RE - 102 - Sessão: 19/03/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MARCELO SAGGIN em face da sentença exarada pelo Juízo da 32ª Zona Eleitoral (Palmeira das Missões) que julgou procedentes os pedidos da AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO cumulada com REPRESENTAÇÃO POR INFRAÇÃO AO ART. 30-A DA LEI N. 9.504/97 movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em desfavor de MARCELO SAGGIN, por reconhecer a existência de abuso de poder econômico e de utilização de recursos ilícitos na campanha eleitoral, determinando a perda do cargo de vereador e a declaração de inelegibilidade pelo período de 8 anos a contar da data do pleito de 2016 (fls. 755-764).

Em suas razões (fls. 780-843), sustenta que nenhuma das provas produzidas foi capaz de comprovar as alegações da petição inicial, não tendo sido encontrados, com o candidato, vales-combustível, recibos ou valores em dinheiro. Afirma que as testemunhas inquiridas apresentaram depoimentos contraditórios. Argumenta que a configuração do abuso de poder econômico requer prova clara e inequívoca. Assevera que a condenação se sustenta na apreensão de dois vales-combustível e no depoimento de Luis Fernando Rodrigues Lara, que foi filmado abastecendo o seu veículo e afirmou em juízo ter recebido o vale-combustível para a participação de carreata do partido, não sabendo identificar o autor do repasse. Assegura que o carro conduzido por Luis Fernando estava adesivado com propaganda do candidato ao cargo majoritário. Expõe que o vale-combustível utilizado por Eleandro e Fabiana não pode servir como meio idôneo de prova, uma vez que os depoimentos prestados foram contraditórios. Quanto ao vale apreendido com Cristiano e Simone, aduz que a prova não serviu para firmar o convencimento do julgador, tendo em vista que as alegações dos depoentes foram inconsistentes e controvertidas. Afirma que os condutores dos carros filmados negaram o abastecimento com vales-combustível e que o próprio advogado que realizou o registro de vídeo informou a existência de veículos com a identificação de outros candidatos. Destaca que não houve comprovação de aquisição de vales pelo recorrente nos postos de combustíveis e que a prova testemunhal produzida atestou a utilização dessa forma de pagamento fora do período eleitoral. Defende a inexistência de prova da autoria da entrega e financiamento dos vales-combustível e argumenta que o enquadramento no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, em razão da omissão de informações na prestação de contas, é equivocado, seja no tocante às despesas com combustíveis, seja no que se refere aos gastos com pessoal. Esclarece que a caderneta encontrada com anotações retrata a mera expectativa de gastos, sendo incapaz de comprovar a ausência de lançamentos na contabilidade, conforme expressamente consignou a decisão que julgou o processo de prestação de contas de campanha. Ao final, cita arestos da jurisprudência do TRE-RS. Requer o provimento do recurso para julgar improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público Eleitoral.

Com contrarrazões (fls. 848-860v.), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 867-878v.).

É o relatório.

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) tem assento no art. 14, § 10, da Constituição Federal e comporta cabimento nas hipóteses de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

A respeito do bem jurídico tutelado pela referida ação, colaciono excerto da doutrina de Rodrigo Lopez Zilio (Direito Eleitoral, 5ª Ed., pp. 563-564.):

O bem jurídico tutelado pela AIME é a normalidade e legitimidade das eleições (art. 14, §9°, da CF), além do interesse público da lisura eleitoral (art. 23 da LC nº 64/90). A realização de eleição imune a quaisquer vícios ou irregularidades é aspiração de toda a coletividade. Da mesma sorte, a garantia de que o exercício do voto seja uma obra consciente e livre da manifestação individual do eleitor é desiderato da ciência eleitoral e dessa ação constitucional.

Neste giro, para haver a ofensa ao bem jurídico tutelado, a jurisprudência do TSE tem entendido necessária prova da potencialidade de o ato abusivo afetar a lisura ou normalidade do pleito (Recurso Ordinário nº 780 – Rel. Min. Fernando Neves – j. 08.06.2004). Não é exigida mais, conforme excerto do voto Ministro Sepúlveda Pertence, a “demonstração diabolicamente impossível do chamado nexo de causalidade entre uma prática abusiva e o resultado das eleições” (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 19.553 – j. 21.03.2002). Em suma, abandonou-se a necessidade de prova do nexo de causalidade aritmético (abuso vs resultado da eleição), sendo suficiente prova da potencialidade de o ato interferir a normalidade do pleito.

A análise da potencialidade lesiva não se prende ao critério exclusivamente quantitativo, devendo ser sopesado pelo julgador outros fatores igualmente determinantes da quebra da normalidade do pleito, tais como o meio pelo qual o ato foi praticado, se envolveu aporte de recursos públicos ou privados, o número de pessoas atingidas e beneficiadas – direta e reflexamente –, a época em que praticado o ilícito (se próximo ou não do pleito), a condição pessoal dos beneficiados (condição econômica, social e cultural). Agora, o inciso XVI do art. 22 da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/10, dispõe que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

A representação por infração ao art. 30-A da Lei n. 9.504/97, por sua vez, busca coibir e sancionar a arrecadação e a utilização de recursos em contrariedade às normas que regulamentam o processo de prestação de contas eleitoral.

Transcrevo o dispositivo:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

[...]

§ 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

Consoante se observa no texto normativo, a caracterização do ilícito previsto no art. 30-A requer a subversão do próprio sistema legal de financiamento de campanha, por meio da burla às regras de arrecadação e gastos eleitorais, com a consequente vantagem sobre os demais candidatos.

Sobre o tema, cito a doutrina de José Jairo Gomes:

É explícito o desiderato de sancionar a conduta de captar ou gastar ilicitamente recursos durante a campanha. O objetivo central dessa regra é fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente, dentro dos parâmetros legais. Só assim poderá haver disputa saudável entre os concorrentes.

O termo captação ilícita remete tanto à fonte quanto à forma de obtenção de recursos. Assim, abrange não só o recebimento de recursos de fontes ilícitas e vedadas (vide art. 24 da LE), como também sua obtenção de modo ilícito, embora aqui a fonte seja legal. Exemplo deste último caso são os recursos obtidos à margem do sistema legal de controle, que compõem o que se tem denominado “caixa dois” de campanha.

[…]

O bem jurídico protegido é a lisura da campanha eleitoral. Arbor ex fructu cognoscitur, pelo fruto se conhece a árvore. Se a campanha é alimentada com recursos de fontes proibidas ou obtidos de modo ilícito ou, ainda, realiza gastos não tolerados, ela mesma acaba por contaminar-se, tornando-se ilícita. De campanha ilícita jamais poderá nascer mandato legítimo, pois árvore malsã não produz senão frutos doentios.

Também é tutelada a igualdade que deve imperar no certame. A afronta a esse princípio fica evidente, por exemplo, quando se compara uma campanha em que houve emprego de dinheiro oriundo de “caixa dois” ou de fonte proibida e outra que se pautou pela observância da legislação. Em virtude do ilícito aporte pecuniário, a primeira contou com mais recursos, oportunidades e instrumentos não cogitados na outra. (Direito Eleitoral, 13ª ed., 2017, pp. 664-665.)

Na situação dos autos, o juízo a quo julgou procedentes os pedidos, por entender caracterizado o abuso de poder econômico, em decorrência da aquisição e da distribuição de vales-combustível, e comprovada a utilização de recursos ilícitos na campanha eleitoral, diante da omissão de despesas na prestação de contas.

Irresignado, o candidato interpôs o presente recurso, alegando que as provas produzidas não demonstraram nenhuma das irregularidades apontadas na sentença.

Passo à análise dos fatos e do conjunto probatório.

Na mídia à fl. 30, foram gravados vídeos que registram o abastecimento de veículos adesivados com a propaganda do recorrente e o possível pagamento com vale-combustível.

Inquiridos os condutores dos veículos filmados, Gilberto Vezaro Maroso, Maurício dos Santos Otero e Lucivani Bueno Gonçalves dos Santos, os quais negaram que o pagamento do combustível tenha ocorrido por meio de vale (fls. 123-124 e 586-587).

Contudo, Luis Fernando Rodrigues de Lara confirmou a utilização do vale-combustível e informou que o benefício foi entregue por pessoas que representavam o partido do recorrente, para franquear a sua participação em carreata, oportunidade em que teve o seu carro adesivado (fl. 582-584).

A prática foi também confirmada pelo servidor da Justiça Eleitoral (fls. 573-575), que narrou ter presenciado o abastecimento de carros adesivados com a propaganda do candidato recorrente e o pagamento com vales-combustível.

Além disso, em operação deflagrada nos postos de combustíveis da localidade, foram apreendidos vales-combustível que estavam depositados nos estabelecimentos e que foram apresentados por condutores que abasteciam veículos na ocasião.

Da análise do material recolhido (Anexo 1) é possível deduzir que os vales tenham sido adquiridos pela mesma pessoa, em decorrência da numeração sequencial (fl. 271 e v.) e da data informada nos bilhetes, ainda que aos dias lançados não correspondessem necessariamente ao de sua efetiva emissão (fl. 593v.).

Essa conclusão alinha-se aos depoimentos prestados por Cristiano Sampaio da Silva e por sua esposa Simone da Veiga dos Santos (fl. 666), que foram abordados na operação e confirmaram ter recebido o benefício, no valor aproximado de R$ 50,00, de um homem que estava fazendo propaganda para o recorrente na praça central de Palmeira das Missões.

Os relatos foram coerentes e harmônicos entre si nos elementos essenciais, de modo que as pequenas divergências identificadas, por decorrerem da singularidade da compreensão de cada um dos depoentes, não nulificam a prova.

Enquanto o valor do benefício foi mensurado por Simone na quantidade de litros e na expressão monetária, Cristiano apenas aludiu ao valor em dinheiro, mas no mesmo montante informado pela sua esposa. Ademais, tanto Cristiano quanto Simone revelaram que a pessoa que entregou o vale sabia que o casal apoiava a candidatura do recorrente, seja por ter sido questionada diretamente a esse respeito (Simone), seja pela propaganda adesivada no veículo (Cristiano).

Acrescento que Fabiana de Lima Santos, também abordada abastecendo seu veículo com vale-combustível, confirmou ter recebido o benefício do recorrente (fls. 578-581).

No ponto, apesar de ter apresentado versão antagônica a respeito da origem do vale-combustível no momento da apreensão, a testemunha justificou ter faltado com a verdade naquela oportunidade com receio das consequências que poderia sofrer, o que torna verossímil a sua narrativa.

Ainda, a inquirição dos frentistas (fls. 268-270, 588-590 e 591-593) revela que houve o recebimento de grande quantidade de vales-combustível de veículos adesivados com a propaganda do recorrente.

Portanto, tenho que a materialidade do abuso do poder econômico está fartamente representada nos vales apreendidos e a identificação do recorrente foi confirmada pela prova testemunhal, estando devidamente fundamentado o decreto condenatório.

Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente deste Tribunal:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Prefeito e vice não eleitos. Abuso de poder econômico. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Inelegibilidade. Eleições 2012.

[…]

1. Abuso de poder econômico. Existência de provas materiais e testemunhais demonstrando a distribuição de vales-combustível e a concomitante adesivação dos veículos dos eleitores com a propaganda dos recorrentes. Difusão massiva da candidatura no cenário de disputa política local, representando utilização de recursos financeiros de forma abusiva. Manutenção da condenação e da declaração da inelegibilidade dos recorrentes pela prática do abuso de poder econômico previsto no art. 22, caput, c/c inciso XIV, da Lei Complementar n. 64/90.

[…]

Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 46429 RS, Relator: DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Data de Julgamento: 08.10.2015, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 187, Data: 13.10.2015, p. 4.) (Grifei.)

Diferentemente do que sustenta o recorrente, considero que a prova nos autos é robusta e que não é razoável exigir comprovação documental da aquisição dos vales, pois restou claro nos autos que os estabelecimentos não realizavam registro dos adquirentes dos vales comercializados.

Por fim, a prova testemunhal no sentido da utilização dessa forma de pagamento fora do período eleitoral e a não aquisição pessoal pelo recorrente dos vales-combustível não significam que o ilícito não tenha ocorrido, tampouco infirmam as demais provas em sentido diverso. Ao revés, as circunstâncias apontam que o recorrente, deliberadamente e por pessoas interpostas, distribuiu quantidade expressiva de vales-combustível, em prejuízo à normalidade e à legitimidade das eleições.

No mesmo trilhar, tenho que as anotações apreendidas reforçam a prova de que houve a omissão de gastos eleitorais (fl. 74 - Apenso).

Do exame do bloco de anotações, verifica-se a existência de um conjunto de registros atinentes à campanha eleitoral, com a aposição de quantias que retratam uma espécie de controle dos recursos financeiros empregados na campanha.

Por representar a minha compreensão acerca da prova, transcrevo o seguinte trecho da sentença recorrida, que adoto como razões de decidir (fls. 762v.-763):

[…]

A demanda foi proposta utilizando, como prova primordial, a caderneta apreendida no endereço do representado. Vale relembrar que a presente demanda trata de gastos não computados na prestação de contas oficial. Não seria lógico cogitar de planilhas de Excel detalhadas; notas fiscais, recibos, contabilidade elaborada de maneira minuciosa, etc. Os gastos tratados na representação não integraram a prestação de contas. O controle desses gastos não declarados provavelmente teria de ser realizado informalmente, com a utilização de símbolos, códigos ou abreviaturas, tal e qual "pg" ou "pgo". Como foi feito. Mais uma vez: não é ilação ou suposição. É prova.

Gastos não declarados houve. Algum controle desses gastos havia de ser realizado. Os documentos de fls. 278/291 denotam tal controle. Não é mesmo planejamento de gastos porque tem as expressões "pg" e "pgo" ao lado de diversos valores e pessoas ou fornecedores relacionados. Tais documentos consubstanciam uma espécie de planilha rudimentar numa caderneta de anotações. Os agentes estatais em cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido por este Juízo foram bastante perspicazes ao notar tal caderneta. Diante da informalidade inerente à relação de gastos não declarados, basta compará-los àqueles declarados (fls. 127/142 - divulgação de contas) para notar o quanto houve de omissão.

O gasto com pessoal seria de R$ 6.550,00 (fls. 128). No entanto, vistos fls. 283, está em destaque a expressão "Eleições 2016". No verso de fls. 283, total de gastos com homens trabalhando em prol da campanha era de R$ 8.850,00. A fls. 284, gasto com mulheres trabalhando na campanha era de R$ 11.000,00. Perfazendo total de R$ 19.850,00. Folheando-se 278/291, as páginas da caderneta trazem número bastante significativo de pessoas que estavam trabalhando na campanha, para bastante além do rol de pessoas registradas na divulgação das contas como aquelas que tomaram parte no trabalho em prol da campanha do representado. Vale ressalar o uso do gerúndio na caderneta - trabalhando. O serviço estava em curso. Não era uma projeção. Ainda, a fls. 287, verso, a expressão clara de "total gasto/declarar R$ 7.000,00". Valor este muito semelhante àquele declarado, de R$ 6.550,00. O argumento de que a caderneta servia como planejamento de gasto não se sustenta. Era uma caderneta de registro informal dos gastos, que suplantaram os declarados em R$ 13.300,00.

[...]

Friso que a precisão dos registros efetuados impede que seja acolhida a tese defensiva, no sentido de que as anotações representam apenas uma espécie de expectativa de acontecimentos, com cenários hipotéticos.

Embora alguns trechos reproduzam o teor de normas eleitorais, como o limite de gastos na campanha, os lançamentos de valores específicos, com a anotação de pagamento ao lado, não podem ser desconsiderados.

Esclareço que o meu entendimento não resulta de uma observação fragmentada das informações lançadas no bloco apreendido, mas da análise sistemática do seu conteúdo e de todo o caderno probatório.

E, no particular, pondero que a ausência de plausibilidade das alegações do recorrente se revela ainda mais contundente diante da comprovação cabal dos vales-combustível distribuídos os quais não foram declarados intencionalmente na contabilidade de campanha, com relevância jurídica para comprometer a moralidade e a legitimidade da eleição.

Em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral http://divulgacandcontas.tse.jus.br/, que concentra, para acesso público, as prestações de contas dos candidatos e dos partidos, observei que, além de os lançamentos com despesas de pessoal não corresponderem aos valores relacionados nas anotações apreendidas, conforme detidamente analisado no excerto reproduzido da sentença, o recorrente escriturou como despesas com combustíveis e lubrificantes apenas a importância de R$ 686,04, valor incompatível com a realidade apresentada no caderno probatório.

Ao contrário do que alega o recorrente, rememoro que este Tribunal, ao apreciar a sua contabilidade de campanha, ressalvou a possibilidade da apuração de omissão intencional de gastos eleitorais por meio de procedimento específico, conforme se observa do acórdão:

[...]

Os documentos juntados, portanto, trazem inequívocos indícios de omissão de gastos, mas também não demonstram, por si só, a efetiva existência dessas despesas. Por esse motivo, não se mostra adequado o juízo de desaprovação das contas.

Tais evidências necessitam de melhor apuração, a ser realizada em procedimento próprio, que comporte dilação probatória, a exemplo da representação por arrecadação ou realização de gastos ilícitos, prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Assim, como os documentos apresentados não demonstram de forma segura a omissão de despesas de campanha, resta acolher o parecer técnico conclusivo, no sentido da aprovação das contas.

(RE n. 412-79, Rel. Des. Jamil Andraus Hanna Bannura, DEJERS Tomo 211, Data: 24.11.2017, p. 6.) (Grifei.)

Destaco que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de exigir para a captação ou arrecadação ilícita de recursos prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 a existência de irregularidade grave, que desborde a mera falha de natureza estritamente contábil, conforme se observa nos seguintes arestos:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2012. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ARRECADAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ABUSO DE PODER." CAIXA DOIS ". CONFIGURAÇÃO

[...]

3. A prática de “caixa dois” constitui motivo bastante para incidência das sanções, eis que a fraude escritural de omissão de valores recebidos e de falta de esclarecimento de sua origem inviabiliza o controle, por esta Justiça Especializada, de aporte financeiro em favor de candidatos, partidos políticos e coligações. Precedentes, em especial o AgR-REspe 235-54/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15.10.2015.

4. Não se cuida, na espécie, de simples falha de natureza estritamente contábil, mas sim de uso de recursos financeiros não declarados, sem trânsito por conta bancária específica e sem comprovação de sua origem, sendo inequívoco o “caixa dois”.

[...]

7. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe n. 760-64/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 29.9.2016)

ELEIÇÃO 2014. RECURSOS ORDINÁRIOS. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. DEPUTADO FEDERAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS FINANCEIROS DESTINADOS A CAMPANHA. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97. CAIXA DOIS. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A COMPROVAR A PRÁTICA DO ILÍCITO. GRAVIDADE CONFIGURADA. RECURSOS ORDINÁRIOS DA COLIGAÇÃO REAGE TOCANTINS E DE SANDOVAL LOBO CARDOSO. NÃO CONHECIDOS. RECURSO ORDINÁRIO DO MPE. PROVIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO DA COLIGAÇÃO A MUDANÇA QUE A GENTE VÊ. PARCIAL PROVIMENTO.

[…]

2.1. DO ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97: i) A modalidade de ilícito eleitoral consistente na captação ou arrecadação ilícita de recursos prevista no art. 30-A da Lei das Eleicoes, introduzida no bojo da minirreforma eleitoral capitaneada pela Lei nº 11.300/2006, destina-se precipuamente a resguardar três bens jurídicos fundamentais ao Direito Eleitoral: a igualdade política, a lisura na competição e a transparência das campanhas eleitorais. ii) Ao interditar a captação ou a arrecadação ilícita de recursos, buscou o legislador ordinário evitar - ou, ao menos, refrear - a cooptação do sistema político pelo poder econômico, cenário que, se admitido, trasladaria as iniquidades inerentes à esfera econômica para o campo político, em flagrante descompasso com o postulado da igualdade política entre os players do prélio eleitoral.

2.2. DO "CAIXA-DOIS": i) O chamado "caixa dois de campanha" caracteriza-se pela manutenção ou movimentação de recursos financeiros não escriturados ou falsamente escriturados na contabilidade oficial da campanha eleitoral. Tem como ideia elementar, portanto, a fraude escritural com o propósito de mascarar a realidade, impedindo que os órgãos de controle fiscalizem e rastreiem fluxos monetários de inegável relevância jurídica. ii) Por sua própria natureza, o "caixa dois" é daqueles ilícitos cuja consumação ocorre longe do sistema de vigilância/controle, acarretando significativa dificuldade probatória. Nesse caso, a exigência de prova exclusivamente direta para a condenação acabaria por estimular a impunidade, em flagrante ofensa ao princípio da vedação da proteção deficiente (Untermassverbot). iii) Na hipótese de ilícito de reconhecida dificuldade probatória, o Estado-juiz está autorizado a apoiar-se no conjunto de indícios confirmados ao longo da instrução diante das raras provas diretas do comportamento ilícito, sob pena de deixar sem resposta graves atentados à ordem jurídica e à sociedade. iv) "Os indícios devem ser igualmente admitidos como meio de prova suficiente para a condenação, vedada apenas a motivação baseada em presunções sem nenhum liame com os fatos narrados nos autos" (TSE, RO nº 2246-61, Redator para o acórdão Min. Roberto Barroso, DJe de 1º.6.2017).

[…]

2.4. DA GRAVIDADE: - O ilícito insculpido no art. 30-A da Lei das Eleicoes exige para sua configuração a presença da relevância jurídica da conduta imputada ou a comprovação de ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente a macular a lisura do pleito (RO nº 2622-47, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 24.2.2017; REspe nº 1-91, de minha relatoria, DJe de 19.12.2016 e REspe nº 1-72, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 3.2.2017).

[…]

(TSE - RO: 00012208620146270000 PALMAS - TO, Relator: Min. LUCIANA LÓSSIO, Data de Julgamento: 22.3.2018, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 061, Data: 27.3.2018, pp. 2-7.) (Grifei.)

É o que se verifica no caso dos autos, estando evidenciado o descumprimento qualificado das normas que regem a arrecadação de receitas e a realização de despesas no período eleitoral, por meio da omissão grave e intencional de gastos no lançamento contábil, motivo pelo qual deve ser desprovido o recurso quanto a este ponto.

Contudo, merece ser provido o apelo no que diz respeito a impossibilidade de constituição de inelegibilidade-sanção.

É sabido que o objeto da AIME é a desconstituição do mandato de candidato eleito.

Portanto, a imposição de inelegibilidade-sanção, assim como de multa, não  se encontra no escopo da aludida ação.

Esta é a compreensão pacífica externada pelo e. TSE:

ELEIÇÕES 2008. IMPROCEDÊNCIA. AIME. FRAUDE. PERDA DO OBJETO. ENCERRAMENTO DO MANDATO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.

1. A decisão recorrida refere-se à ação de impugnação a mandato eletivo por fraude julgada improcedente, motivo pelo qual perde supervenientemente o objeto o recurso que busca a cassação de diploma relativo a mandato exaurido (2009-2012). Precedentes.

2. A ação de impugnação de mandato eletivo enseja tão somente a cassação do mandato, não se podendo declarar inelegibilidade, à falta de previsão normativa (AgR-REspe nº 51586-571PI, rel. Min. Arnaldo Versiani, julgado em 10.3.2011).

3. Agravo regimental desprovido

(Ac. de 5.2.2015 no AgR-REspe n. 118232, rel. Min. Gilmar Mendes.) (Grifei.)

Ação de impugnação de mandato eletivo. Abuso do poder econômico.

1. Para afastar a conclusão do Tribunal Regional Eleitoral no sentido de que a grande quantidade de obras e serviços realizados em município às vésperas das eleições - que, na sua maioria, não eram essenciais ou atos de mera gestão - tiveram conotação eleitoral e configuraram abuso do poder econômico com potencialidade suficiente para desequilibrar a disputa, seria necessário o reexame de fatos e provas, vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal.

2. A procedência da AIME enseja a cassação do mandato eletivo, não se podendo impor multa ou inelegibilidade, à falta de previsão normativa.

Agravos regimentais não providos.

(Ac de 1º.3.2011 no AgR-REspe n. 5158657, rel. Min. Arnaldo Versiani.) (Grifei.)

Tampouco se mostra viável a declaração de inelegibilidade em sede de representação por infração ao art. 30-A da Lei n. 9.504/97, visto que a previsão trazida no § 2º do referido artigo não estabelece tal hipótese sancionatória.

Nesse sentido é a jurisprudência do e. TSE ao sedimentar que “A procedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, com lastro no art. 30-A da Lei das Eleições, adstringe-se à perda do registro ou do diploma e à sanção pecuniária, não abarcando a declaração de inelegibilidade, que será aferida no momento da formalização do registro de candidatura, nos termos da alínea j do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90.” (Ac de 17.11.2015 no REspe n. 131064, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura; no mesmo sentido o Ac de 17.12.2014 no REspe n. 63070, rel. Min. João Otávio de Noronha; e Ac de 24.3.2015 no AgR-AI n. 50202, rel. Min. Luiz Fux).

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, no sentido de manter a cassação do diploma, sanção prevista no art. 30-A, § 2º, da Lei n. 9.504/97 e no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, mas desconstituir a decisão recorrida em relação à declaração de inelegibilidade pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 02.10.2016, pois ausente base legal para tal sanção.

Após transcorrido o prazo para eventuais embargos de declaração e o seu respectivo julgamento, comunique-se à respectiva Zona Eleitoral, para cumprimento, registrando-se a decisão nos sistemas pertinentes.

É como voto, senhor Presidente.