PC - 3828 - Sessão: 10/12/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se da prestação de contas do DIRETÓRIO ESTADUAL do PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS), abrangendo a movimentação financeira do exercício de 2016.

A Secretaria de Controle Interno e Auditoria (SCI) deste Tribunal apresentou Parecer Conclusivo no sentido de desaprovar as contas, diante das seguintes irregularidades: a) inexistência de comprovação de gastos eleitorais com recursos do Fundo Partidário; b) recebimento de recursos advindos de fontes vedadas (autoridades públicas); e recebimento de recursos de origem não identificada (fls. 207-211v.).

Os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pela desaprovação das contas (fls. 217-225).

Foi determinada a intimação do partido e responsáveis para apresentarem defesa e eventual requerimento de produção de provas. Foi determinado, ainda, que os dirigentes regularizassem sua representação nos autos. (fl. 227).

Após a apresentação de documentos pelos prestadores de contas, o processo foi remetido novamente à Unidade Técnica, que acolheu parcialmente as razões, sobrevindo aos autos outra análise (fls. 350-359), mantido o parecer pela desaprovação das contas.

Foram oferecidas alegações finais (fls. 368-377).

O feito retornou à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela desaprovação das contas, determinação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, multa de 20% e suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 01 (um) ano (fls. 383-396).

É o relatório.

VOTO

A Secretaria de Controle Interno e Auditoria apontou as seguintes irregularidades: a) despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário, na ordem de R$ 129.204,92, sem a devida comprovação; b) recebimento de recursos de fontes vedadas (autoridades públicas), na ordem de R$ 12.403,69; c) recebimento de recursos de origem não identificada (RONI), na ordem de R$ 720,00.

a) Despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário, no valor de R$ 129.204,92, sem a devida comprovação.

Em relação a este primeiro ponto, foram verificadas irregularidades quanto à comprovação da utilização de recursos do Fundo Partidário, em desacordo com os arts. 17, § 1º, 18 e 35, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Os documentos fiscais trazidos pelo prestador são genéricos, insuficientes à demonstração de que os recursos foram destinados às atividades político-partidárias.

Conforme jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, deve-se exigir do prestador das contas, além da prova inequívoca da realização da despesa, a demonstração de sua vinculação com as atividades partidárias (PC n. 228-15/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgada em 26.4.2018, DJe de 06.6.2018).

A ausência da devida comprovação dos gastos realizados com os recursos do Fundo Partidário impõe o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.

b) Recebimento de recursos de fontes vedadas (autoridades públicas), no valor de R$ 12.403,69.

A Unidade Técnica apurou a existência de arrecadação de recursos advindos de contribuinte considerado autoridade pela Lei n. 9.096/95, caracterizando fonte vedada no exercício de 2016, no montante de R$ 12.403,69.

A redação do dispositivo aplicável da Lei dos Partidos Políticos era a seguinte por ocasião do exercício em exame:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - entidade ou governo estrangeiros;

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

[…]

Por seu turno, a Resolução TSE n. 23.464/15 estabelecia que:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I – origem estrangeira;

II – pessoa jurídica;

III – pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão; ou

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

§ 2º As vedações previstas neste artigo atingem todos os órgãos partidários, inclusive suas fundações, observado o disposto no § 2º do art. 20 desta resolução.

§ 3º Entende-se por doação indireta, a que se refere o caput deste artigo, aquela efetuada por pessoa interposta que se inclua nas hipóteses previstas nos incisos deste artigo.

(Grifei.)

Conforme se constata na tabela de fl. 212, as doações foram realizadas por exercentes de cargos demissíveis ad nutum.

Anoto que a Lei n. 13.488/17 admitiu a possibilidade de os filiados contribuírem para a manutenção dos partidos políticos, mas a aplicação retroativa de suas disposições é obstada em razão de serem as prestações de contas regidas pela lei vigente à época dos fatos – tempus regit actum, em prol, resumidamente, dos princípios da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DE PARTIDO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXECUÇÕES. INVIÁVEL O PARCELAMENTO MEDIANTE DESCONTOS DOS REPASSES DO FUNDO PARTIDÁRIO. POSSIBILIDADE COM RECURSOS PRÓPRIOS. ART. 44 DA LEI 9.096/95. RESOLUÇÃO TSE N. 21.841/04. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012.

1. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15 ao art. 37 da Lei 9.096/95 não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores. A nova redação dada retirou a suspensão de quotas do Fundo Partidário e estabeleceu exclusivamente a imposição de multa de até 20% sobre o valor a ser recolhido. Tratando-se de prestação de contas do exercício financeiro de 2012, devem ser observadas as normas de direito material previstas na Resolução TSE n. 21.841/04.

2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17, in casu, por ser processo de exercício anterior a sua vigência. Obediência aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

3. Agremiação condenada a recolher valores ao Fundo Partidário e ao Tesouro Nacional. Possibilidade de parcelamento. Vedado o uso de recursos do Fundo Partidário na medida em que o art. 44 da lei 9.096/95 prevê hipóteses taxativas de sua aplicação.

4. Negado provimento. (TRE-RS, PC n. 6380, Acórdão de 31.01.2018, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS.)

Na hipótese, a doação realizada no exercício de 2016, antes da edição da Lei n. 13.488/17, deve ser caracterizada como recurso oriundo de autoridade – fonte vedada pela legislação eleitoral. Assim, a nova disposição não se aplica à hipótese, porque ocorrida antes da sua vigência.

Nessa linha de raciocínio, precedente deste Tribunal, cuja relatoria coube ao Des. Federal João Batista Pinto Silveira:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS PROCEDENTES DE FONTES VEDADAS. DETENTORES DE CARGOS DEMISSÍVEIS AD NUTUM. IRRETROATIVIDADE DA LEI N. 13.488/17. DUPLO TRATAMENTO JURÍDICO DAS DOAÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS EXERCENTES DE CARGOS DE CHEFIA E DIREÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RETIFICAÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. REDUÇÃO DAS PENALIDADES DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DE MULTA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Recebimento de recursos procedentes de fontes vedadas. É proibido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da Administração direta ou indireta, quando ostentarem a condição de autoridades. No caso dos autos, identificado o recebimento de doações de recursos financeiros de ocupantes de funções de direção e chefia.

2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17. 2.1. Posicionamento, deste Tribunal, pela aplicação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 em sua redação original, devido à irretroatividade de novas disposições legais, ainda que mais benéficas ao prestador de contas, em homenagem aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. 2.2. Duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na Administração Pública, em decorrência da sucessão legislativa. Devido ao fato de a Lei n. 13.488/17 ter entrado em vigor no dia 06.10.2017, cumpre aplicar, em relação às contribuições anteriores a esta data, a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, as quais vedavam as contribuições ainda que provenientes de filiados a partidos políticos. Todavia, as contribuições realizadas a partir de 06.10.2017 devem observar o disposto no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos.

[...]

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 14-74. Relator Des. João Batista Pinto Silveira. Julgado em 04.02.2019, unânime) (Grifei.)

Ainda, observe-se que este Tribunal Regional declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, o que afastou a possibilidade de reconhecimento da anistia, devendo ser determinado o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Transcrevo a ementa do julgamento paradigma no ponto que interessa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (...) (grifo nosso)

(...)

(TRE/RS, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, RE n. 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.8.2019) (Grifou-se.)

Forte nessas razões, reconheço como provenientes de fonte vedada as doações realizadas por autoridade ao partido político, no valor de R$ 12.403,69, e determino o recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.

c) Recebimento de recursos de origem não identificada (RONI) no valor de R$ 720,00.

A Unidade Técnica apontou a existência de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 720,00. Os depósitos foram realizados por meio de CNPJ pertencente ao Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande de Sul, mas, no entanto, a agremiação não pode receber recursos de pessoa jurídica, salvo de outros níveis partidários ou de outra agremiação.

Tenho, portanto, que o valor total das irregularidades é de R$ 142.328,61, composto da seguinte forma: a) despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário, na ordem de R$ 129.204,92, sem a devida comprovação; b) recebimento de recursos de fontes vedadas (autoridades públicas), na ordem de R$ 12.403,69; c) recebimento de recursos de origem não identificada (RONI), na ordem de R$ 720,00.

Por força do art. 37 da Lei n. 9.096/95 e do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15, deve incidir a multa de até 20% (vinte por cento) sobre a importância considerada irregular (R$ 142.328,61).

Como a irregularidade representa 27,4% (vinte e sete vírgula quatro por cento) do total de recursos recebidos, tenho por fixar a multa em 5% sobre R$ 142.328,61.

Quanto à suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário, há de ser fixado o prazo em conformidade com o princípio da razoabilidade, na esteira do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71.)

 

Recurso. Prestação de contas de partido. Diretório Municipal. Artigos 10 e 11 da Res. TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. Desaprovam-se as contas quando verificada a utilização de recursos com origem não identificada e não apresentados os livros contábeis obrigatórios, impedindo a fiscalização da escrituração pela Justiça Eleitoral.

Redução da fixação da suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 3489, Acórdão de 10.7.2014, Relator DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 123, Data 16.7.2014, Página 2.)

No caso dos autos, o valor total da irregularidade é de R$ 142.328,61, o que significa 27,4% (vinte e sete vírgula quatro por cento) do montante de recursos auferidos, de modo que entendo adequada a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário pelo período de 04 meses.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas do exercício financeiro de 2016 do DIRETÓRIO ESTADUAL do PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS), com a determinação de recolhimento do valor de R$ 142.328,61, acrescido da multa de 5%, ao Tesouro Nacional, bem como suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário pelo período de 04 meses.