RE - 1380 - Sessão: 03/04/2019 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por IGOR DAL BO contra sentença de fls. 33-37, integrada pela decisão de fls. 48-49, que julgou ação anulatória de título executivo, ajuizada pelo recorrente, na qual pretendida a invalidação de certidão de dívida ativa inscrita com base no ressarcimento ao erário de verbas remuneratórios percebidas sem contraprestação de serviço, a teor do art. 47 da Lei n. 8.112/90. Em razão da origem do débito, a decisão combatida entendeu que compete à Justiça Federal processar e julgar a ação de execução fiscal, determinando a remessa dos respectivos autos, e declarou a incompetência da Justiça Eleitoral para a análise de nulidade da dívida ativa, com o arquivamento da presente demanda.

Em sua irresignação (fls. 53-57), o recorrente sustenta que a sentença é ultra petita, pois declinou da competência da execução fiscal para a Justiça Federal sem examinar os pedidos veiculados pelo autor na inicial. Alega que houve negativa de prestação jurisdicional, uma vez que omitiu o exame da nulidade da dívida ativa e deixou de condenar a parte sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios. Requer, ao final, a anulação da dívida ativa e a condenação da União às verbas de sucumbência.

Em contrarrazões (fls. 61-64), a Procuradoria da Fazenda Nacional assevera que a Justiça Eleitoral não tem competência para apreciar eventual nulidade do débito em questão. Afirma que a sentença não extinguiu as demandas, mas apenas declinou da competência à Justiça Federal, na qual os processos prosseguirão tramitando, não havendo de se cogitar a arbitramento de honorários. Roga pelo desprovimento do recurso.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso, a fim de determinar o envio dos autos da ação anulatória para a Justiça Federal (fls. 67-69).

É o relatório.

VOTO

Tempestividade.

É cediço que a ação de execução fiscal das multas eleitorais é realizada perante a Justiça Eleitoral na forma prevista para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive em relação à aplicação subsidiária dos prazos previstos no CPC, consoante previsão do art. 1º da Lei n. 6.830/80. Nesse sentido está consolidada a jurisprudência do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. INTEMPESTIVIDADE. NÃO CONHECIMENTO.

1. Esta Corte já se manifestou no sentido de que, em matéria de cobrança de multas eleitorais, aplicam-se as regras próprias do executivo fiscal, "inclusive quanto aos prazos recursais previstos no CPC, cuja aplicação subsidiária é

prevista no art. 1º da Lei nº 6.830/80" (REspe nº 4221719/RN, rel. Min., Marcelo Ribeiro, rel. designada Min. Luciana Lóssio, DJe de 1o.10.2014).

2. É intempestivo o agravo regimental interposto após o prazo de 5 (cinco) dias previsto no art. 557, § 1º, do CPC.

3. Agravo regimental não conhecido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 80421, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 23.10.2015.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. RITO DA LEI Nº 6.830/1980. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS REGRAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. 1. A execução fiscal para cobrança de multa eleitoral, mesmo em trâmite nesta Justiça especializada, segue as regras previstas na Lei nº 6.830/1980 com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 367, inciso IV, do Código Eleitoral). 2. Consoante entendimento doutrinário, "a desconsideração é medida extrema, excepcional, somente admitida episodicamente, quando presentes os requisitos legais e demonstrada a inexistência de patrimônio da pessoa jurídica para garantir seus débitos". 3. Com base nas premissas fáticas assentadas pelo Regional, verifica-se que o título que fundamenta a execução da multa eleitoral é de fato inexigível em relação aos sócios, porquanto não se sujeita aos efeitos da coisa julgada material quem não participou da lide em que proferida a decisão judicial. São inaplicáveis ao caso a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, pois inexistem os requisitos, e a teoria menor, por incompatibilidade com a execução de dívidas eleitorais. 4. Decisão agravada mantida pelos próprios fundamentos. 5. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-REspe: 13072 RN, Relator: Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Data de Julgamento: 19.5.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 156, Data: 18.8.2015, p. 122.)

O recurso é interposto contra decisão em ação anulatória de débito fiscal, meio impugnativo autônomo pelo qual se busca a desconstituição do lançamento e da certidão de dívida ativa que conferem lastro ao processo executivo. Portanto, cuida-se de demanda afeta ao processo executivo, guardando com ele uma relação de conexão e prejudicialidade.

Desse modo, deve incidir o art. 1º da Lei n. 6.830/80 quanto ao rito, de forma a ser aplicado subsidiariamente o prazo de 15 dias, previsto no CPC para o recurso de apelação. Essa linha de entendimento já foi adotada pelo Tribunal por ocasião do julgamento do RE 114-53.2012.6.21.0121, sessão de 01.9.2014, destacando-se o seguinte trecho do acórdão de lavra do eminente Des. Eleitoral Hamilton Langaro Dipp:

A presente ação anulatória de débito fiscal cuida de matéria própria da execução fiscal, pois pretende o reconhecimento da prescrição da execução n. 1000001-53. Assim, por uma questão de tratamento igualitário dos procedimentos, também na presente ação anulatória deve ser aplicado o prazo de 15 dias para interposição da apelação previsto no artigo 508 do Código de Processo Civil.

Nesse passo, extrai-se dos autos que a decisão dos embargos declaratórios foi publicada no DEJERS em 14.8.2018 (fl. 50) e o recurso interposto em 21.8.2018 (fl. 53), portanto, dentro do prazo de previsto no art. 1.003, § 5º, do Estatuto Processual.

Presentes os demais pressupostos processuais, conheço do recurso.

Mérito.

Em relação ao mérito, a competência da Justiça Eleitoral para o processo e julgamento de execuções fiscais e das ações anulatórias de débitos fiscais é restrita às hipóteses de multas aplicadas pelo descumprimento da legislação eleitoral, conforme se extrai do art. 367, incs. III e IV, do Código Eleitoral e da Súmula n. 374 do STJ, cujas redações transcrevo:

Art. 367 A imposição e a cobrança de qualquer multa, salvo no caso das condenações criminais, obedecerão às seguintes normas:

[…].

III - Se o eleitor não satisfizer o pagamento no prazo de 30 (trinta) dias, será considerada dívida líquida e certa, para efeito de cobrança mediante executivo fiscal, a que fôr inscrita em livro próprio no Cartório Eleitoral;

IV - A cobrança judicial da dívida será feita por ação executiva na forma prevista para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, correndo a ação perante os juízos eleitorais;

Súmula 374 do STJ: Compete à Justiça Eleitoral processar e julgar a ação para anular débito decorrente de multa eleitoral.

Na hipótese, porém, a dívida tem sua origem em valores percebidos por servidor público exonerado deste Tribunal Regional Eleitoral, que teria recebido valores remuneratórios sem a corresponde contraprestação de serviço.

Tais quantias, passíveis de ressarcimento aos cofres públicos, foram administrativamente inscritas em dívida ativa da União, para cobrança por meio de executivo fiscal, na forma determinada pelo art. 47, parágrafo único, da Lei n. 8.112/90, verbis:

Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de sessenta dias para quitar o débito.

Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa.

A questão em debate, portanto, não advém da aplicação de multa eleitoral, sequer tem por origem algum fato inserido na competência desta Justiça Especializada.

Resta claro que a inscrição em dívida ativa do recorrente tem por fundamento a obrigação de ressarcimento ao Tesouro Nacional de quantias indevidamente auferidas no período em que o devedor manteve vínculo de ordem estatutária com o Poder Público da União, a atrair a competência da Justiça Federal, com fulcro no art. 109, inc. I, da Constituição Federal.

Assim, em razão da matéria, tanto a ação de execução fiscal quanto a ação anulatória inserem-se na competência atribuída à Justiça Comum Federal. Dessarte, sem fundamento a alegação de negativa de prestação jurisdicional, uma vez que vedado ao magistrado eleitoral apreciar as postulações do autor, sob pena de nulidade dos atos decisórios.

Diante disso, não prospera a alegação de que a sentença incorreu em vício por inobservância do princípio da adstrição. Ora, ao declinar da competência ratione materiae à Justiça Federal, o julgador reconheceu a sua incompetência absoluta para o julgamento da lide, a qual, a teor do art. 64, § 1º, do CPC, deve ser declarada de ofício, independentemente de provocação ou pedido da parte.

Por outro lado, a sentença comporta reforma no que tange à consequência processual adotada em vista da incompetência reconhecida.

Com efeito, a declaração de incompetência absoluta do juízo tem por resultado a remessa dos autos àquele competente para a apreciação da lide. Logo, cumpriria o envio dos autos da presente ação anulatória ao juízo competente, na forma determinada pelo art. 64, § 3º, do CPC, e não o seu arquivamento.

No tocante ao pedido de arbitramento de honorários advocatícios, cabe considerar que não houve análise de mérito em relação ao objeto principal da demanda, mas apenas o declínio de competência para o julgamento da ação, que continuará em tramitação no juízo competente. Tal circunstância impede a caracterização de sucumbência entre as partes, condição essencial para a condenação pretendida.

Dessa forma, caberá ao juízo federal competente estabelecer a verba honorária de sucumbência quando do julgamento de mérito desta ação.

Esposando do mesmo entendimento, relaciono os seguintes precedentes do TJ-RS e do TRF da 4ª Região:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE CURATELA. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS. Declinada a competência para o processamento e julgamento da demanda principal, que segue tramitando, e tem-se que a definição sobre fixação de honorários, e em caso positivo em qual valor, cabe ao juiz competente. NEGARAM PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70078460672, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/09/2018).

(TJ-RS - AI: 70078460672 RS, Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 13.9.2018, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 14.9.2018.)

PROCESSO CIVIL. COMPEtÊNCIA. LICITAÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE. PREJUÍZO À FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. 1. A competência constitucional da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Lei Maior, estará caracterizada na hipótese em que uma das figuras ali indicadas venham possuir interesse jurídico na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes. 2. Nos termos do art. 64, § 1º, do CPC/15, cuja correspondência no código processual revogado remete ao art. 113 daquela lei, "a incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício". 3. A condição da União Federal de acionista majoritária de sociedade de economia mista não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal. Precedentes do STF. 4. Ausente interesse jurídico da União Federal, é de ser reconhecida sua ilegitimidade passiva e, consequentemente, a declinação da competência para o processamento e julgamento da ação ao juízo competente. 5. É indevida a extinção do feito sem resolução do mérito, pois a lei processual prevê, para as hipóteses de incompetência absoluta, a remessa dos autos ao juízo reconhecido como competente (artigo 64, caput, e parágrafos 1º e 3º, do NCPC, correspondentes ao artigo 113, caput e parágrafo 3º, do CPC de 1973). 6. Em virtude disso, fica a verba honorária de sucumbência fixada pelo juízo a quo tornada sem efeito, uma vez que caberá ao juízo competente fixá-la quando do julgamento de mérito desta ação, o que implica prejudicialidade ao conhecimento dos recursos dos demandados sobre o ponto.

(TRF-4 - AC: 50380926220144047100 RS 5038092-62.2014.4.04.7100, Relatora: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 27.02.2018, TERCEIRA TURMA.) (Grifei.)

Ante todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para, declinando da competência, determinar a remessa dos presentes autos à Justiça Federal.