RE - 3651 - Sessão: 29/01/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) de Pelotas contra a sentença (fl. 102 e v.) que desaprovou sua prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2016, em razão do recebimento de contribuições oriundas de fontes vedadas, efetuadas por titular de cargos demissíveis ad nutum na Administração Pública, e determinou o recolhimento de R$ 250,00 ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de um mês.

Em suas razões (fls. 114-118), a agremiação sustenta que o juízo a quo incorreu em equívoco ao aplicar a Resolução TSE n. 23.464/15, revogada desde dezembro de 2017. Entende que deve incidir ao caso concreto a Resolução TSE n. 23.546/17, a qual, em seu art. 12, § 1º, considera regular a doação dos detentores de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração desde que filiados a partido político. Requer, ao final, a aprovação das contas.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, em vista da diminuta expressividade econômica da irregularidade e da comprovação do recolhimento da verba correspondente ao Tesouro Nacional (fls. 153-155).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas foram desaprovadas em razão do recebimento de doações provenientes de Roger Lemões Jorge, detentor, sucessivamente, dos cargos de chefe de seção/núcleo na Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde e de diretor na Prefeitura Municipal de Pelotas.

Conforme planilha acostada pelo órgão técnico de exame (fl. 67), o montante em questão consistiu em dois depósitos: o primeiro, no valor de R$ 100,00, realizado em 26.02.2016, e o segundo, de R$ 125,00, efetuado no dia 16.11.2016. Portanto, é necessária uma retificação material da sentença, pois o apontamento alcançou a quantia total de R$ 225,00, e não de R$ 250,00, como constou na decisão recorrida.

Em relação ao regime jurídico aplicável, diversamente do pretendido pelo recorrente, a novel Resolução TSE n. 23.546/17 não incide sobre o exame de mérito de exercícios financeiros anteriores à sua vigência. Tratando-se de contas relativas ao ano de 2016, a análise da contabilidade observa as prescrições normativas contidas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigentes ao tempo dos fatos, consoante expressamente estabelece o art. 65, caput e § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2018.

[…].

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

[…].

III - as prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução-TSE nº 23.464, de 17 de dezembro de 2015; e

(Grifei.)

Cumpre registrar, ainda, que, para a análise das contas, está sendo considerado o texto do art. 31 e incs. da Lei n. 9.096/95, vigente ao tempo do exercício financeiro de 2016, sem as posteriores alterações legislativas.

Nesse tocante, observo que este Tribunal, ao apreciar a aplicação da Lei n. 13.488/17, que facultou as doações de filiados a partidos políticos, mesmo que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta, mediante juízo de ponderação de valores, sedimentou o posicionamento pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, destaco o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Dessarte, não se aplica ao feito, de forma retroativa, a alteração promovida pela Lei n. 13.488/17, que excluiu do rol de fontes vedadas a doação de filiado, ainda que exercente de função ou cargo público demissível ad nutum.

Fixadas tais premissas, é incontroverso que os cargos comissionados ocupados pelo doador ao tempo das liberalidades inserem-se no conceito de autoridade pública previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9096/95, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

XII – autoridades públicas.

(…)

§2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

(Grifei.)

Por sua vez, após a emissão do parecer conclusivo pela unidade técnica, o diretório partidário, visando sanar a falha, comprovou o recolhimento da quantia equivalente à irregularidade (R$ 225,00) ao Tesouro Nacional (fl. 92).

De fato, o art. 11, § 5°, c/c art. 14, da Resolução TSE n. 23.464/15, estabelece que o partido pode promover o estorno do valor recebido de fonte vedada para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito. Na hipótese, porém, a providência foi tomada apenas em 16.4.2018, muito tempo após o marco normativo, já em exercício financeiro diverso, não ostentando, por si só, aptidão para que se considere superada a mácula.

Todavia, não obstante a gravidade da falha, observo que ela equivale a apenas 3,77% dos recursos arrecadados no exercício (R$ 5.956,40). Assim, na esteira do entendimento do egrégio TSE e deste Tribunal, a partir da aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, viável a aprovação das contas com ressalvas, afastando-se, por conseguinte, a penalidade de suspensão de quotas do Fundo Partidário. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS. EXERCÍCIO DE 2012. DESAPROVAÇÃO. RECURSO DE FONTE VEDADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. VALOR IRRISÓRIO. SUSPENSÃO DE COTAS. FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO DO PARTIDO.

1. Autos recebidos no gabinete em 21/3/2017.

2. No caso, é possível aprovar com ressalvas as contas, em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois a soma de valores das falhas constatadas - R$ 47.277,35 - corresponde a aproximadamente 6,5% da receita, não comprometendo o controle financeiro pela Justiça Eleitoral. Precedentes.

3. Recurso especial parcialmente provido para aprovar com ressalvas as contas. Prejudicado o recurso do Parquet.

(TSE - RESPE: 724220136210000 Porto Alegre/RS 67842016, Relator: Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Data de Julgamento: 10.4.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 02.5.2017 - Páginas 99-102.) (Grifei.)

AGRAVO NOS PRÓPRIOS AUTOS. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. PDT. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI Nº 9.096/95. AUTORIDADE PÚBLICA. OCUPANTES DE CARGO DE CHEFIA E DIREÇÃO. PRECEDENTES. PERCENTUAL DIMINUTO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO. APROVAÇÃO COM RESSALVA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL MANTIDA. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.

(TSE - AI: 865520156210000 Porto Alegre/RS 40712017, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 03.10.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 20.10.2017 - Páginas 77-81.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2015. DOAÇÕES RECEBIDAS. DOAÇÃO DO DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO. REGULAR. DOAÇÃO ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE RECIBOS ELEITORAIS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Doação proveniente do Diretório Nacional da agremiação devidamente identificada com data, origem e CNPJ do doador. Evidenciada regularidade da doação. Afastado recolhimento do numerário ao Tesouro Nacional.

2.Recebimento de doação de origem não identificada, em desacordo com a previsão contida nos arts. 7º, caput, e 8º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14. Situação que acarreta o recolhimento ao Tesouro Nacional. Quantia de pequena expressão, que representa 6,8% do montante integral. Aprovação com ressalvas.

Provimento parcial.

(TRE-RS, RE 6-64, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 04.12.2017.)

Logo, o juízo de desaprovação deve ser reservado para aquelas situações em que há o comprometimento absoluto das contas ou mesmo quando as irregularidades alcançam montante vultoso, o que não é o caso em análise.

Por fim, ressalta-se que, conforme alhures exposto, houve o recolhimento integral e voluntário da verba oriunda de fonte vedada ao Tesouro Nacional ainda durante a tramitação do feito.

Sobre o tópico, a jurisprudência do TSE consolidou o entendimento de que essa determinação não constitui sanção por infração às obrigações legais, mas “mera decorrência da proibição da utilização de tais recursos” (AgR-REspe nº 1224-43/MS, rel. Min. HENRIQUE NEVES, DJE de 05.11.2015).

Assim, despicienda a imposição judicial de recolhimento dos valores, sob pena de injusto bis in idem, uma vez que já atingida a consequência prática buscada pela medida.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas, afastando-se a sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.