RE - 1474 - Sessão: 04/02/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Farroupilha contra a sentença do Juízo da 61ª Zona Eleitoral que, em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas pela legislação eleitoral, desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2017 e determinou o recolhimento de R$ 14.237,00 ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 10%, bem como a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 meses (fls. 145-147).

Em suas razões (fls. 154-158), o recorrente sustenta que a decisão combatida deixou de considerar a alteração feita pela Lei n. 13.488/17 no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, que passou a admitir contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados ao partido. Alega que a fixação do período de suspensão de quotas do Fundo Partidário em 6 meses foi excessiva ante a representação percentual da irregularidade em relação aos recursos auferidos pela agremiação durante o ano. Enumera um conjunto de contribuições que entende lícitas, pois realizadas após a vigência da Lei n. 13.448/17. Requer aprovação das contas ou, subsidiariamente, diminuição das penalidades aplicadas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 162-167).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em decorrência do recebimento de recursos procedentes de fontes vedadas, no valor total de R$ 14.237,00, tendo em vista que os doadores originários eram detentores de cargos demissíveis ad nutum com funções de direção e chefia na Administração Pública.

Nas suas razões, o órgão partidário requereu a aplicação do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação trazida pela Lei n. 13.488/17, que admite contribuições de detentores de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados ao partido.

No ponto, observo que este Tribunal, ao apreciar o tema, posicionou-se pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava durante o exercício contábil, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, as normas aplicáveis ao caso devem ser aquelas vigentes no momento em que foram arrecadados os recursos.

Ocorre que a Lei n. 13.488/17 entrou em vigor no dia 06.10.2017, revogando a proscrição absoluta de doações advindas de autoridades públicas ao incluir o inc. V no art. 31 da Lei n. 9.096/95, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

Dessarte, em relação ao exercício financeiro em testilha, há um duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na Administração Pública em decorrência da sucessão legislativa.

Em relação às contribuições anteriores ao dia 06.10.2017, deve ser observada a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as contribuições, ainda que provenientes de filiados a partidos políticos.

De outra banda, se realizadas a partir de 06.10.2017, cumpre aplicar o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos.

Com efeito, ainda que se reconheça a força normativa da Resolução TSE n. 23.464/15, a Lei n. 13.488/17 veicula previsão legal em sentido formal e material, hierarquicamente superior, trazendo conteúdo derrogatório de uma restrição de direitos. Assim, a nova disposição deve ser aplicada direta, imediata e integralmente às hipóteses ocorridas a partir da sua vigência, repelindo as cláusulas normativas em sentido contrário, ainda que no curso do exercício financeiro, sem necessidade de qualquer ato regulamentar interposto a lhe conferir eficácia.

Nesse passo, em simples consulta à relação interna de filiados ao PDT de Farroupilha, disponível no Sistema de Filiação Partidária (ELO 6), é possível confirmar que, efetivamente, todos os doadores identificados pela unidade técnica como detentores de cargos de chefia ou direção, quais sejam, Andrei Tomazini, Andreia Marchet Antunes, Clariana Grando Zanatta, Fernando Vetorazzi, Mikael Campeol, Francis Cesar Dobner Casali e Rudialva Vigolo Passarin ostentavam filiação regular no período de 06.10.2017 até o final do calendário em análise.

Dessarte, a partir da tabela elaborada pela unidade técnica (fl. 135 e v.) relacionando as doações por detentores de cargos em comissão, constata-se que são lícitas e regulares as doações efetuadas nos dias 03.11.17 e 04.12.17 por Andrei Tomazini, Clariana Grando Zanatta, Fernando Vetorazzi e Rudialva Vigolo Passarin, pois efetuadas sob a égide das alterações trazidas pela Lei n. 13.488/17, por contribuinte regularmente filiada à agremiação política, no somatório de R$ 1.720,00.

Por outro lado, com supedâneo no princípio do tempus regit actum, as demais contribuições arroladas são regidas pelo art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação original, e pelo art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, os quais vedam de forma irrestrita os auxílios pecuniários a partidos políticos por pessoas, filiadas ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Diante desse regime jurídico, não cabe indagar o caráter de liberalidade da doação ou qualquer outra circunstância de cunho subjetivo em relação ao ingresso das aludidas receitas, uma vez que a regra proibitiva incide objetivamente, bastando a ocorrência do aporte dos recursos.

Ademais, é de se ressaltar que a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, com relevo, no caso concreto, o constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.464/15. Desse modo, a proscrição da receita não impede a sobrevivência do partido nem agride a sua autonomia financeira, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos através de diversos outros meios não vedados pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

Assim, devem ser consideradas como oriundas de fontes vedadas as doações anteriores ao dia 06.10.2017, originárias de servidores ocupantes de cargos comissionados de “diretor de departamento”, “secretário municipal” e “diretor geral”, uma vez que infringiram a norma eleitoral vigente ao tempo em que perfectibilizadas.

Desse modo, a irregularidade verificada consolida-se no valor de R$ 12.517,00, que representa, aproximadamente, 29,7% dos recursos arrecadados no exercício (R$ 42.043,93), não sendo aplicáveis os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade diante da relevância das cifras no conjunto das contas.

Quanto às consequências decorrentes da irregularidade, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, com previsão legal no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e esteio regulamentar no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, deve ser retificada para o montante de R$ 12.517,00. Destaca-se que tal prescrição não representa propriamente uma sanção, mas consectário normativo cujo escopo é garantir a efetividade da proibição de recursos de fontes vedadas, os quais, se recebidos, não devem permanecer no patrimônio da agremiação.

No tocante à sanção contida no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, que prevê a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário no caso de recebimento de recursos de fonte vedada, pondero que, em observância à gravidade e ao quantum da irregularidade, em dosagem que não inviabilize a manutenção das atividades do partido, cabe a redução equitativa do patamar fixado para o período de 3 (três) meses.

Em desfecho, igualmente ponderando a proporcionalidade e considerando a equivalência das quantias irregulares diante da receita final da grei no exercício de 2017, entendo que a multa a ser aplicada deve sofrer redução para o índice de 5% (cinco por cento).

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, mantendo a desaprovação das contas em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, mas reduzindo o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 12.517,00, o prazo de suspensão do percebimento de quotas do Fundo Partidário para 3 meses, bem como o percentual de multa para o patamar de 5% do montante identificado como irregular.