E.Dcl. - 52780 - Sessão: 06/02/2019 às 17:00

 

Eminentes colegas,

Estou acompanhando a conclusão do voto proferido pelo ilustre relator, Desembargador Fraga, no sentido de acolher parcialmente os embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Eleitoral, reconhecendo a nulidade da decisão que homologou a desistência de recurso do candidato, em virtude da ausência de intimação prévia do órgão ministerial, considerando-a, contudo, sanada, para manter a decisão homologatória da desistência.

Gostaria apenas de ponderar que, não obstante esta Corte, ao julgar o RE n. 636-62, na sessão de 14.12.2017, tenha adotado entendimento no sentido de a impossibilidade do efeito translativo dos recursos, interpostos em processos de prestação de contas, abranger a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional – porquanto implicaria ofensa ao princípio da “non reformatio in pejus”, conforme constou expressamente da ementa do acórdão, citada no voto do relator –, o Tribunal Superior Eleitoral, em sede de decisão monocrática, já sinalizou orientação em sentido contrário.

Com efeito, ao apreciar o recurso especial interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra acórdão proferido por este Regional nos autos do RE n. 422-29 (relator Des. Eleitoral Eduardo Bainy, julgado na sessão de 19.12.2017), o Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, em decisão monocrática publicada no DJE de 24.8.2018, entendeu pelo cabimento da imposição do recolhimento da quantia de R$ 4.500,00 ao Tesouro Nacional, arrecadada sem identificação de origem pelo PSDB de Passo Fundo durante as eleições de 2016, ainda que somente o próprio prestador tivesse se insurgido contra a decisão de primeiro grau.

Conforme a fundamentação exarada pelo Ministro relator:

Com efeito, o acórdão regional merece reparos no que se refere ao entendimento firmado acerca do tema.

Da leitura do acórdão de origem, constata-se que o procurador regional eleitoral, na figura de fiscal da lei, fez acréscimo, durante a sessão de julgamento, às considerações exaradas ao parecer anteriormente ofertado ao recurso interposto pelo partido contra a desaprovação de suas contas.

Tanto no parecer ministerial em segunda instância quanto na sessão de julgamento do recurso eleitoral, o Parquet questionou a omissão do juízo de primeiro grau quanto à declaração dos efeitos da sentença que reconheceu a utilização de recursos de origem não identificada por parte do partido, então recorrente, mas não determinou o recolhimento dos referidos valores ao Tesouro Nacional.

Ocorre que a determinação de recolhimento ao Tesouro é efeito decorrente da desaprovação das contas, de sorte a se apresentar como consequência ope legis, isto é, cuida-se de efeito anexo da proibição de serem utilizados recursos de origem não identificada por candidatos e partidos políticos, consoante previsto nas regras de financiamento das campanhas eleitorais, nos termos do § 6º do art. 26 da Res.-TSE nº 23.463/2015, in verbis:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

[...]

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o

§ 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifei.)

Revela-se, assim, o acerto da interpretação do Parquet acerca das consequências do efeito translativo dos recursos. Por meio deste, há a transferência ao Tribunal ad quem, no caso, o TRE/RS, do exame das matérias de ordem pública, como a que se discute nos autos.

Desse modo, os efeitos da preclusão não se operam na espécie. Daí por que não encontra amparo o entendimento de que resultaria em afronta ao princípio da non reformatio in pejus a aplicação da obrigação legal insculpida nos arts. 13 e 26 da Res.-TSE nº 23.463/2015, uma vez que a análise do mérito do recurso eleitoral abarca a possibilidade de reconhecimento de normas cogentes de forma ampla, in casu, a determinação de recolhimento ao Erário dos recursos de origem não identificada, reconhecidos como tais na sentença e mantidos pela Corte de origem.

Logo, o TRE/RS equivocou-se ao omitir-se quanto à possibilidade de prescrever, de ofício, que as quantias de origem não identificada e ou de origem vedada fossem recolhidas ao Tesouro Nacional.

Na esteira do voto divergente, referida determinação configura-se "preceito de ordem pública, a veicular obrigação legal, não sancionatória, com o fim de obstar o locupletamento ilícito do prestador a partir do recebimento de valores de origem não esclarecida" (fl. 130v.).

(...)

Oportuno ressaltar que, no recurso eleitoral interposto pelo partido, foram questionadas, com o intuito de afastá-las, as irregularidades que deram ensejo ao reconhecimento, pelo juízo de primeiro grau, dos recursos de origem não identificada. A Corte de origem, contudo, não afastou as referidas irregularidades, assim como manteve sua caracterização como recursos de origem não identificada, o que, à luz do art. 1.013, § 1º, do Código de Processo Civil, também permitiria que o Tribunal a quo determinasse o seu recolhimento ao Erário.

Por essas razões, a determinação de recolhimento ao Tesouro dos recursos de origem não identificada pelo partido é medida que se impõe. (Grifei.)

Relembro que a decisão deste Regional havia sido proferida por maioria de votos, tendo sido suscitada divergência pelo Des. Eleitoral Luciano Losekann, acompanhada pelo Des. Eleitoral Jorge Dall'Agnol, no seguinte sentido:

Entendo que a determinação de recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, por força do que dispõe o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, é consectário normativo necessário decorrente do reconhecimento da origem não identificada dos recursos.

Trata-se de preceito de ordem pública, a veicular obrigação legal, não sancionatória, com o fim de obstar o locupletamento ilícito do prestador a partir do recebimento de valores de origem não esclarecida.

Assim, enquanto disposição obrigacional de vedação ao enriquecimento ilícito, a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional é questão de enfrentamento obrigatório a todas as contas eivadas pela arrecadação de origem não identificada, sob pena de nulidade da decisão, não sendo vulnerada pela preclusão.

No entanto, tenho que, em prestígio ao art. 1.013, § 3º, inc. III, do CPC, que permite o julgamento da chamada "causa madura", é possível superar a nulidade e suprir a omissão do juízo a quo em relação à determinação de recolhimento de valores acaso o exame da questão de fundo assim recomende.

Em relação ao mérito, tenho por adotar a fundamentação do relator no sentido de manutenção da sentença de desaprovação das contas, agregando, porém, de ofício, na linha do posicionamento exposto, a determinação do recolhimento do valor de R$ 4.500,00, de origem não identificada, ao Tesouro Nacional.(Grifei.)

Assim, embora a orientação do Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do RE n. 422-29 seja cogente, entendo que, no contexto da contabilidade em questão, a nulidade em decorrência da falta de intimação do órgão ministerial deve ser reconhecida, porém ultrapassada, mantendo-se a decisão homologatória da desistência do recurso interposto pelo candidato, porque o prosseguimento do feito pelo órgão ministerial, nos termos pretendidos nos aclaratórios, importaria em supressão de instância e violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da vedação da surpresa à parte interessada no provimento jurisdicional.

Isso porque, na hipótese sob julgamento, cotejando o parecer técnico conclusivo elaborado antes da sentença com a manifestação da Secretaria de Controle Interno e Auditoria (SCI) a respeito da documentação juntada pelo recorrente em grau recursal, verifiquei que a qualificação das receitas utilizadas para a quitação da dívida de campanha, no montante de R$ 286.563,25, como recursos de origem não identificada, foi feita pelo órgão técnico deste Tribunal quando o processo já se encontrava nesta segunda instância.

Por consequência, ao longo da instrução processual, não foi oportunizada a manifestação do prestador a respeito da constatação do recebimento de recursos de origem não identificada, de modo que restaria configurada evidente mácula aos postulados constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como ao princípio da não surpresa, expresso nos arts. 9º e 10 do Código de Processo Civil, além de evidente supressão de instância, caso esta Corte, na fase recursal, determinasse o recolhimento dos valores correspondentes ao Tesouro Nacional, nos moldes previstos pelo art. 26, “caput”, da Resolução TSE n. 23.463/15.

É como voto Senhor Presidente.