RE - 1895 - Sessão: 24/04/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso contra decisão que desaprovou a prestação de contas anual, apresentada pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) do Município de Candelária – RS, relativa ao exercício de 2015.

A sentença prolatada (fls. 99-101) julgou desaprovadas as contas do partido ante o recebimento de recursos de origem não identificada, pois ausente informação sobre os doadores/contribuintes nos extratos bancários. Foi determinado o recolhimento da importância de R$ 53.396,48, advindos de origem não identificada, ao Tesouro Nacional.

Em seu apelo, a agremiação (fls. 105-109) sustenta que os valores que transitaram pelas contas bancárias têm origem identificada, tratando-se de doações feitas por filiados da agremiação partidária. Alega que, com a alteração introduzida pela Lei n. 13.488/17, ficam permitidas as doações de filiados, inclusive detentores de CCs e FGs, assim como ocupantes de cargos eletivos.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se (fls. 114-121), preliminarmente, pelo não conhecimento do apelo em função da ausência de dialeticidade recursal e, no mérito, pela determinação da suspensão de novas quotas do Fundo Partidário.

É o relatório.

VOTOS

Des. Eleitoral João Batista Pinto Silveira (relator):

AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE RECURSAL

A Procuradoria Regional Eleitoral suscitou o não conhecimento do recurso, em razão da ausência da dialeticidade recursal, prevista no art. 932, inc. III, do CPC:

Art. 932. Incumbe ao relator:

(…)

III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;

O recurso apenas teria demonstrado contrariedade quanto à condenação por recebimento de doações por fonte vedada, o que não foi objeto da sentença.

Consoante entendimento do STJ, para que haja violação ao princípio da dialeticidade, as razões do inconformismo não devem guardar qualquer relação com os fundamentos da decisão recorrida, atraindo, nesta hipótese, o não conhecimento do recurso:

(...) 1. A repetição de argumentos anteriores, por si só, ainda que possa constituir praxe desaconselhável, não implica na inépcia do recurso, salvo se as razões do inconformismo não guardarem relação com os fundamentos da decisão recorrida, o que não se verifica, na hipótese. (…)

(AgRg no AREsp 148.672/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 26.6.2012, DJe 29.6.2012.)

Malgrado o recorrente tenha feito menção ao recebimento de recursos de fonte vedada em suas razões, verifica-se que, ao longo do recurso, a peça cita, entre os fundamentos do inconformismo com a decisão a quo, o seguinte trecho à fl. 106: A origem dos créditos citados na decisão atacada é clara, eis que se tratam de doações feitas por filiados da agremiação partidária.

Não desconheço que o recorrente haja mencionado o art. 31 da Lei n. 9.096/95, o qual dispõe sobre fontes vedadas. Contudo, por si só, isso não é suficiente para violar o princípio da dialeticidade, quando se percebe que o inconformismo (desaprovação das contas e devolução de recursos ao Tesouro Nacional) guarda relação com os fundamentos da decisão.

Por essas razões, rejeito a prefacial.

DA NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA

Argumenta a Procuradoria Regional Eleitoral que, como consequência jurídica da desaprovação das contas, deveria o magistrado ter aplicado a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário e que, por tratar-se de matéria de ordem pública, poderia incidir nesse grau recursal.

De fato, tratando-se de prestação de contas relativas ao exercício financeiro de 2015, aplicável o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95, o qual estabelece a sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário por um período de 1 a 12 meses, não obstante o advento da Lei n. 13.165/15.

Transcrevo a redação do dispositivo:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.

[...]

§ 3o  A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas de partido, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, da importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação

No caso dos autos, desaprovadas as contas, a manifestação acerca da sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 a 12 meses é imperativa, nos termos do art. 48 da Resolução TSE n. 23.432/14.

Considerando que a suspensão do recebimento do Fundo Partidário é decorrência lógica da desaprovação das contas, deve ser anulada a sentença recorrida, por ausência da observância dos seus consectários legais, de acordo com a orientação firmada por este Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2015. PRELIMINAR ACOLHIDA. SENTENÇA OMISSA. AUSENTE A DETERMINAÇÃO DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DECORRÊNCIA LÓGICA DO ART. 37, § 3º, DA LEI N. 9.096/95. ALTERAÇÃO DA NORMA NÃO APLICADA AO EXERCÍCIO EM ANÁLISE. RETORNO DOS AUTOS PARA ORIGEM. NULIDADE.

Acolhida preliminar. Omissão na sentença em aplicar e fundamentar a pena de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, nos termos do que dispunha o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95. Penalidade extraída do texto legal após a edição da Lei n. 13.165/2015, passando a cominar a pena de devolução da importância considerada irregular, acrescida de multa. Modificação a ser aplicada nas prestações de contas relativas ao exercício financeiro de 2016, conforme definição do Tribunal Superior Eleitoral. Incidência, no caso, da sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 a 12 meses, nos termos do art. 48 da Resolução TSE n. 23.432/14.

(TRE/RS – RE: 16-37 TIRADENTES DO SUL – RS, Relator: Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, Data de Julgamento: 14.11.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 206, Data 17.11.2017, p. 4.)

Recurso. Prestação de contas anual. Partido Político. Diretório Municipal. Exercício de 2012.

Sentença que desaprovou a prestação de contas partidária, sem contudo, estabelecer a sanção de suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário.

Decorrência legal disposta no art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95. Retorno dos autos à origem.

Nulidade.

(Recurso Eleitoral n. 4089, Acórdão de 02.12.2014, Relator Des. Eleitoral HAMILTON LANGARO DIPP, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 222, Data: 05.12.2014, p. 14.)

Ainda que louvável o argumento da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de ser aplicada a sanção neste grau de jurisdição, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de anular o ato sentencial, posição que se afeiçoa aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Dessarte, a nulidade da sentença é medida que se impõe, devendo os autos retornar ao juízo de origem para que seja proferida nova decisão, observando-se as disposições legais vigentes ao tempo do exercício financeiro ao qual se referem as contas.

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a preliminar de ausência de dialeticidade e anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem, nos termos da fundamentação.

Acaso vencido na preliminar, enfrento o mérito.

MÉRITO

Nas razões de apelo, o recorrente sustenta o que segue: A origem dos créditos citados na decisão atacada é clara, eis que se tratam de doações feitas por filiados da agremiação partidária. (fl. 106).

O órgão técnico solicitou a apresentação do demonstrativo de contribuições recebidas, diligência que não foi atendida pelo partido.

Dessa forma, não foi demonstrada a origem das doações do montante de R$ 53.396,48 auferido pelo partido no exercício de 2015.

Esse procedimento vai de encontro ao que preceitua o art. 7º da Resolução TSE n. 23.432/14:

Art. 7º As contas bancárias somente poderão receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do doador ou contribuinte.

Como consectário, esses recursos são considerados de origem não identificada e devem ser restituídos ao erário, consoante a mencionada Resolução:

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I – o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF ou no CNPJ do doador ou contribuinte:

a) não tenham sido informados;

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeitará o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

Considerando que a irregularidade maculou a confiabilidade das contas e representa a totalidade dos recursos arrecadados pelo partido, mostra-se correto o juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento da importância aos cofres públicos.

Nesse sentido, reproduzo ementa de julgado de minha relatoria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2016. DESAPROVAÇÃO. CONTRIBUIÇÕES DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES E DETENTORES DE MANDATO ELETIVO. RECEBIMENTO DE RECURSO FINANCEIRO SEM IDENTIFICAÇÃO DE DOADOR ORIGINÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Conhecimento de documentos em grau recursal, por força do art. 266 do Código Eleitoral.

2. O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 proíbe o recebimento de doações provenientes de autoridades públicas, dentre elas os detentores de cargos em comissão que desempenhem função de chefia

e direção.

3. Licitude das doações efetuadas por detentores de mandato eletivo, pois eleitos pelo povo em obediência aos princípios democrático e republicano.

4. Ingresso de recursos na conta bancária do diretório, sem a identificação do doador originário, contrariando o que dispõe o art. 7° da Resolução TSE n. 23.464/15.

5. Provimento parcial para reduzir o valor considerado irregular e a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 8 meses, mantidos os demais termos da sentença.

(Processo n. 14-53.2017.6.21.0047, julgado em 23.5.2018.) (Grifo nosso)

De outro vértice, verifico que não houve aplicação da sanção de suspensão do Fundo Partidário como era de rigor.

Contudo, em face do acolhimento da preliminar de que seria reformatio in pejus a anulação da sentença para a correção da falha, não há como, neste juízo recursal, proceder à dosimetria do sancionamento de suspensão do Fundo Partidário.

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a preliminar de ausência de dialeticidade e negar provimento ao recurso.

 

Des. Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler:

Eminente Presidente, demais componentes desta Corte e Procurador Regional Eleitoral.

Não desconheço o fato de que este Colegiado vem-se debruçando sobre a matéria de que trata o presente recurso eleitoral, relacionada à desaprovação de contas de partido político/diretório julgada em 1º grau sem que tenham sido aplicados os consectários previstos em Lei e em Resolução do e. TSE.

Destarte, também não desconheço que a posição majoritária deste Pleno, e que vem pautando a sua jurisprudência recente, é no sentido de que a não aplicação das sobreditas cominações - ou o silêncio do julgador de piso sobre a questão - implica nulidade de sentença e retorno do feito à origem para que decisão outra seja proferida.

Sem embargo, com a devida vênia, permito-me divergir e não acompanhar o voto encaminhado pelo ilustre relator, aduzindo, sinteticamente, as razões que seguem.

O que aqui está em julgamento é o recurso eleitoral manejado pela agremiação partidária que, tanto perante a origem quanto em sede recursal, sem negar a captação irregular de recursos para campanha eleitoral, apoia sua defesa em matéria de direito que diz com a vigência das normas jurídicas aplicáveis à espécie.

A sentença de primeiro grau foi pela desaprovação das contas prestadas, diante do recebimento de recursos de origem não identificada, limitando-se a impor a obrigação de recolhimento do valor equivalente aos cofres da União. A decisão em testilha não aplicou a penalidade de suspensão do recolhimento de novas quotas do Fundo Partidário, consectário previsto no artigo 37 da Lei n. 9.096/95, na redação em vigor durante o exercício financeiro em questão.

Nesse passo, é de extrema relevância não perder de vista que o Ministério Público Eleitoral, na ação proposta na origem, não interpôs recurso algum.

Se partirmos da ideia de que as sanções mencionadas - e não aplicadas - são consequência insuperável do julgamento pela desaprovação das contas, indissociáveis da cominação principal consistente no recolhimento à União dos recursos indevidamente recebidos, então caberia ao MPE opor embargos de declaração, pois estar-se-ia diante, em tese, de omissão passível de ser sanada. Se, de outro lado, entendermos que ditas sanções não decorrem necessariamente da desaprovação e do prefalado recolhimento de recursos, então a hipótese parece ser a de recurso eleitoral a respeito.

E nenhum desses remédios foi utilizado na hipótese.

Postas tais premissas, a mim soa absolutamente distanciado da lógica do razoável o retorno dos autos à origem, por decretação de nulidade, para que outra sentença seja proferida, a partir de recurso de quem será prejudicado pela reapreciação, mesmo porque, nos termos postos no voto e no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, há expressa menção à imperiosa aplicação das sobreditas sanções em se tratando de desaprovação de contas.

Para mim, não se está diante de causa de nulidade, muito menos a ensejar decretação de ofício, não me seduzindo as invocadas razões de ordem pública, tampouco tratar-se de matéria de ordem pública, pois se assim for considerado, em inúmeras situações haverão de ser declaradas nulidades outras, visto que, do ramo do Direito Público, o Eleitoral é - e evidentemente as regras que estatui também o são -, sem dúvida, do mais alto interesse público.

Não consigo aceitar a ideia da reformatio in pejus a que se sujeita o próprio recorrente.

A isso agrego, em contraposição aos argumentos logo acima mencionados, que não menos relevantes são os conceitos e preceitos de segurança jurídica, coisa julgada, preclusão e o de que à superior instância devolve-se o conhecimento daquilo que foi objeto de recurso, portanto, dos pontos em que a decisão originária foi atacada.

Desimportando discussões doutrinárias ou acadêmicas sobre tratar-se de coisa julgada material ou formal, para mim é certo que a decisão, no que não foi atacada, está coberta pelo manto da imutabilidade, restando preclusa a rediscussão destes, por imperativo de segurança jurídica e em atenção aos mais elevados princípios constitucionais que vedam a reforma de decisões judiciais em prejuízo à parte, não havendo recurso hábil a tanto.

Por tudo isso, Senhor Presidente, desacolhendo o douto parecer ministerial, voto pelo enfrentamento da questão meritória objeto da irresignação recursal, mantendo-se nesta instância o processo a que se refere, sem o reconhecimento de qualquer nulidade processual.

 

(Pedido de vista Desembargador Roberto Carvalho Fraga. Matéria em regime de discussão. Julgamento suspenso.)