RC - 2497 - Sessão: 23/04/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto por CLAIR SEBASTIÃO FIALHO RIBAS contra sentença que reconheceu a prática do delito descrito no art. 324, § 1º, do Código Eleitoral e condenou o recorrente à pena de 6 (seis) meses de detenção, substituída por restritiva de direito consistente em prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos nacionais. A pena de multa foi fixada em 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, e foi garantido ao acusado o direito de recorrer em liberdade, diante da ausência dos requisitos da segregação cautelar (fls. 220-227).

A imputação foi assim descrita na inicial (fls. 2v.-3):

No dia 23 de setembro de 2016, no saguão do Fórum, nesta cidade, o denunciado CLAIR SEBASTIÃO FIALHO RIBAS, visando fins de propaganda eleitoral, divulgou falsa imputação de fato definido como crime, tendo como vítima ROQUE LANGENDOLFF FELTRIN, que concorria ao cargo de vice-prefeito pela coligação 'Novo Tempo'.

Naquela oportunidade, o denunciado divulgou carta imputando ao ofendido a prática de crime, ao referir ROQUE FELTRIN É ADVOGADO, ESCRIVÃ E VEREADOR E COM AVAL DO MANTO SAGRADO DO PODER JUDICIÁRIO, TEM ACESSO A TODOS OS PROCESSOS E LEILÕES DENTRO DO FÓRUM DE SÃO BORJA COMO ESCRIVÃO E AO LONGO DOS ANOS ELE E SEUS AMIGOS SÃO OS COMPRADOR DE TERRENO E EXPLORANDO E LESANDO AS FAMÍLIAS COMO A MINHA FOI LESADA, ATRAVÉS DE LEILÃO JUDICIAL QUE OS PREJUDICADOS JÁ SE ENCONTRAM EM DIFICULDADES (...).

O acusado, ao chegar ao Fórum, deixou uma cópia da carta apócrifa intitulada Alerta à comunidade de São Borja: Quem é o Roque Feltrin, no balcão de atendimento, local em que estava o Sargento da Brigada Militar Ivo Silva. Ato contínuo, o acusado dirigiu-se à sala da OAB, onde também foi encontrada uma cópia de tal carta pela funcionária Natiele de Silva Dinat.

ASSIM AGINDO, o denunciado CLAIR SEBASTIÃO FIALHO RIBAS incorreu nas sanções di artigo 324, §1º, da Lei n.º 4.737/65 – Código Eleitoral, pelo que oferece o Ministério Público Eleitoral a presente denúncia, a qual espera seja recebida e processada nos termos do artigo 359 e seguintes do referido diploma legal.

Em suas razões recursais, o réu alegou que a pena pecuniária aplicada foi excessiva e não levou em conta a documentação acostada aos autos, considerando tão somente o fato de o réu atuar como advogado militante na comarca. Aduziu que a condenação está baseada em testemunhos controversos. Argumentou que teve cerceado o direito à oitiva de testemunhas e que o conteúdo da suposta carta anônima era de amplo conhecimento no município, havendo omissão da sentença em relação à origem do documento. Postulou a reabertura da instrução em razão do cerceamento de defesa e, no mérito, requereu a absolvição (fls. 248-253).

Em contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral requereu o conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 255-257).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso (fls. 262-266).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço.

Inicialmente, cabe verificar a ocorrência de cerceamento de defesa alegada pelo recorrente.

Compulsando os autos, constato que a decisão das fls. 134-135 consignou expressamente que, quando da citação para responder à acusação, o réu foi advertido de que deveria, por ocasião da resposta, “alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação”.

O recorrente foi cientificado da decisão (fl. 158v.) e solicitou carga dos autos (fl. 160), apresentando defesa em que “protesta pela juntada do ROL DE TESTEMUNHAS” (fls. 164-167).

Como se verifica, não é possível reconhecer o cerceamento de defesa, visto que o réu foi expressamente intimado para arrolar testemunhas e não o fez oportunamente.

No sentido de ser o prazo para apresentação de rol de testemunhas preclusivo, colaciono precedente do Superior Tribunal de Justiça, a ilustrar que o mesmo posicionamento vem sendo adotado por aquela Corte:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. OITIVA DE TESTEMUNHA. PEDIDO EXTEMPORÂNEO. PRECLUSÃO. NULIDADE. INVIABILIDADE DE ANÁLISE NOS LIMITES DO WRIT. REVOLVIMENTO DA MATÉRIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. Na linha dos precedentes desta Corte, "o direito à prova não é absoluto, limitando-se por regras de natureza endoprocessual e extraprocessual. Assim é que, na proposição de prova oral, prevê o Código de Processo Penal que o rol de testemunhas deve ser apresentado, sob pena de preclusão, na própria denúncia, para o Ministério Público, e na resposta à acusação, para a defesa. No caso vertente, não há ilegalidade na desconsideração do rol de testemunhas da defesa, apresentado fora do prazo legalmente estabelecido, ante a preclusão temporal desta faculdade processual" (HC n. 202.928/PR, relator Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, relator p/ acórdão Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 8.9.2014).

[...]

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no HC 270.814/DF, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13.12.2018, DJe 04.02.2019.)

Ademais, na hipótese, sequer pode ser alegada dificuldade em elaborar o rol de testemunhas por falta de contato com o réu, visto que CLAIR SEBASTIÃO FIALHO RIBAS atua em causa própria nesta ação.

Assim, rejeito a preliminar de nulidade por cerceamento de defesa.

No mérito, a presente ação penal envolve o delito previsto no § 1º do art. 324 do Código Eleitoral, a saber:

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

§ 1° Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é admitida:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível;

II - se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Como se percebe, o art. 324 do Código Eleitoral estabelece o crime de calúnia eleitoral, à semelhança da calúnia prevista no Código Penal, apenas com a presença específica da finalidade de influir na propaganda eleitoral.

O tipo definido no caput consiste em imputar falsamente fato definido como crime a quem esteja envolvido com o processo eleitoral, enquanto a modalidade do § 1º descreve a divulgação do fato por quem sabe ser inverídico o conteúdo da acusação.

Por oportuno, trago excertos da doutrina de José Jairo Gomes acerca do delito aqui examinado:

A matriz do vertente art. 324 encontra-se no art. 138 do Código Penal, que assim define o crime de calúnia: “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”. A esse tipo penal o legislador eleitoral apenas enxertou a elementar “na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda”, para deixar assentado que a calúnia eleitoral é um delito especial e só se apresenta no contexto de propaganda eleitoral.

O art. 324 do CE tem por objeto a tutela da honra objetiva, bem jurídico integrante da personalidade e do rol de direitos que a protegem, os denominados direitos de personalidade.

[…]

Também se visa à proteção da veracidade da propaganda eleitoral, compreendida como a correspondência do sentido da comunicação com a verdade histórica, localizada no espaço e no tempo. E, ainda, o direito político fundamental dos eleitores de serem informados corretamente sobre os candidatos a fim de que possam formular juízos conscientes e seguros a respeito deles.

[…]

O tipo legal é de ação única, sendo seu núcleo formado pela elementar “caluniar”. O § 1º do art. 324 estende a incriminação ao “propalar” ou “divulgar” a calúnia.

Caluniar é imputar falsamente a alguém fato definido como crime, na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda. Também é típica a conduta de propalar ou divulgar a falsa imputação.

[…]

Ademais, o fato há de ser específico e objetivamente determinado. Urge indicar os elementos essenciais do crime, os quais devem se harmonizar com a definição contida na norma legal que o prevê. Todavia, não é necessário que haja descrição minuciosa, contendo todos os pormenores e todas as circunstâncias – além de revelar demasiado apego ao mero formalismo, tal exigência inviabiliza a configuração do delito. Basta que se apontem os elementos necessários para que a acusação feita seja crível ou goze de credibilidade perante o ouvinte. Na sempre oportuna lição de Hungria (1958, p. 65), a credibilidade “não está necessariamente subordinada a uma descrição detalhada do fato imputado”, sendo suficiente que ela possa suscitar credibilidade. Portanto, afirmações vagas, genéricas, superficiais, incongruentes ou inconsistentes não são hábeis a realizar o delito em exame.

[…]

Também é típica a conduta de “propalar ou divulgar” a falsa imputação. Esses termos são sinônimos, significando espalhar, difundir, apregoar. Pelo que, o agente leva a falsa imputação ao conhecimento de outras pessoas ou providencia para que elas a conheçam.

[…]

No que concerne à conduta descrita no § 1º do art. 324, consiste o dolo na vontade de transmitir a terceiros a falsa imputação, o que contribui para agravar a lesão ao bem jurídico tutelado. O dolo compreende a ciência da falsidade da imputação, sendo que a ausência desse conhecimento afasta a tipicidade. Segundo Hungria (1958, p. 72), o dolo, aqui, é direto, não bastando o eventual; isso porque “aquele que se limita a propalar ou divulgar a imputação somente será condenado quando tenha plena consciência de que o fato imputado não corresponde à verdade”.

(GOMES, José Jairo. Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, pp. 105-108.)

Como se evidencia da lição doutrinária, para configuração da conduta descrita no § 1º do art. 324 do Código Eleitoral aquele que divulga a calúnia eleitoral deve ter ciência da falsidade da imputação.

No mesmo sentido, Suzana de Camargo Gomes afirma que, para a configuração da propalação ou divulgação, “é indispensável a ciência da falsidade, não se configurando o crime na hipótese de estar presente o dolo eventual" (Crimes Eleitorais, 2ª ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2006, p. 179).

Na hipótese, após o exame detido da prova produzida nos autos, em especial da oitiva dos depoimentos prestados, não fiquei convencido de que o réu tivesse ciência da falsidade do conteúdo do documento ao levar ao Fórum de São Borja a cópia da carta anônima encartada na fl. 12.

Em seu interrogatório, o réu afirmou (01:53’) que:

eu recebi essa carta, a minha porta do escritório é pra fora, tem um negócio do correio que entra, quando eu estou saindo pra ir no Fórum, essa carta está lá dentro, essa cartinha e eu peguei, botei no meio dos processos e vim pro fórum. No meio do caminho, eu vinha lendo, um troço sério, uma acusação tremendamente séria. Cheguei no balcão da OAB, vi que tava escrito “cópia pra OAB”, “cópia pro fórum”, eu perguntei pro Moisés, que tava sentado na primeira fila - Moisés é o Presidente da OAB -, “Recebeu essa carta, Moisés?” “Sasso, tu recebeu essa carta?” que tava na distribuição ali do protocolo, e o Sasso disse: “Recebi um monte, um maço de carta”. E a tua Moisés? “Ah o Lucas queria por que o Lucas é da coligação do PP, queria cópia, daí não dei a cópia” diz o Moisés pra mim. Mas eu tenho uma cópia aqui, aí o colega do Seu Ivo, o outro militar da Brigada que estava ali, pediu pra olhar a carta. Ele olhou e, quando eu voltei, na volta, ele: “Olha, a carta é grave”
Gravíssima!” Peguei a carta e fui embora de volta.
Aí no outro dia surgiu essa acusação, a coligação foi acusada, eu não fui acusado de nada, até porque a carta eu não tirei “xerox”, não divulguei, não fiz nada. Eu peguei a carta e guardei, só que eu comentei de que…como ela se tornou…Eu entendi que era uma carta pública, de interesse público, até da Polícia Federal de investigar as questões que estavam na carta. Eu como homem público, preferi que a carta tivesse sido pelo menos levada ao conhecimento público, porque é uma carta muito grave. Eu não fui acusado nunca disso, e eu não seria acusado porque não fiz pratica nenhuma irregular, na minha atividade profissional, e eu acho que se a carta é tão, que estão, agora, levando a efeito. Eu, como culpado, eu não escrevi a carta, não divulguei a carta, tanto é que a coligação foi composta de 13 partidos, foi dirigido diligência pra todos os partidos. Se um partido tivesse recebido uma carta minha ou tivesse uma carta eu diria: “Clair, trouxe uma carta aqui”, mas nenhum partido, não foi encontrada nenhuma carta, tá na sentença da Dra. Mônica, que não foi encontrado nada, foi improcedente. Agora como é que eu vou ser culpado de uma questão que, pra mim, era pública? Eu não entendia que seria privada ou apócrita ou outro nome que deram, anônima. Anônima não era, como é que vai constar no rodapé, que foi cópia popular, quem escreveu. Na própria defesa minha eu expliquei que o cara que escreveu tem procedência, só pesquisar no fórum, que foi lesado por que foi mandado a leilão bens de familiares dele. Eu não tive nenhum bem leiloado de familiar meu, entendeu? Então eu me defendi assim, da forma que eu estou esclarecendo aqui, de que a única vez que eu peguei essa carta na mão, foi quando eu vinha vindo do Fórum. E não foi por intenção, eu comentei: “Receberam essa carta?” Eu perguntei, os curiosos queriam saber, a carta tava ali, quem olhou, olhou. Agora eu não tirei xerox na OAB, eu não multipliquei a carta, tenho absoluta certeza. Meus computadores estavam a disposição, minha máquina de xerox estava a disposição, coloquei a disposição tudo, ninguém foi ver nada, agora eu tô sendo acusado, eu acho que injustamente. Por isso que eu não aceitei a proposta do Ministério Público. Desde o início, eu entendi que eu estava sendo vítima de uma situação dessas.

Quando o acusado se refere à sentença de improcedência, a menção remete à representação que foi ajuizada em razão da distribuição da carta anônima na cidade, sendo que foi determinada busca e apreensão do documento na sede de todos os partidos que integravam a coligação adversária, tendo sido encontrado apenas um impresso e sem descortinamento da autoria (fls. 72-75).

Como a denúncia contida no documento em questão envolvia pessoas que desempenhavam suas atividades profissionais no Fórum de São Borja, não é despropositado considerar que o réu tenha realmente levado a carta para verificar se os ofendidos estavam cientes da existência da carta anônima.

Quanto aos demais depoimentos prestados, anoto que Guilherme Demôro, advogado da coligação prejudicada pela calúnia, mencionou que ouviu dizer que o réu teria distribuído a carta anônima. Marcos Rogério dos Santos, também advogado, afirmou que recebeu denúncia sobre os fatos e subscreveu uma representação, mas não recorda de que forma a coligação tomou conhecimento dos fatos e esclarece que não foi realizada qualquer diligência para apurar a autoria do documento.

Nenhum dos depoentes foi capaz de identificar quem teria apontado o réu como autor ou como propalador da calúnia.

Tais depoimentos, dessa forma, não podem ser considerados como acervo probatório apto a sustentar a condenação criminal. Nesse sentido, trago precedente do Superior Tribunal de Justiça, acerca da prova produzida por meio da testemunha de “ouvi dizer”:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. 2. PROVA TESTEMUNHAL. OITIVA DE POLICIAL. AUTORIA DELITIVA. INFORMAÇÃO OBTIDA DE TERCEIRO QUE SE NEGOU A IDENTIFICAR. SIGILO DA FONTE. 3. FALSO TESTEMUNHO. ART. 342 DO CP. NÃO VERIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DENÚNCIA ANÔNIMA. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. 4. DENÚNCIA ANÔNIMA. INÍCIO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE DILIGÊNCIAS PRÉVIAS. INFORMAÇÃO QUE NÃO SE REVESTE DA QUALIDADE DE PROVA. 5. PROVA TESTEMUNHAL. PERCEPÇÃO SENSORIAL DE QUEM DEPÕE. INDICAÇÃO DE TESTEMUNHA REFERIDA. NÃO OCORRÊNCIA. 6. "HEARSAY TESTIMONY". POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE NA HIPÓTESE. POLICIAL QUE OUVIU DIZER. IMPUTAÇÃO DE AUTORIA. SUBVERSÃO DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO. 7. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

[...]

6. A prova produzida por meio da testemunha de "ouvi dizer" não pode ser peremptoriamente considerada imprestável para o processo, uma vez que a partir dela é possível se chegar a uma testemunha referida, a qual possa confirmar o testemunho daquele que nada viu. Lado outro, não se pode admitir nos autos a prova que acusa sem ter contato com os fatos e sem identificar quem teve, pois, reitero que a denúncia anônima demanda diligências complementares para iniciar o processo quanto mais para servir de prova para condenação. Aceitar a manutenção da referida prova nos autos subverteria todas as garantias constitucionais do processo penal, tão caras ao ordenamento jurídico. Nesse encadeamento de ideias, reafirmo que o exame da prova testemunhal impugnada não supera o exame da legitimidade, pois não pode ser considerada testemunha aquele que não teve contato com o fato criminoso nem pode identificar quem teve, se limitando a testemunhar que ficou sabendo por terceiros que o paciente seria o autor dos fatos. Assim, não sendo possível sua utilização para fundamentar eventual decreto condenatório, mister sua retirada dos autos.

7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para determinar o desentranhamento do testemunho prestado pelo policial Márcio José Toledo Rocha.

(HC 397.485/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08.8.2017, DJe 22.8.2017.)

Outra testemunha ouvida, Natiele da Silva Dinat, funcionária da OAB, afirmou não recordar de ter visto o réu na sala da Ordem no dia em que o fato teria ocorrido.

Por fim, restou o testemunho do sargento da Brigada Militar Ivo Silva, que, na ocasião, trabalhava na portaria do Fórum, e afirmou que o réu teria deixado uma cópia da carta anônima sobre uma mesa e que o documento foi devolvido ao advogado, o qual teria afirmado que “teria prova” das acusações.

Penso que esse depoimento, de forma isolada, é insuficiente para a manutenção da condenação do recorrente, sobretudo porque várias das acusações constantes na carta anônima eram dirigidas ao antigo escrivão do Fórum do município e a juízes que lá atuaram, de forma que as afirmações dos servidores do órgão devem ser ponderadas em face dessa circunstância.

Penso ser razoável considerar que o recorrente tenha recebido a carta em sua caixa de correio e levado até o Fórum de São Borja, uma vez que é advogado militante na comarca e que os prejudicados pelas acusações constantes no documento lá atuaram profissionalmente, a fim de verificar se os interessados tiveram conhecimento da existência da missiva. Nesse contexto, não é possível afirmar que o réu tinha conhecimento da falsidade das acusações constantes na cópia que portava.

Assim, considero que o conjunto probatório dos autos não é apto a esclarecer se CLAIR SEBASTIÃO FIALHO RIBAS tinha plena consciência de que os fatos imputados na carta anônima distribuída à comunidade de São Borja não correspondiam à verdade. Ausente a caracterização desse elemento, a absolvição do réu é medida que se impõe.

ANTE O EXPOSTO, rejeito a preliminar de nulidade e, no mérito, voto pelo provimento do recurso para absolver o réu, nos termos do inc. VII do art. 386 do Código de Processo Penal.