RE - 6018 - Sessão: 10/07/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DA REPÚBLICA (PR) de Sapiranga contra sentença (fls. 133-134v.), que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude da ausência de autenticação dos livros contábeis e de abertura de conta bancária para a movimentação financeira, e determinou a suspensão de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 03 meses.

Em sua irresignação (fls. 143-147), o recorrente sustenta que a ausência de autenticação do Livro Diário é mera falha formal, que não prejudica o controle das contas. No tocante à inexistência de conta bancária, argumenta não haver prejuízo à confiabilidade da movimentação financeira, pois foi emitido parecer da unidade técnica pela aprovação das contas com ressalvas. Requer a aprovação da contabilidade.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 153-156v.).

É o relatório.

VOTO

No mérito, trata-se de prestação de contas do Partido da República (PR) de Sapiranga relativa ao exercício financeiro de 2015, a qual foi desaprovada em razão (a) da ausência de autenticação dos Livros Diário e Razão; e (b) da não abertura de conta bancária para a movimentação financeira do período.

No tocante à falta de abertura de conta bancária para registro da movimentação financeira, deve-se ter presente que as contas partidárias possuem natureza eminentemente declaratória. No entanto, para conferir segurança e confiabilidade aos registros e declarações dos partidos, a legislação de regência impõe algumas obrigações que se constituem em verdadeiros instrumentos auxiliares do controle exercido pela Justiça Eleitoral.

Assim, os partidos devem “proceder à movimentação financeira exclusivamente em contas bancárias”, cuja abertura é obrigatória, “realizar despesas em conformidade com o disposto nesta Resolução” e “manter escrituração contábil”, como estabelecem os arts. 4º e 6º da Resolução TSE n. 23.432/14.

Dentre esses mecanismos destinados a conferir segurança às declarações, o registro da movimentação financeira por meio de conta bancária é de fundamental importância, pois o trânsito de recursos através dos órgãos do sistema financeiro retira o caráter unilateral das declarações, permite o rastreamento dos valores e a identificação da origem e do destino dos recursos.

Dessa forma, a ausência de conta bancária deve levar à desaprovação da contabilidade, conforme se firmou a jurisprudência:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO. ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA. AUSÊNCIA. NÃO APRESENTAÇÃO DE EXTRATO BANCÁRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, apresentados minimamente documentos na prestação de contas, que devem ser desaprovadas, e não julgadas não prestadas. (Precedentes: AgR-REspe nº 725-04/PR, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 18.3.2015; AgR-REspe n° 1758-73/PR, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 26.4.2018).

2. A não abertura de conta bancária específica e, consequentemente, a não apresentação do extrato bancário de todo o período de campanha eleitoral constituem motivo para a desaprovação das contas, mas não ensejam, por si sós, o julgamento destas como não prestadas. (Nesse sentido: AgR-REspe n° 157-24/AP, de minha relatoria, DJe de 6.6.2018; AgR-REspe n° 432-59/SE, de minha relatoria, julgado em 1º.8.2018; AgR-REspe nº 3110-61/GO, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 20.9.2016; AgR-REspe n° 1910-73/DF, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 5.8.2016).

3. Da moldura fática delineada pela Corte Regional, conclui-se que as contas foram julgadas desaprovadas, porquanto o balanço contábil foi acompanhado por outros documentos que permitiram a análise das contas. Rever tal entendimento demandaria nova incursão no acervo fático-probatório, providência vedada na estreita via do recurso especial, consoante entendimento sumular nº 24/TSE.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 14340, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 20.9.2018.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2015. AFASTADA A PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE PARA O DESLINDE DO FEITO. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. MANUTENÇÃO DA REPROVAÇÃO DAS CONTAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. REDUZIDO O PRAZO DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Afastadas as preliminares de nulidade. Decisão prolatada sem que fosse oportunizada a oferta de alegações finais, conforme a disposição contida no art. 40 da Resolução TSE n. 23.432/14. Cerceamento de defesa no indeferimento de produção probatória. Provas consideradas desnecessárias ou protelatórias pelo julgador, dispensando o recorrente da apresentação de alegações finais. Ausência de prejuízo à defesa.

2. É obrigatória a abertura de conta bancária para o trânsito dos recursos recebidos pelo partido. A movimentação integral de todos os recursos por meio da conta bancária retira o caráter unilateral dos dados prestados, demonstrando corretamente a circulação das receitas pela conta e a origem dos valores recebidos.

3. Inexistência de conta bancária durante a maior parte do exercício financeiro em análise. Ingresso de valores de origem não identificada. Art. 24, § 4º, da Lei n. 9.504/97. Recolhimento ao Tesouro Nacional. Reduzido o prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário.

4. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 5170, ACÓRDÃO de 07.11.2018, Relator LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 09.11.2018, p. 7.)

Não se ignora, contudo, a existência de alguns precedentes, tanto desta Casa quanto do Tribunal Superior Eleitoral, que entendem pela aprovação das contas, mesmo ausente conta bancária, conforme se verifica pelas seguintes ementas:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO SOLIDARIEDADE (SD). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013. DESAPROVAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA. NÃO APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. FALHAS GRAVES QUE COMPROMETERAM A FISCALIZAÇÃO DAS CONTAS PELA JUSTIÇA ELEITORAL.

[...] 5. Conforme já explicitado, em sintonia o aresto regional com a jurisprudência deste Tribunal Superior, firmada a contrario sensu, a possibilidade de mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária pelo partido político apenas nos casos em que assentado, na Corte de origem, que as falhas detectadas não impedem o efetivo controle das contas pela Justiça Eleitoral: "A irregularidade atinente a não abertura de conta bancária possui caráter insanável [...]. Todavia, não se desaprovam as contas quando a falha não impede seu controle pela Justiça Eleitoral, dadas as circunstâncias averiguadas no caso concreto." (AgR-REspe nº 103-54/AC, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 18.10.2013). Agravo regimental conhecido e não provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 12745, Acórdão, Relatora Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 245, Data: 19.12.2017, p. 72.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA DA DOCUMENTAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE NA APRESENTAÇÃO DAS CONTAS. ABERTURA TARDIA DA CONTA BANCÁRIA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Apresentação intempestiva da documentação. Constituição do diretório estadual no ano de 2013 e abertura de conta bancária apenas no exercício seguinte. Irregularidade que pode ser superada se os elementos dos autos possibilitarem a fiscalização da movimentação financeira. Fase pré-operacional da agremiação a permitir a aposição de ressalvas na contabilidade. 2. Aprovação com ressalvas.

(Prestação de Contas n. 060004971, ACÓRDÃO de 18.12.2018, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Publicação: DJ - Diário de Justiça.)

A leitura dos precedentes acima indica que os tribunais firmaram jurisprudência no sentido de que a ausência de conta bancária para a movimentação específica leva à presunção de prejuízo à confiabilidade das contas.

A respeito das presunções judiciais, Cândido Rangel Dinamarco leciona:

São presunções judiciais (hominis) as ilações que o juiz extrai da ocorrência de certos fatos para concluir que outro fato tenha acontecido, com eficácia restrita a cada caso em que julga. Essas ilações são fruto de sua própria construção inteligente ou do alinhamento a outras anteriormente fixadas em casos precedentes pelos tribunais, com a constância suficiente para caracterizar determinadas linhas jurisprudenciais. (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 6ªed., 2009, pp. 121-122.)

Quando há o cumprimento integral da disciplina legal e regulamentar acerca da movimentação financeira, as declarações do prestador estão respaldadas pelas formalidades e mecanismos que conferem transparência às contas, outorgando-lhes credibilidade.

Ausente um desses elementos – e especialmente a conta bancária –, as declarações perdem amparo e sofrem uma natural fragilização. Daí, presume-se o prejuízo à confiabilidade das contas, e o juízo de desaprovação passa a ser o caminho natural a ser tomado.

Entretanto, esta presunção de prejuízo é relativa, podendo a parte suprir a falta deste importante mecanismo por outros meios de prova, de modo a demonstrar, de forma clara e segura, a credibilidade das declarações.

Nessa situação, é importante ter presente que o ônus de demonstrar a falta de prejuízo é do prestador. Este, ao observar adequadamente as normas de regência, goza da presunção de veracidade de suas declarações. Tal presunção não mais lhe assiste quando deixa de movimentar os recursos da agremiação por meio de conta bancária, assumindo o ônus de demonstrar ao juízo a confiabilidade das informações por outros meios de prova idôneos, capazes de conferir a mesma segurança que a conta bancária específica poderia ensejar à contabilidade.

Na mesma linha, Cândido Rangel Dinamarco destaca que as presunções decorrem da máxima da experiência, que deve orientar o julgador, por força do art. 375 do Código de Processo Civil, “e influem também no onus probandi, porque desse sujeito será o ônus de provar os fatos que vier a alegar contra a presunção” (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 6ª ed., 2009, p. 125).

Esse ônus que recai sobre o prestador nada tem a ver com a presunção de sua má-fé, como é comumente alegado perante a Corte. O ônus é um encargo objetivo que incide sobre o prestador como reflexo processual do risco por ele assumido quando não mantém conta bancária para a movimentação de seus recursos, em contrariedade à disciplina legal, atribuído por força do art. 373, inc. I, do CPC, segundo o qual o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito.

Na hipótese, a não abertura de conta bancária ocasionou natural prejuízo à confiabilidade das contas, e o prestador não logrou demonstrar a veracidade de suas declarações por outros meios.

Inicialmente, verifica-se que a agremiação arrecadou recursos financeiros no montante de R$ 300,00, despendendo igual valor (fl. 87). Naturalmente, a ausência de abertura de conta bancária afigura-se mais grave na medida em que houve reconhecida movimentação de recursos financeiros, cujas transações ficam imunes ao controle por meio do sistema financeiro.

Além do mais, ausente importante instrumento de controle, cabia à parte demonstrar a confiabilidade de suas declarações de modo claro e objetivo por outros meios idôneos, de forma que a mera alegação genérica de ausência de prejuízo às contas e de boa-fé do prestador não suprem a falta dos extratos bancários.

De fato, o parecer conclusivo, após indicar que o partido não abriu conta bancária, exarou entendimento pela aprovação das contas com ressalvas, mas a manifestação técnica, embora de grande relevância para o esclarecimento da contabilidade, não é impositiva ao juízo. No caso, o técnico chega a registrar que a agremiação não havia movimentado recursos (fl. 49), anotação distinta da extraída dos autos (fls. 10 e 87) e que pode ter prejudicado a sua análise.

Por fim, consignou o magistrado que o Livro Diário do partido não foi autenticado no registro público competente, conforme determina o art. 26, § 3º, da Resolução TSE 23.432/14.

A escrituração contábil em Livro Diário é outro mecanismo de controle da movimentação financeira da legenda, e a sua autenticação no registro público é providência relevante para conferir maior confiabilidade às informações ali registradas. No contexto dos autos, em que houve movimentação financeira sem a abertura de conta bancária, a falta de autenticação do livro contábil torna ainda mais frágil o controle da contabilidade, de forma que, somadas as irregularidades, deve ser mantido o juízo de desaprovação das contas.

Ante todo o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.