RC - 44694 - Sessão: 09/03/2020 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a decisão do Juízo Eleitoral da 51ª Zona – São Leopoldo – que julgou improcedente a ação penal pelo recorrente ajuizada e absolveu a vereadora de São Leopoldo EDITE RODRIGUES LISBOA, também conhecida como “Cigana”, da prática dos crimes previstos no art. 299 do Código Eleitoral e art. 342, § 1º, c/c art. 29 e art. 343 e parágrafo único, na forma do art. 69, todos do Código Penal, por fatos relativos ao pleito de 2016, em São Leopoldo; ROZELAINE PEREIRA, da prática do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, c/c art. 29 do Código Penal; e MARIA CRISTINA FERNANDES, da prática de falso testemunho, conforme descrito no art. 342, § 1º, c/c o art. 29 do Código Penal, tudo com fundamento na insuficiência de provas para a condenação, forte no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal (fls. 1167-1215).

Consta da denúncia (fls. 02-04), em breve resumo, que, na data de 14 de setembro de 2016, teriam EDITE RODRIGUES LISBOA, então candidata ao cargo de vereador, e ROZELAINE PEREIRA, chefe da Unidade Básica de Saúde, em concurso de ações e vontades, oferecido e prometido vantagens a fim de auferir votos nas eleições que se seguiriam. O fato teria ocorrido na Unidade Básica de Saúde Padre Orestes, em São Leopoldo, ocasião em que eleitores procuravam agendamento de consulta médica, sendo-lhes oferecida, por ROZELAINE, como benefício, a disponibilização de serviços no âmbito do SUS de forma mais célere do que a obtida por meios lícitos, em troca de votos em favor de EDITE.

O benefício teria sido oferecido a Jair Silva de Mello e MARIA CRISTINA FERNANDES, sendo que a antecipação da consulta viria a favorecer Gema Bonetti (sogra e mãe dos eleitores supostamente corrompidos). Durante a instrução probatória, MARIA CRISTINA FERNANDES alterou a versão de seu depoimento judicial, de forma que restou denunciada, em aditamento (fls. 353-357v.), pelo crime de falso testemunho, conduta descrita no art. 342 e § 1º do Código Penal, enquanto à EDITE RODRIGUES LISBOA foram imputados os delitos do art. 342, § 1º, e 343, parágrafo único, ambos do CP, em razão do mesmo fato.

Em suas razões de recurso, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL sustenta haver elementos concretos de prova da materialidade e da autoria dos delitos. Reputa fantasiosa a tese defensiva que afirma a existência de “trama” de conteúdo político. Destaca a existência, nos autos, de provas do temor experimentado por Maria Cristina Fernandes ao prestar o primeiro depoimento, o que estaria comprovado pelas declarações e pelos fatos registrados nos autos, em especial, a condução coercitiva. Argumenta que ofereceu denúncia pelo delito de falso testemunho contra Maria Cristina Fernandes por tratar-se de desdobramento lógico de sua conduta, constituindo-se ônus que a testemunha optou suportar diante do erro cometido, discordando também da absolvição de Edite Rodrigues Lisboa em relação a este crime. Combate o fundamento da decisão a quo de que se mostrou oportuno aos interesses dos partidos de oposição o comparecimento, na condição de denunciante, de Maria Cristina Fernandes na promotoria, visto que este resultou no decreto de prisão preventiva de Edite Lisboa. Questiona o motivo da condução de Gema Bonetti (mãe de Maria Cristina Fernandes) ao gabinete de Edite Rodrigues, uma vez que este não atenderia ao interesse do suposto “complô” firmado. Defende a configuração de tipicidade, autoria e materialidade dos crimes imputados às acusadas, tudo conforme o acervo probatório. Combate os argumentos utilizados para a absolvição e, por fim, postula que o recurso seja conhecido e provido, com a reforma da sentença e a condenação, nos termos da denúncia (fls. 1219-1233v.).

Edite Rodrigues Lisboa e Rozelaine Pereira ofertaram contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença absolutória (fls. 1240-1268).

O defensor nomeado para Maria Cristina Fernandes, preliminarmente, alega a incompetência da Justiça Eleitoral para julgar o delito de falso testemunho, bem como a obscuridade dos limites da irresignação ministerial, apontando a falta de pressuposto objetivo do recurso, de forma que requer o não conhecimento do apelo ministerial e, no mérito, seu desprovimento (fls. 1271-1274).

Nesta instância o digno Procurador Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento do recurso ministerial, a fim de que seja reformada a sentença, para condenar as rés Edite Lisboa e Rozelaine Pereira pela prática dos crimes imputados na denúncia e, para que se reconheça, de ofício, a incompetência da Justiça Eleitoral quanto ao crime de falso testemunho imputado à ré Maria Cristina Fernandes (fls. 1281-1289v.).

Em razão da nomeação de defensor dativo nos autos, a Defensoria Pública da União foi intimada para acompanhar a recorrida Maria Cristina nesta instância, tendo registrado sua ciência acerca do conteúdo dos autos (fl. 1295).

É o relatório.

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

Inicio examinando as questões preliminares levantadas nos autos.

1. Admissibilidade

O recurso aviado pelo Ministério Público Eleitoral (fl. 1219) é tempestivo, pois ofertado dentro do prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

Em contrarrazões, MARIA CRISTINA FERNANDES aponta a ausência de pressuposto objetivo para recebimento do recurso em relação a esta ré, argumentando que não foram apresentadas razões quanto ao delito de falso testemunho, de forma que postula o não conhecimento do recurso neste ponto.

No entanto, verifico que, em suas razões, o Ministério Público traça suficientes considerações a respeito do delito de falso testemunho e da conduta de MARIA CRISTINA. Menciono, ilustrativamente, trecho do recurso (fls. 1219-1233v.):

Por essa mesma razão, foi ofertada denúncia pelo delito de falso testemunho contra MARIA CRISTINA FERNANDES (da qual foi absolvida a acusada EDITE RODRIGUES LISBOA, decisão com a qual não concorda o Ministério Público Eleitoral), por se tratar de desdobramento lógico de sua conduta, constituindo-se no ônus que a testemunha optou suportar diante do erro cometido.

Embora seja perceptível que o Parquet concentre suas razões na conduta atribuída a EDITE RODRIGUES LISBOA, é possível deduzir claramente do recurso que o inconformismo dirige-se também contra a absolvição de MARIA CRISTINA, estando consignado que a possível condenação penal seria um ônus a que se submetera a recorrida ao prestar testemunho e depois desmenti-lo.

Assim, tenho como preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso, de forma que dele conheço e passo ao seu enfrentamento.

2. Preliminares

2.1. Da incompetência para o julgamento dos delitos de falso testemunho e corrupção de testemunha no curso do processo

O defensor de MARIA CRISTINA FERNANDES, preliminarmente, alegou em suas contrarrazões a incompetência da Justiça Eleitoral para julgar o delito de falso testemunho, tendo em vista que o fato, em tese, teria sido praticado em detrimento de interesse da União. Na mesma oportunidade, apontou a impossibilidade jurídica de reforma da decisão absolutória.

De igual forma, o digno Procurador Regional Eleitoral postulou que fosse reconhecida, de ofício, a incompetência da Justiça Eleitoral quanto ao crime de falso testemunho imputado à ré MARIA CRISTINA FERNANDES (fls. 1281-1289v.).

Na hipótese, após a distribuição da ação penal contra EDITE RODRIGUES LISBOA e ROZELAINE PEREIRA, e em razão de conduta supostamente praticada na instrução deste processo criminal, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL aditou a inicial para imputar a essas rés os delitos capitulados como falso testemunho. Às acusadas foi atribuída a conduta descrita no art. 342 e § 1º, c/c art. 29, ambos do Código Penal, sendo que EDITE ainda foi denunciada pela prática do tipo previsto no art. 343 e parágrafo único, também do mesmo estatuto (fls. 353-357v.).

De fato, a Justiça Eleitoral não tem competência para o julgamento dos delitos previstos nos arts. 342 e 343 do Código Penal.

Observe-se a descrição de tais condutas delitivas:

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa

§ 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

 

Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação:

Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa

Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

Na hipótese, o falso testemunho e a corrupção de testemunha no curso do processo, mesmo que supostamente ocorridos no decorrer da instrução criminal realizada nessa justiça especializada, são condutas sem qualquer relação ou influência sobre o processo eleitoral, mesmo entendido esse último de maneira abrangente e considerando quaisquer ações que pudessem favorecer, prejudicar ou estar relacionadas a atos praticados durante a campanha eleitoral ou em razão dela.

Da mesma forma, sequer a conexão probatória justificaria a reunião de processos, visto que a apuração da falsidade e da corrupção de testemunha pode ser realizada de maneira autônoma, sem qualquer prejuízo às partes ou ao processo.

Tal posicionamento vem há muito sendo respaldado pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pelo julgamento de conflitos de competência sobre a matéria.

Colaciono precedente ilustrativo daquela Corte:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DELITO DE FALSO TESTEMUNHO COMETIDO PERANTE A PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITORAL. CRIME PRATICADO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL, EM CONEXÃO. IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE.

1. A prática do delito de falso testemunho, cometido por ocasião de depoimento perante o Ministério Público Eleitoral, enseja a competência da Justiça Federal, em razão do evidente interesse da União na administração da Justiça Eleitoral. Precedentes.

2. Na eventualidade de ficar caracterizado o crime do art. 299 do Código Eleitoral, este deverá ser processado e julgado na Justiça Eleitoral, sem interferir no andamento do processo relacionado ao crime de falso testemunho, porquanto a competência da Justiça Federal está expressamente fixada na Constituição Federal, não se aplicando, dessa forma, o critério da especialidade, previsto nos arts. 78, IV, do CPP e 35, II, do Código Eleitoral, circunstância que impede a reunião dos processos na Justiça especializada.

Precedentes.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, o suscitado.

(CC 126.729/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24.4.2013, DJe 30.4.2013.)

Assim, falecendo a competência da Justiça Eleitoral para julgamento dos delitos descritos no aditamento à denúncia das fls. 353-357v., a apuração das responsabilidades deve ser declinada à Justiça Federal de 1ª Instância.

Sobre a outra tese lançada pela defesa, embora MARIA CRISTINA FERNANDES afirme a impossibilidade jurídica de reforma da decisão absolutória, não vejo como tal raciocínio possa prosperar.

Veja-se que a decisão absolutória foi desafiada por recurso ministerial, de forma que afastada qualquer possibilidade de preclusão quanto ao seu conteúdo.

Ademais, considerando que a competência para julgamento da ação penal corresponde a pressuposto de validade da relação processual, matéria de ordem pública, cognoscível de ofício, e à presunção de que, se o julgador examinou o mérito da controvérsia e, ao final, prolatou sentença absolutória, o fez porque, implicitamente, reputou-se competente, é admissível o exame da questão em grau de recurso (nesse sentido: STJ, HC 412.298/BA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 12.02.2019, DJe 20.02.2019).

Assim, reconheço, de ofício, a incompetência da Justiça Eleitoral para julgamento dos delitos constantes no aditamento à denúncia, determinando a cisão processual e a remessa de cópia integral dos presentes autos à Justiça Federal de 1ª Instância.

Destaco.

 

2.2 Da possibilidade de reconhecimento de concurso de crimes

A Procuradoria Regional Eleitoral, ao emitir parecer, aderiu ao recurso ministerial, afirmando a existência de materialidade e autoria, além de trazer aos autos questão acerca da existência de concurso de crimes (fls. 1281-1289v.). Vejamos:

Apenas acrescenta-se a necessidade de observância do concurso formal com o tipo do uso de bem e/ou serviço público com finalidade eleitoral (CE, art. 346 c/c art. 377); ambos dolosos, o primeiro apenado com reclusão, e cujas penas máximas, somadas, ultrapassam quatro anos (especificamente, quatro anos e seis meses).

Tem-se irrelevante o fato de a denúncia ter capitulado o fato narrado exclusivamente como corrupção eleitoral, uma vez que a narrativa, da qual as rés se defenderam, descreve, além do oferecimento de vantagem em troca de voto, o uso de bem público (“no interior do Posto de Saúde Municipal Padre Orestes”, “entregando-lhe, dentro do Posto, cinco santinhos”, “retirados do interior de uma gaveta do balcão de atendimento”) e o uso de serviço público (“servidora pública municipal”, “Chefe da Unidade Básica de Saúde”, “cargo em comissão”, “em horário de atendimento dos munícipes que procuravam aquele serviço”), ambos com finalidade eleitoral (compra de votos).

Ocorre que a conduta descrita no tipo penal invocado no parecer – art. 346, c/c o art. 377, ambos do Código Eleitoral – não foi analisada nestes autos e nem mesmo veiculada nas razões recursais.

Tendo sido as questões do concurso formal e da própria prática de mais de uma infração eleitoral trazidas pela primeira vez no parecer emitido em segunda instância, tenho que é o caso de aplicação do princípio do tantum devolutum quantum appellatum, que também é albergado pelo processo penal, sobretudo quando a inovação vem em prejuízo dos réus.

Nesse sentido, colaciono precedentes do Superior Tribunal de Justiça que consagram tal princípio, ilustrando a questão sob os ângulos dos limites recursais, da dialeticidade e do respeito à cláusula constitucional do devido processo legal:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. DOSIMETRIA. SEGUNDA FASE. FRAÇÃO SUPERIOR A 1/6 SEM MOTIVAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.

I - O efeito devolutivo da apelação encontra limites nas razões expostas pelo recorrente (tantum devolutum quantum appellatum), em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos previstos no âmbito do processo penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte detentora dos interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à clausula constitucional do devido processo legal.

II - Neste caso, o pedido de redução da fração da agravante não foi apresentado pela Defesa em sede de apelação, caracterizando, portanto, inovação recursal.

III - Se a controvérsia não foi resolvida à luz do dispositivo tido por violado, tampouco foram opostos embargos de declaração para fins de prequestionamento, incidem os enunciados n. 282 e n. 356 do Supremo Tribunal Federal.

Agravo regimental desprovido.

(STJ, AgRg no AREsp n. 1424239/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19.3.2019, DJe 26.3.2019.) (Grifei.)

Aquela Corte também já fixou em sua jurisprudência que "a inobservância dos limites objetivos do recurso da acusação representa manifesta violação dos princípios tantum devolutum quantum appellatum e do ne reformatio in pejus" (AgRg no AREsp. n. 696.218/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 22.11.2016).

Como a matéria não foi enfrentada em primeira instância, inviável seu conhecimento a partir de provocação do Ministério Público em parecer emitido na segunda instância, de forma que não deve ser conhecida a questão acerca da ocorrência de concurso formal, em tese, entre a corrupção eleitoral e o uso de bem público com finalidade eleitoral.

Destaco.

3. Mérito

3.1 Do delito do art. 299 do Código Eleitoral

No mérito, em relação aos delitos de competência da Justiça Eleitoral, a decisão recorrida absolveu EDITE RODRIGUES LISBOA, vereadora em São Leopoldo, e ROZELAINE PEREIRA, chefe da Unidade Básica de Saúde Padre Orestes, da imputação de prática do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, com fundamento na insuficiência de provas para a condenação, forte no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal (fls. 1167-1215).

A inicial acusatória relata que, no dia 14 de setembro de 2016, no interior de posto de saúde em São Leopoldo, EDITE RODRIGUES LISBOA, candidata ao cargo de vereador, em concurso de vontades e ações com a servidora pública municipal ROZELAINE PEREIRA, chefe da Unidade Básica de Saúde à época (cargo em comissão), teriam oferecido e prometido vantagem com o fim de obtenção de votos em favor da primeira. ROZELAINE teria feito a solicitação ao eleitor Jair Silva de Mello em favor de EDITE, conhecida pela alcunha de “Cigana”, entregando, dentro do posto, cinco santinhos da candidata, que teriam sido retirados do interior de uma gaveta do balcão de atendimento. O pedido teria sido acompanhado da promessa de que, se o eleitor votasse em “Cigana”, sua sogra (a quem se destinava a consulta médica postulada na ocasião) seria atendida com preferência.

Há controvérsia nos autos acerca da presença de MARIA CRISTINA FERNANDES no momento do suposto oferecimento do benefício, tendo em vista que a eleitora alterou a versão de seu depoimento judicial, de forma que restou denunciada, em aditamento (fls. 353-357v.), pela prática da conduta de falso testemunho descrita no art. 342 e § 1º, do Código Penal, também imputado à EDITE RODRIGUES LISBOA, em conjunto com corrupção de testemunha no curso do processo, conforme descrito no art. 343, parágrafo único, do CP, em razão do mesmo fato.

Além desta ação penal, o relato dos fatos, perante o Ministério Público local, pelo eleitor teoricamente corrompido ensejou a propositura da Representação n. 42-74.2016.6.21.0073, na qual, diante do deferimento da medida de busca e apreensão, foi realizada diligência que resultou na localização, pelo oficial de justiça designado para o ato, de 34 santinhos (panfletos de propaganda eleitoral) da candidata recorrida, encontrados na gaveta do balcão de atendimento do posto de saúde.

Entendo, com a vênia do prolator da sentença de fls. 1167-1215, que o recurso ministerial merece ser provido, diante da existência de provas suficientes a amparar a condenação de EDITE RODRIGUES LISBOA e ROZELAINE PEREIRA.

A fim de demonstrar as razões de meu convencimento, traço breves considerações sobre o delito em exame para, então, passar à análise do conjunto probatório.

A conduta atribuída às recorridas está assim tipificada:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Ab initio, oportuno recordar que o delito em questão é de ação múltipla ou conteúdo variável, isso é, pode-se consumar de diferentes formas ou maneiras.

Cuida-se de crime formal, pois não necessita da ocorrência do chamado resultado naturalístico, como o efetivo voto ou abstenção em favor do corruptor, até porque o tipo penal contém a expressão "ainda que a oferta não seja aceita".

Do mesmo modo, é indiferente que o benefício, ou suposto benefício, seja aceito ou mesmo seja factível, bastando que o eleitor acredite estar sendo – ou que possa ser – favorecido, individualmente, por qualquer tipo de dádiva não ofertada à população em geral.

Como afirma a doutrina, a corrupção eleitoral explora a miséria e a ignorância da população, como se depreende da análise de GONÇALVES:

É o crime de corrupção eleitoral, que apresenta modalidade “ativa” e “passiva”. Aqui se tem conduta de enorme gravidade, capaz de comprometer a lisura e a legitimidade das eleições, além de conduzir candidatos inescrupulosos aos cargos públicos. Nesse sentido, o limite de pena parece desproporcional, por não oferecer adequada proteção a bem jurídico tão precioso como a regularidade da colheita da vontade popular nos pleitos.

A compra e venda de votos tem história antiga e sinistra em nosso país. Sua

tipificação remota ao Código Criminal do Império. Encontra, na desigualdade econômica e cultural de nossa sociedade, seu alimento e lastro. Inseriu-se no ambiente do clientelismo – no qual lideranças locais obtinham das pessoas sob seu poder e influência a promessa do voto em quem indicassem, em troca de favores variados. Põe-se, atualmente, dentro das práticas políticas conhecidas como “fisiologismo”, no qual é a procura por vantagens pessoais e concretas, e não por uma administração proba da coisa pública, que anima políticos e cidadãos desinformados.

A corrupção eleitoral é uma forma de exploração da miséria ou da ignorância de camadas de nossa população, a não ser para aqueles que se deixam fascinar pela ganância.

(GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015, p. 44.)

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito na modalidade da corrupção ativa (dar, oferecer e prometer vantagem), e não somente o candidato, visto que a iniciativa com frequência parte dos cabos eleitorais. Assim, o concurso entre o candidato e o agente corruptor é eventual, pois não se pode descartar o desconhecimento do candidato sobre a conduta do autor material do delito, de forma que, se houver o ajuste entre candidato e agente corruptor, ambos respondem pelo delito, em coautoria (art. 29 do Código Penal).

A configuração do delito também demanda que a promessa ou a benesse oferecida seja concreta e individualizada, e não um benefício de caráter geral como sói acontecer nas promessas de campanha.

A jurisprudência exige que haja a identificação de eleitor específico que teria sido corrompido; na hipótese, trata-se de Jair Silva de Mello.

Estabelecidas essas premissas acerca do tipo penal, consigno que parte do acervo probatório foi avaliada com ressalvas por esse julgador.

É perceptível que a defesa se ocupou em tentar desqualificar o autor da notícia que deu origem à investigação – Jair Silva de Mello –, mediante questionamentos sobre seu caráter, com base em fatos pretéritos que desabonariam sua conduta, de forma a caracterizar a acusação criminal como complô orquestrado contra uma candidata bem sucedida e em destaque. Ainda, a um dos eleitores supostamente corrompidos – MARIA CRISTINA FERNANDES – é imputado o cometimento de falso testemunho neste processo.

Por outro lado – e isso se tentou evitar aqui -, vários depoimentos que embasaram a absolvição foram prestados por correligionários, simpatizantes e admiradores da candidata (que não conheciam a ré EDITE, ou que conheciam e admiravam sua atuação social/política e tiveram notícia dos fatos examinados por meio da divulgação realizada pela imprensa).

Veja-se que, inclusive, uma das testemunhas ouvidas, Adão Telmo Rambor, vereador do município, declarou-se preocupado em razão da percepção de que “coisas muito pequenas” poderiam comprometer “um trabalho de uma pessoa de longa data, de muitos anos” (fls. 1027-1036v.). Verbis:

Testemunha: Ficamos chateadíssimos, preocupadíssimo. Hoje eu tenho uma preocupação muito grande, vou ser bem sincero, aqui na frente das autoridades, nem sei quem são. Hoje eu tenho uma preocupação muito grande em fazer minha próxima campanha. Porque daqui a pouco as pessoas vão usar coisa tão simples, tão pequenas que podem me afastar do mandato que to ha 16 anos na campanha política, no trabalho político, entendeu? Coisas pequenas eu posso ser afastado, que o pra mim foi coisas pequenas. Hoje não me inteiro da situação e do caso, eu não sei tudo que aconteceu, mas tudo pelo que eu sei é coisas muito pequenas que afastam um trabalho de uma pessoa de longa data, de muitos anos.

Da mesma forma que Adão, várias das testemunhas ouvidas demonstraram disposição em construir uma imagem positiva da ré EDITE, mesmo que para isso fosse necessário relativizar a gravidade do delito e desqualificar o eleitor corrompido.

Assim, esclareço que primei por formar meu juízo considerando menos as testemunhas ouvidas e mais outros elementos não tão conformados por subjetividades.

Apesar das ressalvas aos depoimentos, cabe tecer alguns apontamentos acerca das declarações prestadas, de forma que colho da oitiva do informante Jair da Silva de Mello uma descrição dos fatos que teriam ocorrido, em especial das circunstâncias em que se deram a promessa de vantagem e as posteriores intervenções da candidata acusada em relação às testemunhas do processo (fls. 961-982):

Testemunha: Padre Orestes, ali. Sim. Tá. Aí. Eu peguei. A minha sogra foi lá mal depois da saída do hospital lá da UPA foi lá procurando não tinha, no momento não tinha ficha pra ela. Negaram uma ficha pra ela. Uma idosa, não sei ela tá ai no relatório, não sei se ela veio ai hoje. Ai eu peguei e não, perai, uma idosa não ter ficha?! Daí eu peguei, eu me desloquei, eu e a maria Cristina (que era a minha esposa na época) fomos até o local, cheguemo lá, a própria chefe mesmo que era a do Posto de Saúde, a responsável, chegou e disse: “não, vocês moram aonde?” “não moro em São Leopoldo”. “e o Senhor vota em São Leopoldo?” “Sim, eu voto em São Leopoldo”. “Tá, mais o que tem a ver com voto?” “não, é que a cigana, essa aqui, é a nossa própria candidata” e me puxou da gaveta, de dentro da gaveta, um papelzinho embrulhadinho numa folha de ofício, um santinho que inclusive eu entreguei no Ministério Público, e dai ela disse que conseguiria uma ficha pra dia dezesseis de setembro, se não me engano, dia dezesseis de setembro, mas nós teríamos que conseguir voto pra cigana. Ela adiantava a ficha da minha sogra. Bah, aí eu – tudo bem –ai eu falei pra ela: mas como? eu posso dar um jeito. Eu peguei e vim ao Ministério Público e puxei o fato.

Ministério Público: Lá no posto de Saúde, o senhor disse que ela puxou um santinho?

Testemunha: Mostrou um santinho.

Ministério Público: Tá

Testemunha: E pra várias pessoas que tavam la atrás ela tava dando santinho pra quem conseguiria voto pra cigana ela antecipava a ficha.

Ministério Público: Para o senhor ela entregou o santinho?

Testemunha: Entregou o santinho pra mim, nas minhas mãos.

Ministério Público: Entregou um santinho?

Testemunha: Sim.

Ministério Público: Um?

Testemunha: Não, cinco santinhos. Que eu fui no Ministério Público.

Ministério Público: Cinco santinhos! E ela tirou estes santinhos da onde?

Testemunha: Da gaveta. Da gaveta como está ali… o doutor, Vossa Excelência, ela só abaixou, puxou a gaveta e me alcançou.

Ministério Público: Do outro lado do balcão?

Testemunha: Do outro lado do balcão. Do outro lado.

Ministério Público: E esta pessoa que lhe alcançou o santinho era chefe do Posto de Saúde?

Testemunha: Era chefe do Posto de Saúde.

[…]

Testemunha: O número né. Ela me ligou pra mim do meu telefone do meu celular pra mim entrar em contato com ela daí, daí ela que me ligava. Ela mandou o Rogério que é o Secretário de Esportes entrar em contato comigo. Aí o Rogério me chamou lá do ginásio de esportes: “o Jair, por quê esta fazendo isso com a cigana, cara, que coisa. Uma pessoa boa, ela é da saúde”, eu falei: se ela é uma pessoa da saúde por quê ela não salvou uma idosa? Não é uma criança, é uma idosa. Se fosse uma criança era pior ainda, não...não precisava comprar, eu não sei se estava comprando voto, não sei. Usar a máquina pública pra tá se previdenciando disso. A gente, tanta gente tá na fila e tanta gente esperando e não estão conseguindo. Mas ela pode te ajudar, pode te dar coisas, um emprego bom..eu não quero. Daí pra frente foram localizaram a casa da minha ex-sogra, localizaram a casa da minha ex-mulher.

Ministério Público: Quem localizou?

Testemunha: O pessoal do SEMAE, os assessores dela. Foram tudo pra lá. Inclusive até pegaram a minha sogra e levaram ate a câmara municipal de vereadores pra tirar informação de mim, informação de um monte de coisa. Dali começou um tumulto que inclusive até me mudei de São Leopoldo. Tirei todos da família e me mudei de São Leopoldo. Simplesmente, eu não sei o que ela quer fazer comigo.

Ministério Público: Chegaram, tô tomando por termo aquilo que o Senhor já falou lá no Ministério Público. Chegaram a lhe oferecer alguma coisa pro senhor não confirmar esta história?

Testemunha: Prometeram serviço pra mim, prometeu 600.. dinheiro para eu tirar meu carro que estava na mecânica, meu carro para tirar prometeu..Não me deu..marcamos tudo e não.

Ministério Público: Prometeram dinheiro para tirar o carro do conserto?

Testemunha: Para mim tirar o carro do conserto.

Ministério Público: E o que mais?

Testemunha: Prometeram que iam dar serviço pra mim que depois que terminasse este processo ela iria me ajudar, ela ia me empregar. Eu e minha família, eu disse não.

Ministério Público: Te dar um serviço aonde?

Testemunha: De certo na prefeitura, num estabelecimento dela, que ela ia.

[...]

Ministério Público: O senhor sabe se antes quando o senhor ainda tinha relacionamento com ela [Maria Cristina] ou depois que se separaram ela chegou a ser procurada por alguém?

Testemunha: Sim. Ela foi procurada pelo pessoal do SEMAE, pelos assessores dela, oferecendo água encanada que não tem, oferecendo esgoto pra ela que ela não tem.

Ministério Público: Isso na casa dela e da dona Gema?

Testemunha: Da dona Gema. Até teve um assessor dela que disse que faria tudo pela cigana. Que se tivesse que derrubar alguém, derrubava. Só não pude pegar o nome. Fui atrás no SEMAE pra ver se localizava o nome ou alguém tivesse visto.. Não consegui o nome dele.

Ministério Público: Como o senhor sabe que era do SEMAE?

Testemunha: O próprio pessoal ali da redondeza falaram que era.

Ministério Público: Chegou algum carro identificado com símbolo?

Testemunha: Carro identificado do SEMAE.

Ministério Público: Eles foram só na casa ou se encontraram fora também?

Testemunha: Ai eu não… foram só na casa. Primeiro foram atrás de mim no endereço que eu tinha dado. Eu não sei como eles pegaram o endereço que eu tinha dado aqui no Ministério Público, já estavam sabendo onde que morava. Eu não sei também como é que eles sabiam que eu morava lá nesse endereço aonde minha mulher morava. No dia que a Polícia Federal me pegou pra me trazer aqui, quando eu sai daqui ela já sabia que eu tinha passado aqui.

Ministério Público: Por quê a Polícia Federal foi atrás do Senhor?

Testemunha: Por causa que eu não vim nas primeiras audiências.

[...]

O comparecimento de Jair e a marcação da consulta médica de Gema Bonetti foram confirmados pela ré ROZELAINE PEREIRA e por Arlete Bonapaz Krever, servidora lotada na unidade de saúde. Vejamos:

ARLETE BONAPAZ KREVER

Ministério Público: A senhora reconheceu ali a sua letra a partir das folhas 216 aqui, senão me trai a memória. Essa letra seria sua?

Testemunha: Não.

Ministério Público: Não?

Testemunha: Não.

Ministério Público: Vocês distribuem esse documento?

Testemunha: Esse aqui é o… é o papelzinho que a gente dá pro paciente com a data da consulta.

Ministério Público: Esse é o papelzinho, folhas 13. Esse papelzinho vocês dão pro paciente com a data do agendamento da consulta?

Testemunha: Com a data e o horário da consulta.

Ministério Público: É esse aqui. De quem é essa letra?

Testemunha: Não sei, me parece que é a da Rozelaine.

Ministério Público: Bom. Não é a da senhora né?

Testemunha: Não.

Ministério Público: E é a senhora e a Rozelaine que marcam as consultas?

Testemunha: Sim.

Ministério Público: Mais alguém?

Testemunha: Não.

Ministério Público: Não?

Testemunha: É nós.

 

ROZELAINE PEREIRA

Advogado (s) de defesa: Tá. A senhora lembra pra quando ficou o agendamento dela?

Interrogando (a): Eu acho, não tenho certeza, mas pro dia 30 de setembro.

Advogado (s) de defesa: Isso. Dia 30 de setembro, com o doutor Diogo, né?

Interrogando (a): Doutor Diogo Braggio.

Advogado (s) de defesa: Foi a senhora que fez esse agendamento?

Interrogando (a): Sim, pela letra do caderno, fui eu.

Após efetuar o agendamento, no dia 14 de setembro de 2016, Jair Silva de Mello e MARIA CRISTINA FERNANDES compareceram à Promotoria de Justiça, onde relataram os fatos ao Promotor de Justiça, conforme consta das fls. 12 e v.

Com base no relato, foi distribuída, em 16.9.2016, a Representação n. 42-74.2016.6.21.0073, na qual foi postulada, dentre outros pedidos, a busca e apreensão de propaganda irregular no posto de saúde (fls. 07-10).

Deferida a busca e apreensão no dia 17.9.2016 (fls. 17-18), o cumprimento da ordem foi realizado no dia 21.9.2016 (verso da fl. 33) e resultou na localização, pelo oficial de justiça designado para o ato, de 34 santinhos (panfletos de propaganda eleitoral) da candidata EDITE RODRIGUES LISBOA, na gaveta do balcão de atendimento do posto de saúde.

Veja-se: desde a notícia do fato até a apreensão do material publicitário transcorreram sete dias – de 14 até 21 de setembro. Se, de fato, estivesse ocorrendo uma armação orquestrada contra a candidata, é de se supor que o material fosse colocado no local indicado ao Ministério Público no dia 14, já que a ordem de busca poderia ser determinada a qualquer momento. Como os santinhos permaneceram no posto de saúde, na gaveta da mesa de atendimento aos cidadãos, por sete dias?

É mais razoável supor que tal material estivesse naquele local durante toda a campanha (e que eventualmente fosse entregue aos usuários do serviço público) do que imaginar que tenha sido colocado por alguém com a intenção de prejudicar a candidata, sem que ninguém, servidores ou o público que transitava no local, o tivesse percebido durante o transcurso dos sete dias.

No ponto, ressalto que o posto de saúde não foi vistoriado para verificar se havia mais propaganda no local; a precisa indicação da localização da publicidade foi confirmada pelo oficial de justiça que encerrou a diligência no momento.

Nesse sentido, colho do depoimento de Wolmir Fuzinatto (fls. 948-950v.):

Testemunha: O mandado ele era, se bem me lembro, o mandado ele era específico. Determinava o local onde que devia ser feita a apreensão; uma mesa ou alguma coisa parecida com isso e lá no local, após a identificação de praxe, foi dado acesso e eu fui nessa mesa e localizei esses panfletos aí.

[…]

Testemunha: Não, não. Só que, o mandado já era, ele já determinava o local e quando localizei eu nem fiz mais buscas em outras.

Juiz: O mandado era específico?

Testemunha: Era específico, era específico. Na mesa tal, não sei, o mandado diz isso.

Ministério Público: Sim.

Testemunha: Na mesa tal, na entrada, não sei. Uma coisa nesse sentido assim.

[…]

Advogado (a) de defesa: O depoente mencionou que ficou aguardando uma das pessoas ali que o senhor identificou. Ela não estava no local então quando o senhor efetuou a apreensão do material?

Testemunha: Ela não estava. Ela estava, me parece, ela estava levando uma criança no médico, filho no médico, uma coisa assim.

Advogado (a) de defesa: Se o depoente lembra se no momento da apreensão, o posto ele estava vazio ou tinha usuários do SUS? Como era o movimento?

Testemunha: Estava em atendimento.

[…]

Advogado (a) de defesa: Se o depoente pode esclarecer se esse local, essa gaveta, esse armário tinha só esse material apreendido ou é um local que os funcionários usavam como para guardar seus pertences pessoais?

Testemunha: Olha, é uma mesa de recepção, onde que tinha duas funcionárias, eu não sei o nome delas, né. E eu não sei o que elas guardam na gaveta. Só me disseram, o mandado já era específico: tal local é que se estaria esses panfletos e foi ali que eu me dirigi.

Juiz: Nem verificou o restante?

Testemunha: Nem fui. No momento em que eu localizei aquilo ali, eu não fui atrás de mais nada.

Advogado (a) de defesa: E o depoente lembra se tinha nessa gaveta, porque mulher costuma guardar necessaire …

Juiz: Outros objetos.

Advogado (a) de defesa: pasta de dente, escova de dente, celular, chave, toda aquela parafernália que a gente guarda?

Testemunha: Não, não lembro. No momento em que eu vi o punhadinho de panfleto ali, disse: bom, tá feito o meu serviço. Pronto.

Advogado (a) de defesa: Então esse material não estava isolado na gaveta?

Testemunha: Ele estava dentro de uma gaveta. Agora não sei qual…

(Grifei.)

Roselaine não estava trabalhando na ocasião da apreensão, mas os panfletos que divulgavam a candidatura de “Cigana” estavam na mesa de atendimento do posto de saúde, no local indicado por Jair.

Como se depreende dos autos, tratava-se do local de atendimento aos usuários do posto de saúde, e não de local isolado onde os servidores do posto pudessem guardar seus pertences com segurança.

ROZELAINE PEREIRA era a responsável administrativa do local.

A ré admite a realização de campanha em favor de EDITE, bem como que os panfletos foram localizados em sua estação de trabalho:

Advogado (s) de defesa: A senhora reconhece na folha 810, 811, especialmente 811, se essa foto corresponde ao seu local de trabalho na época dos fatos?

Interrogando (a): Sim. Sim, uhum.

Advogado (s) de defesa: Essa mesa amarela, que está logo ali a frente de um arquivo, também da mesma cor, essa mesa a senhora trabalhava nessa mesa? Aqui que se fazia o atendimento?

Interrogando (a): É, na mesa. Nesta mesa e o arquivo que tava atrás, nas costas. Porque não tinha outras…

Advogado (a) de defesa: A senhora sabe onde foram localizados esses santinhos?

Interrogando (a): No lado de cá.

Advogado (a) de defesa: Na mesa ou nos arquivos?

Interrogando (a): Na mesa.

Advogado (a) de defesa: Na mesa?

Interrogando (a): É, na verdade não é na mesa. Tinha uma; essas gavetas, um outro balcãozinho que tá ali junto.

Advogado (a) de defesa: Tá. É esse local que a senhora disse que é de uso de todas as pessoas?

Interrogando (a): Sim. As três gavetas.

Advogado (a) de defesa: Quando a senhora diz assim “esse material poderia ser seu”, a senhora diz “sim” e daí daqui a pouco a senhora diz “não, senão tava na minha bolsa”, poder ser, certamente, mas teria que tá na minha bolsa, o que que a senhora quer dizer com isso assim? Esse material era seu? Não era seu? Ou a senhora não sabe?

Interrogando (a): Olha, eu não sei. Porque esse material poderia ser de qualquer pessoa, poderia ser de um usuário também. Porque tinha propaganda eleitoral dentro da uni… quando a gente menos se esperava, tinha propaganda eleitoral nos bancos, tinha dentro dos lixinhos.

[…]

Advogado (s) de defesa: Naquele momento a senhora era uma pessoa ativa da campanha da Vereadora?

Interrogando (a): Sim.

Advogado (s) de defesa: Como é que a senhora fazia a campanha?

Interrogando (a): Bom, eu fazia campanha, como citei já, né, depois do meu horário de trabalho, até mesmo no meu intervalo de almoço. Como eu tenho, né, o meu intervalo de almoço. Fazia campanha nesse período. Saía dali já com o meu material, fazendo campanha eleitoral, amigos, enfim. E nos feriados, sábado e domingo então era direto né.

Advogado (s) de defesa: Se alguém fizesse, a senhora era coordenadora do posto, né?

Interrogando (a): Sim.

(Grifei.)

A tese de que o material apreendido pudesse pertencer a ROZELAINE, mas ser utilizado apenas fora daquele local de atendimento aos munícipes, não se sustenta, diante da existência, no prédio, de local mais apropriado para a guarda de pertences particulares.

Nesse sentido, conforme o depoimento de André Luís Moraes Mello, médico do posto de saúde, havia armário afastado do público onde os servidores guardavam os pertences pessoais:

Advogado (a) de Defesa: Certo, esse fato aqui que envolve a vereadora Cigana e a Rozelaine, o senhor trabalhou com alguma delas?

Testemunha: Sim, com a Rozelaine, lá no posto Padre Orestes. Trabalhei lá de 2013 até 2017, até uns dois meses atrás.

Advogado (a) de Defesa: Me diga uma coisa, com é que era o posto? O senhor sabe qual a função dela lá?

Testemunha: Eu considerava ela como a chefe administrativa, o nome do cargo em si eu não sei. Mas ela administrava o posto.

Advogado (a) de Defesa: Tá, e nisto envolvia que tipo de trabalho dela, para o senhor esclarecer para a gente?

Testemunha: Ela coordenava a parte da organização do posto, desde o agendamento, a quantidade de consultas, algum problema, fazia o “meio de campo” com a secretaria da saúde, as determinações da própria secretaria pra nós ou algum problema pessoal nosso pra resolver. Parte administrativa mesmo de posto de saúde.

[…]

Ministério Público: Ainda em relação à fotografia número 4, que a defesa trouxe, o senhor fez uma referência, na pergunta da defesa, que essas mesas eles utilizavam pra; que não era exclusiva…

Testemunha: Davam a entender que não era exclusiva. Não dizia nada que dissesse isso.

Ministério Público: O senhor tomou conhecimento…

Testemunha: Tanto que o pessoal; tem uns armários lá dentro, né, cada um… O pessoal da enfermagem tinha. Tem outras salas se o pessoal quisesse guardar suas coisas.

Ministério Público: Então se quisesse guardar as suas coisas pessoais, de caráter pessoal, que não tivesse relação com o serviço, poderiam guardar num outro armário lá dentro?

Testemunha: Acho que sim. Presumi que… Eu não guardava porque sabe como é a gente, médico, vai ali na sua sala, mas o pessoal que passa o dia inteiro, teria essa possibilidade que eles tem ali, tem refeitório. Teria possibilidade.

Ministério Público: Se fosse material particular, poderia guardar?

Testemunha: Particular poderia, se quisesse.

(Grifei.)

Ainda, Arlete Bonapaz Krever, a outra servidora que, com ROZELAINE, realizava a marcação de consulta, confirma a ligação política entre essa acusada e EDITE, bem como a efetiva possibilidade de que a pessoa que agendasse o atendimento pudesse favorecer ou prejudicar um usuário do serviço. Colho de suas declarações:

Informante: Sim, a Rozelaine foi minha chefe no posto.

[…]

Advogado (a) de defesa: E como é que era a questão de partidos assim, de ter candidatos, de fazer esse… Cada um tinha o seu, era alguma coisa… ?

Informante: Lá acho que até a única pessoa assim ligada à política ali era a Rozelaine, eu acho. Os demais são tudo funcionários de carreiras, concursados, né. E daí não se envolvem muito em política, muito nem de São Leopoldo são.

[…]

Advogado (a) de defesa: Tá, deixa eu lhe perguntar relação a essa mesa. Essa mesa possui gavetas ali.

Informante: Sim.

Advogado (a) de defesa: Essas gavetas são exclusivas de alguém?

Informante: Não.

Advogado (a) de defesa: Alguma pessoa tem exclusividade do uso dessas mesas?

Informante: Não. A gente coloca materiais, todo mundo pega material que precisa dali. Até os nossos materiais assim a gente guarda, guardava ali. Guarda até hoje.

Advogado (a) de defesa: Havia chave nessas gavetas?

Informante: Não.

Advogado (a) de defesa: Não? Me diga uma coisa, houve; a senhora tava lá quando um oficial de justiça foi lá fazer uma apreensão de material de campanha?

Informante: Tava.

Advogado (a) de defesa: Tá. Me diga uma coisa, a Rozelaine estava lá? Nesse momento?

Informante: Tava. No momento? Não, nesse momento ela tinha ido levar o filho no médico.

Advogado (a) de defesa: Ela não estava lá nesse momento. Ela foi chamada para atender pelo posto como responsável depois?

Informante: Sim.

Advogado (a) de defesa: Sim?! Quando esse oficial de justiça chegou lá, ele fez; ele buscou pra esse material nos armários primeiro, em algum lugar primeiro ou foi direto na gaveta?

Informante: Ele procurou nas gavetas, porque tem várias né.

Advogado (a) de defesa: Mas ele foi direto nas gavetas?

Informante: Foi nas gavetas.

Advogado (a) de defesa: Ele procurou alguma coisa em armário lá atrás em algum outro armário fora?

Informante: Não.

Advogado (a) de defesa: Não?! Foi na gaveta direto?

Informante: Direto.

Advogado (a) de defesa: Tá. A senhora, não sei se a senhora vai lembrar isso, mas era comum a senhora largar algum pertence seu nessa gaveta?

Informante: Sim.

Advogado (a) de defesa: Era possível que tivesse alguma coisa sua na gaveta, naquele momento?

Informante: Sim.

Advogado (a) de defesa: Ali, naquela mesa, trabalhava a senhora e a Rozelaine?

Informante: Sim.

Advogado (a) de defesa: A senhora viu ela largar esse material ali?

Informante: Não.

Advogado (a) de defesa: Esse material era seu?

Informante: Não.

Advogado (a) de defesa: A senhora sabe de quem era esse material?

Informante: Não. Nem sabia que tinha material algum ali.

Advogado (a) de defesa: A senhora viu ele antes ali?

Informante: Não.

Advogado (a) de defesa: Não? Não viu? Não viu quem possa ter colocado ele ali?

Informante: Não.

[…]

Advogado (a) de defesa: O denunciante aqui ele diz que quando ele chegou lá, a Rozelaine se identificou como chefe do posto, perguntou se ele votava ali na cidade e se ele quisesse uma antecipação, uma vantagem, se ele votasse na Cigana, ela melhoraria a situação dela, da sogra dele. Essa é a denúncia dele. “Vou melhorar a situação da tua sogra, vou te dar um atendimento antes, tá?”. Ele disse que isso aconteceu dia 14/09, que ele chegou lá dia 14/09 e por isso que eu tava te perguntando antes. Haveria como a Rozelaine colocar essa dona Gema, que tá lá no dia 30; aqui, haveria como colocar nesses espaços aqui se eu quisesse dar uma vantagem? Poderia, ela poderia, porque ela… Vamos imaginar que ela tá querendo fazer isso, dar uma vantagem. Ela poderia colocar aqui antes?

Testemunha: Poderia né.

Advogado (a) de defesa: Poderia?

Testemunha: Tá em branco ali, mas não é o que a gente costumava fazer, porque tinha que ficar esse número de; pro atendimento do dia, né.

Advogado (a) de defesa: Não entendi. Eu tô tentando criar a situação idêntica à do denunciante, tá? Por isso que eu tô lhe perguntando se ela quisesse, ela poderia.

Testemunha: Poderia

[…]

Ministério Público: 3 anos? Tá. A senhora falou que as pessoas ali, de um modo geral servidores, porque são concursados não são ligados com política.

Testemunha: É, quase ninguém é ligado em política.

Ministério Público: Com exceção, a senhora falou, da Rozelaine que tinha ligação política?

Testemunha: Isso.

Ministério Público: É isso?

Testemunha: Isso.

Ministério Público: Tinha ligação política, se a senhora sabe, com que partido?

Testemunha: Com o partido da Cigana, acho que o PSB, né. Acho que é.

Ministério Público: A Rozelaine ela é concursada?

Testemunha: Não.

Ministério Público: Contratada?

Testemunha: É CC, não sei como é que se chama. É contrato, né. É contratado.

Ministério Público: CC? É CC? Quem é que contrata?

Testemunha: A Prefeitura.

Ministério Público: É CC dela? CC da Prefeitura?

Testemunha: Acho que sim, né. Não sei. CC da Cigana. Não sei quem é que contrata.

Ministério Público: A Cigana trabalha na Prefeitura?

Testemunha: Não. Na Câmara, né.

Ministério Público: Como é que ela teria um CC?

Testemunha: Como?

Ministério Público: A senhora disse: “CC da Cigana”, como que a Cigana tem um CC?

Testemunha: Eu não sei, é o que eu escuto, né. Nem sei como é que funciona.

(Grifei.)

Tenho que esses elementos: a notícia do oferecimento de benefício, a localização do material de campanha no local indicado pelo corrompido, a função desempenhada pela corruptora e sua ligação com a campanha eleitoral são suficientes para, no conjunto, conferir credibilidade ao relato de ocorrência de corrupção eleitoral.

A manutenção de propaganda eleitoral no local de marcação de consulta de um posto de saúde, a existência de outro lugar para depósito de pertences pessoais no prédio, a vinculação política pretérita da responsável pela função com a candidata, a responsabilidade pela tarefa e o efetivo agendamento do atendimento por ROZELAINE, isoladamente, não são provas do crime, mas, no conjunto, são capazes de confirmar a narrativa de compra de voto apresentada por Jair Silva de Mello.

O conjunto probatório produzido nos autos, dessa forma, comprova que ROZELAINE PEREIRA ofereceu vantagem para Jair Silva de Mello, consistente na antecipação de consulta médica para Gema Bonetti, em troca da promessa de voto em favor de EDITE RODRIGUES LISBOA, de modo que deve ser condenada, na forma do art. 299 do Código Eleitoral.

Em relação à EDITE RODRIGUES LISBOA, começo por indicar elementos constantes do acervo probatório para posteriormente analisar sua participação na conduta.

A atuação de ROZELAINE poderia, em tese, ter ocorrido independentemente da ciência ou participação de EDITE. No entanto, durante a instrução processual, algumas ocorrências desautorizaram tal tese, sobretudo diante da demonstração de vinculação e aderência entre as condutas das corrés.

Como passo a demonstrar, ficou evidenciada a convergência de vontades entre ROZELAINE e EDITE na prática da infração.

EDITE tinha conhecimento de que não deveria se aproximar dos envolvidos neste processo criminal, tanto que a própria ré relatou ter telefonado para seu advogado quando o noticiante Jair foi visto em frente ao prédio da Câmara de Vereadores. Vejamos:

Interrogando (a): Sim, daí a gente ficou, daí a Magda ficou, subiu lá no meu gabinete lá e a Lúcia e daí eles o Wagner, eu acho que foi e pegou e ficou cuidando dele lá né, daí o outro cara ia lá pra trás e ficou lá, ficou lá, ficou lá sentado no banco né e eu não desci eu liguei pro senhor lembra? “oh, o Jair tá aqui o que eu faço, doutor?” Aí o senhor disse não sai, não vai perto dele e daí a gente ficou cuidando daí ele ficou lá sentado aí o Ary Moura saiu de dentro da Câmara que tinha uma atividade lá, eu não lembro o que que era que tinha e daí foram conversar os dois, daí tava os dois conversando. (Grifei.)

Não obstante tenha evitado o contato pessoal com Jair, na Câmara de Vereadores, EDITE recebeu em seu gabinete Gema Bonetti, a eleitora cujo atendimento motivou a ida de Jair ao posto de saúde, em clara tentativa de influenciar o ânimo da testemunha.

Transcrevo o trecho pertinente do depoimento pessoal:

Ministério Público: A senhora teve algum contato pessoal com estas pessoas: Jair, Maria Cristina, a mãe da Maria Cristina?

Interrogando (a): Esta Dona Gema teve lá no gabinete.

Dr. Sérgio: Dona Gema?

Interrogando (a): É.

Ministério Público: Recorda quando que ela teve?

Interrogando (a): Não, não me recordo. Só sei que a gente vereadora atende todo mundo né e daí a Dona Gema não era testemunha não era nada daí ela foi lá eu conversei com ela normal né

Ministério Público: E a Senhora recorda quando?

Interrogando (a): Recordo quando?

Ministério Público: É. Quando a Dona Gema teve no seu gabinete?

Interrogando (a): Não me lembro.

Ministério Público: Mas foi depois da denúncia?

Interrogando (a): Foi depois da Denuncia.

Ministério Público: E a senhora sabe com que finalidade ela foi ate lá?

Interrogando (a): Olha, eu nem sei o que ela foi lá. Eles disseram que tinham uma pessoa ali para conversar comigo né daí eu tava atendendo, atendendo, atendendo daí a Dona Gema veio.

Ministério Público: Ela veio espontaneamente ou alguém levou ela ate lá para conversar com a senhora?

Interrogando (a): não sei, acho que foi espontâneo, não sei lhe responder isso aí.

Ministério Público: A senhora recorda dela?

Interrogando (a): Recordo porque eu vi ela aquele dia aqui também né falando aqui.

Ministério Público: Sim. O assunto a senhora não recorda?

Interrogando (a): A gente falou várias coisas

Ministério Público: se a senhora se lembrar, pode ajudar

Interrogando (a): Eu não me lembro assim o que a gente falou porque a gente atende muita gente.

Ministério Público: Algum destes assuntos tinha relação com esta denuncia aqui?

Interrogando (a): Não.

Ministério Público: Não?

Interrogando (a): Eu nem me lembro se a gente chegou a comentar sobre isso, se eu for lhe falar, eu vou lhe mentir, por que eu não me lembro.

Ministério Público: Ela foi pedir alguma coisa?

Interrogando (a): Não.

[...]

Advogado (a) de defesa: Em relação a Dona Gema, deixa eu lhe perguntar uma coisa por que o Doutor lhe perguntou eu vi que a Senhora ficou meio não lembro, não sei, não falei e tal e aqui é o momento de falar o que aconteceu, mas a senhora tem o direito até de mentir, mas não me parece que este é o seu objetivo aqui. A dona Gema foi ao seu gabinete?

Interrogando (a): Foi.

Advogado (a) de defesa: E a Dona Gema falou sobre este processo com a senhora?

Interrogando (a):Edite: Eu não me lembro, não me recordo direito, é que nem eu falei pra ele né foram tantas coisas que aconteceu, mas eu acho que foi falado sim.

Advogado (a) de defesa: E a senhora sabe como ela chegou lá?

Interrogando (a): Não sei.

Advogado (a) de defesa: Alguém trouxe ela até lá. Ela não pegou um ônibus sozinha pra ir até lá.

Interrogando (a): Diz ela que foi o pessoal do SEMAE que levou, mas não foi pra mim que ela falou, eu fiquei sabendo.

Advogado (a) de defesa: Depois?

Interrogando (a): Depois.

Advogado (a) de defesa: Entendi. E esse pessoal que seria o pessoal do SEMAE a senhora conhece?

Interrogando (a): Não sei que pode ser que levou ela lá, por que eu conheço o pessoal do SEMAE, me dou bem com eles.

Advogado (a) de defesa: Era isso que eu queria saber.

Interrogando (a): Tem muita gente que vota em mim, tinha muita gente querendo me ajudar na época e querendo sabe assim fazer alguma coisa por mim.

Advogado (a) de defesa: Entendi, mas era isso que eu queria saber, enfim, mesmo que a senhora não tenha pedido, alguém trouxe ela e senhora ficou sabendo que poderia ser algum pessoal do SEMAE.

Interrogando (a): É, podia ser algum pessoal do SEMAE né, me disseram que, ela disse que o pessoal do SEMAE e depois eu fiquei sabendo que eles tinham tado lá e não sei o que né que queriam, sei lá, de certo eles queriam ajudar de alguma maneira por que toda cidade sabia e todo dia saia no jornal.

Advogado (a) de defesa: A senhora fez alguma pressão sobre ela, apertou de algum modo ou pediu para ela fazer alguma coisa diferente.

Interrogando (a): Não, ela não era testemunha, doutor.

[…]

Advogado (a) de defesa: O processo conta bem aqui, várias testemunhas contam isso então não precisamos que a senhora alongue nesse ponto, mas nessa questão chegou a tocar no nome do jair em relação a Dona Gema por que ele era na verdade naquele momento ali ele era (inaudível)

Interrogando (a): Eu acho que eu toquei sim, eu acho que eu perguntei pra ela sim. Quando eu fiquei sabendo que ela era a sogra dele né por que ate então eu não sabia. Eu acho que eu perguntei.

Jader: tá. Me diga uma coisa, o ambiente desta conversa era um ambiente tranquilo, era sereno,era a senhora estava de alguma maneira irritada, braba, como é que foi esta reunião/

Interrogando (a): Não, foi uma conversa tranquilo no meu gabinete.

[…]

Advogado (a) de defesa: A senhora acha que alguém querendo lhe ajudar de repente tivesse feito isso por conta própria, assim como estes servidores do SEMAE?

Interrogando (a): Edite: não, eu acho que ali não, eu acho que ali tinha gente que queria me prejudicar.

Advogado (a) de defesa: A senhora acha que é impossível?

Interrogando (a): Não, as pessoas que queria me ajudar não iam dar santinho em posto.

Advogado (a) de defesa: a senhora chegou a dizer em algum momento aqui que era impossível que isso fosse feito ali no posto, por que que a senhora entende que é impossível que alguém tivesse feito no posto?

Interrogando (a): por que é um monte de gente ali sabe é um monte de gente pra consultar, um monte de gente pra consultar e aquele pessoal ali da Padre Orestes e da Brás são tudo gente difícil de lidar e não tem como tu dar santinho ali, não existe por que ali a guria tá trabalhando ali e dando as fichinhas vai ela lá e dizer o que ele falou: “Ah, tu pega o santinho da minha vereadora que eu vou te marcar uma consulta” é capaz dela ate apanhar lá, dá um quebra-quebra.

Advogado (a) de defesa: a senhora acha que alguém teria visto?

Interrogando (a): mas claro todo mundo ia ver por que é todo mundo junto ali os funcionários tudo aberto, todo muito junto, não tem como.

(Grifei.)

Embora não tenha ficado esclarecido quem providenciou o agendamento do encontro e o transporte da idosa até o gabinete da ré, Gema Bonetti confirma ter sido levada à Câmara de Vereadores e conversado com EDITE:

Testemunha: Eu fui chamada aqui porque eles foram tirar ficha para mim que eu estava muito doente.

Ministério Público: Eles quem?

Testemunha: A minha filha e o Jair.

Ministério Público: Jair?

Testemunha: Sim. E daí diz que chegaram lá e estavam trocando santinho por ficha.

Ministério Público: Eles falaram isto para a senhora quando chegaram?

Testemunha: Sim, porque eu não estava junto lá.

Ministério Público: E a senhora chegou a ser atendida?

Testemunha: Sim, depois eu fui atendida sim.

Ministério Público: Mas antes de eles irem lá, com este retorno de que estariam trocando ficha por santinho, a senhora teve dificuldade de ser atendida?

Testemunha: Tinha, porque a gente tinha que ir lá pegar ficha e dali um mês quase a gente era atendido.

Ministério Público: A senhora não lembra de datas quando eles foram, quando eles não foram?

Testemunha: Não.

Ministério Público: Não?

Testemunha: Não lembro, eu sou muito esquecida.

Ministério Público: Mas a senhora sabe se eles conseguiram antecipar esta sua consulta?

Testemunha: Eu acho que foi.

Ministério Público: A senhora acha?

Testemunha: Eu acho que foi, porque eu, minha cabeça eu não….

Ministério Público: Tá, enfim a senhora foi atendida lá naquela época?

Testemunha: Sim, depois eu fui atendida.

Ministério Público: A senhora recorda qual foi o médico que atendeu?

Testemunha: O Doutor Diogo

Ministério Público: A senhora lembra a especialidade dele? Qual era o problema de saúde que a senhora tinha na época que necessitava de atendimento.

Testemunha: Era Diabete, Osteoporose e a pressão. A pressão bastante alta também.

Ministério Público: A senhora chegou a ser atendida?

Testemunha: Sim, depois fui atendida.

[…]

Ministério Público: E depois disto, a senhora foi procurada por alguém?

Testemunha: Fui procurada por alguém sim.

Ministério Público: A senhora foi procurada por quem?

Testemunha: Foi um do SEMAE que foi lá e ele me levou para falar, nem sei o que eles foram falar. Diz que o Jair estava morando na minha casa, mas não era verdade.

Ministério Público: Levaram para a senhora falar com quem?

Testemunha: A tal de Cigana. Eu conheço assim, mas pelo nome mesmo, não sei.

Ministério Público: E onde foi esta conversa?

Testemunha: Foi onde ela trabalha, ou trabalhava, não sei. Eu não sei o nome de onde ela trabalhava lá.

Ministério Público: Mas a senhora foi lá trabalhar com ela?

Testemunha: Sim, me levaram lá falar com ela.

Ministério Público: E o que é que conversaram?

Testemunha: Ela só perguntou se o Jair estava morando lá, o endereço. Eu disse que não estava morando e nunca morou eu disse para ela. Eles estavam morando juntos os dois, mas em uma outra casa, não junto comigo lá.

Ministério Público: Sim, era sobre o Jair que queriam falar?

Testemunha: Sim.

Ministério Público: Este pessoal, a senhora falou em SEMAE, teve funcionários do SEMAE em sua casa?

Testemunha: Ele disse que trabalhava no SEMAE.

Ministério Público: Eles disseram?

Testemunha: É, eles disseram que trabalhavam no SEMAE. Até eles foram lá falar para botar esgoto lá no nosso lá, pois estamos pagando a água e esgoto e não tem esgoto

Ministério Público: Estão pagando e não tem?

Testemunha: É, eles falaram isto e até agora não colocaram esgoto nenhum.

Ministério Público: Foi nesta mesma época?

Testemunha: Sim, foi esta época.

Ministério Público: As mesmas pessoas?

Testemunha: Foi a pessoa que me levou lá para falar com a cigana.

Ministério Público: Foi a mesma pessoa que prometeu o esgoto?

Testemunha: É, ele disse que trabalhava no SEMAE.

[...]

Ministério Público: A senhora foi no carro deles, então?

Testemunha: Deles

Ministério Público: A senhora foi e voltou?

Testemunha: Sim, e eles me levaram de volta em casa, sim porque eu estava doente e não podia caminhar quase.

Ministério Público: A senhora não podia caminhar?

Testemunha: Eu caminhava, mas estava muito ruim. E daí me levaram lá e me levaram de volta em casa.

Ministério Público: E depois, tiveram outros contatos? Alguém lhe procurou de novo, mais uma vez?

Testemunha: Acho que foram mais uma vez, duas lá daí.

Ministério Público: Para que?

Testemunha: Eles falaram que era por causa do esgoto.

[...]

Ministério Público: E a sua filha, Maria Cristina, foi procurada por alguém lá?

Testemunha: Sim, foi procurada por alguém lá, também foi procurada. Eu acho que foi por aquele da SEMAE também.

Ministério Público: Para que foi procurada?

Testemunha: Eles queriam botar água lá também, mas até hoje não colocaram água lá também.

Ministério Público: Sim, sabe se falaram alguma coisa sobre o processo, esse?

Testemunha: Não sei, que eu saiba não.

Ministério Público: A senhora disse que chegou a conversar com a Cigana?

Testemunha: Sim, eu conversei com ela lá dentro.

Ministério Público: A senhora sabe se a Cigana está aqui na sala hoje?

Testemunha: Eu acho que tá.

Ministério Público: Se a senhora ver, a senhora reconhece?

Testemunha: Sim.

Ministério Público: Sim?

Testemunha: Sim.

Ministério Público: A senhora viu ela hoje aqui na sala quando a senhora entrou?

Testemunha: Sim, sim.

Ministério Público: A dona Cigana é aquela senhora que está sentada? Alguma das duas que está sentada ali atrás?

Testemunha: É.

Ministério Público: Sim? Qual é delas?

Testemunha: Aquela de cabelo preto.

Ministério Público: A que tá de rosa?

Testemunha: É.

Ministério Público: Foi para ela que levaram a senhora para conversar?

Testemunha: Sim, eu não conhecia ela, nunca tinha visto ela. Daí levaram lá, eu conheci e fui conversar com ela.

Ministério Público: A senhora sabe se ela é vereadora?

Testemunha: O que me falaram é que ela para ser vereadora. Mas eu não sei, direito eu não sei.

Ministério Público: A senhora não sabe direito? A senhora é eleitora, ainda vota?

Testemunha: Eu voto ainda, até quando puder, eu voto.

[…]

Advogado (a) de Defesa: É? Tá bem. Nesse contato que a senhora teve com a vereadora Edite, ela foi de alguma maneira ela foi grosseira com a senhora?

Testemunha: Não, ela não foi grosseira. O que é verdade eu digo.

Advogado (a) de Defesa: Ela lhe destratou de alguma maneira?

Testemunha: Não.

Advogado (a) de Defesa: E disse alguma coisa que a senhora pudesse entender que estivesse lhe ameaçando?

Testemunha: Só aquele que disse que trabalhava no SEMAE, que ele ficou meio, disse assim, que fazia de tudo para defender.

Advogado (a) de Defesa: É?

Testemunha: Daí nós vimos como ameaça, né.

Advogado (a) de Defesa: Sim, da parte dele é?

Testemunha: É.

Advogado (a) de Defesa: Mas da parte dela eu tô perguntando?

Testemunha: Da parte dela eu não posso dizer nada.

Advogado (a) de Defesa: Ela lhe tratou bem?

Testemunha: Sim, me tratou muito bem.

Advogado (a) de Defesa: E o que ela lhe disse em relação a tudo que estava acontecendo dona Gema?

Testemunha: Ela não falou destas coisas que estavam acontecendo.

Advogado (a) de Defesa: Ela não lhe falou com a senhora sobre este problema do Jair? Foi uma conversa sobre outro assunto então?

Testemunha: Conversamos lá assim, só que daí ela perguntou do Jair se estava morando ainda lá, que ele disse que estava morando lá e não tava. Eu disse assim, ele não está morando aqui, nunca morou.

Advogado (a) de Defesa: Tá, mas ela lhe perguntou especificamente desta questão de marcar consulta, de haver o problema da denúncia do Jair, ela falou especificamente disso?

Testemunha: Acho que não.

Advogado (a) de Defesa: Dona Gema, vamos puxar um pouquinho da memória, falou ou não falou?

Testemunha: Que eu me lembre agora, não. De repente, depois pensando. Mas que eu me lembre agora.

Advogado (a) de Defesa: Então a senhora não saberia me dizer, por exemplo, se ela estaria contrariada com isto, se estava chateada com isto. A senhora não lembra?

Testemunha: Que eu vi, não. Que eu pude perceber não.

(Grifei.)

Gema Bonetti também confirma que Jair e MARIA CRISTINA FERNANDES dirigiram-se ao posto de saúde para “tirar ficha para mim [Gema] que eu estava muito doente” e garante que “chegaram lá e estavam trocando santinho por ficha”. Embora afirme ser “muito esquecida”, a idosa parece acreditar que o oferecimento de vantagem foi apto a possibilitar a antecipação da consulta.

EDITE RODRIGUES LISBOA também teria ameaçado Jair e MARIA CRISTINA.

Marcel da Costa Iriart, que participou da condução coercitiva das testemunhas, relata as queixas provenientes de ambos:

Testemunha: Eles fizeram um relato breve, porque a gente questionou por que não compareceram, pois o não atendimento dos atos processuais acarreta sempre maior prejuízo a todos e foi relatado que eles tinham receio por ameaças, no contexto de ameaças que eles teriam sofrido ou prestes a sofrer por comparecer na audiência, tanto que isto foi reforçado com o Jair que deu o mesmo testemunho pra nós assim no pequeno trajeto que a gente fez, de onde a gente pegou ele até aqui o fórum.

Da mesma forma, Leda Lourdes Rambo, servidora administrativa do Ministério Público em São Leopoldo, descreve o estado de ânimo de MARIA CRISTINA como “assustada”, ao atender a cidadã que procurou o órgão:

Testemunha: Essa senhora [Maria Cristina] eu lembro que chegou na Promotoria um dia de muito movimento no balcão, porque agora estou sozinha no balcão mas antes éramos em dois colegas e a gente dividia por semana. Uma semana um era do balcão e outra semana o outro, quando dava muito movimento o outro ia apoiar, nesta semana era eu pra dar apoio. Era um dia, não sei o dia da semana, mas era dia de muito movimento no balcão e muita gente no saguão e como o colega tava com muito trabalho no balcão, eu fui ali e cheguei no cantinho tava ela. Chamei por ficha, daí né. Que a gente tem fichas numeradas pra chamar. Chamei, e era ela. Daí ela disse assim: “eu preciso falar” e deu um nome de uma pessoa, de um homem, e eu disse mas nós não temos essa pessoa com esse nome que trabalha aqui. Ela assim: “não, eu quero falar com aquele homem que eu fiz uma denúncia”. E ela olhava pros lados se mostrava bem assustada e eu disse: “ah, mas denúncia de que?” E ela ficou quieta, só me olhando. Nesses casos, quando tem muita gente no saguão e que fala que é denúncia, a gente leva pro corredor do lado assim, porque vai falar sobre denúncia, mesmo que não fez, que vá ali e que quer fazer uma denúncia pra preservar a pessoa, por que tem muita gente, se não tem ninguém a gente atende ali mesmo, faz essa primeira triagem. E nesse dia eu levei ela pro corredor assim interno, saí da minha sala e encontrei ela no corredor interno. E eu disse: “ah, mas de quem que é a denúncia?” Daí ela disse: “é de um Eleitoral, — ela disse —, de uma compra de voto e eu estou sendo ameaçada”. E eu disse: “ah, mas compra de voto de quem? E sobre o que é”, até por que tem dois promotores eleitorais e eu tinha que saber de quem era o caso, né. Ela disse: “não, é da Cigana e estou preocupado por que eu menti na primeira audiência, por que eu tava recebendo ameaças, foram na minha casa. Foi alguém do SEMAE e disse que ia fazer qualquer coisa pra defender a Cigana e até levaram a minha mãe pra falar com a Cigana”. Eu disse: “então a senhora aguarda aqui” e nem botei ela de volta pro saguão ali, porque ela se mostrava assustada. Eu disse: “aguarda um pouquinho que eu vou ver qual é o Promotor”. Daí fui pra ver quem de vocês dois estava atendendo a esse caso da Cigana.

[…]

Testemunha: Ela disse que uma pessoa do SEMAE foi lá e disse para ela que faria qualquer coisa para defender a Cigana e que pegaram a mãe dela e levaram pra conversar com a Cigana, foi o que ela me passou. Também não perguntei mais coisas.

Ainda, durante o desenvolvimento do processo, foi decretada pelo juiz eleitoral a quo a prisão preventiva de EDITE RODRIGUES LISBOA a fim de que fosse assegurada a conveniência da instrução processual (fls. 320-325).

Com a impetração de habeas corpus (HC 0600127-02), foi suspensa a segregação decretada e fixada medida cautelar diversa da prisão. A paciente foi suspensa de seu cargo de vereadora e, consequentemente, da função de Presidente da Câmara de Vereadores de São Leopoldo, tendo sido vedada, de igual modo, a sua designação para qualquer outro cargo ou função na referida Casa Legislativa, além da proibição de acesso ou frequência àquelas dependências, tudo sem prejuízo da remuneração, até o prazo para conclusão da instrução desta ação penal.

O julgamento recebeu a seguinte ementa:

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. VEREADORA. PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES. PRISÃO PREVENTIVA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO. GARANTIA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. COAÇÃO DE TESTEMUNHAS. PEDIDO LIMINAR DEFERIDO. MEDIDA CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO. ART. 319, INC. III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SUSPENSÃO CAUTELAR DO EXERCÍCIO DO CARGO.

O habeas corpus foi impetrado com a finalidade de revogar a prisão preventiva, decretada em ação penal que apura a prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. A autoridade coatora entendeu que a medida garantiria a regular instrução do processo, uma vez que a paciente estaria constrangendo e aliciando as testemunhas de acusação.

O pedido liminar foi deferido para suspender a prisão preventiva e manter medida cautelar, nos termos do art. 319, inc. III, do Código de Processo Penal, além da proibição da paciente ausentar-se de sua residência por mais de três dias sem comunicação ao Juízo.

Imprescindível ainda, a decretação da suspensão cautelar do exercício do cargo de vereadora e, consequentemente, da função de Presidente da Câmara de Vereadores, de acordo com o art. 319, inc. VI, do Código de Processo Penal, a fim de garantir a instrução processual. Confirmada a medida liminar.

(TRE/RS, HABEAS CORPUS n. 0600127-02.2017.6.21.0000, RELATOR: Des. Eleitoral LUCIANO ANDRE LOSEKANN, julgado em 05 de setembro de 2017.)

É perceptível, dessa forma, o envolvimento de EDITE na conduta de ROZELAINE, em especial as aqui apontadas tentativas de dificultar a apuração dos fatos e de influir no ânimo das testemunhas, tudo a evidenciar o liame subjetivo entre as coautoras.

Embora aqui não se apure a corrupção de testemunhas, as sutis intervenções junto aos sujeitos envolvidos na apuração criminal, bem como a possível atuação de servidores públicos, como meio de demonstrar o poder político de EDITE, evidenciam o uso da máquina pública, de forma bastante semelhante à realização de campanha eleitoral no interior do posto de saúde.

Do mesmo modo, está comprovada nos autos a existência de relação de confiança e estreitos laços afetivos e políticos entre as corrés, que afirmaram se conhecer e trabalhar juntas há muitos anos.

Em seu depoimento, EDITE confirma a relação profissional e política duradoura mantida com ROZELAINE, bem como a indicação para o cargo que a segunda desempenhava no posto de saúde. Observe-se:

Ministério Público: Qual é a sua relação com a Rozelaine?

Interrogando (a): A Rozelaine, ah, eu trabalhava no Posto da Scharlau, ela já trabalhava lá com a gente.

Ministério Público: a senhora já trabalhou num posto de Saúde?

Interrogando (a): Trabalhei.

Ministério Público: Qual era a época?

Interrogando (a): Foi antes de me eleger. Acho que foi em, deixa eu ver, já estou no terceiro mandato, acho que foi de 2004 a 2008 eu acho.

Ministério Público: Qual é o Posto?

Interrogando (a): Lá no Posto da Scharlau.

Ministério Público: Da Scharlau?

Interrogando (a): nos fundos do Unidão.

Ministério Público: Rozelaine trabalhou pra senhora?

Interrogando (a): Trabalhou, trabalhou de estagiária.

Ministério Público: estagiária?

Interrogando (a): Aham.

Ministério Público: Qual era a sua função no Posto?

Interrogando (a): Eu era a Coordenadora.

Ministério Público: Coordenadora?

Interrogando (a): Aham.

Ministério Público: E a Rozelaine, estagiária?

Interrogando (a): era estagiária.

Ministério Público: E depois trabalharam juntas de novo?

Interrogando (a): Depois eu me elegi vereadora aí ela foi trabalhar no Posto da Padre Orestes.

Ministério Público: Padre Orestes. Aí ela foi contratada?

Interrogando (a): Foi contratada.

Ministério Público: a senhora lembra a que título ela foi contratada?

Interrogando (a): Como assim?

Ministério Público: Ela foi contratada como cargo em comissão?

Interrogando (a): Sim.

Ministério Público: Por indicação de quem?

Interrogando (a): Minha.

Como se denota, antes da carreira política, EDITE exerceu função semelhante a de ROZELAINE no posto de saúde, onde a segunda trabalhou como estagiária. Na medida em que EDITE assumiu o exercício do mandato eletivo, ROZELAINE foi designada para o exercício do cargo em comissão, nas palavras da ré.

A testemunha Arlete Bonapaz Krever também afirma que ROZELAINE era “CC da Cigana”, de forma que a ligação entre as rés era notória.

ROZELAINE, por sua vez, também não omite que realizava campanha em favor de EDITE, ressalvando fazê-lo “depois do meu horário de trabalho, até mesmo no meu intervalo de almoço. […] E nos feriados, sábado e domingo então era direto né”, conforme depoimento já transcrito.

Em delitos como o da espécie – corrupção eleitoral -, em que os agentes procuram não deixar vestígios, como ordens escritas, é adequado que se busque suporte na prova indiciária.

Aqui, ficou sobejamente demonstrado que as rés EDITE e ROZELAINE não apenas eram amigas, mas também mantinham longo vínculo político, no qual sempre a segunda era subordinada à primeira, que ocupava o cargo demissível ad nutum. Apenas isso, por óbvio, não ensejaria a imposição do édito condenatório.

Contudo, segundo referido alhures, esses dados revelam a extrema cumplicidade das acusadas no âmbito de suas ações políticas, visto que o êxito eleitoral de EDITE (obtenção de mandatos eletivos) gerava vantagens financeiras a ROZELAINE (nomeação para o exercício de cargo público demissível ad nutum).

A subordinação profissional é também indicativo de que EDITE controlava, ou ao menos influenciava diretamente, os atos de ROZELAINE dentro do posto de saúde.

Então, somada essa vinculação de objetivos com a atuação da candidata na instrução processual, é possível reconhecer a existência do fato típico, também atribuindo a EDITE RODRIGUES LISBOA a autoria do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral.

Assim, tenho que a prova dos autos demonstra que ROZELAINE PEREIRA e EDITE RODRIGUES LISBOA atuaram em conjunção de vontades na prática do delito descrito no art. 299 do Código Eleitoral, sendo impositiva a condenação de ambas.

3.2 Da dosimetria

Passo à dosimetria da pena da ré ROZELAINE PEREIRA, considerando que o preceito secundário do art. 299 do Código Eleitoral estipula reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa. A teor do art. 284 do mesmo diploma, sempre que não houver indicação de grau mínimo, este será de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão.

Relativamente às circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, a culpabilidade da ré não se reveste de qualquer elemento que a caracterize como exacerbada. A acusada não registra antecedentes criminais e, da mesma forma, não há nada em desabono à personalidade e à conduta social. Os motivos do crime são inerentes à espécie e não apresentam quaisquer elementos a ensejar uma maior censura penal.

As circunstâncias são as normais à espécie, uma vez que não houve efetiva comprovação de que houve favorecimento de cidadão com a utilização da estrutura do poder público, sendo comprovada apenas a promessa de benefício. Embora a promessa seja suficiente para a configuração do delito, visto que basta que o eleitor acredite estar sendo favorecido, a efetiva concessão da benesse poderia pesar em desfavor da agente, o que não foi provado.

As consequências do crime igualmente não merecem reprimenda excepcional, uma vez que o corrompido não aderiu à conduta.

Por fim, o comportamento da vítima não interferiu na conduta delitiva.

Não desbordando as circunstâncias judiciais da normalidade para os delitos da espécie, a pena-base fica fixada no mínimo legal: um ano. Diante da ausência de agravantes, atenuantes, bem como causas de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão.

Guardando a proporcionalidade em relação à pena corporal, e tendo em vista a ausência de elementos concretos acerca da condição econômica da acusada, fixo a pena de multa em 05 (cinco) dias-multa, ao valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário-mínimo vigente ao tempo do fato, corrigida monetariamente até o efetivo recolhimento.

A multa deverá ser recolhida em favor do Fundo Penitenciário, dentro dos dez dias subseqüentes ao trânsito em julgado da condenação (art. 50 do Código Penal).

Não havendo pagamento voluntário, após a intimação para tal, no prazo de que trata o art. 50 do CPB, extraia-se certidão, encaminhando-se para a adoção das medidas cabíveis quanto à cobrança, nos termos do art. 51 do Código Penal.

Atento às peculiaridades do caso, verifico que é possível a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública, na forma a ser estabelecida pelo juiz da execução.

Em relação à dosimetria da pena a ser aplicada a EDITE RODRIGUES LISBOA, penso que a solução e os parâmetros são bastante semelhantes àqueles aplicados a ROZELAINE.

As circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não pesam em desfavor da ré. Embora considere que a questão da intimidação de testemunhas pudesse ser considerada em desfavor da candidata, como existe a acusação autônoma de corrupção de testemunha no curso do processo, deixo de considerá-la como vetor negativo a fim de evitar o bis in idem.

Não havendo, por conseguinte, nenhuma circunstância que fuja da normalidade para o tipo do art. 299 do Código Eleitoral, a pena-base fica fixada no mínimo legal, que, diante da ausência de agravantes, atenuantes, bem como causas de aumento ou diminuição, torna-se definitiva a pena privativa de liberdade em 01 (um) ano de reclusão.

Também observada a proporcionalidade em relação à pena corporal e, tendo em vista a ausência de elementos concretos acerca da condição econômica da acusada, fixo a pena de multa em 05 (cinco) dias-multa, ao valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário-mínimo vigente ao tempo do fato, corrigida monetariamente até o efetivo recolhimento.

A multa deverá ser recolhida em favor do Fundo Penitenciário, dentro dos dez dias subsequentes ao trânsito em julgado da condenação (art. 50 do Código Penal).

Não havendo pagamento voluntário, após a intimação para tal, no prazo de que trata o art. 50 do CPB, extraia-se certidão, encaminhando-se para adoção das medidas cabíveis quanto à cobrança, nos termos do art. 51 do Código Penal.

Considerando a ausência de circunstâncias negativas, e verificados os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, na forma a ser estabelecida pelo juiz da execução.

ANTE O EXPOSTO, Senhora Presidente, recebo o recurso, reconheço, de ofício, a incompetência da Justiça Eleitoral, no caso concreto, para julgamento dos delitos descritos no aditamento à denúncia das fls. 353-357v., de forma que declino da competência para julgamento à Justiça Federal de 1ª Instância, devendo haver a cisão do feito em relação aos delitos de falso testemunho e corrupção de testemunha no curso do processo. Quanto às demais imputações, VOTO por dar provimento ao recurso ministerial, ao efeito de condenar as rés EDITE RODRIGUES LISBOA e ROZELAINE PEREIRA pela prática do delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, nos termos da fundamentação, fixando a pena de cada uma em 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto, e multa em 05 (cinco) dias-multa, ao valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário- mínimo vigente ao tempo do fato, corrigidas monetariamente até o efetivo recolhimento.

Autorizo a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública, na forma a ser estabelecida pelo juiz da execução.

Ainda, considerando que o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu, em 07/11/2019, o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, julgando-as procedentes, e, com isso, firmou novo entendimento, no sentido de que a execução penal provisória, antes de findadas as oportunidades para recurso, somente é cabível quando houver sido decretada a prisão preventiva do sentenciado, nos moldes do artigo 312 do CPP, descabe o início do cumprimento imediato da pena, conforme explicitado no extrato da sessão de julgamento publicado (disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4986065):

 

O Tribunal, por maioria, nos termos e limites dos votos proferidos, julgou procedente a ação para assentar a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, vencidos o Ministro Edson Fachin, que julgava improcedente a ação, e os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que a julgavam parcialmente procedente para dar interpretação conforme. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 07.11.2019.

 

Transitada em julgado a decisão, lance-se o nome das rés no rol dos culpados; forme-se o PEC e remeta-se ao Juízo da 51ª ZE para fins de execução da pena; e comunique-se ao Juiz da Zona Eleitoral na qual encontram-se cadastradas as condenadas para que proceda às anotações para os fins do art. 15 da Constituição Federal.

É como voto, Senhora Presidente.

 

Ainda, preclusa esta decisão, determino a cisão do feito e a autuação apartada em relação à imputação constante das fls. 353-357v., com extração de cópia integral deste processo e envio daqueles autos à circunscrição competente da Justiça Federal de 1ª Instância.

 

 

(DECISÃO: Após votar o relator, reconhecendo, de ofício, a incompetência da Justiça Eleitoral para o julgamento dos delito descritos no aditamento da denúncia e declinando da competência para a Justiça Federal de 1ª Instância e, no mérito, dando provimento ao recurso ministerial com relação às demais imputações, ao efeito de condenar as rés pela prática do delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, pediu vista o Des. Federal Thompson Flores. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)

 

 

 

 

 

 

 

 


PROCESSO: RC 446-94.2016.6.21.0051


PROCEDÊNCIA: SÃO LEOPOLDO - 51ª ZONA ELEITORAL


RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL


RECORRIDOS: EDITE RODRIGUES LISBOA, ROZELAINE PEREIRA e MARIA CRISTINA FERNANDES


SESSÃO DE 09-03-2020