RE - 1789 - Sessão: 01/02/2019 às 10:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso contra a sentença do Juízo da 117ª, sediado em Não-Me-Toque, fls. 201-210, que desaprovou as contas do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Victor Graeff, relativas ao exercício financeiro de 2016. A decisão reconheceu como irregularidade o recebimento de doações consideradas fontes vedadas e desaprovou as contas, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 10.262,53, acrescido de 9% de multa, bem como a suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 4 meses, nos termos da Resolução TSE n. 23.464/15.

Houve embargos de declaração, fls. 216-219, decidido pelo juízo a quo conforme decisão de fls. 221-222.

As razões de recurso, fls. 226-244, dão-se, em resumo, no sentido de que (i) o partido explicou e comprovou as doações, pois se trata de recursos provenientes de doações voluntárias, via transferência bancária e, na maioria, feitas por filiados à agremiação e ocupantes de cargos de chefia e direção; (ii) apenas 8 doadores não eram filiados ao PDT à época das doações; (iii) o estatuto do PDT, aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, dispõe sobre contribuições obrigatórias à agremiação, de forma que a decisão guerreada desobedeceria à liberdade constitucional de livre associação; (iv) os contribuintes tidos como irregulares não são autoridades públicas sob o prisma de conceituação de doutrinador administrativista ou, ainda, não atuam como ordenadores de despesas; (v) a Lei n. 13.488/17 e a Resolução TSE n. 23.546/17 vieram corrigir entendimento equivocado, pois o “legislador nunca entendeu os filiados como fonte vedada”; e (vi) a multa de 9% não atende aos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.

Requer provimento do recurso para aprovar as contas ou, alternativamente, aprová-las com ressalvas, bem como para afastar quaisquer responsabilidades dos dirigentes partidários, cancelar a determinação de recolhimento do valor de R$ 10.262,53 ao Tesouro Nacional, com eventual recálculo e redução da multa imposta, e igualmente cancelar, ou reduzir, o período de suspensão de quotas do Fundo Partidário.

Foram os autos à Procuradoria Regional Eleitoral, que manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 270-276v.).

É o relatório.

VOTO

1. Da tempestividade

O recurso é tempestivo.

Houve publicação da decisão no DEJERS em 03.7.2018, fl. 223, e, em 04.7.2018, foi interposto o recurso, fl. 226, obedecendo-se ao tríduo previsto no art. 52, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Presentes os demais pressupostos, merece conhecimento.

2. Do mérito

O mérito central da irresignação do PDT de Victor Graeff trata da desaprovação das contas de exercício financeiro de 2016 da agremiação. A sentença entendeu irregulares os recebimentos de valores oriundos de fontes vedadas – doações de ocupantes de cargos tidos como autoridades públicas — para fins de doação eleitoral, determinou o recolhimento do valor equivalente às doações em questão, R$ 10.262,53, acrescido de multa de 9%. Ainda, determinou a suspensão do repasse de quotas oriundas do Fundo Partidário pelo período de 4 meses.

À análise das razões recursais.

Defendem os recorrentes a legalidade das doações sob o viés da liberdade de criação e de funcionamento dos partidos à luz da Constituição, ao argumento central de que o estatuto do PDT, aprovado pelo TSE, apresenta previsão sobre as doações de seus contribuintes filiados, razão pela qual deve ser afastada a irregularidade.

Contudo, há que se diferenciar uma norma interna, que regula o comportamento apenas dos filiados do PDT, de uma regra cogente, de cunho proibitivo, presente em resolução do Tribunal Superior Eleitoral.

Note-se que o Tribunal Superior Eleitoral, ao responder a Consulta n. 35-664 – Acórdão TSE de 05.11.15, definiu que os estatutos partidários não podem conter regra de doação vinculada ao exercício de cargo, uma vez que ela consubstancia ato de liberalidade e, portanto, não pode ser imposta ao filiado.

Ou seja, a melhor conduta a ser tomada pelo PDT de Vitor Graeff, no ano de 2016, para compatibilizar o mandamento estatutário com a legislação eleitoral, seria receber doações dos filiados, exceto daqueles que, eventualmente, ocupassem à época cargos comissionados de chefia e direção. Cabe às agremiações adequarem os respectivos estatutos às normas de regência eleitorais, e não o contrário.

Nessa linha, irretocável trecho da sentença (fls. 205-206):

Prosseguindo, o partido referiu que o Estatuto do PDT, aprovado pelo TSE, obriga certas categorias de filiados a realizarem contribuições periódicas ao partido. Mas, o argumento não prospera, pois o fato de haver imposição estatutária para a doação de ocupantes de cargos em comissão não torna a arrecadação de recursos lícita, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.”

Em resumo, são irregulares as doações oriundas de autoridades públicas, sejam elas filiadas ou não, pois contrariaram norma abstrata do próprio Tribunal Superior Eleitoral, à época. Lembro, aqui, de passagem, que é pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido do cabimento, por exemplo, de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade contra as resoluções do TSE.

Além, sustentam os recorrentes que os doadores não podem ser considerados autoridades públicas, visto que não se enquadrariam no conceito de “autoridade” cunhado por Hely Lopes Meirelles ou, ainda, não praticariam a ordenação de despesas.

Novamente, as alegações não merecem albergue. Explico.

No caso, houve doações realizadas por ocupantes de funções de chefia ou direção, vedadas pela legislação eleitoral, nos termos da redação original do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme rol do parecer conclusivo, fls. 180-181: diretores de escola, chefes de departamento, diretor de obras, coordenador e secretários municipais.

Desde o advento da Resolução TSE n. 22.585/07, portanto, o alcance do termo “autoridades públicas”, para fins de doações eleitorais, restou pacificado e é aplicável ao exercício de 2016 das prestações de contas partidárias.

Por oportuno, reproduzo ementa da Consulta que deu origem à Resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado  Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data: 16.10.2007, p. 172.)

O conceito de autoridade para fins de doações eleitorais prescinde de delimitações doutrinárias típicas da seara do direito administrativo, ou, ainda, não há de ser vinculado a determinado ato (ordenação de despesas). Dispensa, também, a análise da situação de filiado ou não filiado – pois o recorrente aduz que 8 doadores não eram filiados ao PDT na época da doação. A circunstância é periférica, se ao tempo da doação ocupavam cargos de chefia e de direção, circunstância suficiente para configurar a irregularidade, a partir da mera leitura do texto legal.

Note-se que tal exegese foi mantida no texto da Resolução TSE n. 23.464/15, aplicável ao feito sob exame, que determina, no art. 12, inc. IV e § 1º, ser vedado o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta. (Grifei.)

De acordo com o teor do texto normativo, os cargos do caso posto inserem-se na vedação, porquanto consubstanciam funções de direção e de chefia.

Na sequência, e tendo por base o princípio da retroatividade in bonam partem, o recorrente pugna pela aplicação da Lei n. 13.488/17 ao caso concreto, no ponto em que, alterada a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, passou a possibilitar doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração direta ou indireta.

Mais uma vez, a sentença não merece reparos. Ao contrário do alegado no recurso, trata-se de inovação legislativa, e não de “reparação de um equívoco”, sobre a qual devem incidir as normas de aplicação da lei no tempo.

E este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições, fazendo preponderar os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido, a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

A Lei n. 13.488/17 entrou em vigor no dia 06.10.2017, revogando a proscrição absoluta de doações advindas de autoridades públicas ao incluir o inc. V ao art. 31 da Lei n. 9.096/95, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

Dessarte, em relação ao exercício financeiro em testilha, o tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na Administração Pública direta e indireta deve observar a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as contribuições.

Assim, deve ser mantida a sentença recorrida pelos próprios fundamentos, inclusive em relação às penalidades fixadas, de multa de 9% sobre o montante irregular e de suspensão do repasse do Fundo Partidário pelo período de 4 meses, tendo em vista que se mostram adequadas às irregularidades constatadas, percebimento de valores oriundos de fontes vedadas que representam 46,40% do montante arrecadado pela agremiação no exercício de 2016, haja vista bem espelharem a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso do PDT de Victor Graeff, mantendo-se a sentença pelos próprios fundamentos.