RE - 35277 - Sessão: 12/03/2019 às 19:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO POR UMA CANOAS DE VERDADE (PMN-PTB-PSDC-PEN-PTdoB-REDE-SD-PRTB-PRP-PMDB-PR-PSC) e LUIZ CARLOS GHIORZZI BUSATO em face da sentença de fls. 337-338v., que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral por abuso de poder econômico e político e prática de condutas vedadas ajuizada pelos recorrentes, contra JAIRO JORGE DA SILVA, LÚCIA ELISABETH COLOMBO SILVEIRA, MARIO LUIS CARDOSO e COLIGAÇÃO BOM - BLOCO DO ORGULHO MUNICIPAL - CANOAS (PRB-PT-PDT-PP-PSB-PCdoB-PROS-PPS-SD-PV-PTC-PTN-PHS-PSD).

Em suas razões, os recorrentes repetem a narrativa fática da petição inicial, sustentando a ocorrência de fatos que, para além de configurarem propaganda eleitoral antecipada, revelam o abuso de poder econômico e político. Alegam que Jairo Jorge, na condição de Prefeito de Canoas, ao vincular a participação de Beth Colombo nas obras e nos projetos realizados na sua gestão e divulgar o seu apoiamento à candidata nas redes sociais, violou o art. 73, inc. IV, al. "b" e §§ 4º e 5º, da Lei n. 9.504/97 e, nos termos do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, incorreu em abuso de autoridade. Colacionam arestos da jurisprudência do TSE acerca do abuso do poder político e econômico, inclusive para o efeito de responsabilizar também a candidata recorrida. Ao final, requerem a reforma da sentença, para que sejam julgados procedentes os pedidos (fls. 346-361).

Em contrarrazões (fls. 371-379), os recorridos suscitam as preliminares de: não conhecimento do recurso, por falta de impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida; nulidade do feito, em decorrência da não integração à lide dos litisconsortes passivos necessários; e ofensa à coisa julgada, conforme o julgamento de improcedência da Representação por Propaganda Eleitoral Antecipada de n. 4550.2016.6.21.0066. No mérito, postulam a manutenção da sentença de improcedência.

Nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pela rejeição das preliminares e pelo desprovimento do recurso (fls. 382-398v.).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

1. Preliminares

1.1. Tempestividade

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 25.7.2018 (fl. 340), e o recurso foi aviado no dia 27 do mesmo mês (fl. 345), ou seja, no prazo de três dias previsto no art. 41-A, § 4º, c/c art. 73, § 13, ambos da Lei n. 9.504/97.

1.2. Do não conhecimento do recurso por falta de impugnação específica

Em contrarrazões, os recorridos sustentam que os recorrentes não impugnaram especificamente os fundamentos da sentença, tendo apenas repetido os fatos narrados na petição inicial, motivo pelo qual o recurso não deve ser conhecido, nos termos do art. 932, inc. III, do CPC.

Sem razão.

Ainda que tenham reproduzido a narrativa fática da peça inaugural, os recorrentes expressamente mencionam as razões pelas quais desejam obter a reforma da sentença, como se observa dos argumentos lançados à fl. 361, referentes: (i) ao fato de que a decisão reproduziu o parecer ministerial, desconsiderando as provas produzidas de abuso de poder econômico e político; (ii) à ausência de apreciação das irregularidades apontadas no tocante à exoneração de funcionários; (iii) à falta de valoração da tentativa de “compra” de candidato da coligação adversária; e (iv) ao equívoco do juízo de improcedência ter como fundamento a não eleição da candidata recorrida, por entender que o resultado do pleito não é requisito para a caracterização das ilicitudes imputadas.

Por isso, tenho que os recorrentes desincumbiram-se do ônus argumentativo, não havendo prejuízo ao princípio da dialeticidade recursal.

Logo, o recurso comporta conhecimento.

1.3. Da nulidade do feito pela não integração à lide dos litisconsortes passivos necessários

Ainda em preliminar, os recorridos suscitam a nulidade do feito, em decorrência da falta de integração no polo passivo de “CANHOTO, LADEMIR e PITOL”, agentes públicos que teriam participado da cooptação do candidato da coligação adversária.

Não olvido que o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento no sentido da existência de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiário e o agente público responsável pela prática dos atos ilícitos nas ações de investigação judicial eleitoral por abuso de poder e condutas vedadas:

ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. CANDIDATO BENEFICIADO. RESPONSÁVEL. AGENTE PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA. ALTERAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA.

[...]

3. Firma-se o entendimento, a ser aplicado a partir das Eleições de 2016, no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados.

[...]

(TSE, Mandado de Segurança n. 37082, Acórdão, Relator Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume, Tomo 170, Data 02.9.2016, Páginas 73-74) (Grifei.)

A ação tem como causa de pedir a prática de ato ilícito por agente público e, por isso, deve integrar a ação tanto quem foi responsável pelo ato (agente público) quanto quem vai sofrer os efeitos da decisão (candidato beneficiário). Se assim não fosse, a propositura de ação apenas contra o candidato beneficiário iria colocá-lo na condição de defender ato praticado por terceiro, no qual não teve participação.

Ocorre que a formação do litisconsórcio necessário não é exigida em todas as ações por abuso de poder político ou econômico, mas somente naqueles casos em que o candidato beneficiado com o ilícito não participou do ato, nem foi por ele responsável.

Isso não se verifica quando o agente que atua como autoridade máxima responsável pelo ato imputado integra a lide, assim como os candidatos que teriam sido beneficiados pela ação, como se verifica no particular.

Nessa linha de entendimento, as passagens a seguir transcritas de decisões monocráticas dos Ministros Luiz Fux e Rosa Weber:

“Ainda que o recorrente alegue que haja outros agentes públicos envolvidos, não é necessário que toda a cadeia de autores seja chamada para compor a lide, notadamente porque o recorrido figurava como autoridade máxima do Poder Executivo local. Nesse diapasão, os precedentes invocados não se amoldam ao caso concreto, porquanto se referem à representação proposta contra beneficiário do ato, sem a citação do agente público responsável pela prática da conduta vedada” . (RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 47762, Decisão monocrática de 11.02.2016, Relator: Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 06.4.2016 - Páginas 11-15)

"‘há que se distinguir as situações em que o agente público que executa a conduta vedada atua com independência em relação ao candidato beneficiário, fazendo-se obrigatória a formação do litisconsórcio, e aquelas em que ele atua como simples mandatário, nas quais o litisconsórcio não é indispensável à validade do processo’ (AgR-REspe nº 311-08/PR, Relator Min. João Otávio de Noronha, DJe de 16.9.2014).” (RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 53121, Decisão monocrática de 01.02.2018, Relatora: Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 22.02.2018 - Páginas 94-96)

Por conseguinte, a situação dos autos não exige a formação de litisconsórcio necessário, devendo ser rejeitada a prefacial.

1.4. Da violação à coisa julgada formada na RP n. 4550.2016.6.21.0066

A última preliminar diz respeito à alegação de ofensa à coisa julgada, tendo em vista o trânsito em julgado da decisão que declarou improcedente a representação ajuizada para apurar a ocorrência de propaganda eleitoral antecipada.

Mais uma vez, não há razão.

Embora a presente ação tenha como fundamento a divulgação de notícias que foram objeto de apreciação na aludida representação, fatos diversos foram considerados para a imputação dos ilícitos.

Ademais, como bem ressaltou o douto Procurador Regional Eleitoral, a possibilidade de apuração de outras faltas ficou ressalvada, inclusive na sentença que julgou improcedente a representação por propaganda eleitoral antecipada, diante da possibilidade de os fatos servirem para a verificação da ocorrência de ilícitos eleitorais diversos.

Ausente, na espécie, violação à coisa julgada.

Afastadas as preliminares, passo ao exame do mérito.

2. MÉRITO

Tangente ao mérito, os recorrentes imputam aos representados a prática de abuso de poder político e de autoridade e de conduta vedada tipificada no inc. VI, al. “b”, do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

A sentença julgou improcedente a pretensão ao fundamento de não restarem demonstrados elementos probatórios suficientes para a caracterização da conduta vedada, bem como do abuso de poder político ou de autoridade.

Adianto que não vejo motivos para reformar a sentença recorrida.

Na minha compreensão, o magistrado da 134ª Zona Eleitoral, com suporte no parecer do Ministério Público à origem, acertadamente concluiu pela improcedência da ação, entendimento que inclusive foi seguido, nesta instância, pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Passo à análise dos fatos e das provas dos autos.

2.1. Do abuso de poder político e econômico

Antes de adentrar no caso concreto, convém trazer breves apontamentos.

O caput do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 dispõe sobre a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Grifei.)

Trata-se de instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, trago a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. Há uma exacerbação de meios materiais que apresentem conteúdo econômico para o voto de forma ilícita. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade. (Elementos de Direito Eleitoral, 5ªed., 2016, p. 422)

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

(…)

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

E, nesse sentido, bem esclarece a doutrina de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições. Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

Quanto ao abuso de poder econômico, trago os ensinamentos de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral - 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Páginas 541-542):

(…) Caracteriza-se o abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente. com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Pode-se configurar o abuso de poder econômico, exemplificativamente, no caso de descumprimento das normas que disciplinam as regras de arrecadação e prestação de contas na campanha eleitoral (v.g., arts. 18 a 25 da LE). Em face à adoção da livre concorrência como um dos princípios basilares da ordem econômica (art. 170, inciso IV, da CF), tem-se que o abuso do poder econômico é o mais nefasto vício que assola os atos de campanha, distorcendo a vontade do eleitor e causando inegáveis prejuízos à normalidade e legitimidade do pleito. Para a caracterização do abuso do poder econômico desimporta a origem dos recursos, configurando-se o ilícito no aporte de recursos de caráter privado ou público.

(…)

Abuso de poder de autoridade é todo ato emanado de pessoa que exerce cargo, emprego ou função que excede aos limites da legalidade ou de competência. O ato de abuso de poder de autoridade pressupõe o exercício de parcela de poder, não podendo se cogitar da incidência desta espécie de abuso quando o ato é praticado por pessoa desvinculada da administração pública (lato sensu). O exemplo mais evidenciado de abuso de poder de autoridade se encontra nas condutas vedadas previstas nos artigos 73 a 77 da LE. Enquanto o abuso de poder de autoridade pressupõe a vinculação do agente do ilícito com a administração pública mediante investidura em cargo, emprego ou função pública, o abuso de poder político se caracteriza pela vinculação do agente do ilícito mediante mandato eletivo. (grifado).

Tecidas essas considerações, passo à análise dos fatos.

Inicialmente, os recorrentes sustentam que o cartão enviado pelo Prefeito Jairo Jorge à população do Município de Canoas, no final do ano de 2015, e notícias veiculadas nos jornais Zero Hora, Folha de São Paulo, Diário de Canoas e Correio do Povo (fls. 25-26) objetivaram impulsionar a candidatura de Beth Colombo e lançá-la como sua sucessora.

Entretanto, não é o que se extrai do material apresentado.

Além de não existir irregularidade na publicização de notícias que foram veiculadas na imprensa jornalística, da análise do conteúdo do cartão (fl. 26) não se observa qualquer menção à recorrida, seja na condição de vice-prefeita, seja como futura candidata.

Acrescenta-se que os recorridos apresentaram comprovante atestando que o pagamento do material foi realizado pelo partido (fl. 111), o que afasta a possibilidade de utilização de recursos públicos.

Em continuidade, os recorrentes apontam que o recorrido Jairo Jorge contratou empresa de telemarketing para divulgar o seu apoio à candidatura de Beth Colombo, apresentando declarações firmadas por alguns destinatários das ligações, que descreveram o teor das mensagens recebidas (fls. 27-29).

Em defesa, os recorridos juntaram a mídia à fl. 115 com a gravação da mensagem, que foi divulgada à população, na qual Jairo Jorge declara seu apoio e do partido político à Beth Colombo, afirmando que a pré-candidata, na condição de Vice-Prefeita, participou do governo e das obras realizadas.

No meu sentir, além de a manifestação não configurar propaganda eleitoral antecipada, conforme decidido em ação própria, a mensagem divulgada não caracteriza a ocorrência de abuso de poder econômico ou de autoridade, por não existir prova de que tenha sido custeada com recursos públicos e tampouco contemplar informação capaz de desequilibrar o pleito.

Se o sistema eleitoral, ao admitir a renovação do mandato, entendeu que o exercício da função pública não malfere a isonomia de oportunidades entre os candidatos concorrentes, com muito mais razão não caracteriza afronta ao preceito igualitário a vinculação de futura candidatura à participação na gestão para a qual pretende concorrer.

Do mesmo modo, não se extrai do caderno probatório a ocorrência de fraude na empresa contratada para a impressão do material gráfico de campanha juntado nos autos. A existência de contrato celebrado entre a empresa Suporte Comércio e Serviços LTDA. e a Prefeitura em data próxima à dos fatos e a divergência encontrada no ramo da atividade empresarial, que não tinha como atividade principal a prestação de serviços gráficos, mas sim de fabricação de luminárias e outros equipamentos de iluminação, embora possam, em um primeiro momento, ensejar a suspeita de irregularidade, não são suficientes para embasar a ocorrência de ilicitude. Ademais, os documentos juntados às fls. 168-174 não se prestam para a comprovação da existência de ajuste fraudulento entre as partes, não se admitindo a condenação fundada em meras conjecturas e ilações.

No que toca à divulgação do conteúdo de publicações na imprensa por meio do “folder de 4 páginas” (fl. 30), novamente não se constata a extrapolação de recursos financeiros capaz de ensejar o abuso de poder econômico, tampouco a utilização indevida das prerrogativas da função pública exercida.

Os recorridos apresentaram documentos que comprovam a origem dos recursos utilizados (fls. 117-118), sobre os quais não foi apresentada contraprova pelos recorrentes.

Em prosseguimento, o “Caderno de Obras” (fl. 45), em si, não caracteriza nenhuma das irregularidades imputadas. Além de ter sido veiculado fora do período vedado pelo art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97, não se colhe do seu teor intenção direta de favorecimento à candidatura de Beth Colombo, sobretudo diante das alegações dos recorridos de que semelhante material era distribuído todos os anos no aniversário do município, fato que não foi negado pelos recorrentes.

No mesmo trilhar, registro que o panfleto em que Jairo Jorge manifestou seu apoio à Beth Colombo e ressaltou a sua participação na realização das obras entregues na sua gestão, bem como anunciou como pré-candidato ao cargo de Vice-Prefeito Mário Cardoso (fl. 44), não configura a ocorrência de conduta abusiva, na esteira da argumentação já exposta.

Não há evidências de utilização de recursos públicos: além de o material ter sido possivelmente custeado pelo órgão partidário, por conta da indicação dos dados da composição municipal no impresso, o pórtico do município é bem de uso comum do povo, nada havendo de repreensível na sua escolha como plano de fundo para o registro fotográfico. Ainda, como não se trata de propaganda eleitoral, não há como interpretar extensivamente a exigência normativa da indicação da legenda partidária.

Semelhante entendimento é aplicável quanto às manifestações de Jairo Jorge nas suas redes sociais (fls. 53-60), não sendo razoável ampliar a restrição incidente sobre a utilização impessoal da máquina pública para alcançar as publicações realizadas no perfil pessoal do agente político, sob pena de malferir o princípio da isonomia em prejuízo daqueles que foram eleitos para ocupar funções públicas, além de privar a sociedade do acesso a essas informações.

Frisa-se que a liberdade de expressão é norma fundamental no ordenamento jurídico pátrio, cabendo a atuação da Justiça Eleitoral de forma excepcional e apenas quando houver abuso no exercício desse direito, o que não se verifica no particular.

No ponto, convém observar que, antes mesmo do período destinado à campanha eleitoral, a legislação admite a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e a sua cobertura em meios de comunicação social, inclusive via internet (art. 36-A da Lei n. 9.504/97).

Nesse sentido, destaco precedente do Tribunal Superior Eleitoral, que bem elucida a questão:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA (LEI DAS ELEICOES, ART. 36-A). DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM EM FACEBOOK. ENALTECIMENTO DE PARTIDO POLÍTICO. MENÇÃO À POSSÍVEL CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA LIBERDADE JUSFUNDAMENTAL DE INFORMAÇÃO. ULTRAJE À LEGISLAÇÃO ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. A liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se - e suas exteriorizações (informação e de imprensa)- ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades.

2. A proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016 - prelo).

[...]

4. A ampla divulgação de ideias fora do período eleitoral propriamente dito se ancora em dois postulados fundamentais: no princípio republicano, materializado no dever de prestação de contas imposto aos agentes eleitos de difundirem atos parlamentares e seus projetos políticos à sociedade; e no direito conferido ao eleitor de acompanhar, de forma abrangente, as ideias, convicções, opiniões e plataformas políticas dos representantes eleitos e dos potenciais candidatos acerca dos mais variados temas debatidos na sociedade, de forma a orientar a formação de um juízo mais consciente e responsável, quando do exercício de seu ius suffragii.

[…]

7. A menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, nos termos da redação conferida ao art. 36-A pela Lei nº 13.165/2015, não configuram propaganda extemporânea, desde que não envolvam pedido explícito de voto.

[…]

9. Recurso especial provido.

(TSE - RESPE: 00000512420166130052 BRUMADINHO - MG, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 18.10.2016, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 18.10.2016) (Grifei.)

Ainda no intuito de demonstrar a ocorrência de prática abusiva, os recorrentes alegam que Jairo Jorge, em razão do seu poder e influência, teria, por meio de apoiadores políticos, oferecido vantagem ao candidato ao cargo de Vereador pelo PTB, Braulio Santana Pedroso, conhecido como Santana, a fim de persuadi-lo a candidatar-se pela sua coligação.

Como prova das alegações, apresentaram mídia (fl. 84) contendo a gravação de três conversas, das quais duas são entre Santana e “Canhoto” e uma entre Santana, “Canhoto”, Lademir e Pitol.

As conversas expõem as tratativas realizadas a fim de cooptar Santana para concorrer pela coligação dos recorridos, com a suposição de que a mudança acarretaria vantagens profissionais, que não foram reveladas.

À guisa de exemplo, em uma das gravações, “Canhoto” descreve benefícios que obteve ao mudar de legenda e aconselha Santana a concorrer pela coligação dos recorridos e exigir vantagens em troca de seu apoiamento.

Contudo, em nenhuma das passagens existe a oferta de dinheiro, cargo ou benefício capaz de demonstrar existência de abuso de poder econômico ou político pelos recorridos, não tendo sido produzida prova do envolvimento direto de Jairo Jorge nas negociações.

Na sequência, os recorrentes referem-se a uma fotografia em que a candidata Beth Colombo aparece falando ao microfone e, ao fundo, um funcionário da Prefeitura está realizando a cobertura fotográfica do evento (fl. 85).

Mais uma vez, a prova utilizada para sustentar a alegação de conduta abusiva não é conclusiva.

Considerando que a candidata ocupou o cargo de Vice-Prefeita, para assegurar que houve a alegada utilização indevida da máquina administrativa, seria necessário identificar o desvirtuamento do uso de recursos públicos por meio de informações precisas acerca da data, local, natureza e finalidade do ato em que foi realizado o registro fotográfico, o que não ocorreu.

Por fim, afirmam os recorrentes que funcionários da Prefeitura que não demonstraram apoio à Beth Colombo foram “desligados” dos seus cargos.

Com o fito de evidenciar o desvio de finalidade, aduzem que as exonerações, que tiveram como motivação formal reduzir despesas da gestão municipal, foram seguidas de novas contratações.

Entretanto, os recorridos alegaram que os atos de nomeação às fls. 91-92 foram realizados para suprir demanda de pessoal do Instituto Canoas XXI, autarquia municipal com dotação orçamentária própria, não tendo relação com as exonerações.

Como não há nos autos demonstração de perseguição política ou qualquer prova de desvio de finalidade, não há como sustentar a tese da ocorrência de abuso de poder econômico ou político.

Peço vênia para transcrever a seguinte passagem do parecer do douto Procurador Regional Eleitoral, por representar com perfeição a minha compreensão acerca do fato (fl. 396 e v.):

As cópias dos documentos juntados aos autos pelos representantes, Ofícios do Gabinete do Prefeito nº 972-2015 - GP (fls. 87/88) e nº 984-2015-GP (fls. 89-90) revelam que foram expedidos em 21.12.2015, ou seja, antes do ano eleitoral e aproximadamente 10 meses antes das eleições, para informar, respectivamente, a exoneração de cargos e funções de confiança do então prefeito JAIRO JORGE, os quais eram ocupados pelo Sr. Oswaldo Steffen e pelo Sr. Rogério dos Santos de Oliveira.

Frise-se, ainda, que os representantes não arrolaram como testemunhas os dois exonerados, para comprovar que, de fato, houve perseguição política ou desvio de poder contra os mesmos por não terem demonstrado apoio à pré-candidata BETH COLOMBO.

Quanto à nomeação do Sr. Marcel Rodrigues, para o cargo em comissão CC-5, de Assessor de Gestão Municipal II, AGM II, da Diretoria de Planejamento Urbano e Ambiental do Instituto Canoas XXI, verifica-se que o ato de nomeação, Portaria nº 4, de 29.02.2016 (fl. 91) foi assinado pelo então DiretorPresidente do Instituto Canoas XXI, Celso Pita, e não pelo ex-prefeito JAIRO JORGE.

De salientar que, como afirmado pelos próprios autores, um dos exonerados era o Secretário Municipal de Transportes. Evidente que o Prefeito tem toda a liberdade para definir o seu secretariado, não se podendo extrair de uma exoneração havida em dezembro de 2015 a existência de perseguição política relativamente às eleições de 2016.

Dentro desse contexto, parece razoável inferir que não há conotação política ou desvio de poder da autoridade, tampouco ligação entre os fatos noticiados pelos representantes, quais sejam, as duas exonerações assinadas no final de dezembro de 2015 pelo ex-prefeito JAIRO JORGE.

Dessarte, a suposta ocorrência de abuso de poder e de autoridade não restou comprovada nos autos, razão pela qual foi bem o magistrado ao rejeitar a pretensão quanto a este ponto.

2.2. Condutas Vedadas

A Lei n. 9.504/97 prevê um rol de condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, com o fim de impedir que uma pessoa possa aproveitar-se da condição de agente público para favorecer-se no pleito.

O regramento objetiva, portanto, garantir o respeito à igualdade de chances que deve nortear um processo eleitoral isonômico.

No caso dos autos, os recorrentes informam que Jairo Jorge, ao publicar em sua página pessoal na rede social Facebook postagens em favor da candidatura de Beth Colombo, infringiu o disposto no art. 73, inc. VI, al. “b”, que proíbe a realização de propaganda institucional nos três meses que antecedem o pleito.

Transcrevo o dispositivo:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

[…]

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

De acordo com as razões recursais, nas postagens publicadas no período vedado pela legislação eleitoral, o então Prefeito Jairo Jorge (i) exaltou a capacidade de gestão da candidata Beth Colombo; (ii) ressaltou a qualidade do programa de segurança pública do seu governo, fazendo referência à reportagem veiculada no programa Bom Dia Rio Grande; (iii) promoveu a sua atuação ao publicar imagem de evento produzido pela FAMURS; (iv) divulgou a passagem da tocha das olimpíadas; (v) valorizou a educação no município e a experiência e gestão da candidata Beth Colombo; (vi) elogiou a sua aptidão para negociar alianças; e (vii) realizou propaganda em favor da candidata recorrida.

Ocorre que, para a incidência da norma proibitiva, é necessário que a divulgação dos atos de governo possa ferir a paridade entre os candidatos, o que pressupõe que a publicidade tenha ocorrido, no mínimo, por meio da página oficial da administração municipal ou com recursos públicos, o que não se comprovou.

Ao contrário disso, as publicações destacadas foram todas realizadas no perfil particular de Jairo Jorge, sem que tenha sido produzida prova de utilização de recursos públicos nas manifestações.

Colaciono, no mesmo sentido, os seguintes arestos da jurisprudência de outros Tribunais Regionais Eleitorais:

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. PERÍODO VEDADO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. REJEIÇÃO. MÉRITO. ILÍCITO CARACTERIZADO. MULTA. OFENSA AO ART. 73, VI, B DA LEI Nº 9.504/97. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO LIMINAR. AFASTAMENTO. CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.

[...]

5. Entretanto, apesar de configurada a propaganda institucional em período vedado nas condutas anteriormente mencionadas, deve-se atentar para a não configuração de conduta vedada nas divulgações constantes da página pessoal do ora Recorrente, tendo em vista não configurarem propaganda institucional, já que ausente a utilização de recursos públicos para tal divulgação.

6. Some-se a isso, inclusive, ser a promoção pessoal do candidato e a divulgação de seus atos à frente da gestão municipal, óbvio que sem a utilização de recursos públicos, permitida nos termos do art. 36-A da Lei nº 9.504/97, não configurando sequer propaganda antecipada.

[…]

9. Recurso conhecido e parcialmente provido.

(TRE-CE - RE: 10677 FRECHEIRINHA - CE, Relator: HAROLDO CORREIA DE OLIVEIRA MÁXIMO, Data de Julgamento: 19.02.2018, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 35, Data 22.02.2018, Páginas 12-13) (Grifei.)

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CANDIDATO À REELEIÇÃO. EXPOSIÇÃO DE REALIZAÇÕES DE SEU GOVERNO NO FACEBOOK. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE. PROPAGANDA INSTITUCIONAL NÃO CARACTERIZADA. PÁGINA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FINANCIAMENTO PÚBLICO. USO DO BRASÃO E DA BANDEIRA MUNICIPAL. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

(TRE-SP - RE: 16278 NUPORANGA - SP, Relator: MARCELO COUTINHO GORDO, Data de Julgamento: 02.5.2017, Data de Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 08.05.2017) (Grifei.)

Consequentemente, as irregularidades imputadas não restaram caracterizadas, devendo ser mantida a sentença de improcedência.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhor Presidente.