RE - 1742 - Sessão: 22/03/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 244-250) interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) do Município de São Borja, EDSON BEN HUR ZAPPE, MÁRCIO CRISTIANO DA ROSA e NAIRO CARMO GLUSCZAK contra sentença do Juízo da 47ª Zona Eleitoral (fls. 237-242), que desaprovou a prestação de contas da agremiação recorrente, relativa ao exercício financeiro de 2015, em virtude do recebimento de recursos de fonte vedada, aplicando as penalidades de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, pelo período de doze meses, e de recolhimento da quantia de R$ 35.231,00 ao Tesouro Nacional.

Sustentam os recorrentes que os cargos ocupados pelos doadores não se enquadram no conceito de autoridade pública. Destacam que todas as doações foram identificadas por CPF e transitaram pela conta bancária, bem ainda, que não são provenientes de conta-salário ou desconto em folha de pagamento, fato que afastaria o caráter confiscatório. Asseveram que o magistrado deveria ter aplicado ao caso a modificação introduzida pela Lei n. 13.488/17, que ressalva as doações realizadas por ocupantes de cargos de livre nomeação e exoneração, quando filiados a partidos políticos. Requerem, ao final, a aprovação das contas.

Nesta instância, com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 258-262v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

A sentença foi publicada no DEJERS no dia 28.6.2018, quinta-feira (fl. 243), e o recurso, interposto em 03.7.2018, terça-feira (fl. 244). Considerando a Portaria P n. 157 de 2018, que prorrogou os prazos encerrados nas datas em que a Seleção Brasileira de Futebol jogava na Copa do Mundo, o apelo é tempestivo. Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

No mérito, a sentença desaprovou as contas anuais do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) do Município de São Borja, referentes ao exercício financeiro de 2015, determinando a suspensão de quotas do Fundo Partidário pelo período de doze meses e o recolhimento do valor de R$ 35.231,00, ao Tesouro Nacional, em razão do recebimento de recursos de autoridades consideradas fontes vedadas.

Os recorrentes alegam que os doadores não se enquadram na condição de autoridades, ao argumento de que seriam simples executores de tarefas ou chefes de divisão, departamento ou secretaria; que os chamados “CCs” não ocupam cargos superiores, pois não possuem poder de decisão ou mando.

Invocam o Estatuto do partido, o qual alegam ter sido aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e destacam, também, que, dada à condição de filiados dos doadores, à luz das alterações introduzidas pela Lei n. 13.488/17, as contribuições ora discutidas não seriam vedadas.

Inicialmente, destaco que, embora por força da nova redação conferida ao art. 31 da Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.488/17 não mais subsista a vedação em tela, desde que os doadores sejam filiados a partido político, essa inovação não tem aplicação retroativa, conforme entendimento firmado por este Tribunal em iterativa jurisprudência, cabendo citar, exemplificativamente, o RE n. 14-97, de relatoria do Dr. Luciano André Losekann, cuja ementa transcrevo a seguir:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses.

6. Provimento parcial.

(TRE-RS, RE n. 14-97, relator Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017.)(Grifei.)

Na hipótese em tela, a sentença guerreada entendeu como oriundas de fontes vedadas doações, no valor total de R$ 35.231,00, efetuadas por ocupantes de cargos de chefia e direção, porquanto exercentes, à época, dos cargos de diretores, chefes de gabinetes, coordenadores e secretários municipais.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, na redação vigente no exercício financeiro de 2015, vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

Diferentemente do que alegam os recorrentes, os doadores não eram “simples executores de tarefas”, sem poder de decisão. Ao contrário, a relação de doadores, juntada às fls. 115v. a 117, revela ter a agremiação recebido recurso de diretores, chefes de gabinete, secretários municipais e coordenadores, ou seja, integrantes do alto escalão da administração municipal.

No conceito de autoridade pública referido na norma, inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. José Augusto Delgado, Relator designado Min. Antonio Cesar Peluso, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data: 16.10.2007, Página 172.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.
O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.
Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.
[…]
(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.
[…]
Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.
[…]
As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.
[…]
O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Tal entendimento foi solidificado na Resolução TSE n. 23.432/14, cujas disposições disciplinam o exercício financeiro de 2015, analisado nestes autos:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

XII – autoridades públicas;

(…)

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(…)

Portanto, o conceito de autoridade abrange os servidores, que ingressaram ou não por concurso público, ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, inc. V, da Constituição Federal), excluídos aqueles que desempenham exclusivamente função de assessoramento.

Nesse sentido, relacionam-se os seguintes julgados do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e deste Regional:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO. DOAÇÕES. OCUPANTES CARGO DE DIREÇÃO OU CHEFIA. AUTORIDADE. VEDAÇÃO. ART. 31, II, DA LEI N. 9.096/95.

1. Para fins da vedação prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, o conceito de autoridade pública deve abranger aqueles que, filiados ou não a partidos políticos, exerçam cargo de direção ou chefia na Administração Pública direta ou indireta, não sendo admissível, por outro lado, que a contribuição seja cobrada mediante desconto automático na folha de pagamento. Precedentes.

2. Constatado o recebimento de valores provenientes de fonte vedada, a agremiação deve proceder a devolução da quantia recebida aos cofres públicos, consoante previsto no art. 28 da Res. TSE n. 21.841/04.

Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 4930 – Criciúma-SC, de relatoria do Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, sessão de 11.11.2014.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO 2015. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DOAÇÕES DE FONTE VEDADA. CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS.

1. Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta.

2. Regras internas das agremiações partidárias não se sobrepõem aos comandos legais e regulamentares.

3. Impossibilidade de redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, à míngua de previsão legal.

Provimento parcial, apenas para reduzir o prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário.

(TRE-RS - RE – 4732 – Rel. Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy – J. Sessão dia 22.5.2018.)(Grifei.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. CONTRIBUIÇÕES DE OCUPANTES DE CARGOS DEMISSÍVEIS “AD NUTUM”. CONCEITO DE AUTORIDADE. MANTIDA A SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA PENALIDADE DE RECOLHIMENTO DO VALOR INDEVIDO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis “ad nutum” da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou de chefia.

Contribuições recebidas de cargo de chefia e direção, enquadrados no conceito de autoridade pública, nos termos definidos pela jurisprudência. Percepção de recursos de outra fonte de renda pelo doador não altera a ilicitude da doação.

(…)

(TRE-RS - RE – 5083 – Rel. Dr. Miguel Antônio Silveira Ramos – J. Sessão dia 20.6.2018.)(Grifei.)

Por fim, considerando os argumentos dos recorrentes, anoto que os estatutos dos partidos políticos não são “aprovados” pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas meramente registrados (art. 7º da Lei n. 9.096/95).

Ainda, o fato de as doações terem sido identificadas por CPF e terem transitado pela conta bancária é irrelevante, uma vez que não está em discussão o recebimento de recurso de origem não identificada, mas de fonte vedada.

Quanto à espontaneidade das doações, por seu norte, não tem o condão de tornar lícita a fonte.

Dessa forma, considerando que as doações irregulares foram todas realizadas em período anterior à edição da Lei n. 13.488/17, restou caracterizado o recebimento de recursos de fontes vedadas pela agremiação, no valor de R$ 35.231,00 (trinta e cinco mil, duzentos e trinta e um reais), irregularidade que corresponde a 48,90% do total arrecadado (R$ 72.046,65), fato que, além de acarretar o dever de transferência da quantia ao Tesouro Nacional (art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14), impede a aprovação das contas.

Além da manutenção da sentença de desaprovação parcial, a irregularidade impõe a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário. Todavia, nesse ponto, considerando que a irregularidade atinge o percentual de 48,90% do total de recursos arrecadados, entendo possível a aplicação do princípio da proporcionalidade para o fim de reduzir esse período para seis (06) meses.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a desaprovação das contas do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) do Município de São Borja e a determinação de recolhimento da quantia de R$ 35.231,00 (trinta e cinco mil, duzentos e trinta e um reais) ao Tesouro Nacional. De ofício, procedo à readequação do período de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para seis (06) meses.