RE - 3710 - Sessão: 13/05/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo partido MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) do município de Portão (fls. 183-223) contra sentença do Juízo da 11ª Zona Eleitoral de São Sebastião do Caí (fls. 178-181), que desaprovou a sua prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2016 – a qual também é integrada pelos dirigentes partidários responsáveis.

O magistrado de primeiro grau deixou de reconhecer a existência de valores oriundos de fonte vedada, reprovando as contas com base no recebimento de quantia de origem não identificada, determinando o recolhimento de R$ 40.903,58 ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 10%, assim como a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano.

Em suas razões, o recorrente sustentou que todas as doações foram identificadas e justificadas. No que concerne às receitas consideradas como provenientes de fontes vedadas, arguiu que as contribuições dos membros são obrigatórias, segundo o estatuto do partido. Defendeu, no ponto, que essa vedação constitui uma construção jurisprudencial e que os cargos de assessoramento e os cargos eletivos não estão enquadrados na proibição. Requereu, por fim, a aprovação das contas ou, sucessivamente, a sua aprovação com ressalvas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral suscitou a presença de doações sem identificação e, subsidiariamente, de verbas oriundas de fonte vedada. Asseverou a insuficiência do Demonstrativo de Contribuições Recebidas apresentado pelo partido como meio comprovatório da origem da importância doada (fls. 232-240).

Por fim, opinou pelo desprovimento do recurso para (a) manter-se a desaprovação da contabilidade pelo aporte de recursos de origem não identificada e, (b) subsidiariamente, caso afastada essa irregularidade, desaprová-la em virtude do recebimento de valores de fonte vedada, com as sanções correspondentes.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo (fls. 182-183) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

O partido MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) do município de Portão interpôs recurso (fls. 183-223) contra sentença do Juízo da 11ª Zona Eleitoral (fls. 178-181), que desaprovou sua prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2016, determinando o recolhimento, ao Tesouro Nacional, do valor de R$ 40.903,58 acrescido de multa de 10%, assim como a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano, devido ao recebimento de recursos de origem não identificada.

Ressalto que o juiz de primeira instância não reconheceu a existência de irregularidade concernente à utilização pelo partido de quantias oriundas de fontes vedadas (autoridades), reconhecendo somente a falha relativa à ausência de identificação da origem de receitas.

Desse modo, deixo de conhecer do apelo na parte sob o aspecto da vedação imposta aos doadores exercentes de cargos demissíveis ad nutum, em virtude da falta de interesse recursal do partido no ponto.

Mérito

No que se refere ao mérito, de acordo com a sentença, o órgão partidário informou o recebimento de contribuições no valor de R$ 39.995,58, que não transitaram pela conta-corrente (fls. 113-116), e receitas na quantia de R$ 908,00 sem identificação nos extratos bancários, portanto todos de origem não identificada.

De acordo com o parecer conclusivo (fls. 151-58v), verbis:

Doações/contribuições recebidas que não constam nos extratos bancários: As doações em recursos financeiros devem ser obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político. O partido apontou contribuições no “demonstrativo de contribuições recebidas” que não constam nos extratos bancários. O Anexo 2 (fls. 113/116) do exame de contas apresenta uma tabela com as contribuições que não constam nos extratos. (Grifei.)

A ausência de registro desses valores na conta bancária da agremiação sinaliza a ocorrência de utilização de valores à margem da conta-corrente, ensejando a desobediência ao art. 4º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, o qual transcrevo:

Art. 4º Os partidos políticos, em todos os níveis de direção, devem:

(…)

II – proceder à movimentação financeira exclusivamente em contas bancárias distintas, observada a segregação de recursos conforme a natureza da receita, nos termos do art. 6º; (Grifei.)

Infringência essa que caracteriza o recebimento de recursos de origem não identificada, na linha de acórdão recente da relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS OBRIGATÓRIOS. VALORES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. IRREGULARIDADES PERFAZEM 100% DA ARRECADAÇÃO. OMISSÃO DA AGREMIAÇÃO EM ESCLARECER OS APONTAMENTOS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ART. 36, INC. I, DA LEI N. 9.096/95. AFASTADA SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. APLICADA MULTA NO PATAMAR MÁXIMO. DESAPROVAÇÃO.

1. Ausência de documentos obrigatórios. Conduta incompatível com o dever de transparência da movimentação financeira, causando prejuízo à confiabilidade das contas.

2. O órgão técnico constatou que não foi observado o ingresso do valor registrado pela agremiação na conta bancária do partido, em afronta ao art. 4º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15. Não identificada origem do recurso. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. Reconhecido o recebimento de recursos via depósito e transferência bancária, sem a informação do CPF do doador, em afronta ao disposto no art. 7º da Resolução TSE n. 23.464/15. Caracterizado recurso de origem não identificada. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. As irregularidades constatadas perfazem a totalidade da arrecadação apurada nos autos. Evidenciada omissão da sigla partidária em esclarecer as inconsistências e apresentar os documentos aptos a dar transparência à sua movimentação financeira.

5. A sanção aplicável está prevista no art. 37, caput, da Lei n. 9.504/97, qual seja, a multa de até 20% sobre a importância considerada irregular. Na espécie, aplicada multa em seu patamar máximo.

Desaprovação.

(TRE-RS - PC 8162 – Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann – J. Sessão dia 31.01.2019.) (Grifei.)

Logo, o partido incorreu em falha grave, uma vez que, utilizando-se de valores estranhos à conta bancária, impossibilitou o conhecimento da Justiça Eleitoral sobre a procedência de tais recursos.

Do mesmo modo agiu o diretório, no que diz respeito aos depósitos sem identificação nos extratos bancários.

Reza o art. 7º, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos. (Grifei.)

O órgão técnico responsável pelo exame das contas apurou que não foram identificados pelos respectivos números de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), nos extratos bancários, os doadores/contribuintes responsáveis pelos aportes financeiros verificados no exercício 2016.

Com efeito, um simples exame dos extratos acostados às fls. 07-18 revela que não foi observada a legislação de regência, visto que os créditos foram realizados na conta bancária do partido sem qualquer identificação do doador.

Nesse sentido é a jusrisprudência desta Corte, conforme ilustram as ementas dos seguintes julgados:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2016. DESAPROVAÇÃO. CONTRIBUIÇÕES DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES E DETENTORES DE MANDATO ELETIVO. RECEBIMENTO DE RECURSO FINANCEIRO SEM IDENTIFICAÇÃO DE DOADOR ORIGINÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Conhecimento de documentos em grau recursal, por força do art. 266 do Código Eleitoral.

2. O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 proíbe o recebimento de doações provenientes de autoridades públicas, dentre elas os detentores de cargos em comissão que desempenhem função de chefia e direção.

3. Licitude das doações efetuadas por detentores de mandato eletivo, pois eleitos pelo povo em obediência aos princípios democrático e republicano.

4. Ingresso de recursos na conta bancária do diretório, sem a identificação do doador originário, contrariando o que dispõe o art. 7° da Resolução TSE n. 23.464/15.

5. Provimento parcial para reduzir o valor considerado irregular e a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 8 meses, mantidos os demais termos da sentença.

(TRE-RS - RE 1453 – Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira – J. Sessão dia 23.5.2018.) (Grifei.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2015. FALTA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS E PEÇAS INDISPENSÁVEIS. RECURSOS SEM TRÂNSITO NA CONTA BANCÁRIA. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. COMPROMETIDA A TRANSPARÊNCIA DAS CONTAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO.

1. As peças relacionadas na normatização regente são imprescindíveis para que a Justiça Eleitoral possa exercer o controle dos recursos arrecadados e dos gastos realizados. A impossibilidade de confrontação das informações declaradas malfere a transparência, a publicidade e a confiabilidade das informações prestadas.

2. A arrecadação de receitas sem trânsito de recursos pela conta bancária é irregularidade grave que impede a atuação fiscalizatória quanto à licitude das quantias recebidas.

3. Recebimento de recursos sem indicação do número de inscrição no CPF dos doadores. Impossibilidade de identificação da origem.

4. Irregularidade que alcança a totalidade das receitas contabilizadas no período, justificando a aplicação da penalidade de desaprovação das contas.

5. Recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.

6. Aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, em sua redação originária, para fixar o período de suspensão de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de quatro meses, em atenção ao princípio da razoabilidade.

Desaprovação.

(TRE-RS - RE 9750 – Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira – 04.7.2018.) (Grifei.)

A agremiação sustenta que os doadores se encontram identificados na peça “Demonstrativo de Contribuições Recebidas” (fls. 48-65) que integrou sua prestação de contas.

A alegação não merece acolhida.

Dado o seu caráter meramente declaratório, a relação de doadores apresentada pela grei partidária não é suficiente para suprir a ausência de indicação do doador nos extratos bancários, porquanto se trata de documento produzido internamente pelo partido, ao passo que a identificação do contribuinte deve ocorrer na própria operação bancária, conforme previsto na legislação que regula a matéria.

Indiscutível, portanto, a caracterização de recursos de origem não identificada quanto aos valores recebidos pelo partido político, via depósito bancário sem a identificação do doador e/ou contribuinte originário, e quanto ao ingresso de receita sem trânsito pela conta, no total de R$ 40.903,50 (R$ 908,00 + R$ 39.995,58).

Considerando a natureza da falha (recebimento de recursos de origem não identificada) e por não se tratar de quantia irrisória – seja pelo critério proporcional (percentual: 53,11% dos recursos arrecadados, ou seja, R$ 77.014,73) ou quantitativo (absoluto: R$ 40.903,58) –, não é possível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o juízo de reprovação.

Em relação às penalidades aplicadas, o recebimento de recursos de origem não identificada enseja a aplicação do art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, o qual prevê:

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

(...)

II - no caso de não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada de que trata o art. 13 desta resolução, deve ser suspensa a distribuição ou o repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral (Lei nº 9.096/95, art. 36, I). (Grifei.)

Entretanto, segundo jurisprudência consolidada, inclusive nesta Casa, no condizente a contas do exercício financeiro de 2016, a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário, “até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral”, não é compatível com o instituto da preclusão e/ou da coisa julgada (RE n. 2015, Relator Des. João Batista Pinto Silveira, julgado em 05.10.2018 / RE n. 3221, Relator Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 28.8.2018 / RE n. 65-11, Relatora Desa. Marilene Bonzanini, julgado em 25.6.2018 / RE n. 6375, Relator Des. Jorge Luís Dall'Agnol, julgado em 08.5.2018).

Com efeito, a regra do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos reproduzida pelo art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15 aplica-se somente durante a instrução do feito. Após a prolação da sentença, não mais teria lugar o exame de esclarecimentos. Ainda, representaria penalidade desarrazoada fixar a suspensão do Fundo Partidário até o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Por essa razão, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, a penalidade pode ser substituída pelo repasse dos respectivos recursos ao Tesouro Nacional, o qual será acrescido, ademais, da multa de até 20% prevista pelo art. 49 da mesma resolução. Caso contrário, poderia ensejar longos períodos de suspensão ou, ainda, interminável pesquisa sobre a origem do recurso.

Outrossim, diante da representação percentual, entendo adequada a fixação da multa no patamar de 10% sobre a importância apontada como irregular, conforme a sentença.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento parcial do recurso e, na parte conhecida, por seu provimento parcial para, mantendo a desaprovação das contas do órgão de direção municipal do partido MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Portão relativas ao exercício de 2016, afastar a sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, mantendo o dever de recolhimento da quantia de R$ 40.903,58 (quarenta mil, novecentos e três reais e cinquenta e oito centavos), acrescida da penalidade de multa de 10% (dez por cento), ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.