RE - 40257 - Sessão: 24/04/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por LUIZ AUGUSTO FUHRMANN SCHNEIDER e por LUCIANE DA CUNHA LOPES, candidatos não eleitos aos cargos de prefeito e vice de Uruguaiana, respectivamente, contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral de 2016, determinando o recolhimento da importância de R$ 7.000,00 (sete mil reais) ao Tesouro Nacional.

LUCIANE DA CUNHA LOPES recorre da sentença arguindo, preliminarmente, a nulidade do feito e cerceamento de defesa por não ter sido intimada pessoalmente da impugnação apresentada pelo Ministério Público Eleitoral contra a prestação de contas. Afirma que a cópia da impugnação deveria ter sido entregue junto de mandado de intimação para oferecimento de resposta, referindo o que ocorreu com o candidato LUIZ AUGUSTO FUHRMANN SCHNEIDER, o qualque teve acesso à peça somente após comparecimento pessoal ao cartório eleitoral. No mérito, sustenta violação ao princípio da instrumentalidade porque as falhas identificadas, à razão de R$ 7.000,00 são insignificantes diante do total de recursos movimentados, devendo as contas ser aprovadas, mesmo com ressalvas. Alega ter sido comprovada a origem e a destinação dos valores e invoca os princípios da boa-fé, da proporcionalidade e da razoabilidade. Colaciona jurisprudência e postula a anulação da sentença ou, subsidiariamente, a aprovação dos registros contábeis, ainda que com ressalvas (fls. 1409-1427).

LUIZ AUGUSTO FUHRMANN SCHNEIDER interpõe recurso apontando que as irregularidades identificadas não impedem a aprovação das contas por representarem menos de 10% da arrecadação. Assegura a confiabilidade dos lançamentos e defende que as falhas relativas às dívidas de campanha e às sobras financeiras são meramente formais. Alega que as divergências contidas na retificação das contas são inexpressivas e correspondem às despesas efetivamente realizadas e aos extratos bancários. Argumenta que as inconsistências entre os dados das contas e a base de dados da Receita Federal devem ser relevadas e explica que não logrou obter resposta sobre a capacidade financeira dos doadores. Invoca jurisprudência e requer o provimento do recurso para o fim de serem aprovadas as contas e afastada a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (fls. 1429-1440).

A Procuradoria Regional argui, preliminarmente, a nulidade parcial da sentença, em razão da ausência de determinação de recolhimento dos recursos de origem não identificada ao erário, ponderando que o procedimento pode ser adotado de ofício pelo Tribunal. No mérito, manifesta-se pelo desprovimento dos recursos, mantendo-se a sentença e acrescentando-se ao valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional a quantia de R$ 11.000,00 (fls. 1449-1469v.).

Intimados a manifestar-se sobre a preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, os recorrentes mantiveram-se silentes (fls. 1474-1475).

É o relatório.

VOTOS

Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos (relator):

Os recursos são adequados, tempestivos, e comportam conhecimento.

Passo ao exame da preliminar de nulidade do processo por cerceamento de defesa, adiantando que a prefacial arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral, relativa à falta de determinação de recolhimento de recursos de origem não identificada pela sentença, será analisada após o exame do pedido de aprovação das contas invocado pelos recorrentes.

1. Preliminar de cerceamento de defesa por falta de intimação pessoal sobre a impugnação da prestação de contas

Luciane da Cunha Lopes aponta a nulidade do processo, porque não foi intimada pessoalmente da impugnação oferecida pelo Ministério Público Eleitoral contra a prestação de contas e nem recebeu cópia da peça conforme dispõe o art. 51, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Sem razão.

A matéria invocada na impugnação não foi considerada pela sentença recorrida, pois o juízo a quo consignou que os fatos narrados pelo Parquet desbordam do objeto da prestação de contas.

Assim, não houve prejuízo algum às partes que justifique a declaração da nulidade de atos, como bem observado pelo douto Procurador Regional Eleitoral.

Ressalta-se que o art. 283, parágrafo único, do CPC permite a superação de nulidade pela não ocorrência de prejuízo e que a jurisprudência do TSE aplica esse entendimento com amparo no art. 219 do Código Eleitoral, segundo o qual o juiz deve se abster de pronunciar nulidades sem prejuízo (TSE - RESPE: 00002564120126180024 JOSÉ DE FREITAS - PI, Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes, Data de Julgamento: 01.10.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 211, Data 09.11.2015, pp. 82-83).

Por essas razões, a preliminar deve ser rejeitada.

2. Mérito

A sentença identificou diversas irregularidades na movimentação de recursos que não foram sanadas pelos recorrentes:

a) preenchimento de recibos eleitorais com números de CPF que não correspondem ao nome do doador na base de dados da Receita Federal;

b) falta de capacidade econômica da doadora Maria S. B. Gonzalez;

c) recebimento indireto de recursos procedentes de pessoas jurídicas e de entidades públicas em decorrência do vínculo profissional identificado com os doadores declarados;

d) falta de apresentação de documentos demonstrando a assunção de dívidas e a destinação de sobras financeiras de campanha;

e) divergências entre as contas finais e as contas retificadoras;

f) recebimento de crédito de R$ 9.000,00 na conta de campanha, cujo valor não foi declarado;

g) recebimento de depósitos não declarados de R$ 1.000,00 e de R$ 2.000,00, em dinheiro, e de cheque de R$ 6.000,00;

h) anulação de recibos eleitorais de receitas que ingressaram na conta bancária;

i) recibos eleitorais juntados aos autos que não correspondem à data de ingresso do crédito na conta-corrente;

j) doações efetivadas em dinheiro, de valores superiores ao limite de R$ 1.064,10, em discordância com o determinado na Resolução TSE n. 23.463/15;

k) receita não declarada no valor de R$ 440,00;

l) recebimento de 13 depósitos na conta de campanha (lançamentos a título de créditos/receitas), sem a identificação do doador, no total de R$ 16.000,00, em contrariedade com o art. 18, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15;

m) declaração de gastos de campanha no total de R$ 194.384,89, ao passo que os extratos bancários demonstram o dispêndio de R$ 204.440,00, gerando discrepância de aproximadamente R$ 10.000,00 entre as despesas declaradas e as constantes dos extratos bancários;

n) falta de declaração de despesas com aluguel de veículos de R$ 776,56 e R$ 116,44, cujos valores não transitaram pela conta de campanha;

o) emissão de cheques não declarados de R$ 7.000,00 e de R$ 5.599,00;

p) juntada de contrato de serviço de publicidade no valor de R$ 36.000,00, e registro de gastos de apenas R$ 14.500,00 com o mesmo fornecedor; e anexação de contrato de serviço de edição de vídeos no valor de R$ 10.000,00, e registro de gastos de apenas R$ 4.000,00 com o mesmo fornecedor;

q) declaração de despesas de R$ 278,50, R$ 211,35, R$ 900,00, R$ 5.244,00 e R$ 355,00 sem trânsito na conta de campanha;

r) 249 lançamentos na conta-corrente a título de despesas/gastos de campanha, sem a devida identificação do nome ou CPF dos fornecedores que, somados, perfazem a quantia de R$ 149.380,00, em desconformidade com o art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15;

s) doadores Christian Bonilha e Gilmar Brum Carabajal em situação fiscal pendente de regularização, sinalizando a falta de confiabilidade da origem dos recursos declarados na prestação de contas.

Inicialmente, dou parcial provimento aos recursos para afastar as irregularidades das letras “a”, “b” e “c”.

Do exame dos autos, verifica-se que as divergências de dados de alguns fornecedores registrados na contabilidade, a partir do cruzamento dos registros com a base da Receita Federal, deve-se a erros na digitação dos nomes. O fato, contudo, não impediu a identificação dos fornecedores e não é capaz de malferir a lisura e transparência das informações concernentes aos destinatários dos gastos declarados, não podendo ensejar o juízo de reprovação da contabilidade.

Também merece ser relevada a falha atinente à falta de prova de capacidade econômica da doadora Maria S. B. Gonzalez, pois este TRE firmou entendimento de que a comprovação das possibilidades financeiras dos doadores não pode ser atribuída ao candidato, devendo eventual irregularidade ser apurada em representação eleitoral por doação acima do limite legal (RE: 30538 PASSO FUNDO - RS, Relator: DESEMBARGADOR ELEITORAL LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 12.12.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 225, Data 15.12.2017, p. 8).

Quanto ao registro consistente no recebimento indireto de recursos procedentes de pessoas jurídicas e de entidades públicas, em decorrência do vínculo profissional identificado com os doadores declarados, entendo, novamente, que a conclusão adotada não merece ser mantida.

Os batimentos realizados indicam possíveis irregularidades no financiamento da campanha, sendo de extrema utilidade para a atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral. Contudo, quando não amparados em elementos concretos de prova, representam meras ilações ou presunções, insuficientes para caracterizar qualquer efeito desabonador na contabilidade.

Com essas considerações, julgo sanados os apontamentos de: a) preenchimento de recibos eleitorais com números de CPF que não correspondem ao nome do doador na base de dados da Receita Federal; b) falta de capacidade econômica da doadora Maria S. B. Gonzalez; e c) recebimento indireto de recursos procedentes de pessoas jurídicas e de entidades públicas em decorrência do vínculo profissional identificado com os doadores declarados.

As demais irregularidades verificadas nas contas confirmam-se.

Os recorrentes alegam ser meramente formais a falta de apresentação de documentos demonstrando a assunção de dívidas, a destinação de sobras financeiras de campanha e as divergências entre as contas finais e as contas retificadoras.

Os argumentos não prosperam.

Ainda que a falta de apresentação do comprovante de transferência entre contas das sobras financeiras de campanha tenha sido suprida com a análise dos extratos eletrônicos disponibilizados para consulta pública por meio do sítio eletrônico do TSE “<http://divulgacandcontas.tse.jus.br/>”, não é possível superar a ausência de comprovação da efetiva assunção, pela grei partidária, das dívidas de campanha contraídas pelos candidatos.

O art. 27 da Resolução TSE n. 23.463/15 e o art. 29, §§ 3º e 4º, da Lei n. 9.504/97 estabelecem que a falta de quitação de despesas não adimplidas até o prazo de apresentação das contas exige a assunção da dívida pelo partido político por meio de decisão do órgão nacional de direção partidária.

Conforme explica a doutrina, “Nesse caso, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral (Diretório ou Comissão Provisória Municipal nas Eleições Municipais) passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o candidato, hipótese em que a existência do débito não poderá ser considerada como causa para a rejeição das contas” (ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Manual de contas eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 95).

A regra é de extrema relevância para a fiscalização do recebimento do recurso que será utilizado para o custeio da despesa mesmo após as eleições, notadamente, o pleno adimplemento da obrigação e a eventual utilização de fontes de receitas proscritas em campanhas eleitorais.

Portanto, a falha é grave e não constitui apenas mero formalismo sem maiores consequências, tendo sido identificadas despesas no importe de R$ 21.343,00, cujo pagamento não foi observado nos extratos bancários.

O prestador informou ter assumido esses débitos pessoalmente e estar efetuando o pagamento junto aos credores (fl. 1369v.), mas não logrou apresentar qualquer documentação que ampare o alegado.

A falta de veracidade dessa justificativa foi apurada pelo juízo sentenciante, que verificou, nas contas do exercício financeiro de 2016 do PSDB, que o partido assumiu dívidas da campanha eleitoral do candidato Luiz Augusto Schneider.

Para além do descumprimento da previsão regulamentar, que exige a formalização da assunção por meio de decisão do órgão de direção nacional, o exame dos autos evidencia a falta de transparência e de confiabilidade das informações declaradas nas contas.

No mesmo sentido, não é possível considerar irrelevantes as divergências de dados contidas na prestação de contas retificadora, pois os candidatos, após intimados, não esclareceram por que alteraram os valores inicialmente informados à Justiça Eleitoral para as despesas contratadas, desobedecendo ao art. 65, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Colho, na sentença, as alterações realizadas sem qualquer justificativa:

DIVERGÊNCIAS ENTRE A PRESTAÇÃO DE CONTAS EM EXAME E A PRESTAÇÃO IMEDIATAMENTE ANTERIOR

a) RECEITAS Recursos de partido político

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANTERIOR (R$) 0,00

PRESTAÇÃO DE CONTAS EM EXAME (R$) 507,00

b) DESPESAS Atividades de militância e mobilização de rua

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANTERIOR (R$) 39.769,47

PRESTAÇÃO DE CONTAS EM EXAME (R$) 40.624,12

c) Energia elétrica

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANTERIOR (R$) 319,38

PRESTAÇÃO DE CONTAS EM EXAME (R$) 1.091,98

d) Produção de jingles, vinhetas e slogans

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANTERIOR (R$) 12.100 ,00

PRESTAÇÃO DE CONTAS EM EXAME (R$) 12.600,00

e) Publicidade por carros de som

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANTERIOR (R$) 42.661,41

PRESTAÇÃO DE CONTAS EM EXAME (R$) 43.011,41

f) Publicidade por jornais e revistas

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANTERIOR (R$) 11.877,25

PRESTAÇÃO DE CONTAS EM EXAME (R$) 9.400,00

g) Publicidade por materiais impressos

PRESTAÇÃO DE CONTAS ANTERIOR (R$) 15.449,00

PRESTAÇÃO DE CONTAS EM EXAME (R$) 36.792,00

Ora, apenas se admite a apresentação de novo balanço contábil nas hipóteses taxativas previstas no art. 65 da Resolução TSE n. 23.463/15 e, quando voluntária, deve ser acompanhada das justificativas pertinentes, a fim de que se possa examinar a conveniência e a necessidade das alterações promovidas na prestação originária.

Ou seja, ainda que o novo balanço guarde correspondência com a movimentação financeira espelhada nos extratos bancários, subsiste a necessidade de fiel cumprimento do regramento normativo.

Os candidatos sustentam que os créditos não declarados na contabilidade não são expressivos diante do total da arrecadação e que a omissão não impediu a identificação da origem das doações, sendo indevida a determinação de recolhimento da quantia de R$ 7.000,00 ao Tesouro Nacional.

Acrescentam que, mesmo não efetuados os lançamentos no sistema, foram emitidos recibos eleitorais em todas as movimentações realizadas na campanha, e o cruzamento das informações extraídas dos extratos bancários, dos recibos eleitorais e dos comprovantes de pagamentos efetuados permite a identificação dos fornecedores contratados.

Não há como acolher a fundamentação exposta.

Depreende-se das irregularidades relacionadas que os prestadores deixaram de observar disposições basilares que compõem o regramento relativo à arrecadação de recursos e à realização de gastos eleitorais no período de campanha, malferindo substancialmente a lisura, a confiabilidade e a transparência que devem revestir o exame contábil.

Como destaque, cito a falta de correspondência entre a movimentação de recursos registrada no sistema de prestação de contas e a espelhada nos extratos bancários, pois, após análise da movimentação bancária, foram observadas receitas arrecadadas na conta de campanha sem o consequente registro na contabilidade, ocorrendo o mesmo em relação a despesas.

Ainda, foram identificadas divergências entre os valores declarados na escrituração e aqueles efetivamente movimentados nas operações financeiras, sinalizando a falta de veracidade dos lançamentos contábeis.

Somam-se a esse conjunto de faltas as inconformidades apontadas nos recibos eleitorais apresentados, em franco prejuízo à atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral.

A falta de correspondência entre a movimentação financeira na conta bancária de campanha, as informações registradas na prestação de contas e os recibos eleitorais, ao contrário do que sustenta o recorrente, representa falta grave ensejadora de potencial desaprovação das contas, não podendo ser equiparada a uma mera falha de forma.

Outrossim, a existência de recibo de fornecedor cuja despesa não foi identificada nos extratos bancários caracteriza irregularidade grave capaz de atrair a reprovação da contabilidade, nos termos do art. 13 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Para além dessas faltas, a decisão destacou que foram observados nos extratos bancários 249 lançamentos referentes a gastos eleitorais em infringência à norma disposta no art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual exige que a despesa seja realizada por meio de cheque nominal ou transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, a fim de que se possa efetuar o efetivo controle da utilização dos recursos.

O não cumprimento da obrigação legal frustra a fiscalização da regularidade dos gastos realizados e segue não sanado pelo recorrente.

No que se refere aos recursos de origem não identificada, a sentença apurou o registro de 13 lançamentos na conta de campanha sem a identificação dos doadores correspondentes, em infringência à disposição contida no art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, perfazendo o montante de R$ 16.000,00.

Em consulta aos extratos eletrônicos fornecidos pelas instituições financeiras e disponíveis para acesso público por meio do sítio eletrônico do TSE, http://divulgacandcontas.tse.jus.br/, confirmei a entrada de recursos sem identificação da origem em treze lançamentos, ocorridos em 17.8.2016 (R$ 5.000,00 e R$ 1.000,00), 24.8.2016 (R$ 500,00), 30.8.2016 (R$ 500,00), 31.8.2016 (R$ 1.000,00) e 02.9.2016 (8 depósitos no valor de R$ 1.000,00 cada).

A falta de identificação do doador nos extratos bancários, diversamente do que defende o recorrente, é irregularidade grave por comprometer a certificação segura da origem dos recursos arrecadados, não sendo suficiente a indicação dos autores dos repasses no sistema de prestação de contas e nos recibos eleitorais, conforme expressa disposição normativa.

A sentença também apontou o recebimento da quantia de R$ 2.000,00, por meio de depósito em espécie, e não transferência entre contas bancárias consoante determina o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

A exigência normativa de realização de doação de campanha por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e transações ilícitas, como o recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas e a desobediência aos limites de doação.

A mera indicação do nome do doador e a aposição de sua inscrição no CPF, por ser essencialmente declaratória, não atende ao comando normativo, impedindo a verificação segura do autor das doações.

Em que pese à taxatividade do dispositivo, registro que este Tribunal tem relevado a inobservância da transferência eletrônica quando o prestador comprova que os valores arrecadados efetivamente foram retirados do patrimônio do doador indicado na contabilidade, situação, por exemplo, em que apresenta extrato da conta bancária particular do autor do repasse, demonstrando o saque do valor na mesma data ou na data imediatamente anterior àquela em que foi realizado o depósito na conta de campanha.

Todavia, na situação dos autos, nenhuma prova foi produzida nesse sentido.

A sentença apurou, ainda, que os doadores Christian Bonilha e Gilmar Brum Carabajal encontram-se em situação fiscal pendente de regularização, sinalizando a falta de confiabilidade da origem dos recursos declarados na prestação de contas.

Embora a questão não consubstancie, diretamente, burla às normas de arrecadação, nem tenha causado a desaprovação das contas, representa falta desabonadora por contribuir para a falta de credibilidade quanto à fonte dos recursos arrecadados.

Ademais, o apontamento poderia ter sido facilmente corrigido pelos prestadores em diligência perante os respectivos doadores, a fim de obter a comprovação da regularidade fiscal e, por conseguinte, atestar a licitude dos recursos repassados, ônus do qual não se desincumbiu.

3. Sanções

Embora tenham sido relevadas três irregularidades, remanesceram falhas graves envolvendo a contabilidade dos recorrentes, que impedem a modificação do juízo de reprovabilidade das contas.

Não se verifica, na sentença, a alegada violação ao princípio da instrumentalidade das formas, dado que os vícios da contabilidade não são meramente formais, envolvendo o desrespeito de normas fundamentais concernentes à arrecadação de receitas e à realização de despesas na campanha eleitoral, atraindo a previsão do art. 30, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

Conforme exposto no decorrer da fundamentação, a falta de correspondência entre as informações registradas na contabilidade e a movimentação espelhada nos extratos bancários afronta diretamente a lisura, a transparência e a credibilidade que devem revestir as contas e que constituem pilares de toda a normatização referente à prestação de contas de campanha.

Adicionalmente, a ausência de identificação de receitas arrecadadas e das despesas efetuadas na conta bancária é falha de extrema gravidade, por frustrar a possibilidade de a Justiça Eleitoral fiscalizar, de forma segura, a veracidade e a conformidade das informações declaradas na escrituração.

Logo, a representação das irregularidades não pode ser aferida apenas com base nos recursos considerados como de origem não identificada, devendo ser cotejado o conjunto de faltas apuradas.

E, nesse particular, as falhas relativas às despesas que não foram realizadas com a identificação nos extratos bancários (R$ 149.380,00), somadas aos recursos de origem não identificada (R$ 18.000,00), alcançam a quantia de R$ 167.380,00, que representa 85,61% dos recursos arrecadados.

Assim, ainda que os prestadores tenham se portado de boa-fé, a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade não autoriza outra conclusão que não a desaprovação da contabilidade, pois a sanção é adequada à gravidade das irregularidades identificadas.

Como consequência, a fonte do recurso é considerada não identificada, devendo incidir a determinação de recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional, nos termos do § 3º do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, não sendo o caso de devolver ao doador indicado na contabilidade, uma vez que a obrigação de devolução aos cofres públicos decorre justamente da falta de comprovação segura da origem do recursos.

Ademais, a regra que prevê a devolução de numerário ao doador deve ser observada somente quando o recurso não é utilizado na campanha eleitoral, quando há possibilidade de imediato estorno, o que não ocorre na hipótese em apreço.

Ressalto, conforme apontado pela Procuradoria Regional em sede preliminar, que a decisão reconheceu a existência dos recursos de origem não identificada no total de R$ 18.000,00, referentes à importância de R$ 16.000,00 - decorrentes de depósitos não identificados - e de R$ 2.000,00 - relativos à inobservância da transferência eletrônica entre contas bancárias -, mas apenas determinou o recolhimento da quantia de R$ 7.000,00.

4. Preliminar de nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral suscita a prefacial de nulidade parcial da sentença, por ter se omitido em determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 11.000,00, reconhecida como procedente de origem não identificada.

Aponta que a decisão reconheceu a existência dos recursos de origem não identificada na importância de R$ 18.000,00, decorrentes de depósitos, mas apenas determinou o recolhimento da quantia de R$ 7.000,00, devendo ser complementado o valor a ser recolhido, de ofício, em R$ 11.000,00.

Alega que a omissão viola o art. 26, § 1º, incs. I, II e III, da Resolução TSE n. 23.463/15, e os arts. 11 e 489, § 1º, do CPC, defendendo que o fato se traduz em matéria de ordem pública devolvida ao julgador ad quem por meio do efeito translativo dos recursos, não sendo alcançada pela preclusão e pelo princípio da proibição de reformatio in pejus.

Convém rememorar que este Tribunal debateu, com profundidade, idêntica preliminar e sua relação com a extensão do efeito devolutivo dos recursos eleitorais em processos de prestação de contas no julgamento do RE n. 636-62, da relatoria do Desembargador Eleitoral Luciano André Losekann, ocorrido em 14.12.2017.

Naquela assentada decidiu-se, por maioria, que o efeito translativo não abrange a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, impedindo-se o agravamento da posição jurídica do recorrente quando a tese de que o recurso deve ser recolhido ao erário não tenha sido suscitada durante o exame das contas no primeiro grau de jurisdição.

Por essa orientação, o TRE-RS entendeu que o inconformismo quanto à falta de determinação de recolhimento de valores pode ser invocada pelo Parquet com atribuição no juízo de origem pela via dos embargos de declaração ou no recurso contra a sentença, mas não em sede de parecer a apelo aviado pelo prestador postulando a aprovação das contas.

Essa posição parece ser a mais consentânea com os postulados da vedação da reforma em prejuízo da parte recorrente e da voluntariedade do recurso, entendendo-se a última máxima como relacionada à opção do órgão ministerial de primeiro grau de não recorrer da sentença.

Não há decisão colegiada do TSE sobre essa temática, mas em duas decisões monocráticas, a primeira da lavra do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto (RE n. 422-29, DJE de 24.8.2018) e a segunda da relatoria do Ministro Admar Gonzaga (AI n. 555-24, DJE de 21.2.2019, a Corte Superior Eleitoral sinalizou o entendimento de que o recolhimento ao Tesouro Nacional de valores considerados irregulares e a suspensão de recebimento de quotas do Fundo Partidário são reflexo ou efeito da desaprovação das contas, e não uma sanção, o que autoriza que a determinação seja realizada de ofício pela instância ad quem.

Embora não tenham força cogente, os dois precedentes ponderam que essa circunstância é preceito de ordem pública, a veicular obrigação legal, não sancionatória, com o fim de obstar o locupletamento ilícito do prestador, não havendo se falar em reformatio in pejus porque não se pode negar vigência à Resolução TSE n. 23.463/15, especificamente seu art. 26, § 6º.

Após refletir a respeito desses julgados, concluo que o mais adequado é o alinhamento deste Tribunal ao raciocínio adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A revisão da jurisprudência, até então prevalecente nesta Corte, para se curvar ao posicionamento exposto, atende ao princípio da isonomia e ao primado da segurança jurídica, conferindo racionalidade e efetividade à prestação jurisdicional eleitoral.

Ademais, a adoção do entendimento esposado nas cortes superiores em casos futuros é essencial para assegurar a confiança legítima dos jurisdicionados, garantindo uniformidade e previsibilidade das decisões judiciais.

Com essas razões, acolho a preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral para o fim de reconhecer que, ao deixar de determinar o recolhimento de recursos no valor de R$ 11.000,00, apontados como de origem não identificada, a sentença incorreu em nulidade passível de correção por este Tribunal.

Desse modo, haja vista o entendimento de que a nulidade da decisão decorre da falta de aplicação de disposição normativa e acarreta o locupletamento ilícito da parte beneficiada pela omissão, revela-se imperativa a correção do vício, ainda que não tenha sido impugnado especificamente, complementando-se a determinação do valor a ser recolhido ao erário pelos prestadores em R$ 11.000,00 (onze mil reais), totalizando R$ 18.000,00 (dezoito mil reais).

ANTE O EXPOSTO, rejeito o alegado cerceamento de defesa, por ausência de prejuízo, e acolho a preliminar de nulidade parcial da sentença, para complementar os valores a serem recolhidos ao erário e, no mérito, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por LUCIANE DA CUNHA LOPES e pelo parcial provimento do apelo de LUIZ AUGUSTO FUHRMANN SCHNEIDER, para o fim de considerar sanadas três irregularidades, manter a desaprovação das contas e, de ofício, corrigir para R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

 

Des. Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler:

(voto divergente)

Eminente Presidente, demais componentes desta Corte e Procurador Regional Eleitoral.

Não desconheço o fato de que este Colegiado vem-se debruçando sobre a matéria de que trata o presente recurso eleitoral, relacionada à desaprovação de contas de partido político/diretório, julgada em 1º grau, sem que tenham sido aplicados os consectários previstos em Lei e em Resolução do e. TSE.

Destarte, também não desconheço que a posição majoritária deste Pleno, e que vem pautando a sua jurisprudência recente, é no sentido de que a não aplicação das sobreditas cominações - ou o silêncio do julgador de piso sobre a questão - implica nulidade de sentença e retorno do feito à origem para que decisão outra seja proferida.

Sem embargo, com a devida vênia, permito-me divergir e não acompanhar o voto encaminhado pelo ilustre relator, aduzindo, sinteticamente, as razões que seguem.

O que aqui está em julgamento é o recurso eleitoral que, tanto perante a origem quanto em sede recursal, sem negar a captação irregular de recursos para campanha eleitoral, apoia sua defesa em matéria de direito, que diz com a vigência das normas jurídicas aplicáveis à espécie.

A sentença de primeiro grau foi pela desaprovação das contas prestadas, diante do recebimento de recursos de origem não identificada, limitando-se a impor a obrigação de recolhimento parcial do valor irregular aos cofres da União.

Nesse passo, é de extrema relevância não perder de vista que o Ministério Público Eleitoral, na ação proposta na origem, não interpôs recurso algum.

Se partirmos da ideia de que as sanções mencionadas - e não aplicadas - são consequência insuperável do julgamento pela desaprovação das contas, indissociáveis da cominação principal consistente no recolhimento à União dos recursos indevidamente recebidos, então caberia ao MPE opor embargos de declaração, pois estar-se-ia diante, em tese, de omissão passível de ser sanada. Se, de outro lado, entendermos que ditas sanções não decorrem necessariamente da desaprovação e do prefalado recolhimento de recursos, então a hipótese parece ser a de recurso eleitoral a respeito.

E nenhum desses remédios foi utilizado na hipótese.

Postas tais premissas, a mim soa absolutamente distanciado da lógica do razoável o retorno dos autos à origem, por decretação de nulidade, para que outra sentença seja proferida, a partir de recurso de quem será prejudicado pela reapreciação, mesmo porque, nos termos postos no voto e no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, há expressa menção à imperiosa aplicação das sobreditas sanções, em se tratando de desaprovação de contas.

Para mim, não se está diante de causa de nulidade, muito menos a ensejar decretação de ofício, não me seduzindo as invocadas razões de ordem pública, tampouco tratar-se de matéria de ordem pública, pois se assim for considerado, em inúmeras situações haverão de ser declaradas nulidades outras, visto que do ramo do Direito Público o Eleitoral é, e evidentemente as regras que estatui também o são, sem dúvidas, do mais alto interesse público.

Não consigo aceitar a ideia da reformatio in pejus a que se sujeita o próprio recorrente.

A isso agrego, em contraposição aos argumentos logo acima mencionados, que não menos relevantes são os conceitos e preceitos de segurança jurídica, coisa julgada, preclusão e o de que à superior instância devolve-se o conhecimento daquilo que foi objeto de recurso, portanto, dos pontos em que a decisão originária foi atacada.

Desimportando discussões doutrinárias ou acadêmicas sobre tratar-se de coisa julgada material ou formal, para mim é certo que a decisão, no que não foi atacada, está coberta pelo manto da imutabilidade, restando preclusa a rediscussão destes, por imperativo de segurança jurídica e em atenção aos mais elevados princípios constitucionais que vedam a reforma de decisões judiciais em prejuízo à parte, em inexistindo recurso hábil a tanto.

Por tudo isso, Senhor Presidente, desacolhendo o douto parecer ministerial, voto pelo enfrentamento da questão meritória objeto da irresignação recursal, mantendo-se nesta instância o processo a que se refere, sem o reconhecimento de qualquer nulidade processual.

 

(Pedido de vista do Desembargador Roberto Carvalho Fraga. Matéria em regime de discussão. Julgamento suspenso.)