RE - 43036 - Sessão: 22/03/2019 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso em face da sentença às fls. 370-376v., que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral cumulada com representação por captação ilícita de sufrágio movida pelo recorrente em desfavor de PEDRO ANTÔNIO DORNELLES e NEUZA INEZ FELL.

Em suas razões (fls. 380-388), alega que a prova constituída demonstra a ocorrência de abuso de poder e de captação ilícita de sufrágio, reproduzindo os depoimentos de Clarice das Neves Oestraich, Valdeci de Ávila, Fernando das Neves Oestraich, Tatiana de Vargas dos Santos, Solange Oestraich, Mara Virgília dos Reis e Paulo Renato Werman. Sustenta que, embora Clarice tenha conferido nova versão dos fatos em juízo, as contradições no seu relato não fragilizaram a confirmação do recebimento do auxílio pecuniário na Prefeitura e na residência do Prefeito, afirmando que as datas em que foram realizados os repasses estão evidenciadas nos registros das ligações informados pela operadora da linha telefônica. Assevera que o depoimento prestado por Fernando atesta o recebimento de vantagem financeira em troca de seu voto. Alega que Solange, indicada como sendo beneficiária da quantia em dinheiro recebida por Clarice, negou ter auferido qualquer benefício, mas confirmou que a vantagem foi requerida por sua irmã. Argumenta que Valdeci e Tatiana relataram a existência de comentários a respeito das irregularidades praticadas pelo Prefeito, não podendo ser desqualificado o valor probatório dos depoimentos, porquanto nenhuma prova foi produzida em desfavor dos depoentes. Expõe que os documentos apreendidos e armazenados no envelope à fl. 129 comprovam que Pedro Antônio Dornelles exercia atividade rural, não tendo declarado à Receita Federal e à Justiça Eleitoral o proveito obtido no exercício do referido ofício. Aduz que Neuza Inez Fell é litisconsorte passiva necessária na ação, em decorrência das sanções aplicáveis e do proveito indireto obtido com os ilícitos praticados. Discorre a respeito do abuso de poder, colacionando excertos da doutrina e da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Defende que os repasses financeiros realizados pelo recorrido, no exercício do cargo de Prefeito candidato à reeleição, configuram desvio de função, revestindo-se de potencialidade para alterar o resultado das eleições e comprometer a lisura do pleito. Assegura caracterizada a captação ilícita de sufrágio em decorrência do cerceamento da vontade dos eleitores Clarice e Fernando. Informa que a sentença não se manifestou a respeito da falta de declaração dos rendimentos obtidos com a atividade rural dos graves danos ocasionados à transparência das informações prestadas e à fiscalização destinada a evitar o abuso de poder econômico e a compra de votos. Requer a reforma da sentença, a fim de que sejam julgados procedentes os pedidos da ação.

Transcorrido o prazo sem apresentação de contrarrazões pelos recorridos (fl. 392), nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento parcial do recurso, a fim de que se reconheça a captação ilícita de sufrágio por parte do candidato Pedro Antonio Dornelles, com a cassação do seu registro e condenação à pena de multa (fls. 396-408).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

1.1. Tempestividade

O recurso é tempestivo.

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 03.9.2018, segunda-feira (fl. 377 v.), interpondo o recurso no dia 04.9.2018 (fl. 379), terça-feira, dentro do tríduo legal.

Por conseguinte, interposto o recurso no prazo legal, dele conheço.

2. Mérito

Inicialmente, registro que o feito já foi examinado por esta Corte no acórdão das fls. 352-356, oportunidade na qual foi anulada a sentença e determinada a reabertura da instrução processual, oportunizando-se a juntada da gravação ambiental realizada pelo eleitor Fernando das Neves Oestraich.

Com o retorno dos autos à origem, o órgão ministerial requereu a juntada de mídia contendo a gravação ambiental e a sua degravação (fls. 361-365), e o recorrido Pedro Antonio Dornelles manifestou-se dos documentos apresentados (fls. 367-368).

Nova sentença foi prolatada às fls. 370-376v., mantendo o entendimento pela improcedência da pretensão em razão de não haver elementos probatórios suficientes para a caracterização do abuso de poder econômico e a captação ilícita de sufrágio, sob os seguintes argumentos:

[…]

Pois bem. Da análise dos autos, verifico que a fragilidade das provas produzidas conduz à indesviável improcedência da AIJE em questão.

Da interpretação das normas acima transcritas sobressai nitidamente o raciocínio coerente e lógico no sentido de que é vedado o abuso do poder econômico em favor de determinada candidatura, o que levaria a afetar o princípio da igualdade de oportunidades.

Contudo, não se vislumbra, na hipótese dos autos, nenhuma dessas condutas, porquanto não restou demonstrado que os representados tenham excedido no uso dos recursos financeiros, tampouco foram trazidas ao feito provas contundentes acerca da natureza eleitoreira dos atos praticados.

Isso porque o depoimento das testemunhas ouvidas em Juízo apresentou conteúdo divergente, sendo que uma das supostas vítimas da captação ilícita de sufrágio, Clarice das Neves Oestraich, negou de forma veemente os fatos descritos na inicial, referindo que o Prefeito sempre lhe ajudou, mesmo fora do período de campanha, sem nenhum objetivo eleitoreiro. Tais informações foram corroboradas pelos ditos de Paulo Renato Wermann e Mara Virgília dos Reis.

Embora Valdoci de Ávila, Fernando das Neves Oestraich e Tatiane de Vargas dos Santos tenham confirmado de forma genérica os fatos descritos na exordial, referindo que ¿muitos candidatos que molham a mão das pessoas em troca de votos¿, seus depoimentos devem ser analisados com ressalvas, uma vez que confirmado por Fernando e Tatiana que participaram da festa realizada em comemoração à eleição do candidato de oposição, havendo informação de que Valdoci, de igual sorte, participou da campanha do referido candidato.

Por fim, registro que, enquanto modalidade de ilícito eleitoral, a captação ilícita de sufrágio se aperfeiçoa com a conjugação de três elementos: (i) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41-A (i.e., doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (ii) o dolo específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor e, por fim, (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8a Ed. São Paulo: Atlas, p. 520).

Nesse contexto, do conteúdo da mídia acostada à fl. 362 não verifico a existência de prova inconteste do dolo específico de agir, uma vez que o teor da conversa corrobora o depoimento prestado, em Juízo, por Clarice das Neves Oestraich, no sentido de que foi, na companhia de seu irmão Fernando, até a casa do representado para pedir ajuda - o que costumava fazer com frequência, mesmo fora do período eleitoral -, havendo, inclusive, referência expressa por parte do eleitor Fernando durante o diálogo, no sentido de que, independentemente da solicitação realizada, ¿a questão do voto, já era seu né¿.

Assim, a situação posta revela o assédio dos eleitores Clarice e Fernando das Neves Oestraich ao candidato, objetivando perceber vantagem pecuniária, sendo que, em momento algum, o empréstimo solicitado foi condicionado ao voto, de forma que não se verifica a existência de elementos seguros e suficientes a embasar um édito condenatório.

Ademais, não restou demonstrado que as condutas tenham apresentado gravidade para prejudicar a normalidade e a legitimidade do pleito - especialmente porque o candidato sequer logrou se eleger -, de forma que não restou caracterizado o abuso do poder econômico.

Da decisão, o recorrente interpôs o presente recurso, no qual sustenta que os auxílios pecuniários prestados por Pedro Antônio Dornelles, na qualidade de Prefeito candidato à reeleição, configura desvio de função caracterizador de abuso de poder, revestindo-se de potencialidade para alterar o resultado das eleições e comprometer a lisura do pleito.

Além disso, assegura que o cerceamento da vontade dos eleitores Clarice e Fernando caracteriza a captação ilícita de sufrágio.

Antes de adentrar na análise dos fatos e das provas, cumpre tecer algumas considerações teóricas sobre os temas trazidos.

O caput do art. 22 da LC n. 64/90 dispõe sobre a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Grifei.)

Trata-se de instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, trago a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. Há uma exacerbação de meios materiais que apresentem conteúdo econômico para o voto de forma ilícita. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade. (Elementos de Direito Eleitoral, 5ªed., 2016, p. 422)

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

(…)

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

E nesse sentido bem esclarece a doutrina de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições. Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

Quanto ao abuso de poder econômico, trago os ensinamentos de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral - 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Páginas 541-542):

(…) Caracteriza-se o abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente. com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Pode-se configurar o abuso de poder econômico, exemplificativamente, no caso de descumprimento das normas que disciplinam as regras de arrecadação e prestação de contas na campanha eleitoral (v.g., arts. 18 a 25 da LE). Em face à adoção da livre concorrência como um dos princípios basilares da ordem econômica (art. 170, inciso IV, da CF), tem-se que o abuso do poder econômico é o mais nefasto vício que assola os atos de campanha, distorcendo a vontade do eleitor e causando inegáveis prejuízos à normalidade e legitimidade do pleito. Para a caracterização do abuso do poder econômico desimporta a origem dos recursos, configurando-se o ilícito no aporte de recursos de caráter privado ou público.

(…)

Abuso de poder de autoridade é todo ato emanado de pessoa que exerce cargo, emprego ou função que excede aos limites da legalidade ou de competência. O ato de abuso de poder de autoridade pressupõe o exercício de parcela de poder, não podendo se cogitar da incidência desta espécie de abuso quando o ato é praticado por pessoa desvinculada da administração pública (lato sensu). O exemplo mais evidenciado de abuso de poder de autoridade se encontra nas condutas vedadas previstas nos artigos 73 a 77 da LE. Enquanto o abuso de poder de autoridade pressupõe a vinculação do agente do ilícito com a administração pública mediante investidura em cargo, emprego ou função pública, o abuso de poder político se caracteriza pela vinculação do agente do ilícito mediante mandato eletivo. 

Por sua vez, a captação ilícita de sufrágio encontra-se disciplinada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

No âmbito doutrinário, o Procurador da República Francisco de Assis Vieira Sanseverino (in Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p.274) leciona que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 protege como bens jurídicos, de forma mais ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições decorrentes dos Princípios Democrático e Republicano; e de maneira mais específica, resguarda a um só tempo, o direito de votar do eleitor, nos aspectos da sua liberdade de consciência, da liberdade de opção e da igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações.

Infere-se, portanto, que os elementos necessários a comprovar a captação ilícita de sufrágio são: a) uma conduta (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza ao eleitor), ocorrida durante o período entre o registro de candidaturas e a data da eleição, com participação direta ou indireta do candidato; b) a especial finalidade de obter o voto (elemento subjetivo da conduta); c) o direcionamento da conduta a eleitor(es) determinado(s) ou determinável(eis).

Delineados os parâmetros legais e teóricos, incumbe examinar se as provas colacionadas aos autos são suficientes à caracterização do abuso de poder econômico e da conduta tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

A respeito da ocorrência de abuso de poder, adianto que, na minha compreensão, a magistrada da 21ª Zona Eleitoral analisou com extrema acuidade os fatos e, acertadamente, concluiu pela improcedência da ação, razão pela qual não vejo motivos para reformar a sentença recorrida.

Segundo afirma o recorrente, Pedro Antônio Dornelles, ao conceder vantagens pecuniárias em troca de votos, adotou postura impessoal e em verdadeiro desvio de função relativamente ao cargo de Prefeito que ocupava, malferindo a lisura do pleito.

Contudo, a prova produzida não conduziu a essa conclusão.

A alegação de abuso de poder tem como fundamento o 1º fato narrado pelo Ministério Público Eleitoral, referente à entrega da quantia de R$ 400,00 à eleitora Clarice das Neves Oestraich para a aquisição de porta e latas de tintas em favor de Solange Oestraich.

Ocorre que a narrativa não foi confirmada em juízo tanto por Clarice das Neves Oestraich quanto por Solange Oestraich. As contradições dizem respeito à oportunidade e à finalidade da prestação do auxílio à Clarice, cabendo destacar que Solange negou o recebimento de qualquer vantagem.

Os relatos de Valdeci de Ávila e Tatiana de Vargas dos Santos, no mesmo sentido, não servem para atestar a ocorrência de fato ilícito, notadamente o abuso de poder econômico. Os depoentes (fl. 251) apenas relatam a existência de rumores a respeito da entrega de benefícios financeiros, sem noticiar qualquer evento específico que possa ser imputado aos recorridos.

Acrescento que os registros das ligações telefônicas não comprovam a ação ilícita narrada, tampouco a ocorrência de encontros entre os interlocutores.

Outrossim, as provas do exercício de atividade rural por parte do recorrido Pedro (fl. 129), embora representem a falta de transparência nas informações prestadas à Justiça Eleitoral, não autorizam que seja firmada a conclusão no sentido de que os valores auferidos com o ofício tenham revertido para a prática de ilícitos no período eleitoral.

Saliento ainda que, mesmo não se exigindo da conduta a capacidade para alteração do resultado do pleito, não há provas da ocorrência de fato grave capaz de alterar a simples normalidade da campanha.

Logo, a manutenção da sentença de improcedência é medida que se impõe.

Prosseguindo, no tocante à imputação de captação ilícita de sufrágio, as razões de reforma da decisão de piso se fundamentam no cerceamento da vontade dos eleitores Clarice das Neves Oestraich e Fernando das Neves Oestraich, por meio da entrega de auxílio pecuniário.

Nesse ponto, conforme já exposto, nota-se que da narrativa apresentada por Clarice não se extrai que a vantagem tenha vínculo com a obtenção de votos, sendo pertinente rememorar que Solange Oestraich, indicada como beneficiária da vantagem, negou em juízo ter recebido qualquer dos auxílios mencionados.

Quanto à alegação envolvendo o eleitor Fernando das Neves Oestraich, os depoimentos prestados em juízo não comprovam a ocorrência da infração imputada ao recorrido, notadamente pelo favorecimento ao candidato adversário manifestado por Fernando em seu testemunho, prejudicando a confiabilidade da narrativa apresentada em juízo.

Nada obstante, a gravação ambiental registrada na mídia juntada à fl. 362 demonstra a entrega da quantia de R$ 100,00 pelo recorrido Pedro Antônio Dornelles e a promessa de repasse futuro de mais valores ao eleitor Fernando.

O que não se mostrou claro foi o repasse da quantia em troca do apoiamento eleitoral.

Assim, dos elementos caracterizadores da captação ilícita de sufrágio, observa-se que a prova é no sentido da presença da conduta, representada pela entrega da vantagem financeira, e da sua ocorrência durante o período eleitoral, transparecida pelo teor da conversação, que refere ao convite feito ao eleitor para a participação em ato de campanha.

No meu sentir, da gravação se extrai apenas uma presunção da finalidade de Pedro de obtenção do voto de Fernando, mas não uma demonstração explícita deste elemento subjetivo, notadamente em razão de o eleitor expressar, de modo antecedente, o seu apoio ao recorrido, então candidato concorrente ao cargo de Prefeito.

Para a caracterização da captação ilícita de sufrágio é necessária a prova inconteste da compra ou negociação do voto de maneira a corromper o eleitor.

Além de a gravação não contemplar de forma segura a ocorrência da ilicitude, não é possível conferir valor ao testemunho do eleitor, porquanto comprometido pela orientação política externalizada no seu depoimento.

A ausência de provas robustas impede o juízo condenatório, na linha da jurisprudência deste Tribunal e do Tribunal Superior Eleitoral:

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Candidatos a prefeito e a vice. Eleições 2016. Matéria preliminar afastada.

1. Não configura cerceamento de defesa o indeferimento do pedido de prova considerada prescindível para o deslinde da demanda.

2. Embora ausente a degravação do conteúdo da mídia acostada aos autos, em desobediência a procedimento constante na resolução do Tribunal Superior Eleitoral, a possibilidade de acesso ao conteúdo pelos representados afasta a ocorrência de prejuízo. Garantido o exercício do direito constitucional de defesa.

3. A penalidade de cassação não se justifica apenas quanto àqueles que lograram êxito no pleito, mas também em relação a candidatos derrotados, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo dispositivo em análise é a vontade do eleitor, despicienda a potencialidade de ofensa à lisura do pleito. Prejuízo da ação, sob a justificativa de insucesso da chapa, não verificado. Evidenciada a possibilidade jurídica do pedido.

4. Litisconsórcio passivo necessário entre os integrantes da chapa majoritária nas ações em que se busca a cassação do registro, do diploma ou do mandato, conforme o entendimento consolidado pela Súmula n. 38 do Tribunal Superior Eleitoral.

5. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Hipótese em que desnecessária a autorização judicial. O art. 41-A da Lei n. 9.504/97 protege genericamente a legitimidade das eleições. Para a caracterização da captação ilícita de sufrágio é necessária a prova inconteste da compra ou negociação do voto de forma a corromper o eleitor. Caderno probatório formado por gravação unilateral de péssima qualidade e por um único testemunho, comprometido pela orientação política da eleitora envolvida. Inexistente, na espécie, a prova robusta a revelar a ocorrência da prática do ilícito. Provimento.

(TRE-RS - RE: 36913 ANDRÉ DA ROCHA - RS, Relator: DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Data de Julgamento: 21.3.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 49, Data: 23.3.2017, p. 3.) (Grifei.)

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE DA PROVA. SEGURANÇA JURÍDICA. MÉRITO. PROVA ROBUSTA. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. No caso dos autos, a gravação ambiental que fundamentou a representação é manifestamente ilícita, haja vista sua similitude com um flagrante preparado.

2. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio requer provas robustas, não se podendo fundar em meras presunções. Na espécie, os testemunhos colhidos em juízo e examinados pela Corte Regional não permitem precisar com exatidão as circunstâncias em que ocorridos os fatos, tampouco a participação ou anuência da recorrida.

3. Recurso especial eleitoral a que se nega provimento.

(TSE - RESPE: 75057 DIAMANTE - PB, Relator: JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 30.9.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 12.11.2015.) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVA ROBUSTA. AUSÊNCIA. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a condenação por captação ilícita de sufrágio exige prova robusta e não pode ser baseada em mera presunção. Precedentes.

2. Na espécie, a distribuição pontual de 50 camisetas a cabos eleitorais e à equipe de campanha não configura vantagem oferecida a eleitor. Isso porque se trata de "mecanismo de organização de campanha" (RO 1507, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 1º.10.2010).

3. Desse modo, também não se configura o suposto abuso de poder econômico, que exige comprovação da "utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando a normalidade e a legitimidade das eleições" (AgRg no RCED 580, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 1º.11.2011). 4. Agravo regimental não provido.

(TSE - RO: 00016758920146220000 PORTO VELHO - RO, Relator: Min. João Otávio De Noronha, Data de Julgamento: 30.9.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 204, Data: 27.10.2015, pp. 55-56.) (Grifei.)

Dessarte, a sentença de improcedência não comporta reforma.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhor Presidente.