RE - 1571 - Sessão: 11/02/2019 às 17:00

VOTO-VISTA

Submeto a julgamento o presente pedido de vista realizado pelo então Desembargador Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, na sessão de 06.11.18, cuja vaga passei a ocupar, em substituição, diante do encerramento do respectivo biênio nesta jurisdição eleitoral.

Trata-se de recursos interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 432-435) e pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) de PORTO ALEGRE (fls. 419-428) contra a sentença que desaprovou as contas do exercício de 2015 prestadas pela agremiação, com base nas seguintes irregularidades: a) transferência da quantia de R$ 403,09 da conta bancária específica para movimentação dos recursos do Fundo Partidário para a conta corrente “Outros Recursos”; b) ausência de comprovação de despesas com verbas do Fundo Partidário; c) não observância da aplicação do Fundo Partidário na forma estabelecida na Lei dos Partidos Políticos, e d) recebimento de contribuições de fontes vedadas no total de R$ 676.446,87, valor que corresponde a aproximadamente 79,90% das receitas recebidas no exercício.

A sentença determinou o recolhimento dos recursos recebidos de fontes vedadas ao Tesouro Nacional e condenou o PTB à suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de 10 (dez) meses (fls. 407-415v.).

No parecer ofertado nos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral arguiu a preliminar de nulidade da sentença por falta de determinação de recolhimento dos recursos do Fundo Partidário, no valor de R$ 403,09, ao Tesouro Nacional. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso do partido político e pelo provimento do apelo do órgão ministerial, que se insurgiu contra a conclusão pela regularidade das doações efetuadas por detentores de cargo eletivo (fls. 455-477).

Na sessão de 06.11.18, o nobre relator, Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, em judiciosas razões e com a clareza costumeira, prolatou voto rejeitando a matéria preliminar, por constatar a existência de mera falha formal na movimentação financeira dos recursos do Fundo Partidário, com o consequente afastamento das irregularidades referidas nas letras “a”, “b” e “c” supra, persistindo apenas a falha relativa às contribuições de fontes vedadas.

No mérito, votou pelo desprovimento do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral e pelo parcial provimento do apelo do partido, reduzindo o prazo de suspensão de recebimento do Fundo Partidário para 4 (quatro) meses.

Ao pedir vista dos autos, o eminente Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes consignou entender necessário um melhor exame sobre o enquadramento dos cargos de agente comunitário e de conselheiro tutelar como autoridades e fontes vedadas de arrecadação.

A seguir, converteu o julgamento em diligência, determinando a remessa do feito à Secretaria de Controle Interno e Auditoria (SCI) para elaboração de novo cálculo com discriminação, por cargo público ocupado, das doações repassadas ao partido (fl. 481).

Atendida a determinação (fls. 487-501), vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

1. Preliminar de nulidade da sentença arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita a nulidade da sentença por falta de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos do Fundo Partidário, no valor de R$ 403,09, afirmando a ausência de aplicação do art. 61, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Contudo, na esteira da acertada conclusão do digníssimo relator, do atento exame dos autos, verifica-se que a preliminar comporta rejeição.

Além de o partido não ter recebido recursos do Fundo Partidário no ano de 2015, circunstância afirmada no parecer técnico conclusivo (fl. 346), os extratos bancários das fls. 103 e 135, expedidos pela Caixa Econômica Federal, demonstram ter havido simples transferência dos recursos do Fundo Partidário, na ordem de R$ 403,09, de uma conta-corrente para outra.

Essa falha, embora formal, não prejudicou o controle e a transparência da movimentação financeira do exercício, não conferindo azo à desaprovação das contas, tampouco conduzindo à anulação da sentença.

2. Mérito

a) Recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral

Quanto ao recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, observa-se que a sentença apontou que as doações no valor de R$ 32.000,00 (trinta e dois mil reais), realizadas por detentores de mandato eletivo, não se enquadram no conceito de fonte vedada, entendimento que está alinhado à jurisprudência firmada por este Tribunal no julgamento do recurso RE n. 13-93, da relatoria do ilustre Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira (DEJERS de 11.12.2017).

Nesse paradigma foi assentada a possibilidade de detentores de mandato eletivo efetuarem contribuição a partido político por não se enquadrarem no conceito de autoridade previsto na redação originária do art. 31 da Lei n. 9.096/95 (sem as alterações introduzidas pela Lei n. 13.488/17).

Anoto, nesse ponto, que a Procuradoria Regional Eleitoral interpôs recurso especial contra o acórdão do RE n. 13-93, e que o Tribunal Superior Eleitoral negou seguimento ao apelo, mantendo a decisão deste Regional, sob o fundamento de que o § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15 (dispositivo com redação idêntica ao § 2º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.432/14) “não incluiu os detentores de mandato eletivo na vedação legal à doação para as agremiações partidárias” (RESPE n. 1393, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 03.9.2018).

Mais recentemente, o tema voltou a ser tratado pelo TSE em sede de recurso especial, da relatoria do Min. Luís Roberto Barroso, que, na decisão de negativa de seguimento assentou: “Os detentores de mandato eletivo não são considerados autoridades, para os fins do art. 31, II, da Lei nº 9.096/1995. Dessa forma, as doações por eles realizadas aos partidos políticos não são oriundas de fonte vedada” (RESPE n. 4246, DJE de 24.10.2018, p. 14).

Assim, correta a magistrada a quo.

Em verdade, na legislação brasileira, não há a expressa previsão de que detentores de mandato eletivo não possam doar para partidos políticos.

O entendimento pela impossibilidade de recebimento de recursos de detentores de cargo eletivo parte de uma interpretação analógica de que tais doadores estariam na mesma posição dos servidores designados para ocupar cargo em comissão demissível ad nutum com poder de autoridade, ou seja, chefia, direção e coordenação, na Administração Pública direta ou indireta dos três Poderes, nas esferas federal, estadual ou municipal.

Essa interpretação extensiva do conceito de autoridade estabelecido na redação originária do inc. II do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, devem ser excluídos da relação de fontes vedadas os detentores de mandato eletivo outorgado pelo sufrágio popular para mandato fixo.

b) Recurso interposto pelo Diretório Municipal do PTB de Porto Alegre

Na sentença, foi apontado o recebimento de contribuições de fontes vedadas no total de R$ 676.446,87, repassadas ao partido por servidores públicos do Município de Porto Alegre que ocupam cargos e funções com poder de autoridade.

Em relação ao recurso interposto pelo Diretório Municipal do PTB de Porto Alegre, adiro à judiciosa fundamentação do douto relator para confirmar a validade e a incidência da redação original do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 ao caso concreto, dispositivo regulamentado pelo art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

A norma tem o escopo de impedir que as agremiações utilizem nomeações a cargos comissionados para alcançar benefícios econômicos, em detrimento do interesse público.

No entanto, conforme referido quando do pedido de vista, é cabível o reexame do enquadramento dos cargos apontados pelo juízo a quo como fontes vedadas, dado que a matéria está abarcada pelo efeito devolutivo do recurso.

O partido sustenta, de forma sintética, que os doadores em questão não são alcançados pela interpretação que deve ser dada ao termo “autoridade” contido na norma de regência.

Nesse tópico, cumpre destacar, dentre os contribuintes, os membros do Conselho Tutelar, cuja forma de investidura guarda estreita similitude com os detentores de mandatos eletivos de cunho político, recomendando, por isso, idêntica solução, ou seja, o não enquadramento do cargo como fonte vedada de contribuições partidárias.

Com efeito, os conselheiros tutelares são escolhidos pela própria comunidade local para mandato de 4 anos, conforme prevê o art. 132 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 132. Em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) recondução, mediante novo processo de escolha.

No Município de Porto Alegre, o processo de seleção ocorre por meio de eleição direta, universal e facultativa, realizada sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com o acompanhamento e a fiscalização do Ministério Público Estadual. Nesses termos, estabelece o art. 43 da Lei Complementar Municipal n. 628/09:

Art. 43. Os Conselheiros Tutelares serão eleitos pelo voto direto, secreto, universal e facultativo dos cidadãos do Município de Porto Alegre, em eleição presidida pelo CMDCA e fiscalizada pelo Ministério Público, na forma da lei.

Dessa forma, a nomeação ao cargo de conselheiro tutelar é condicionada à eleição pela população local, bem como a sua exoneração restrita ao encerramento do mandato, ou à eventual ocorrência de faltas funcionais apuradas em processo próprio.

Dadas tais características, os membros do Conselho Tutelar não se enquadram na definição de servidores públicos detentores de cargos de chefia ou direção demissíveis ad nutum, sendo, por isso, inviável se cogitar na ocupação manipulada destas posições públicas para fins de financiamento partidário.

Ademais, as atribuições afetas aos conselheiros tutelares estão discriminadas no art. 136 do ECA, do qual não se extraem competências relacionadas ao exercício diretivo típico, qualificadas pelo poder hierárquico e gerencial sobre outros servidores. Em realidade, as funções descritas referem-se à execução e cumprimento das leis e políticas públicas voltadas à infância em situação de vulnerabilidade, dentre outras relativas à orientação e assessoramento sobre a mesma temática.

Diante disso, não sem razão, a Lei Municipal n. 6.309/88, de Porto Alegre, que estabelece o plano de carreira dos funcionários da Administração Centralizada do Município, alocou o cargo de conselheiro tutelar dentro do quadro dos cargos comissionados de assessoramento estrito.

Com base nessas considerações, entendo que as doações realizadas pelos conselheiros tutelares não devem ser consideradas como receitas oriundas de fontes vedadas.

Prosseguindo quanto ao enquadramento das doações como fontes vedadas, verifica-se que o magistrado sentenciante ponderou ser possível a exclusão do montante referente às doações efetuadas por servidores com funções de assessoramento junto à administração pública desde que a agremiação comprovasse que a natureza dos cargos e funções comissionadas fosse de assessoramento.

Esse posicionamento está alinhado à diretriz jurisprudencial deste Tribunal, pois foi firmado entendimento de que as atribuições de assessoramento exclusivo não qualificam o agente público como “autoridade” segundo o art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, norma que veda apenas o recebimento de valores provenientes de pessoas que detêm cargos comissionados de chefia ou direção.

Nesse sentido, elenco os seguintes julgados deste Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTE VEDADA. ART. 31 DA LEI N. 9.096/95. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. AUTORIDADE. DETENTOR DE CARGO ELETIVO. EXTENSÃO DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA RECURSAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MINORAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Configurada a impossibilidade de análise de ampliação recursal apresentada pelo Ministério Público Eleitoral relativa às contribuições dos ocupantes de mandatos eletivos. Matéria preclusa, sob pena de violação do princípio do tantum devolutum quantum appellatum.

2. Representam recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. A agremiação partidária recebeu doações de autoridade pública caracterizando o ingresso de recurso de origem proibida por lei. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de Procurador-Geral do Município e Coordenadores de Unidades Administrativas. Incidência do disposto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, na redação vigente à época do exercício financeiro em análise, de acordo com o princípio do tempus regit actum.

3. Excluídos da vedação os servidores ocupantes de cargos que desempenham função exclusiva de assessoramento, cujas doações são consideradas lícitas. Adequação do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

4. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para reduzir o prazo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário para quatro meses.

Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n. 18-86.2016.6.21.0092, ACÓRDÃO de 06.03.2018, Relator DES. ELEITORAL LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DIRETÓRIO MUNICIPAL DE PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. IRRETROATIVIDADE DA LEI N. 13.488/2017. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. CARGO AD NUTUM. ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/95. LICITUDE DA DOAÇÃO EFETUADA POR OCUPANTE DE FUNÇÃO DE ASSESSORAMENTO. CORREÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DIMINUIÇÃO DO VALOR DA MULTA INCIDENTE SOBRE O MONTANTE IRREGULAR. DESAPROVAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Irretroatividade das disposições previstas pela Lei n. 13.488/17. Pacífico o entendimento deste Tribunal no sentido da incidência da legislação vigente à época dos fatos, em atenção aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da Administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Doações efetuadas por servidores públicos municipais. Demonstrado o enquadramento da maioria dos doadores, ocupantes de cargos em comissão, na condição de autoridades. Comprometimento de 60% dos recursos arrecadados pelo órgão partidário no exercício. Correção do valor a ser recolhido ao Tesouro nacional, em face da exclusão do referido elenco das doações provenientes de servidor ocupante de função de assessoria, não caracterizada como recurso proveniente de fonte vedada.

3. Redução do período de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário e da multa incidente sobre o montante irregular.

4. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 38-90.2017.6.21.0044, ACÓRDÃO de 19.11.2018, Relator DES. ELEITORAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA) (Grifei.)

Por outro lado, entendo que deve ser revista a imposição de ônus probatório imposto à agremiação para a exclusão das contribuições realizadas por assessores.

O conjunto de atribuições e responsabilidades acometidas a determinado cargo público, a permitir a conclusão sobre a sua natureza, é depreendido a partir da legislação que regula o regime jurídico dos servidores públicos do correspondente ente político.

Portanto, a produção probatória exigida consistia na apresentação da legislação municipal a respeito dos cargos em análise.

Não se desconhece o conteúdo do art. 376 do CPC, que faculta ao juiz poder exigir a prova do teor e da vigência da norma caso a parte invoque direito municipal, estadual ou consuetudinário.

Aliás, nos exatos termos da dicção legal, não cumpre à parte fazer tal prova no momento da alegação, mas apenas depois da determinação do magistrado, caso entenda adequado e necessário imputar-lhe o ônus.

A ilustrar esse raciocínio, transcrevo passagem da obra de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2017, p. 490):

O art. 376, CPC, não afirma que aquele que invoca direito municipal, estadual, estrahgeiro ou consuetudinário deve provar, no momento em que a invocação é feita, o seu teor e a sua vigência. O juiz, na verdade, pode determinar que aquele que o invoca prove o seu teor e a sua vigência. Nesse sentido, é iterativa a jurisprudência no sentido de que “a parte não está obrigada a provar o conteúdo ou a vigência de tal legislação [refere-se o julgado ao direito estadual e municipal], salvo quando o juiz o determinar” (STJ, AgRg no AgRg no Ag 698.172/SP, rel. Min. Teori Zavascki,j. 06.12.2005, D]l 09.12.2005, p. 237).

Por óbvio, a distribuição do ônus probatório deve ocorrer ainda durante a fase instrutória, oportunizando-se a juntada da prova de teor e vigência da legislação alegada.

Na hipótese, porém, a parte tomou conhecimento da incumbência apenas com a publicação da sentença, o que torna o ônus inexigível em razão da impossibilidade do seu cumprimento durante a marcha processual.

Outrossim, o art. 376 do CPC não escusa o magistrado de conhecer e aplicar, inclusive de ofício, a legislação vigente no âmbito da localidade em que exerce a jurisdição, ainda que se trate de direito municipal, conforme abalizada doutrina que torno a colacionar (Ibidem, p. 490):

A norma do art. 376, CPC, não se aplica ao direito do Estado ou do Município em que está sendo processada a demanda (STJ, l.•Turma, REsp 98.377/DF, rel. Min. Garcia Vieira,j.17.03.1998,D]03.08.1998, p. 84). Nesse sentido, não tem cabimento supor que alguém deve provar o teor e a vigência de uma lei estadual em uma causa que está sendo processada perante a Justiça situada nesse mesmo Estado. O juiz tem o dever de conhecer o direito do local em que exerce jurisdição.

A mesma lição é anotada por Alexandre Freitas Câmara (O novo processo civil brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 242):

Assim como se admite que o juiz determine a produção de prova do teor e da vigência da lei de outro país, pode-se determinar também a produção de prova do teor e da vigência de lei de outro Estado ou outro Município (mas jamais do próprio Estado ou Município em que o juiz exerce suas funções).

Portanto, cumpre afastar o entendimento de que o partido não comprovou a natureza dos cargos ocupados pelas pessoas físicas que lhe alcançaram recursos financeiros, uma vez ser possível a realização dessa análise tendo em perspectiva o estatuto jurídico dos servidores públicos do Município de Porto Alegre.

Nesse passo, o simples cotejo entre os cargos enumerados nas tabelas de fls. 488-501 com o “quadro dos cargos em comissão e funções gratificadas da Administração Centralizada”, estabelecido pela Lei Municipal n. 6.309/88, que fixa o plano de carreira dos funcionários do Município de Porto Alegre, permite a conclusão de que os cargos identificados como “Assessor Técnico”, “Assessor Especialista”, “Assessor Técnico em Educação”, “Assessor Especialista de Planejamento Estratégico”, “Assessor Economista”, “Assistente”, “Assistente B”, “Assistente D” e “Auxiliar Técnico” estão incluídos no grupo funcional de “assessoramento”, sendo indevido o seu enquadramento como fonte vedada.

De fato, analisando as previsões contantes no Decreto Municipal n. 14.662/04 (arts. 5º, 7°, 31, 33, 51, 53, 57, 97 e 189), que estabelece as atribuições gerais para funções de chefia e assessoramento no âmbito da administração pública de Porto Alegre, verifica-se que as tarefas desses cargos são típicas e exclusivas de assessoramento:

Art. 5º Ao Assessor Economista compete:

    I - prestar assessoramento técnico-político, diretamente ao Prefeito, na sua área de competência, desempenhando atividades em nível essencialmente estratégico, de alta complexidade e com qualificação de nível superior;

    II - analisar projetos de natureza econômica e financeira, considerados prioritários para o Governo;

    III - oferecer todos os subsídios necessários para análise e encaminhamentos em matéria de sua competência;

    IV - manter relacionamentos com entidades nacionais e internacionais, necessários ao desenvolvimento das suas atribuições;

    V - propor o estabelecimento de contratos e convênios em matéria de sua competência;

    VI - analisar contratos e convênios estabelecidos por diversos órgãos da PMPA, em matéria de sua competência;

    VII - exercer outras atribuições que lhe forem delegadas.

Art. 7º Ao Assessor Engenheiro compete:

    I - prestar assessoramento técnico-político, diretamente ao Prefeito, na sua área de competência, desempenhando atividades em nível essencialmente estratégico, de alta complexidade e com qualificação de nível superior;

    II - analisar projetos na área da engenharia, considerados prioritários para o Governo;

    III - oferecer todos os subsídios necessários para análise e encaminhamentos em matéria de sua competência;

    IV - manter relacionamentos com entidades nacionais e internacionais, necessários ao desenvolvimento das suas atribuições;

    V - propor o estabelecimento de contratos e convênios em matéria de sua competência;

    VI - analisar contratos e convênios estabelecidos por diversos órgãos da PMPA, em matéria de sua competência;

    VII - exercer outras atribuições que lhe forem delegadas.

Art. 31 Ao Assessor Técnico compete:

    I - prestar assessoramento em assuntos técnicos, relacionados com as competências da Repartição;

    II - efetuar estudos e realizar pesquisas, objetivando a elaboração de diretrizes básicas para o processamento de      planejamento, programação e controle das atividades da Repartição;

    III - acompanhar os trabalhos programados, requisitando, quando necessário, os elementos indispensáveis à sua análise e avaliação;

    IV - identificar e analisar fontes de recursos para a execução de planos e programas de trabalho;

    V - exercer outras atividades pertinentes que lhe forem delegadas.

Art. 33 Ao Assessor Técnico em Educação II compete:

    I - prestar assessoramento técnico, no âmbito da Educação Municipal, desempenhando funções em nível predominantemente estratégico, de alta complexidade e com qualificação de nível superior;

    II - orientar a elaboração, o acompanhamento e avaliação de programas, projetos e estudos especializados nas áreas de ensino e educação;

    III - participar na definição de objetivos, estratégias, diretrizes, metas e critérios de prioridades para a área educacional do Município;

    IV - compatibilizar programas e projetos da área educacional com a legislação vigente;

    V - participar da elaboração, acompanhamento e avaliação do Plano de Ação da Secretaria;

    VI - propor estudos, análises, pesquisas e projetos na área educacional;

    VII - propor medidas visando a expansão e ao desenvolvimento da educação municipal;

    VIII - manter intercâmbio com instituições de ensino e pesquisa;

    IX - propor a realização de seminários, palestras, encontros, debates e grupos de trabalho de interesse educacional;

    X - emitir pareceres técnicos;

    XI - exercer outras atividades pertinentes que lhe forem delegadas.

Art. 51 Ao Assessor Especialista compete:

    I - prestar assessoramento técnico, na sua especialidade, em assuntos relacionados com as competências da Repartição;

    II - assessorar e orientar os órgãos que compõem a Repartição nas atividades relacionadas com sua especialização;

    III - efetuar estudos, realizar pesquisas, reunir dados e colher informações para o perfeito desempenho das atividades da Repartição;

    IV - propor medidas, dentro da área de sua competência, visando ao aprimoramento das atividades;

    V - acompanhar os trabalhos programados na área de sua especialização, requisitando os elementos indispensáveis para a sua análise e avaliação;

    VI - exercer outras atividades pertinentes que lhe forem delegadas.

Art. 53 Ao Assessor Técnico em Educação I compete:

    I - prestar assessoramento técnico, no âmbito da Educação Municipal, desempenhando funções em nível essencialmente tático, de alta a média complexidade e com qualificação de nível superior;

    II - participar na elaboração, acompanhamento e avaliação de programas, projetos e estudos especializados nas áreas de ensino e educação;

    III - colaborar na definição de objetivos, estratégias, diretrizes, metas e critérios de prioridades para a área educacional do Município;

    IV - participar da elaboração, acompanhamento e avaliação do Plano de Ação da Secretaria;

    V - elaborar trabalhos técnicos na área de sua habilitação;

    VI - propor a realização de eventos de significação sócio-educacional;

    VII - colaborar na realização de estudos referentes a expansão e ao desenvolvimento da educação municipal;

    VIII - emitir pareceres técnicos;

    IX - exercer outras atividades pertinentes que lhe forem delegadas.

Art. 57 Ao Assistente Técnico compete:

    I - prestar assessoramento técnico, em matéria relacionada com as atividades do órgão em que estiver lotado;

    II - examinar processos e outros expedientes a serem submetidos à consideração superior e solicitar as diligências que julgar necessárias para melhor instruí-los;

    III - emitir pronunciamentos técnicos, opinando sobre assuntos que lhe forem delegados;

    IV - realizar estudos e sugerir medidas visando um bom desempenho na execução e eficácia das atividades do órgão;

    V - exercer outras atividades pertinentes que lhe forem delegadas.

Art. 97 Ao Assistente compete:

    I - assistir ao chefe imediato no exercício das atribuições que lhe forem pertinentes;

    II - examinar os processos e outros expedientes a serem submetidos à consideração superior e solicitar as diligências que julgar necessárias para melhor instruí-los;

    III - emitir pronunciamentos técnicos sobre assuntos relacionados com as competências do órgão;

    IV - propor medidas visando o desempenho eficiente das atividades do órgão;

    V - dar assistência às unidades integrantes do órgão, nos trabalhos de planejamento e programação de suas atividades;

    VI - exercer outras atividades pertinentes que lhe forem delegadas.

Art. 189 Ao Auxiliar Técnico compete:

I - auxiliar o chefe imediato no exercício das atribuições que lhe forem delegadas;

II - responsabilizar-se pela execução de determinadas atividades;

III - realizar estudos e emitir pronunciamentos sobre assuntos relacionados com as atividades dos órgãos, inclusive na aplicação da legislação;

IV - colaborar na orientação e coordenação da coleta de informações e dados estatísticos visando a reunir elementos que facilitem a análise e o planejamento das atividades do órgão;

V - fazer contatos, por determinação da chefia, com outros órgãos do serviço público ou entidades particulares em assuntos de interesse do órgão;

VI - colaborar na redação da correspondência e demais expedientes do órgão;

VII - exercer outras atividades pertinentes que lhe forem delegadas.

Os demais cargos arrolados pela unidade técnica como fontes vedadas de recursos, quais sejam, “chefe de equipe”, “chefe de gabinete”, “chefe de seção”, “chefe de unidade”, “coordenador”, “diretor”, “gerente”, “gestor”, “oficial de gabinete”, “ouvidor”, “procurador-geral”, “responsável por atividades”, “secretário adjunto”, “superintendente” e “supervisor”, constituem, de fato, cargos comissionados do grupo de direção com poder de autoridade, ostentando atribuições como supervisão, chefia e gerenciamento de grupos de pessoas e de atividades, consoante lhes categorizam os aludidos diplomas normativos da municipalidade.

Da mesma forma, o cargo de agente comunitário, previsto apenas na estrutura administrativa do Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB), é definido pela Lei Municipal n. 6.310/88, que dispõe do seu plano de carreira, como cargo em comissão de grupo de direção, recebendo o mesmo tratamento jurídico de “coordenador” e de “chefe de equipe”.

Essa última relação de nomenclaturas funcionais está perfeitamente subsumida ao que define o art. 12, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, caracterizando as doações correspondentes como recursos de fonte vedada.

Destarte, do valor total da irregularidade considerada pela sentença recorrida, de R$ 676.446,87 - discriminado por doação e cargo por força da determinação realizada quando do pedido de vista na planilha da fl. 494 -, devem ser excluídas as contribuições realizadas pelos cargos de conselheiro tutelar (R$ 2.110,00), de assessor (R$ 118.328,57), de assistente (R$ 86.404,66) e de auxiliar técnico (R$ 2.415,66), reduzindo-se para R$ 467.187,98 o montante de recursos de fontes vedadas recebidos pelo partido.

Essa quantia de R$ 467.187,98 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, uma vez que proveniente de pessoas físicas que ocupam cargos comissionados de chefia e direção e se enquadram no conceito de autoridade estabelecido na redação do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 vigente ao tempo do exercício financeiro de 2015.

A irregularidade alcança 56,38% das receitas da agremiação no exercício financeiro (R$ 828.608,28, fl. 346), não podendo ser enquadrada como irrisória ou insignificante, seja pelo seu valor nominal, bastante expressivo, seja pelo resultado do seu impacto nas contas.

No tocante à sanção de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, a sentença fixou o prazo em 10 (dez) meses e o nobre relator, Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, reduziu esse prazo para 4 (quatro) meses.

Ressalto haver jurisprudência consolidada no sentido da possibilidade de adequação do prazo da penalidade, ainda que o art. 36, inc. II, da Lei dos Partidos Políticos determine que, “no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano”.

Em atenção ao princípio da proporcionalidade e seus subprincípios (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), este Tribunal filiou-se ao entendimento firmado pelo Corte Superior Eleitoral e passou a entender pela aplicação do sancionamento previsto no § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, que na redação vigente ao tempo do exercício previa suspensão do Fundo Partidário de 01 a 12 meses, mesmo em caso de irregularidades não relacionadas ao recebimento de fontes vedadas.

Colaciono precedente do TSE e deste Regional:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 4879, Acórdão de 29/08/2013, Relator(a) Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 180, Data 19/09/2013, Página 71).

(sem grifos no original)

Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. Verificada a existência de recursos de origem não identificada, bem como de arrecadações oriundas de fontes vedadas, realizadas por titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, na condição de autoridades e desempenhando funções de direção ou chefia. No caso, Chefe de Gabinete, Coordenador-Geral e Diretor. Nova orientação do TSE no sentido de que tais verbas - de origem não identificada e de fontes vedadas - devem ser recolhidas ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto na Resolução TSE n. 23.464/15. Aplicação dos parâmetros da razoabilidade para fixar a sanção do prazo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário em um mês. Desaprovação.

(Prestação de Contas nº 7242, Acórdão de 04.5.2016, Relatora DESA. ELEITORAL MARIA DE LOURDES GALVÃO BRACCINI DE GONZALEZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 79, Data 06.5.2016, Página 3)

Penso, contudo, que esse prazo de 01 a 12 meses deve ser fixado da forma mais clara e objetiva possível, de forma a manter uma coerência entre os julgados desta Corte para atender ao princípio da segurança jurídica.

Assim, para a fixação da penalidade, parto da premissa de que o período de 12 meses de suspensão do Fundo Partidário deve ser determinado no caso de falha que comprometa a integralidade das contas, ou seja, 100% da movimentação financeira da agremiação.

Então, considerando que no caso concreto a irregularidade alcança 56,38%, concluo que o período de suspensão deve ser estabelecido em 6 (seis) meses, prazo que se afigura razoável e adequado para as irregularidades contidas nas contas.

Com essas razões, divirjo parcialmente do VOTO do relator, a fim de reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 467.187,98 (quatrocentos e sessenta e sete mil, cento e oitenta e sete reais e noventa e oito centavos) e fixar o prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário em 6 (seis) meses, nos termos da fundamentação.