RC - 620 - Sessão: 29/03/2019 às 17:00

RELATÓRIO

JOEL ALBERTO CAVAZZOTO interpõe Recurso Criminal contra a sentença (fls. 92-95) do Juízo da 22ª Zona Eleitoral, que julgou procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Publico Eleitoral e condenou o recorrente pela prática do delito do art. 296 do Código Eleitoral.

Narrou a exordial que, em 02.10.2016, dia da eleição, na Seção 11 da 22ª ZE, o denunciado promoveu desordem prejudicando os trabalhos eleitorais (fls. 2-3).

A denúncia foi recebida em 21.3.2018 (fl. 44).

Instruído o feito e oferecidos memoriais, sobreveio sentença de procedência da denúncia, condenando o denunciado como incurso nas sanções do art. 296 do Código Eleitoral.

O recorrente apresenta recurso pela reforma da decisão. Argumenta não existirem provas a embasar o decreto condenatório. Postula, caso não seja absolvido, a redução da pena e da multa aos mínimos legais. Invoca a possibilidade de transação penal ou suspensão condicional do processo. Pleiteia a isenção do pagamento de custas processuais e alega que solicitou a AJG na defesa preliminar. Colaciona jurisprudência. Requer a reforma da sentença (fls. 98-105).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso, requerendo a absolvição do réu (fls. 109-110v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é próprio, regular e tempestivo, observando-se o prazo estabelecido no art. 362 do Código Eleitoral, e merece conhecimento.

1) Preliminares

1.1) Não oferta de transação penal e de suspensão condicional do processo.

O recorrente alega ausência de oferecimento do benefício de transação penal e da suspensão condicional do processo.

Impende esclarecer que ambos os institutos são dependentes de proposição do Ministério Público Eleitoral, conforme o princípio da discricionariedade regrada, ou seja, o Parquet tem a liberdade para dispor da Ação Penal, limitado às hipóteses legais.

Nessa linha, o órgão ministerial somente poderá apreciar o oferecimento dos benefícios se o réu preenche os requisitos legais à concessão da medida despenalizadora:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRANSAÇÃO PENAL NÃO OFERECIDA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. REFORMA DA DECISÃO. O espaço de atuação do Ministério Público é aquele consagrado pelo art. 129, inciso I, da Constituição Federal, nele se inserindo a proposta de transação penal, enquanto ao Magistrado cabe, amparado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, a adaptação desta para que atenda a critérios de adequação e proporcionalidade, e até mesmo a rejeição da denúncia com suporte no art. 395, II, do CPP, fazendo-o por falta de condição da ação nas hipóteses em que preenchidos os requisitos legais há a recusa do Ministério Público ao oferecimento da transação penal, mesmo que essa posição seja referendada pelo Procurador-Geral de Justiça. Hipótese em que os elementos invocados pelo Ministério Público para negar, com suporte no art. 76, III, da Lei nº 9.099/95, o oferecimento do benefício, efetivamente se sustentam, motivo pelo qual se justifica a reforma da decisão guerreada, porque violado não está sendo o direito subjetivo do réu diante da ausência de preenchimento dos requisitos legais necessários à concessão da medida despenalizadora. RECURSO PROVIDO. (Recurso Crime n. 71005795497, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais do RS, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em 23.5.2016, Publicado no Diário da Justiça do dia 23.5.2016) (Grifei.)

Na hipótese, o recorrente não preencheu as condições para a concessão das medidas, pois já condenado à pena privativa de liberdade, de forma definitiva, como se observa da certidão judicial criminal às fls. 37-41v., circunstância consignada pelo Parquet na peça incoativa, fl. 3: “O Ministério Público deixa de ofertar os benefícios legais previstos na Lei n. 9.099/95 (transação penal e suspensão condicional do processo) em razão de que o réu não preenche os requisitos para tanto, na medida em que possui condenação por crime doloso (fl. 37/38)”.

Afasto a preliminar.

1.2) Assistência judiciária gratuita e isenção das custas processuais.

Afasto, de ofício, a condenação em custas.

A defesa do réu JOEL ALBERTO CAVAZZOTO requereu a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita (AJG), em virtude de hipossuficiência econômica.

Contudo, diferentemente da sistemática adotada na Justiça Comum (Lei n. 1.060/50), no âmbito da Justiça Eleitoral inexiste condenação ao pagamento de emolumentos ou custas processuais, com base no que dispõe o art. 5º, inc. LXXVII, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei n. 9.265/96.

Nesse sentido, a seguinte decisão deste Tribunal:

RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DENÚNCIA. ART. 353 DO CÓDIGO ELEITORAL. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA FINS ELEITORAIS. PROVAS DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. COMPROVADAS MATERIALIDADE E AUTORIA. ABSORÇÃO DO DELITO DE FALSO PREVISTO NO ART. 349 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MANTIDA SENTENÇA CONDENATÓRIA. AFASTADA CONDENAÇÃO EM CUSTAS. INDEFERIDO PEDIDO DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA. DESPROVIMENTO.

Prática dos crimes previstos nos arts. 343 e 353 do Código Eleitoral. Falsificação de documento particular para fins eleitorais, consistente em peça judicial de contestação ao pedido de impugnação do registro de candidatura, tendo o recorrente firmado como se verdadeira fosse a assinatura do advogado. Absorção do delito de falso (art. 349, CE) pelo de uso (art. 353, CE), conforme o princípio da consução. Conjunto probatório formado por documentos e testemunhas que demonstram a materialidade e a autoria. Ausente semelhança da assinatura inserida no documento com a que pertence ao bacharel. Declaração do advogado no sentido de não ter assinado qualquer peça processual, tampouco ter sido constituído procurador do recorrente. Manutenção da sentença condenatória.

Afastada, de ofício, a condenação em custa, pois inaplicáveis aos feitos eleitorais. Indeferimento do pedido ministerial para a execução provisória da pena , sob pena de solapar o princípio constitucional da presunção de inocência. 

Provimento negado.

(RC n. 142-72, Relator Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, julgado na sessão de 04.12.2017).

 

Logo, ausente o interesse recursal do réu JOEL ALBERTO CAVAZZOTO, indefiro o pedido de concessão do benefício da AJG. Afasto de ofício a condenação em custas.

Além, não ocorreu prescrição, bem como inexistem nulidades a serem declaradas.

2) Mérito

No mérito, trata-se do delito previsto no art. 296 do Código Eleitoral:

Art. 296. Promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais.

Pena - Detenção até dois meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.

A denúncia narra que o recorrente JOEL ALBERTO CAVAZZOTO, no dia 02.10.2016, dia das eleições municipais de 2016, na Seção 11, da 22ª Zona Eleitoral, localidade São Pedro, em Serafina Côrrea/RS, promoveu desordem prejudicando os trabalhos eleitorais.

A sentença combatida julgou procedente a denúncia, para o fim de condenar o recorrente como incurso nas sanções do art. 296 do Código Eleitoral à pena de 20 dias de detenção, a ser cumprida em regime aberto (art. 33, § 2º, al. “c”, do CP), e à pena de multa fixada em 60 dias- multa.

A respeito do crime de promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais, a doutrina de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. O autor dá destaque à circunstância de que deve haver, para a configuração do tipo, o efetivo prejuízo aos trabalhos eleitorais:

Em sentido diverso, Suzana de Camargo Gomes, para quem “a promoção da desordem deve atingir alguma das fases do processo eleitoral, ou seja, o alistamento,

o registro dos candidatos, a propaganda eleitoral, a votação, a apuração ou diplomação dos eleitos”. Ainda para ela: “A desordem deve ser de tal natureza que prejudique os trabalhos, que cause transtornos ao seu regular desenvolvimento, dado que assim estabelece o tipo penal. Portanto, um ato que não chegue a alterar a normalidade dos trabalhos eleitorais, não configura a conduta típica aqui tratada.”

(GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral, 2ª Edição, Ed. Atlas, p. 40) (Grifei.)

E é entendimento também na jurisprudência que o delito previsto no art. 296 do Código Eleitoral requer o efetivo prejuízo aos trabalhos eleitorais:

CRIME ELEITORAL. ART. 296 DO CÓDIGO ELEITORAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NÃO RECEPÇÃO DA NORMA ELEITORAL PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TESE AFASTADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. DENÚNCIA QUE IMPUTOU AO RÉU A PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 296 DO CÓDIGO ELEITORAL.

2. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A ACUSAÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME TIPIFICADO NO ART. 296 DO CÓDIGO ELEITORAL E CONDENOU O ACUSADO À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE DE VINTE DIAS DE DETENÇÃO EM REGIME SEMI-ABERTO E AO PAGAMENTO DE OITENTA DIAS-MULTA.

3. A DOUTA PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL MANIFESTOU-SE PELO DECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DO ART. 296 DO CÓDIGO ELEITORAL E, CASO NÃO SEJA ESSE O ENTENDIMENTO, PUGNOU PELO PROVIMENTO DO RECURSO DIANTE DA ATIPICIDADE DA CONDUTA.

4. NÃO SE DESCONHECE OS DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE PENAL, DENTRE ELES A PROIBIÇÃO DE LEIS PENAIS INDETERMINADAS OU COM TIPICIDADE ABERTA OU CLÁUSULAS GERAIS, AS QUAIS IMPEDEM QUE O INDIVÍDUO SE PROTEJA CONTRA A ARBITRARIEDADE ESTATAL. ENTRETANTO, NÃO HÁ FALAR QUE A CITADA NORMA POSSUI TIPO PENAL IMPRECISO E, CONSEQUENTEMENTE, NÃO MERECE SER RECEPCIONADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A FIGURA TÍPICA ALI DELINEADA NÃO DEIXA MARGEM À DÚVIDAS, TAMPOUCO SE UTILIZA DE TERMOS GENÉRICOS OU VAGOS.

5. QUANTO AO MÉRITO, NAS ELEIÇÕES DE 2010, O ACUSADO PROMOVEU DESORDEM NO LOCAL DE VOTAÇÃO, DESRESPEITANDO A FUNCIONÁRIA DA JUSTIÇA ELEITORAL E PROFERIU DIVERSOS PALAVRÕES ENQUANTO AGUARDAVA NA FILA PARA VOTAR. EM SEGUIDA, CAUSOU TUMULTO NO INTERIOR DA SALA DE VOTAÇÃO AO NEGAR-SE A DEIXAR O SEU APARELHO CELULAR COM OS SERVENTUÁRIOS ANTES DE INGRESSAR NA CABINE DE VOTAÇÃO E, POR FIM, AMEAÇOU AGREDIR OUTRA FUNCIONÁRIA QUE TRABALHAVA NAS ELEIÇÕES.

6. NÃO OBSTANTE A CONDUTA DO RÉU, DE RIGOR A SUA ABSOLVIÇÃO. EMBORA COMPROVADA A DESORDEM, NÃO HÁ, NOS AUTOS, EM QUE CONSISTIU O EFETIVO PREJUÍZO AOS TRABALHOS ELEITORAIS, ELEMENTO NECESSÁRIO PARA A CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO.

7. DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO PARA ABSOLVER O ACUSADO DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 296 DO CÓDIGO ELEITORAL.

(TRE/SP, RECC 812 SP, Relator: ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO, Data do Julgamento: 25.6.2013, Data da publicação: 02.7.2013) (Grifei.)

Na situação dos autos, o recorrente teria desobedecido à ordem de colocação na fila para votar na seção eleitoral, e proferido palavra de baixo calão ao secretário da mesa.

Note-se que o testemunho de Gianlucca Scalabrini, mesário encarregado para organizar as filas na data dos fatos, é claro no sentido de que “o réu entrou na fila dos idosos e ficou bravo, proferindo palavras de baixo calão quando o depoente pediu que retornasse a outra fila”. A testemunha narrou ainda que, em seguida, o recorrente voltou para a fila não preferencial, “votou normalmente e depois foi embora”. Foi indicada a desnecessidade de intervenção policial.

Ou seja, apesar do tumulto causado, os trabalhos eleitorais prosseguiram normalmente, sem acarretar prejuízo às atividades: a decisão a quo refere que “as pessoas que estavam na fila presenciaram a situação e causou tumulto no momento” (fl. 93).

No mesmo sentido, a testemunha Neli Censi. Muito embora tenha mencionado que houve confusão quando os presentes escutaram o xingamento proferido pelo recorrente, relatou também que, quando “pediu-lhe para retornar à fila não preferencial, solicitando organização e calma”, o recorrente obedeceu e voltou para a fila de origem.

Essa a conclusão do d. Procurador Regional Eleitoral,

Contudo, em que pese as testemunhas ouvidas na fase policial, e posteriormente em juízo, tenham confirmado que o ora recorrente teria ingressado na fila preferencial de votação, mesmo não sendo idoso ou deficiente físico, causando reclamação por parte dos demais eleitores que também aguardavam para votar, restou comprovado que ele voltou para a fila não preferencial após ser advertido pela testemunha Gialucca Scalabrini, que trabalhava no local.

Além disso, restou comprovado que o tumulto causado não foi de gravidade suficiente para causar atraso na votação, que não houve prejuízo aos trabalhos eleitorais, deixando, portanto, de haver a configuração dos elementos do tipo penal previsto no art. 296 do CE, senão vejamos.

Assim, apesar de reprovável, a conduta não prejudicou os trabalhos eleitorais, o que afasta o enquadramento na figura delitiva prevista no art. 296 do Código Eleitoral.

É por tais razões, e considerado que o Direito Penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico, não se pode ampliar a aplicação do tipo previsto no art. 296 do CE para a circunstância apurada. O fato narrado é atípico, devendo ser provido o recurso para absolver o recorrente.

Diante do exposto, VOTO para afastar a preliminar de não oferta de transação penal e de suspensão condicional do processo; de ofício, afastar a condenação em custas e, no mérito, pelo provimento do recurso para absolver JOEL ALBERTO CAVAZZOTO, com fundamento no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.