RE - 1519 - Sessão: 12/02/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA de SANTA ROSA (PDT) contra a sentença do Juízo da 42ª Zona Eleitoral, que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2017, em virtude do recebimento de recursos, tanto de origem não identificada quanto de fonte vedada, determinando o recolhimento da importância de R$ 9.496,69 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 20%, correspondente a R$ 1.899,38, totalizando R$ 11.396,07 (fls. 245-249v.).

Em seu recurso, o partido alega ser indevida a conclusão de que a importância de R$ 7.596,69 tem origem não identificada, argumentando caber à instituição financeira indicar o CPF dos doadores. Afirma que os valores constam nos recibos de doação e depósitos bancários. Sustenta a ausência de má-fé, apontando que a irregularidade ocorreu por equívoco, defendendo que o valor é irrisório para a caracterização de caixa 2. Acrescenta não haver divergência entre a arrecadação e os depósitos realizados. Aduz que a contribuinte ocupante de cargo de gerência junto à municipalidade não se enquadra como fonte vedada, uma vez que não exerce função com poder de autoridade. Assevera que a Resolução TSE n. 23.464/15 não está mais em vigência, postulando a aplicação da retroatividade legal em seu benefício. Requer a aprovação das contas (fls. 257-264).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 274-281).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

O PDT de Santa Rosa teve suas contas partidárias relativas ao exercício de 2017 julgadas desaprovadas em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, no total de R$ 7.596,69, depositados por meio do CNPJ do próprio partido e sem a identificação do CPF do doador originário, e da constatação de que parcela dessa quantia, no montante de R$ 1.900,00, foi repassada à agremiação por detentora do cargo de gerente de eventos junto à Prefeitura de Santa Rosa (fl. 78), cargo esse com poder de autoridade e, portanto, considerado fonte vedada de arrecadação.

A sentença determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 9.496,69, valor correspondente à soma das duas irregularidades (R$ 7.596,69 + R$ 1.900,00), acrescida de multa no patamar máximo de 20% estabelecido no art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15 (Lei n. 9.096/95, art. 37), totalizando R$ 11.396,07 (fls. 245-249v.).

Além disso, verificou-se divergência entre a arrecadação declarada para o exercício, no montante de R$ 11.068,11, e as receitas constatadas nos autos pelo exame técnico, no valor de R$ 10.673,69.

Passo à análise das razões de reforma da sentença, a iniciar pela tese de inaplicabilidade da Resolução TSE n. 23.464/15 e de retroatividade da lei mais benéfica.

Embora a peça recursal não tenha apontado qual norma o recorrente entende deva regulamentar as contas do exercício de 2017, tudo leva a crer que o pedido se refere às alterações introduzidas pela Lei n. 13.488/17 na Lei n. 9.096/95 e à edição da Resolução TSE n. 23.546/17.

Contudo, o art. 65, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17 expressamente prevê que as contas relativas ao exercício de 2017 devem ser examinadas de acordo com a Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2018.

[…].

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

[…].

III - as prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE n. 23.464, de 17 de dezembro de 2015;

(Grifei.)

Ainda, consigno que para o exame deve ser considerado o texto do art. 31 da Lei n. 9.096/95, vigente ao tempo do exercício financeiro de 2017, sem as posteriores alterações legislativas ou a aplicação do instituto da retroatividade normativa, pois este Tribunal, ao apreciar essa questão, sedimentou o posicionamento pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, em conformidade com os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Da mesma forma, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava durante o exercício contábil, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Dessarte, as presentes contas foram julgadas de acordo com a norma de regência, sendo descabida a alegação de má aplicação da Resolução TSE n. 23.464/15.

Quanto às irregularidades constatadas, observa-se que a decisão recorrida acolheu integralmente a conclusão do órgão técnico no sentido de que o partido recebeu depósitos em dinheiro, em sua conta bancária, sem especificação do CPF da pessoa física depositante, ou seja, do doador originário, no total de R$ 7.596,69, enquadrando a quantia como recurso de origem não identificada.

De fato, os extratos bancários juntados aos autos às fls. 53-64, que compreendem toda a movimentação bancária do partido no exercício de 2017, comprovam o cometimento da irregularidade.

Para elidir a falha, a agremiação elaborou uma listagem de contribuintes e respectivos valores doados, juntada às fls. 28-49, e apresentou os recibos eleitorais de doação dos recursos às fls. 134-199 e 202-229, afirmando que caberia ao banco identificar o CPF do depositante.

Contudo, a legislação é clara ao estabelecer que compete ao partido manter em ordem a sua movimentação bancária, devendo receber recursos financeiros obrigatoriamente por intermédio de cheque cruzado ou depósito identificado pelo CPF do doador, nos termos dos arts. 5º, inc. IV, 7º, 8º, §§ 1º e 2º, todos da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 5º Constituem receitas dos partidos políticos:

[...]

IV – doações de pessoas físicas e de outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais e das despesas ordinárias do partido, com a identificação do doador originário;

 

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

 

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

 

§1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (Lei nº 9.096/95, art. 39, § 3º).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

A responsabilidade pelo recebimento de depósitos identificados é do partido político, pois as legendas partidárias têm o dever de zelar pela transparência e confiabilidade das contas.

O art. 13 da Resolução TSE n. 23.464/15 veda a arrecadação, direta ou indireta, sob qualquer forma ou pretexto, de recursos de origem não identificada, classificando nessa irregularidade o valor cujo nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte não tenha sido informado ou seja inválido.

Esse é justamente o caso dos autos.

Por sua vez, o art. 14 da norma determina que o órgão partidário recolha o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias, sendo vedada a devolução ao doador originário.

A jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a carência de identificação da fonte originária do recurso na própria operação bancária é falha grave, que impede o controle da Justiça Eleitoral, prejudicando a transparência das informações contábeis.

Colaciono recente julgado deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. EXISTÊNCIA DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHAS DE REDUZIDA REPRESENTATIVIDADE FRENTE À MOVIMENTAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Entendimento deste Tribunal no sentido de que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

2. Não é permitido aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta quando detenham a condição de autoridades. Recursos procedentes de ocupantes de cargos de chefia e direção, todos considerados fontes vedadas, enquadrados na proibição do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

3. As receitas obtidas por meio de depósito com a indicação do CNPJ do próprio partido devem ser consideradas como de origem não identificada, uma vez descumprido o preceito do art. 7º da Resolução TSE n. 23.464/15.

4. As falhas apuradas totalizam 3,41% do total de recursos arrecadados pela agremiação. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Determinado o recolhimento do valor recebido de forma irregular ao Tesouro Nacional.

5. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – PC 24-44.2017.6.21.0000, relator Des. Eleitoral João Batista Pinto Silveira, julgado em 23.10.2018, unânime.) (Grifei.)

Como se vê, não se trata de averiguar se a omissão do dado ou a ausência de recolhimento do valor até o último dia útil do mês seguinte ao depósito bancário foi realizado por má-fé, ou na intenção de ocultar receita sob a forma de caixa 2, mas de falta plena e insanável de confiabilidade na escrituração contábil.

Quanto ao recurso considerado como oriundo de fonte vedada, por força da redação originária do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e pelo art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15, o examinador técnico apontou ter constatado, nos extratos bancários contidos nos autos, que o partido recebeu depósitos com identificação do CPF n. 038.116.010-67, relativo à contribuinte Elisa Teresinha Becker, ocupante do cargo comissionado de gerente junto ao executivo municipal de Santa Rosa, de acordo com a listagem que acompanha o ofício da fl. 78.

Contudo, nos extratos fornecidos pela agremiação (fls. 53-64) e nos extratos eletrônicos obtidos junto ao TSE (fls. 93-96), não se verifica a existência de qualquer depósito identificado com o número de CPF da doadora enquadrada como fonte vedada.

Depreende-se, do cotejo entre o parecer técnico, os documentos dos autos e as razões de decidir da sentença recorrida, que a conclusão pela origem vedada foi alcançada a partir das provas unilaterais produzidas pela própria agremiação, ou seja, a listagem de contribuições partidárias (fls. 134-199) e os recibos eleitorais de doação (fls. 202-229).

Esse raciocínio, no entanto, apresenta-se contraditório, pois, se a documentação fornecida pela agremiação não pode ser considerada para a identificação do doador do recurso, igualmente não deve ser levada em conta para o apontamento de que o doador alegado se enquadra como fonte vedada.

Logicamente, é incabível, em sede de prestação de contas, que uma doação seja, ao mesmo tempo, considerada como recurso de origem não identificada e receita oriunda de fonte vedada.

Dessa forma, a irregularidade merece ser afastada, pois a falha no tocante às contribuições partidárias corresponde tão somente à importância de R$ 7.596,69, recebida por depósito em conta sem identificação do doador, quantia que deve ser recolhida ao Tesouro Nacional conforme determina o art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Anoto, por fim, que a sentença referiu outra falha, pois o partido declarou na prestação de contas que a receita total do exercício foi de R$ 11.068,11 (fls. 28-39), enquanto os autos apontam arrecadação de R$ 10.673,69, demonstrando uma divergência de R$ 394,42 entre os valores.

No tocante a esse ponto, não há irresignação recursal nem apresentação de esclarecimentos, limitando-se o partido a afirmar que não há divergência entre a arrecadação e os depósitos realizados.

Quanto à sanção aplicável, entendo que o impacto da irregularidade é demasiado consistente, alcançando 71,17% da contabilidade, não sendo razoável enquadrar como irrisório o recebimento de R$ 7.596,69, na forma de depósitos bancários sem identificação do doador, se o total arrecadado no exercício totalizou R$ 10.673,69.

Tal raciocínio não impede que o percentual da multa seja reduzido.

A multa de 20%, por ser o grau máximo de penalidade, deve ser fixada no caso de irregularidade que comprometa integralmente a demonstração contábil, ou seja, 100% dos recursos recebidos.

Na hipótese dos autos, a falha comprometeu cerca de 70% da movimentação financeira, então o percentual deve ser enquadrado em 14%, equivalente à R$ 1.063,53, sanção que se afigura proporcional e adequada às irregularidades constatadas.

Nesses termos, o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional deve ser reduzido para R$ 8.660,22 (R$ 7.596,69 + R$ 1.063,53).

Por fim, quanto à menção da Procuradoria Regional Eleitoral de que a sentença não aplicou a penalidade prevista no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, relativa à suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário até o esclarecimento sobre a origem dos recursos, ressalto que andou bem a decisão a quo.

Este Tribunal firmou entendimento no sentido de que a penalidade é aplicável “até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito” (RE 2357, da relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DEJERS de 23.11.2018), “sob pena de imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico interno” (RE 2481, da relatoria do Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, DEJERS de 26.11.2018).

Assim, tendo em vista que o mérito das contas já foi julgado, não há que se falar em aplicação do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para afastar a irregularidade referente às doações de fonte vedada, manter a desaprovação das contas em virtude do recebimento dos recursos de origem não identificada no valor de R$ 7.596,69 (sete mil, quinhentos e noventa e seis reais e sessenta e nove centavos), reduzir para 14% o percentual da multa, à razão de R$ 1.063,53 (um mil e sessenta e três reais e cinquenta e três centavos), e diminuir para R$ 8.660,22 (oito mil, seiscentos e sessenta reais e vinte e dois centavos) o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional (R$ 7.596,69 + R$ 1.063,53), nos termos da fundamentação.