RC - 1757 - Sessão: 28/03/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão da Juíza Eleitoral da 84ª Zona (fls. 48-49), que rejeitou a denúncia oferecida contra ANTÔNIO ALEXIS TRESCASTRO DA SILVA quanto à acusação pelos delitos tipificados no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97 e art. 302 do Código Eleitoral, pela prática dos seguintes fatos, assim descritos na denúncia:

1º FATO:

No dia da eleição municipal, 05 de outubro de 2008, na localidade de Cinco Estufas, na Escola Municipal de Ensino Fundamental José de Alencar, Cerro Grande do Sul (RS), o denunciado ANTÔNIO ALÉXIS TRESCASTRO DA SILVA arregimentou eleitores e realizou propaganda de boca de urna.

Na ocasião, o denunciado foi flagrado nas proximidades da Escola supracitada, pelos fiscais eleitorais Cristiano e Priscila, efetuando propaganda de boca de urna e atos de arregimentação de eleitores, - que aguardavam no local para exercer o sufrágio -, mediante conversas e cumprimentos, para angariar votos para sua esposa Zilda Schwalm, candidata à Prefeita Municipal de Cerro Grande do Sul.

2º FATO:

No dia da eleição municipal, 05 de outubro de 2008, na localidade de Cinco Estufas, na Escola Municipal de Ensino Fundamental José de Alencar, Cerro Grande do Sul (RS), o denunciado ANTÔNIO ALÉXIS TRESCASTRO DA SILVA promoveu, com o fim de impedir e embaraçar o exercício do voto, aglomeração de simpatizantes em local de votação.

Na oportunidade, o denunciado ANTÔNIO, após ter sido advertido pelos fiscais eleitorais Cristiano e Priscila de que estaria realizando propaganda de boca de urna no local, provocou aglomerações de simpatizantes, a fim de dificultar a entrada de eleitores e fiscais juntos às sessões de votação.

3º FATO:

No dia da eleição municipal, 05 de outubro de 2008, por volta das 11h45min, na Rua Dr. Henrique Vila Nova, Cerro Grande do Sul (RS), o denunciado ANTÔNIO ALÉXIS TRESCASTRO DA SILVA, com o fim de fraudar o exercício do voto, promoveu o oferecimento gratuito de alimento a quarenta eleitores.

Na ocasião, o denunciado ANTÔNIO, visando angariar votos para sua esposa Zilda Schwalm, candidata à Prefeita Municipal de Cerro Grande do Sul, ofereceu a quarenta eleitores, o pagamento de refeições (almoços). Enquanto os eleitores se dirigiam ao restaurante foram interpelados pelo fiscal eleitoral Cristiano, que os advertiu e promoveu a dispersão de todos.

4º FATO:

No dia da eleição municipal, 05 de outubro de 2008, por volta das 13h50min, na localidade de Cinco Estufas, na Escola Estadual de Ensino Médio Men de Sá, Cerro Grande do Sul (RS), o denunciado ANTÔNIO ALÉXIS TRESCASTRO DA SILVA realizou propaganda de boca de urna.

Na ocasião, o denunciado ANTÔNIO foi flagrado nas proximidades da Escola supracitada, pelo fiscal eleitoral Braulino, efetuando propaganda de boca de urna com eleitores que aguardavam no local para exercer o sufrágio, a fim de angariar votos para sua esposa Zilda Schwalm, candidata à Prefeita Municipal de Cerro Grande do Sul.

A denúncia foi rejeitada na decisão do dia 11.9.2018, por reconhecer, em relação ao 1º e 4º Fatos, a prescrição da pretensão punitiva em abstrato, com base na pena máxima cominada para o delito tipificado no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, nos termos do art. 109, inc. IV, do Código Penal, em virtude do transcurso do prazo entre a data do fato (05.10.2008) e a da prolação da sentença (11.9.2018). E, em relação ao 2º e 3º Fatos, quanto ao crime do art. 302 do Código Eleitoral, por julgar extinta a punibilidade em vista do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, em perspectiva, com fundamento no art. 107, inc. IV, do Código Penal.

O Ministério Público Eleitoral interpôs o recurso em relação ao 2º e 3º Fatos descritos na peça exordial. Em suas razões (fls. 55-57v.), sustenta que, em relação a esses fatos, não restou implementado o decurso do prazo prescricional, nos termos do art. 109, inc. III, do Código Penal, considerando a pena máxima prevista no art. 302 do Código Eleitoral. Menciona que não se admite a chamada prescrição pela pena projetada, consoante a Súmula n. 438 do Superior Tribunal de Justiça, por absoluta falta de amparo legal. Indica jurisprudência nesse sentido. Declara que, ausente causa apta a caracterizar a prescrição da pretensão punitiva do Estado, se impõe o regular prosseguimento do feito. Requereu o conhecimento e provimento do recurso, de modo a receber a denúncia e prosseguir com a Ação Penal.

O recorrido apresentou contrarrazões (fls. 64-67), afirmando a correção da decisão a quo em reconhecer a prescrição da pretensão punitiva em perspectiva. Requereu a manutenção da decisão vergastada, com a improcedência do recurso.

Nesta instância, os autos foram em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou sustentando estar equivocada a capitulação legal dos fatos pelo art. 302 do Código Eleitoral, defendendo ser aplicável à espécie o tipo do art. 11, inc. III, c/c art. 10 da Lei n. 6.091/74 e postulando a realização da emendatio libelli. Complementou asseverando que, mesmo que venha a ser procedida a emendatio libelli, não há prescrição a ser reconhecida, uma vez que o prazo prescricional para ambos os crimes corresponde a 12 anos. Afirmou não haver base legal para o reconhecimento da prescrição em perspectiva. Ao final, opinou pela manutenção da decisão que rejeitou a denúncia, mas devendo ser reconhecida por fundamento diverso, qual seja, a inépcia da inicial (fls. 74-75v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. O Ministério Público foi intimado da sentença em 13 de outubro de 2018 (fl. 52) e a irresignação foi interposta no dia 14 do mesmo mês (fl. 53), portanto, dentro do prazo de dez dias estatuído no art. 362 do Código Eleitoral.

O Parquet interpôs o recurso em relação ao 2º e 3º Fatos descritos na peça exordial, em razão de Antônio Alexis Trescastro da Silva ter promovido a aglomeração ilegal de eleitores e ofertado alimentação gratuita na data do pleito, dia 05.10.2008, em Cerro Grande do Sul.

O órgão ministerial de primeiro grau entendeu que tal conduta teria se enquadrado no tipo do art. 302 do Código Eleitoral:

Art. 302. Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo: (Redação dada pelo Decreto-Lei n. 1.064, de 24.10.1969)
Pena - reclusão de quatro (4) a seis (6) anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa.
(Redação dada pelo Decreto-Lei n. 1.064, de 24.10.1969)

A Procuradoria Regional Eleitoral, entretanto, refere que o tipo aplicável à espécie é o do art. 11, inc. III, c/c o art. 10 da Lei n. 6.091/74:

Art. 10. É vedado aos candidatos ou órgãos partidários, ou a qualquer pessoa, o fornecimento de transporte ou refeições aos eleitores da zona urbana.

Art. 11. Constitui crime eleitoral:
...
III - descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10º;
Pena - reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa (art. 302 do Código Eleitoral);

Corroborando esse apontamento, a Procuradoria Regional Eleitoral acrescentou doutrina sobre a questão:

Com efeito, conforme pontuado por Rodrigo López Zilio, nos comentários ao art. 302 do Código Eleitoral:
O TSE já decidiu que a parte final do art. 302 do CE (“inclusive o fornecimento gratuito de alimentos e transporte coletivo”) foi revogada pelo art. 11, inciso III, da Lei n. 6.091/74 (Recurso Especial Eleitoral n. 21.401 – Rel. Min. Fernando Neves – j. 13.04.2004). Assim, o tipo delitivo previsto no art. 302 do CE, atualmente, é de “promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores sob qualquer forma”, se a concentração ilegal de eleitores ocorrer através do “fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo”, o crime passa a ser o previsto na Lei n. 6.091/74.

De fato, o tipo penal previsto no art. 11, inc. III, da Lei n. 6.091/74, revogou em parte o art. 302 do Código Eleitoral, como bem aponta a jurisprudência trazida por José Jairo Gomes ao explicitar sobre aquele crime:

Recurso Criminal. Denúncia oferecida nos termos do art. 302 do Código Eleitoral c/c o art. 11, III, da Lei n. 6.091/74. Procedência. O fornecimento gratuito de alimentos a eleitores, no dia da eleição, e com o fim de fraudar o exercício do voto, enquadra-se ao tipo penal previsto no art. 11, III, da Lei n. 6.091/74, que revogou em parte o art. 302 do Código Eleitoral. A finalidade eleitoral da distribuição de alimentos, realizada pelo recorrente, foi devidamente comprovada. O estabelecimento comercial utilizado para distribuição de lanches armazenava, sobre o balcão, dezenas de panfletos contendo propaganda eleitoral. Testemunha confirmou que o recorrente afirmara, em sua presença e na de policiais, que distribuíra lanches e impressos contendo nomes e números de candidatos. Sentença reformada na fixação da pena. Inexistência de prova de que o recorrente tenha sofrido condenação com trânsito em julgado. Recurso a que se dá provimento parcial. (TRE/MG – RC no 13082007 – DJEMG 28-1-2009).
(GOMES, José Jairo. Crimes Eleitorais em Espécie, Ed. Atlas, 2015, pp. 262-263.)

Entretanto, embora os fatos descritos na denúncia amoldem-se ao art. 11, inc. III, c/c art. 10 da Lei n. 6.091/74, não cabe neste momento proceder à emendatio libelli prevista no art. 383 do Código de Processo Penal, por não ser esta cabível quando do recebimento da denúncia, conforme pacífica jurisprudência:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA QUE RECONHECE A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRETENSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE VER ALTERADA A QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DADA AOS FATOS NA DENÚNCIA PARA AFASTAR A PRESCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. APELAÇÃO CRIMINAL IMPROVIDA.
1. O Ministério Público Federal narrou, na denúncia, fatos que descreveu como sendo de prática de uso de documento falso (contrato social da empresa) e falsidade material (CND com data adulterada). No recurso, pretende que seja dada nova qualificação jurídica aos fatos, reconhecendo se a existência de estelionato qualificado, tendo em vista que os réus pretendiam furtar-se às execuções fiscais em curso.
2. A jurisprudência pátria é unânime no sentido de que não é possível efetuar-se a “emendatio libelli” para fins de recebimento de denúncia.
3. Como a sentença reconheceu a prescrição da pretensão punitiva antes mesmo de realizada a instrução probatória, alterar-se a qualificação jurídica dos fatos narrados na inicial com vistas à reforma da sentença declaratória da extinção da punibilidade contraria a “ratio” que conduz àquele entendimento. Isto implicaria em pré-julgamento da causa e violaria o princípio do livre convencimento do juiz, causando a sua parcialidade.
4. Recurso em sentido estrito improvido.
(TRF2, RSE n. 2008.50.01.003378-1, Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto, 2ª Turma Especializada, julgado em 20.3.2012, publicado em 30.3.2012) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMENDATIO LIBELLI NO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MOMENTO OPORTUNO. PROLAÇÃO DA SENTENÇA. ART. 383 DO CPP. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A matéria controvertida está pacificada neste Superior Tribunal, firme em assinalar que o momento adequado para aplicar o instituto da emendatio libelli, nos termos do art. 383 do CPP, é na prolação da sentença, porquanto o acusado se defende dos fatos narrados na denúncia, e não da capitulação legal nela contida - que é dotada de caráter provisório.
2. Entretanto, há situações excepcionais em que "jurisprudência e doutrina apontam no sentido da anuência com a antecipação da emendatio libelli, nas hipóteses em que a inadequada subsunção típica macular a competência absoluta, o adequado procedimento ou restringir benefícios penais por excesso de acusação" (HC n. 258.581/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., julgado em 18.02.2016, DJe 25.02.2016), o que não ocorre in casu.
3. Acórdão recorrido que se encontra em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula n. 8 do STJ.
4. Agravo regimental não provido.
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
(STJ, AgRg no AREsp 1134819 / SP, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL n. 2017/0181051-0, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20.02.2018, publicado no DJe 26.02.2018) (Grifei.)

Dessa forma, sendo inviável verificar a possibilidade de recebimento da denúncia na presente decisão por meio da emendatio libelli, não procedo à aplicação, considerando que esta somente é cabível na prolação da sentença, nos termos do art. 383 do CPP, momento adequado para aplicar o instituto.

Outrossim, no caso em tela, não se encontram presentes as situações excepcionais em que jurisprudência e doutrina admitem a sua antecipação, como ocorre nas hipóteses da inadequada subsunção típica que macula a competência absoluta ou o adequado procedimento, ou, ainda, quando possa vir a restringir benefícios penais por excesso de acusação.

Prosseguindo, na situação em análise, a denúncia foi rejeitada ao fundamento de que, referente ao 2º e 3º Fatos da exordial, em relação ao crime do art. 302 do Código Eleitoral, estava extinta a punibilidade, vindo a reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do Estado, em perspectiva, com fundamento no art. 107, inc. IV, do Código Penal.

Em razões recursais, o Ministério Público Eleitoral afirma que, em relação a esses fatos, não restou implementado o decurso do prazo prescricional correspondente a 12 anos, nos termos do art. 109, inc. III, do Código Penal, considerando a pena máxima prevista no art. 302 do Código Eleitoral.

Em verdade, entre o dia dos fatos (05.10.2008) e a presente data não transcorreu o período de tempo de 12 anos.

Ademais, assiste razão aos órgãos ministeriais quando alegam que não se admite a chamada prescrição pela pena projetada, consoante a Súmula n. 438 do Superior Tribunal de Justiça, não havendo fundamento legal para o seu reconhecimento, sendo consolidada a jurisprudência no sentido de afastar a chamada prescrição pela pena projetada, como se observa:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DA "PRESCRIÇÃO VIRTUAL". AUSÊNCIA DE OMISSÃO. MATÉRIA ANALISADA NO ACÓRDÃO OBJURGADO. EMBARGOS REJEITADOS.
I - São cabíveis embargos declaratórios quando houver, na decisão embargada, contradição, omissão ou obscuridade a ser sanada. Podem também ser admitidos para a correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e pela jurisprudência, sendo possível, excepcionalmente, a alteração ou modificação do decisum embargado.
II - Mostra-se evidente a busca indevida de efeitos infringentes, em virtude da irresignação decorrente do resultado do julgamento que desproveu o agravo regimental pois, na espécie, à conta de omissão no decisum, pretende o embargante a rediscussão de matéria já apreciada.
III - "Firmou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que falta amparo legal à denominada prescrição em perspectiva, antecipada ou virtual, fundada em condenação apenas hipotética. Assim, na falta de previsão legal, não se há falar em prescrição em perspectiva da pretensão punitiva do Estado, conforme dispõe o verbete n. 438 da Súmula desta Corte" (AgRg no RHC n. 64.520/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 26.4.2017).
Embargos de declaração rejeitados.
(STJ, EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 1071735 / MG EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EMRECURSO ESPECIAL 2017/0064394-8, Rel. Min. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02.8.2018, publicado no DJe 15.8.2018.) (Grifei.)

Dessa maneira, entendo por afastar a extinção da punibilidade pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, pela pena projetada, com base na pena máxima em abstrato.

Entretanto, penso que deve ser mantida a decisão que rejeitou a denúncia, mas por fundamento diverso, qual seja, o reconhecimento da inépcia da inicial, em consonância com a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral. Senão, vejamos:

Quanto ao crime de promover a aglomeração ilegal de eleitores na data do pleito (CE, art. 302), não houve especificação quanto ao número de eleitores, tampouco sua identificação.
Quanto ao crime de fornecimento de alimentação gratuita a eleitores na data do pleito (Lei 6.091/, art. 11, III c/c art. 10), não houve especificação quanto à sua identificação tampouco sobre a forma como o crime teria sido praticado, limitando-se à narrativa a mera menção de pagamento de 40 almoços.
Considerando que ambos os tipos contêm a elementar “eleitor”, somente a plena identificação das pessoas envolvidas nos fatos possibilitaria a verificação dessa condição. Sua ausência constitui óbice à subsunção dos fatos aos tipos penais.

Com efeito, tanto o tipo penal do art. 302 do Código Eleitoral como o do art. 11, inc. III, c/c art. 10 da Lei n. 6.091/74 possuem em sua redação a elementar “eleitor”.

O recebimento da peça acusatória, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, exige que esta esteja lastreada em todos os fatores que integram a definição básica de uma infração penal, com base em um conjunto probatório idôneo o suficiente para dele se inferir a comprovação da ocorrência do delito e indícios suficientes de sua autoria.

O trancamento da Ação Penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade ou a ausência de prova da materialidade ou de indícios mínimos de autoria.

Quando elementares do tipo penal encontram-se ausentes, temos a atipicidade, provocando a ausência de justa causa para o exercício da Ação Penal, sendo impositivo o seu trancamento, ocorrendo a inépcia da denúncia, por não atender aos requisitos determinados pelo art. 41 do Código de Processo Penal.

Nesses casos, é admissível o encerramento prematuro da Ação Penal, reconhecendo a inépcia da inicial tendo em vista a ausência de elementos adequados para seu prosseguimento. De outra sorte, caso ocorresse entendimento contrário, via de consequência, acabaria por impossibilitar a ampla defesa ao denunciado.

Em caso semelhante ao dos autos, no voto proferido no Inquérito n. 2.829, o Supremo Tribunal Federal assentou que o exame para recebimento da denúncia é meio também para que se resguardem os direitos fundamentais do indivíduo denunciado, que pode vir a ser injustamente submetido à tormentosa via crucis do processo penal.

Naquela ocasião, o Ministro Gilmar Mendes ensinou que surge nesse exame a complexa relação conflituosa entre o interesse público de efetiva persecução penal e os direitos e garantias fundamentais individuais, ponderando que, sendo a responsabilidade penal eminentemente subjetiva, e estando o indivíduo no centro das preocupações do processo penal, são necessários rigor e prudência por parte do Poder Judiciário no recebimento de denúncias, visto que imputações incabíveis, que dão ensejo à persecução criminal injusta, violam o princípio da dignidade da pessoa humana.

É inadmissível, por violar tal princípio, o uso do processo penal como substitutivo de uma pena que se revela tecnicamente inaplicável ou a preservação de ações penais ou de investigações criminais cuja inviabilidade já se divisa de plano.

Desse modo, muitas vezes a análise quanto à presença dos indícios de materialidade e de autoria delitiva pode levar o órgão julgador a se pronunciar, ainda que de forma preliminar e precária, sobre a própria existência e conformação dos fatos delituosos, bem como sobre a configuração e os modos de participação e de autoria. O pronunciamento antecipado do órgão julgador a respeito da materialidade e da autoria é, assim, inevitável em alguns casos; porém é resultado da atitude diligente e responsável desse órgão numa fase processual em que está em jogo a própria dignidade do indivíduo denunciado (STF, Inq 2829, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 21.02.2013, DJe-190, divulgado em 26.9.2013, publicado em 27.9.2013).

Feitas essas considerações, no caso específico dos autos, diante da ausência da elementar típica exigida, sem lastro probatório mínimo acerca desse elemento, de rigor é o trancamento do processo penal, por falta de justa causa da exordial acusatória, porquanto omitida circunstância essencial dos fatos imputados, sine qua non ao prosseguimento da Ação Penal, isto é, a especificação e identificação da elementar “eleitor”, bem como a forma como o crime teria sido praticado.

Caracterizada a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa a autorizar a deflagração da ação penal, não poderia o denunciado desenvolver ampla atividade probatória sobre os fatos que lhe são imputados, vindo a demonstrar grande dificuldade efetiva em exercer sua defesa.

Assim, por não se verificar a presença de elementar do tipo penal, o presente julgamento deve cingir-se ao provimento parcial do recurso para que seja afastado o reconhecimento da prescrição pela pena projetada, mas mantida a rejeição da peça acusatória pelo reconhecimento da inépcia da inicial.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento parcial do recurso para o fim de afastar o reconhecimento da prescrição em perspectiva, mantendo a rejeição da denúncia pelo reconhecimento da inépcia da inicial, nos termos da fundamentação.