RE - 154 - Sessão: 21/05/2019 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação interposto pela UNIÃO – FAZENDA NACIONAL em face da sentença da 39ª Zona Eleitoral, de Rosário do Sul, que extinguiu a ação de execução fiscal em virtude do transcurso do prazo prescricional (fl. 306v.).

Em suas razões (fls. 332-334), a recorrente afirmou que a dívida não se encontra prescrita. Argumentou que o vencimento do débito objeto da execução ocorreu em 17.8.2007 e que a inscrição em dívida ativa ocorreu em 28.12.2007, seguida do ajuizamento da ação na Justiça Estadual em 13.5.2008. Apontou que o despacho que ordenou a citação é datado de 15.5.2008 e que este constitui causa de interrupção do prazo prescricional. Defendeu que estes marcos não foram considerados pelo juiz sentenciante, como também não o foi o julgamento da exceção de pré-executividade. Alegou não ser o caso de inércia da Fazenda Pública, que adotou as medidas necessárias para a cobrança da multa eleitoral. Postulou o conhecimento e provimento do recurso para reforma integral da sentença.

Devidamente intimado (fl. 339), o executado não apresentou contrarrazões (fl. 340).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso (fls. 343-346).

É o breve relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

Passando à análise das teses recursais, e sendo a questão de fundo a configuração da prescrição intercorrente, repriso alguns dos marcos do processo.

Verifico que a inicial foi aparelhada com certidão de dívida ativa (fl. 3) que indica como vencimento do débito, o qual tem natureza não tributária, a data de 17.8.2007, com inscrição em 28.12.2007.

A execução fiscal foi proposta em 13.5.2008 perante a 2ª Vara da Comarca de Rosário do Sul, sendo a citação ordenada em 15.5.2008 (fls. 5-6) e efetivada em 23.11.2009 (fl. 18), seguida da interposição de exceção de pré-executividade (fls. 23-29).

A decisão que apreciou a objeção determinou a remessa do feito à Justiça Eleitoral (fls. 42-43), onde o juiz da 39ª Zona Eleitoral declarou válidos os atos processuais realizados pelo juízo absolutamente incompetente (fl. 55) e rejeitou a alegação de nulidade da certidão de dívida ativa (fls. 57-58v.).

Em 31.5.2012, o curso da execução foi suspenso pelo prazo de 60 (sessenta) dias, com fulcro no art. 40, caput, da Lei n. 6.830/80 (fl. 99).

Posteriormente, em 31.10.2012, foi deferida nova suspensão pelo mesmo prazo (fl. 158v.), visto que não foram encontrados bens que amparassem a execução.

Em 06.3.2013, outro sobrestamento por 60 (sessenta) dias foi concedido (fl. 188v.), com nova suspensão em 27.8.2013 (fl. 226), pelo prazo de 1 (um) ano, seguida de nova suspensão anual com determinação de arquivamento dos autos pelo prazo de 5 (cinco) anos em 18.12.2014 (fls. 200 e 287).

Foi certificado o término do período de sobrestamento em 20.01.2016 (fl. 299) e aguardou-se em secretaria o prazo de 16 de maio de 2018, por determinação do juiz eleitoral (fl. 303).

Com o decurso do prazo, foi proferida a decisão que extinguiu a execução em 28.5.2018 (fl. 306v.).

Dispõe a Lei de Execução Fiscal acerca da prescrição e da suspensão de seu cômputo que:

Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.

§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.

§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.

[…]

Art. 8º [...]

§ 2º - O despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição.

[...]

 

Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

[...] (Grifou-se.)

Cumpre também mencionar que, a teor do enunciado da Súmula n. 56 do Tribunal Superior Eleitoral, a “multa eleitoral constitui dívida ativa de natureza não tributária, submetendo-se ao prazo prescricional de 10 (dez) anos, nos moldes do art. 205 do Código Civil”.

Considerando a higidez da certidão de dívida ativa, após a distribuição da execução fiscal, o primeiro marco interruptivo da prescrição ocorreu em 15.5.2008, com o despacho que ordenou a citação.

Posteriormente, verificam-se sucessivos deferimentos de suspensão da execução, o que, por disposição da parte final do caput do art. 40, impede o curso da prescrição.

Vejamos: 60 dias (31.5.2012 – fl. 99), 60 dias (31.10.2012 – fl. 158v.), 60 dias (06.3.2013 – fl. 188v.), um ano (27.8.2013 – fl. 226) e um ano (18.12.2014 – fl. 287).

Com a subtração de tais períodos do prazo prescricional, certamente o interregno de 10 (dez) anos não se esvaiu em 16.5.2018.

Sob aspecto diverso, e a título de comentário, observei que não foi respeitada a disposição do § 4º do art. 40 da Lei n. 6.830/80, que impõe a oitiva da Fazenda Pública antes do reconhecimento da prescrição intercorrente, tendo em vista a possibilidade da existência de eventos ainda não noticiados nos autos (como o parcelamento administrativo da dívida) que também teriam aptidão para interromper a contagem do prazo.

No entanto, tal nulidade não pode ser reconhecida, sobretudo porque deveria ter sido arguida pelo interessado no recurso, acompanhado da comprovação do prejuízo.

Nesse sentido se posiciona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que reconhece a validade da decisão que decreta a prescrição intercorrente sem oitiva prévia da Fazenda Pública quando esta, no recurso interposto contra a sentença de extinção do feito, não demonstra o prejuízo suportado, em prestígio do princípio processual pas de nullitè sans grief (REsp 1766021/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02.10.2018, DJe 28.11.2018).

Por fim, destaco que a questão de fundo examinada no recurso é tema julgado na sistemática dos recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça.

Aquela Corte fixou o entendimento de que o termo inicial do prazo de 1 (um) ano de suspensão previsto no caput do art. 40 da Lei de Execução Fiscal se inicia automaticamente com a ciência da Fazenda Pública de que não foram encontrados bens, indiferente ao fato de existir petição nesse sentido ou decisão concessória do juiz.

Vejamos a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015 (ART. 543-C, DO CPC/1973). PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. SISTEMÁTICA PARA A CONTAGEM DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE (PRESCRIÇÃO APÓS A PROPOSITURA DA AÇÃO) PREVISTA NO ART. 40 E PARÁGRAFOS DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL (LEI N. 6.830/80).

1. O espírito do art. 40, da Lei n. 6.830/80 é o de que nenhuma execução fiscal já ajuizada poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário ou da Procuradoria Fazendária encarregada da execução das respectivas dívidas fiscais.

2. Não havendo a citação de qualquer devedor por qualquer meio válido e/ou não sendo encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (o que permitiria o fim da inércia processual), inicia-se automaticamente o procedimento previsto no art. 40 da Lei n. 6.830/80, e respectivo prazo, ao fim do qual restará prescrito o crédito fiscal. Esse o teor da Súmula n. 314/STJ: "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente".

3. Nem o Juiz e nem a Procuradoria da Fazenda Pública são os senhores do termo inicial do prazo de 1 (um) ano de suspensão previsto no caput, do art. 40, da LEF, somente a lei o é (ordena o art. 40: "[...] o juiz suspenderá [...]"). Não cabe ao Juiz ou à Procuradoria a escolha do melhor momento para o seu início. No primeiro momento em que constatada a não localização do devedor e/ou ausência de bens pelo oficial de justiça e intimada a Fazenda Pública, inicia-se automaticamente o prazo de suspensão, na forma do art. 40, caput, da LEF. Indiferente aqui, portanto, o fato de existir petição da Fazenda Pública requerendo a suspensão do feito por 30, 60, 90 ou 120 dias a fim de realizar diligências, sem pedir a suspensão do feito pelo art. 40, da LEF. Esses pedidos não encontram amparo fora do art. 40 da LEF que limita a suspensão a 1 (um) ano. Também indiferente o fato de que o Juiz, ao intimar a Fazenda Pública, não tenha expressamente feito menção à suspensão do art. 40, da LEF. O que importa para a aplicação da lei é que a Fazenda Pública tenha tomado ciência da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido e/ou da não localização do devedor. Isso é o suficiente para inaugurar o prazo, ex lege.

4. Teses julgadas para efeito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 543-C, do CPC/1973): 4.1.) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 - LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução; 4.1.1.) Sem prejuízo do disposto no item 4.1., nos casos de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária (cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido antes da vigência da Lei Complementar n. 118/2005), depois da citação válida, ainda que editalícia, logo após a primeira tentativa infrutífera de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará suspensa a execução.

4.1.2.) Sem prejuízo do disposto no item 4.1., em se tratando de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária (cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido na vigência da Lei Complementar n. 118/2005) e de qualquer dívida ativa de natureza não tributária, logo após a primeira tentativa frustrada de citação do devedor ou de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará suspensa a execução.

4.2.) Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei n. 6.830/80 - LEF, findo o qual o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato;

4.3.) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados (ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo - mesmo depois de escoados os referidos prazos -, considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera.

4.4.) A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial - 4.1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.

4.5.) O magistrado, ao reconhecer a prescrição intercorrente, deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos legais que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, inclusive quanto ao período em que a execução ficou suspensa.

5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 543-C, do CPC/1973).

(REsp 1340553/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12.9.2018, DJe 16.10.2018.)

Aplicando a decisão sufragada pelo STJ e considerando aqui tratar-se de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza não tributária, verifica-se que a intimação da Fazenda Pública acerca da inviabilidade de realização de penhora online ocorreu em 31.01.2012 (fl. 91v.), o que acarretaria o início automático do prazo de suspensão, na forma do art. 40, caput, da Lei de Execução Fiscal.

Findo esse prazo de 1 (um) ano, iniciaria também automaticamente o prazo prescricional de 10 (dez) anos, durante o qual o processo poderia ficar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei n. 6.830/80.

Também nessa perspectiva o reconhecimento da prescrição intercorrente realizado nos autos mostra-se prematuro.

Assim sendo, acolhendo o parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser dado provimento ao recurso para desconstituir a sentença que extinguiu a ação de execução fiscal e, por consequência, determinar o retorno dos autos à primeira instância para o regular prosseguimento da ação.

Diante do exposto, VOTO por dar provimento ao recurso para desconstituir a sentença que reconheceu a prescrição intercorrente e extinguiu a execução fiscal.

É como voto, senhor Presidente.