em outros termos: “a sigilosidade é corolário da inquisitoriedade” (SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: RT, 2004, p. 221).

Para o sucesso da investigação, é preciso que o Estado tenha alguma primazia no início da persecução, a fim de que possam ser colhidos os vestígios de eventual crime ou infração e indícios de autoria.

Inexiste qualquer óbice a que se difira, para a fase judicial, o contraditório sobre o conteúdo da prova, quer pela natureza inquisitiva do procedimento, quer pela natureza cautelar da providência, sob pena de fazer cair por terra o indispensável elemento surpresa da investigação criminal, posto que a sua natureza cautelar é incompatível com o prévio conhecimento do agente que é alvo da medida.

f) Ofensa à ampla defesa e nulidade da instrução por falta de realização do interrogatório dos candidatos ao final da instrução

Por fim, também não merece guarida a alegação de nulidade por falta de realização de interrogatório dos candidatos ao final da instrução, em virtude da natureza cível da ação de impugnação de mandato eletivo e da ausência de pedido, por qualquer das partes, de coleta do depoimento pessoal dos impugnados.

Com essas considerações, afasto as preliminares arguidas e passo ao exame do mérito recursal e do pedido de desconstituição dos mandatos eletivos de prefeito e vice-prefeito do município de Sete de Setembro, Márcio Politowski e Silvestre Wojciechowski.

2. Mérito

De acordo com a inicial, Nelson Andrzewski, apoiador da campanha dos recorridos, entregou R$ 500,00 (quinhentos) reais para Méri Therezinha da Silva, no dia 30.9.2016, e recebeu, em troca, seu documento de identidade e título eleitoral, a fim de garantir que ela não exercesse o voto na data da eleição de 2.10.2016.

A sentença entendeu haver provas robustas do vínculo de Nelson com a candidatura de Márcio Politowski, e também do pagamento para que a eleitora deixasse de votar, consistentes na captação de áudio de conversa realizada entre Méri, Nelson e sua esposa, Ana Paula Tiburski, na perícia técnica atestando a veracidade da gravação (fls. 475-490 e 517-521) e nos depoimentos colhidos durante a instrução, “principalmente de Méri Terezinha da Silva, única pessoa que, em momento algum, expôs possuir outros interesses, que não a isonomia e honestidade na campanha eleitoral”.

O fato foi registrado pela própria eleitora, por intermédio de gravação de áudio autorizada judicialmente, cujo conteúdo foi transcrito nas fls. 96-99:

Méri: (…) e o Márcio, tá ganhando?

Nelson: Eu acho que sim. Eu acho que (inaudível)

Méri: Aham. E tá fazendo campanha pro Davi também? Ou é só pra...

Nelson: Eu só pra prefeito...

Méri: Só pra prefeito?

Nelson: Só pra prefeito.

(…)

Méri: E comigo não vai tem problema nenhum se por acaso pegarem vocês? Quero continuar com vocês Nelson, tenho amizade grande com a Ana...(inaudível) e caso vocês venham a perder, a Ana vai aceitar o que...caso vocês venham a perder a Ana vai aceitar o que eu tenho pra dizer pra ela, da guria? Que a nossa amizade vai continuar a mesma.

Nelson: Mas claro. Eu se...viu?! Márcio, sem benefício nenhum pra nós. Pra nós vai...Eu estou há três semanas correndo. A mesma coisa que eu pude (inaudível) elegi a Rosane. Tô fazendo as mesmas coisas que eu fiz pra Rosane. Eu tô fazendo para o outro partido, só que tô fazendo para o partido adversário agora.

(…)

Ana Paula: Então eu tenho uma afilhada agora… pra crisma.

Nelson: Esse é um presente pra ti e para a afilhada da Ana. Isso não tem nada a ver daí. É um presente.

Ana Paula: É. Isso tu… é pra minha afilhada.

Méri: Tá.

(...)

Nelson: Daí eu fiquei naquela que tu tava querendo dar um golpe. Não sei de onde surgiu essa conversa. O Márcio me ligou e disse: “Nelson, escuta...aquele negócio que tu me falou, sabe de lá?” Começou a falar comigo... “tu não faz nada sem falar comigo” (inaudível)...a Ana já tava sabendo que tinha armação pra pegar nós.

(…)

Méri: E se a polícia pegar vocês?

Nelson: Não...Pegar por quê?

Méri: Não...porque eu tenho medo, né?

Nelson: Não...não...o documento nem tá mais lá em casa. Não tem nem, nem...não tem como pegar...tá bem guardado, nem te preocupe por nada. Isso foi levado. Nem tá mais lá em casa. Lá em casa não tem nada, não tem um canivete...canivete tem, mas não tem uma arma, não tem nada...nada, nada, nada. Nós sabemos que lá o lugar de reunião (inaudível) do Márcio...quantas reunião saiu lá em casa? Então tu não acha que nós não estamos esperando que a polícia vai bater lá em casa num outro dia. Mas lá em casa não tem nada.

Méri: Tá.

Nelson: (inaudível).

Méri: Hanhan...Por que eu tenho medo, né?!

Nelson: Não, não...Segunda-feira eu vou...

Méri: Não...eu não vou estar aqui, eu não vou estar aqui...

Nelson: Vai pra onde?

Méri: Eu vou lá pra minha amiga...em Ijuí.

Nelson: Lá em Ijuí?

Méri: Sim...eu não vou estar aqui

Nelson: Uma amiga bonita? (risos)

Méri: Sei lá...vai saber.

Nelson: Tô brincando, viu...tô brincando.

Méri: Hanhan...sim.

Nelson: Tô brincando. (inaudível) qualquer coisa tu tem meu número

de telefone e pode me ligar.

Méri: Não...mas daí eu te ligo, lá. Te ligo de um orelhão, qualquer coisa,

né?!

Nelson: Então como é que eu faço? Quando que eu...

Méri: Mas eu te ligo Nelson...

Nelson: Me liga é diz ó: “tu pode me trazer aquele negócio, lá?”

Méri: Hanham. Ou em Santo Ângelo...qualquer coisa...

Nelson: Me liga e “pode me trazer aquele negócio?”

Méri: Hanhan

Nelson: Daí eu levo lá...só não viu te dizer assim...se tu me ligar hoje...porque eu vou te levar hoje, daí vou te dar um jeito de te levar...vou dar um jeito de te levar...mas não sei se...

(…)

No entanto, o julgador concluiu pela improcedência da ação devido à falta de provas seguras de que os candidatos tinham conhecimento do fato, restando demonstrada, tão somente, a mera presunção de ciência, circunstância incapaz de amparar a decretação de afastamento dos mandatos de prefeito e vice-prefeito obtidos nas urnas.

Na decisão recorrida, foi ressaltado o entendimento do TSE de que o afastamento do mandato eletivo depende de “farto conjunto probatório, suficientemente grave para ensejar a severa sanção da cassação de diploma e/ou declaração de inelegibilidade” (RESPE n. 16270-21, acórdão de 30.11.2016, e RESPE n. 1-72, acórdão de 17.11.2016, ambos de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes).

Além disso, ponderou que “O bem jurídico tutelado pela AIME é a normalidade e legitimidade das eleições (art. 14, § 9°, da CF), além do interesse público da lisura eleitoral (art. 23 da LC nº 64/90)”.

Examinados os autos, verifico que o caderno probatório, formado pela gravação de áudio, registros telefônicos e inquirição das testemunhas (Delegado Heleno dos Santos, Rosane Grabia, Gislaine Conceição de Souza Pereira, Darci Luiz Scremin, Eldo Ignácio Grunitzky, Jason Paluchowski, José Antônio Buchar, Jair Robaldo Wolf e Gilmar Cesar dos Santos)  confirma, efetivamente, o depoimento de Méri Therezinha da Silva no sentido de que Nelson Andrzewski trabalhava em prol da campanha de Márcio Politowski e Silvestre Wojciechowski e que lhe deu R$ 500,00 (quinhentos) reais para reter seus documentos  a fim de que deixasse de votar nas eleições de 2016.

A sentença considerou inexistir prova cabal de que o candidato Márcio Politowski tinha conhecimento da proposta de pagamento feita a Méri, sendo bastante plausível a versão de que Nelson Andrezewski, Júlio Pluta e Amauri Politowski tenham agido sem o seu conhecimento.

No recurso, endossado pelo parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o Ministério Público Eleitoral de Guarani das Missões sustenta que os recorridos não tinham como desconhecer a compra de abstenção de voto, dado que, na conversa captada, Nelson afirma trabalhar na campanha de Márcio como cabo eleitoral, tendo afirmado que o candidato lhe disse para não fazer nada sem falar com ele.

Todavia, o juízo a quo ponderou que a oferta de dinheiro para que prováveis eleitores da oposição deixassem de votar não foi uma conduta adotada pelos réus, havendo notícia de apenas um ato.

O Parquet refere, em suas razões, que, no primeiro contato com a eleitora, Nelson Andrzewski estava acompanhado de Júlio Pluta e do irmão de Márcio, Amauri Politowski, e aponta as inúmeras ligações telefônicas registradas entre Márcio e Nelson, demonstrando que Márcio ao menos sabia dos ilícitos praticados, pois Nelson era pessoa de sua extrema confiança.

Conclui, assim, estar demonstrada a anuência de Márcio, porque a compra da abstenção do voto foi entabulada por pessoas com as quais os recorridos possuem forte vínculo familiar e político, e defende que o fato se mostra grave o bastante para ensejar a cassação dos diplomas.

Contudo, conforme compreensão da sentença, as ligações telefônicas confirmam o fato de Nelson ter trabalhado na campanha de Márcio, mas não se pode afirmar, com base nesses indícios, que o candidato sabia das ações de Nelson. De igual modo, o parentesco existente entre Márcio e Amauri não é suficiente para que se presuma que os requeridos soubessem do que estava acontecendo.

Quanto à alegada estreita relação entre Márcio Politowski, Amauri Politowski e Nelson Andrzewski, ressalto o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral de que a afinidade política ou a simples condição de correligionário não pode acarretar, automaticamente, a corresponsabilidade do candidato pela prática da captação ilícita de sufrágio, sob pena de se transmudar a responsabilidade subjetiva em objetiva (RESPE 144, Rel. Min. Henrique Neves Da Silva, DJE 15.8.2014).

O recorrente acrescenta que, em grupo do aplicativo WhatsApp, Ana Paula Tiburski escreveu que ela e o marido, Nelson, tinham certeza de que o telefone dele estava grampeado, denotando que já desconfiavam de que poderiam ser descobertos.

Sobre a questão, a sentença aponta que, no curso da campanha, Nelson vinha sendo acusado de proferir ameaças contra opositores de Márcio, e que a desconfiança poderia ser referente à sua esposa, Ana Paula, às acusações de ameaças ou a documentos sobre ilicitudes na gestão da Prefeita Rosane Grabia que Nelson divulgava possuir.

Dessa forma, tem-se que o recurso não infirma as conclusões obtidas no julgamento de primeira instância, principalmente no que concerne à falta de provas robustas sobre a participação dos candidatos, ainda que na forma de ciência ou anuência, no fato narrado.

Em verdade, afigura-se temerária a condenação de candidato, eventualmente beneficiado por infração cometida em prol de sua candidatura, na grave penalidade de perda do mandato eletivo, com fundamento em processo de dedução calcado na coleta de indícios e na conclusão de que era impossível que não soubesse do ilícito.

Destarte, não se pode condenar alguém com presunções de conhecimento subjetivo da conduta ilícita.

No caso em tela, mais importante do que esse raciocínio é a certeza de que o fato não se mostra grave o suficiente para comprometer a legitimidade e a lisura do pleito de 2016 de Sete de Setembro.

Não se desconhece que a captação ilícita de sufrágio, enquanto espécie do gênero abuso de poder econômico - prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 -, busca proteger a liberdade de exercício do voto, “mesmo em caso de pagamento para abstenção” (EARESPE 25878, Rel. Min. José Augusto Delgado, DJ 13.4.2007).

Todavia, para ser compreendida como forma de abuso de poder econômico, a captação ilícita de sufrágio deve representar “vantagem dada a uma coletividade de eleitores, indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente ou não, com a finalidade de obter-lhe o voto” (COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 531).

Embora o órgão ministerial defenda que a compra da abstenção do voto da eleitora Méri é fato grave, não compreendo esta conduta isolada como ofensiva ao bem jurídico tutelado pela AIME, que é a legitimidade da eleição.

A captação ilícita de sufrágio somente pode determinar a procedência da ação se os fatos forem potencialmente graves a ponto de ensejar desequilíbrio no pleito, porque, na AIME, a causa de pedir é o abuso enquanto excesso destinado a comprometer a eleição, tornando seu resultado ilegítimo, espúrio.

Sobre o bem jurídico protegido pela AIME, assim se manifesta a doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 5ª Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 563-564):

O bem jurídico tutelado pela AIME é a normalidade e legitimidade das eleições (art. 14, § 9º, da CF), além do interesse público da lisura eleitoral (art. 23 da LC nº 64/90). A realização de eleição imune a quaisquer vícios ou irregularidades é aspiração de toda a coletividade. Da mesma sorte, a garantia de que o exercício do voto seja uma obra consciente e livre da manifestação individual do eleitor é desiderato da ciência eleitoral e dessa ação constitucional.

Neste giro, para haver a ofensa ao bem jurídico tutelado, a jurisprudência do TSE tem entendido necessária prova da potencialidade de o ato abusivo afetar a lisura ou normalidade do pleito (Recurso Ordinário nº 780 – Rel. Min. Fernando Neves – j. 08.06.2004). Não é exigida mais, conforme excerto do voto Ministro Sepúlveda Pertence, a “demonstração diabolicamente impossível do chamado nexo de causalidade entre uma prática abusiva e o resultado das eleições” (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 19.553 – j. 21.03.2002). Em suma, abandonou-se a necessidade de prova do nexo de causalidade aritmético (abuso vs resultado da eleição), sendo suficiente prova da potencialidade de o ato interferir a normalidade do pleito.

A análise da potencialidade lesiva não se prende ao critério exclusivamente quantitativo, devendo ser sopesado pelo julgador outros fatores igualmente determinantes da quebra da normalidade do pleito, tais como o meio pelo qual o ato foi praticado, se envolveu aporte de recursos públicos ou privados, o número de pessoas atingidas e beneficiadas – direta e reflexamente –, a época em que praticado o ilícito (se próximo ou não do pleito), a condição pessoal dos beneficiados (condição econômica, social e cultural). Agora, o inciso XVI do art. 22 da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/10, dispõe que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Então, para o juízo condenatório, deve ser demonstrado que a interferência na igualdade entre os candidatos está, inexoravelmente, arraigada ao fato abusivo, e que a contaminação do resultado do pleito foi inevitável, previsível, certeira.

O abuso do poder econômico caracteriza-se pelo uso desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral em benefício de determinada candidatura, e esses elementos não se encontram presentes no caderno probatório. Conforme precedente do TSE, a gravidade não pode ser simplesmente presumida:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. PROVA TESTEMUNHAL NÃO CONFIRMADA EM JUÍZO. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. Histórico da demanda1. Na origem, trata-se de ação de impugnação de mandato eletivo proposta pelo Ministério Público Eleitoral em desfavor de Waldez Goes, Edna Auzier e Vinícius Gurgel, por suposta corrupção de eleitores do Município de Laranjal do Jari/AP, nas Eleições 2014, em que foram eleitos para os cargos de governador, deputado estadual e deputado federal, respectivamente. No polo passivo foi incluído, ainda, o vice-governador eleito, Papaléo Paes, tendo em vista a possibilidade de ser atingido pela penalidade de perda de mandato. 2. A inicial narra que os requeridos, por intermédio do Vereador Zezão, praticaram atos caracterizadores de corrupção eleitoral, consistentes na promessa de pagamento de valores em dinheiro e oferecimento de vantagens a eleitores. 3. Julgada improcedente a ação pelo TRE/AP, interpôs recurso ordinário o Ministério Público Eleitoral, a que foi negado seguimento. Do agravo regimental4. “A cassação do mandato em sede de ação de impugnação de mandato exige a presença de prova robusta, consistente e inequívoca” (REspe nº 4287650-26, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 10.3.2014) e, nos exatos termos da decisão agravada, a ausência de confirmação em juízo da prova testemunhal produzida inquisitorialmente inviabiliza falar em prova robusta dos fatos narrados, seja da oferta de dinheiro em troca de votos seja da oferta de combustível para captação de sufrágio. 5. A fragilidade dos depoimentos prestados judicialmente e mesmo a suspeita de possam ter sido induzidos pelos requeridos, embora permita apuração de eventual ilícito em sede própria, providência já determinada pelo tribunal a quo, não permite que a prova testemunhal produzida de forma inquisitorial se sobreponha àquela realizada sob o crivo do contraditório, pena de violação da garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição. 6. Ainda que fosse considerada provada regularmente a ocorrência do ilícito, estaria ausente a potencialidade lesiva necessária para a procedência da AIME, fato reconhecido no parecer do Vice-Procurador-Geral Eleitoral exarado na AIME nº 1-70.2015, que versa sobre os mesmos fatos, embora proposta apenas contra Edna Auzier.Conclusão Agravo regimental conhecido e não provido.

(Recurso Ordinário n. 947, Acórdão, Relatora Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 155, Data 06.08.2018, Página 143/144.)

Nessa missiva, ainda que provado o pagamento pela abstenção do voto da eleitora Méri, e mesmo que fosse considerada a tese recursal de que os candidatos tinham conhecimento desse fato, a conduta não apresenta magnitude ou gravidade suficiente para atrair a penalidade de cassação do diploma dos candidatos, por ser a única imputada aos candidatos no contexto da campanha.

Não se mostra razoável ou proporcional acolher o pedido de impugnação do mandato eletivo obtido por intermédio do voto popular, diante da apuração de prática de captação ilícita do sufrágio de uma única eleitora do município.

Essa circunstância mitiga a gravidade da conduta em si, assim como a sua capacidade para interferir na normalidade e na legitimidade do pleito, bens jurídicos tutelados pela ação de impugnação de mandato eletivo.

Diferentemente seria a conclusão se o caso versasse sobre representação por prática de captação ilícita de sufrágio, ação destinada a tutelar a liberdade de exercício do voto do eleitor e que, de fato, mostrou-se comprometida nos autos.

Nesse cenário, tenho que a impugnação do mandato é medida extremada para a hipótese específica do caso em apreço, merecendo ser mantida a sentença recorrida.

Importante ressaltar que, por força do art. 1º da Lei n. 9.265/96, não cabe, nos feitos eleitorais, a condenação ao pagamento de honorários em razão de sucumbência, razão pela qual deve ser reformado esse ponto da sentença.

Por fim, cumpre determinar a restituição do material contido no envelope da fl. 491, relativo ao aparelho gravador utilizado para a captação da conversa registrada nos autos, de propriedade da ex-prefeita de Sete de Setembro (junto das pilhas e do cabo de energia), permanecendo nos autos apenas a mídia que o acompanha.

Não se trata de bem sujeito a perdimento por representar proveito ou produto de crime, mas, sim, de apreensão de coisa com vistas a servir à instrução processual, já tendo sido realizados todos os procedimentos pertinentes à extração do conteúdo da gravação, degravação do áudio captado e exame pericial. Dessa forma, com o fim da instrução probatória, a devolução do bem é medida que se impõe.

DIANTE DO EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso, bem como pelo afastamento da condenação da União em honorários advocatícios, pelas razões já expostas.

Pela publicação do acórdão, até 90 (noventa) dias após o trânsito em julgado da decisão, fica autorizada a restituição, mediante termo nos autos, do aparelho gravador, do cabo de energia e das pilhas, contidos na fl. 491, à proprietária Rosane Grabia, ex-prefeita de Sete de Setembro, ou pessoa por esta autorizada, devendo ser procedida à sua intimação pela 96ª Zona Eleitoral quando da baixa à origem para arquivamento, ficando ciente de que o silêncio ou a ausência será entendido como desinteresse, podendo o bem ser vendido em leilão, doado ou descartado, a critério do juízo a quo.