RE - 30914 - Sessão: 06/08/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença que aprovou com ressalvas as contas relativas à campanha eleitoral de 2016 do candidato ELPÍDIO ALVES RODRIGUES para o cargo de vereador (fl. 34 e v.).

Em suas razões (fls. 37v.-39v.), o recorrente sustenta que a omissão da receita enseja a desaprovação das contas, conforme o inc. III do art. 68 da Resolução TSE n. 23.463/15. Argumenta que, em relação às questões referentes à prestação de contas, não se exige a ocorrência de prejuízo a terceiros, enriquecimento ilícito, tampouco desvio de caixa, por ser reprovável per si a conduta omissiva, sendo que a baixa expressividade de 4,22% dos valores arrecadados não se enquadra no caso concreto, bem como a irrisória quantia percebida não encontra respaldo para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, por não preencher os requisitos adotados pelo TSE para sua utilização. Assevera que a justificativa para a omissão da doação, de ter sido fornecida por meio de impressão de santinhos, não procede, por consistir em declaração unilateral e porque os diretórios estaduais que realizaram essa modalidade de doação prestaram-na devidamente em suas contas. Indica que, pela disposição contida no art. 48, inc. I, "c", da Resolução TSE n. 23.463/15, nas prestações de contas, os recursos arrecadados devem ser particularizados quanto à procedência e à quantia, sendo manifesta a sua violação pelo candidato e palpável a referida irregularidade, caracterizando receita de origem não identificada. Narra que a falha na transparência ostenta gravidade suficiente para desaprovar a contabilidade, ensejando o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional. Requer a reforma da sentença para o fim de desaprovar as contas.

Em contrarrazões, Elpídio Alves Rodrigues alega a intempestividade do recurso e, no mérito, postula a manutenção integral da sentença recorrida (fls. 45-51).

Nesta instância, a Procuradoria Regional opinou pelo desprovimento do recurso, a fim de que seja mantida a sentença com a aprovação das contas com ressalvas (fls. 56-58).

É o relatório.

VOTO

Preliminar de intempestividade:

Preliminarmente, o recorrido alega, em contrarrazões, a intempestividade do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral.

Compulsando os autos, verifica-se não haver certidão de protocolo da peça recursal, mas apenas as certidões de remessa dos autos ao MP (06.6.2018) e de sua restituição em cartório (14.6.2018). Ademais, há informação conflitante a respeito dos autos na secretaria do órgão ministerial: enquanto o chefe de cartório certificou que os autos foram remetidos àquele órgão na data de 06.6.2018, há carimbo do Ministério Público indicando o seu recebimento no dia 11.6.2018.

Tanto a ausência de protocolo da peça recursal quanto a diferença de informações a respeito da efetiva ciência do Ministério Público Eleitoral demandariam a conversão do feito em diligências, a fim de esclarecer tais informações. No entanto, as circunstâncias do caso indicam não haver prejuízo à superação da preliminar, com base no princípio da eficiência.

A própria Procuradoria Regional Eleitoral – órgão ministerial responsável pela fiscalização da ordem pública nesta instância – manifestou-se pela manutenção da sentença recorrida e, desde já, vislumbra-se que este é o entendimento a ser adotado no mérito do recurso.

Dessa forma, por analogia com o disposto no art. 488 do Código de Processo Civil, segundo o qual, “desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485”, não se mostra eficiente e produtivo realizar diligências com o fim de averiguar a tempestividade do recurso se o julgamento será favorável ao recorrido, inclusive com a concordância de entendimento do próprio Ministério Público Eleitoral, indicando que não haverá recurso à superior instância.

Assim, conheço do recurso.

Mérito:

No mérito, as contas foram aprovadas com ressalvas em razão da existência de uma única irregularidade, consistente na doação direta de R$ 100,00, realizada pelo diretório estadual, mas não registrada na prestação de contas, revelando omissão de receitas.

O juízo de primeiro grau entendeu que a falha apontada não comprometeu a regularidade do balanço contábil, por abranger valor absoluto irrelevante.

O Ministério Publico Eleitoral, por sua vez, insurge-se da decisão, ao argumento de que a omissão da receita, ainda que represente 4,22% dos valores arrecadados em campanha, é irregularidade grave que enseja a desaprovação da contabilidade.

O art. 48, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15 dispõe acerca das informações que devem ser registradas nas contas:

Art. 48. Ressalvado o disposto no art. 57, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta, cumulativamente:

I - pelas seguintes informações:

a) qualificação do candidato, dos responsáveis pela administração de recursos e do profissional habilitado em contabilidade;

b) recibos eleitorais emitidos;

c) recursos arrecadados, com a identificação das doações recebidas, financeiras ou estimáveis em dinheiro, e daqueles oriundos da comercialização de bens e/ou serviços e da promoção de eventos;

d) receitas estimáveis em dinheiro, com a descrição:

A declaração de todas as receitas arrecadadas, ainda que estimadas em dinheiro, é imprescindível para que a Justiça Eleitoral possa realizar a correta fiscalização dos recursos movimentados na campanha.

A omissão no atendimento dessa determinação pode caracterizar irregularidade de natureza grave quando a falta impactar na confiança do lançamento contábil.

No caso dos autos, entretanto, a representação percentual da irregularidade alcançou apenas 4,22% das receitas arrecadadas na campanha (R$ 2.367,00).

Ademais, em razão do montante ínfimo da doação (R$ 100,00), inferior ao patamar estabelecido pela norma eleitoral como sendo de pequeno valor, na exegese do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15 (R$ 1.064,10), não se verifica a ocorrência de prejuízo à análise da contabilidade.

Registro que a ausência de emissão de recibos, não obstante caracterize falta de natureza formal, não inviabilizou a identificação do doador, porquanto a quantia foi devidamente registrada como despesa nas contas do órgão de direção estadual.

Saliento, outrossim, que a caracterização de recursos de origem não identificada e a consequente determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional pressupõem a impossibilidade de identificação segura do doador, o que não se verifica no particular.

Por isso, entendo que o rigor da previsão normativa deve ser arrefecido, a fim de que a punição não se torne desproporcional à relevância da infração.

Ressalta-se que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral e este Tribunal admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual diante da movimentação total, em torno de 10% dos recursos, desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a confiança nas contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão nos registros contábeis, com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.
INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.
1.  Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.
2.  Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.
3.  Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.
4.  Agravo regimental desprovido.
(TSE, Agravo de Instrumento nº 185620, Acórdão, Relator(a) Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo  29, Data 09/02/2017, Página 48/49)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.
1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.
2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.
3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."
Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral nº 263242, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Maria Weber Candiota Da Rosa, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo  202, Data 20/10/2016, Página 15)

Prestação de contas. Eleições 2010. Parecer conclusivo do órgão técnico deste TRE e manifestação ministerial pela desaprovação.
Arrecadação de recursos e realização de despesa sem o prévio trânsito pela conta bancária específica.
Pequeno valor da irregularidade assinalada, envolvendo quantia inferior a 10% da movimentação financeira de campanha. Falha que não compromete a regular fiscalização da demonstração contábil.
Aprovação com ressalvas.
(TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 755276, Acórdão de 19.04.2011, Relator DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 067, Data 27.04.2011, Página 01.)

Dessarte, pondero que o juízo a quo agiu com acerto ao considerar que a falta de escrituração da doação representa apenas uma ressalva na contabilidade.

Ante o exposto, VOTO por afastar a preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a aprovação das contas do candidato com ressalvas.