E.Dcl. - 52780 - Sessão: 06/02/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da decisão à fl. 410-A que homologou a desistência do recurso interposto por LEVI LORENZO MELO no processo de prestação de contas de campanha.

Em suas razões, sustenta que a decisão foi omissa, por não ter sido previamente intimado o Ministério Publico a respeito do pedido de desistência do recurso interposto pelo candidato. Defende a atuação do órgão ministerial em todas as fases do processo de prestação de contas, ao argumento da essencialidade do processo eleitoral à democracia. Colaciona arestos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Alega que, na qualidade de fiscal da ordem jurídica, deve ser intimado de todos os atos do feito, nos termos do art. 179 do CPC. Destaca que o art. 279 do CPC considera nulo o processo em que essa regra não é observada. Assevera que a homologação da desistência enseja prejuízo manifesto, por ter sido motivada após a ciência do parecer da unidade técnica, que constatou a existência de recebimento de recursos de origem não identificada no valor de R$ 286.563,25, demonstrando flagrante má-fé processual. Aduz que o interesse público subjacente à apreciação da origem dos recursos e dos gastos de campanha por parte da Justiça Eleitoral não pode ser afastado por ato unilateral da recorrente. Requer a anulação da decisão que homologou a desistência e, subsidiariamente, que sejam conferidos efeitos modificativos ao recurso, a fim de reformar a decisão embargada, de modo a não homologar o pedido de desistência e incluir o processo em pauta para julgamento (fls. 436-441v.).

Em contrarrazões (fls. 449-451v.), LEVI LORENZO MELO alega a inexistência de má-fé, uma vez que o advogado que teve acesso aos autos não foi constituído pelo recorrente. Sustenta que a desistência do recurso é ato unilateral que não depende de concordância das partes. Argumenta a distinção entre o precedente invocado pelo órgão ministerial e a situação dos autos. Requer a manutenção da decisão que acolheu o pedido de desistência recursal.

É o relatório.

VOTOS

Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga (relator):

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

O Ministério Público Eleitoral sustenta que a decisão que homologou a desistência do recurso foi nula, por não ter sido previamente intimado a respeito do pedido formulado pelo recorrente.

Razão assiste ao órgão ministerial.

A fim de evitar tautologia, reproduzo a fundamentação exarada na decisão à fl. 431:

De fato, verifica-se que a Procuradoria Regional Eleitoral não foi intimada sobre o pedido de desistência do recurso, bem como da sua respectiva homologação e extinção.

Tal lapso vai de encontro à ampla legitimidade recursal de que dispõe o Ministério Público como custus legis, mormente em razão da relevância do interesse público na fiscalização das contas de campanha, a fim de garantir a legitimidade do processo eleitoral.

Em razão do exposto, torno sem efeito a extinção e o consequente trânsito em julgado do presente feito.

Tornado sem efeito o comando dispositivo da decisão e conferida oportunidade de manifestação do Ministério Público Eleitoral, no mérito, discute-se a possibilidade de o recorrente desistir do recurso interposto no processo de prestação de contas eleitoral, tendo em vista que, convertido o feito em diligência, sobreveio parecer exarado pela unidade técnica deste Tribunal agravando a decisão objeto de recurso aviado exclusivamente pelo candidato.

O Tribunal Superior Eleitoral firmou a sua jurisprudência no sentido de admitir o prosseguimento de feitos eleitorais pelo Ministério Público, malgrado a desistência da parte recorrente, quando a matéria for de natureza eminentemente pública:

RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO. DESISTÊNCIA. DIREITO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.

[...]

2. O Ministério Público, na condição de fiscal da lei, pode, a qualquer tempo, intervir no feito e requerer a apreciação de recurso que verse matéria eminentemente pública, não obstante desistência manifestada pela parte.

[...[

5.Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRgREspe nº 18.825/MG, DJ de 27.4.2001, rel. Min. Waldemar Zveiter);

AGRAVOS REGIMENTAIS COM O MESMO OBJETO. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. PEDIDO DE DESISTÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. LEGITIMIDADE ATIVA SUPERVENIENTE. POSSIBILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

1. Em recurso contra expedição de diploma, a desistência manifestada pelo recorrente não implica extinção do feito sem resolução do mérito, tendo em vista a natureza eminentemente pública da matéria. Precedentes: REspe nº 26.146/TO, Rel. Min. José Delgado, DJ de 22.3.2007; AgRgREspe nº 18.825/MG, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 27.4.2001.

2. Não há interesse recursal antes que seja proferida decisão que contrarie interesse jurídico do recorrente. Na espécie, a decisão agravada não assentou ser indispensável que o Parquet assuma o polo ativo para que este RCED tenha prosseguimento, mesmo porque o Ministério Público Eleitoral ainda não se pronunciou a respeito do seu interesse em assumir a titularidade da ação. Assim, neste ponto, falta interesse recursal aos agravantes.

3. Agravos regimentais não providos.Indexação Agind.Decisão O Tribunal, por unanimidade, desproveu o Agravo Regimental de Marcelo Déda Chagas, nos termos do voto do Relator.Observação (05 fls.)

(TSE - ARCED: 661 SE, Relator: FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 31.3.2009, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 80, Data 29.4.2009, Página 57) (Grifei.)

O referido entendimento foi adotado por este Tribunal, conforme o seguinte precedente:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA. ELEIÇÃO 2012. PRELIMINARES AFASTADAS. NÃO CONFIGURADAS A INÉPCIA DA INICIAL E A FALTA DO INTERESSE DE AGIR. MÉRITO. ART. 73, INC. III, DA LEI N. 9.504/97. CEDÊNCIA DE SERVIDOR PARA USO NA CAMPANHA. PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. ATUAÇÃO EM PROCESSOS ELEITORAIS. LICENÇA NÃO DEMONSTRADA. CONDUTA VEDADA COMPROVADA. ABUSO DE PODER NÃO CARACTERIZADO. MANUTENÇÃO DA LEGITIMIDADE E DA NORMALIDADE DO PLEITO. AFASTADA A INELEGIBILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

[...] Desistência da parte requerente que não afeta o interesse de agir da causa. Assunção do Ministério Público, no exercício da função de tutela da legitimidade das eleições, preservando a parte no polo ativo da ação. Questões já enfrentadas pelo juízo de primeiro grau.

[...] (TRE-RS - RE: 69714 LAJEADO DO BUGRE - RS, Relatora: DESA. ELEITORAL DEBORAH COLETTO ASSUMPÇÃO DE MORAES, Data de Julgamento: 09.11.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 203, Data 13.11.2017, Página 4.)

Contudo, diversamente dos arestos colacionados, que envolvem situações diretamente relacionadas ao processo eleitoral, o caso em questão versa a respeito de processo de prestação das contas de campanha.

No ponto, convém rememorar que esta Corte debateu com profundidade a extensão do efeito devolutivo dos recursos eleitorais em processos desta natureza e, por ocasião do julgamento do Recurso Eleitoral n. 636-62, por maioria, entendeu que o efeito translativo não abrange a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em razão do reconhecimento de quantias de origem não identificada, não admitindo a possibilidade de agravamento da posição jurídica do recorrente, em acórdão do qual se extrai a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO DETERMINADO O COMANDO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE. INAPLICÁVEL O JULGAMENTO DA "CAUSA MADURA". PENALIDADE NÃO SUSCITADA DURANTE A TRAMITAÇÃO DO FEITO. MATÉRIA PRECLUSA. PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS". MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM NÃO COMPROVADA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO. NÃO DETERMINADO O REPASSE DA QUANTIA IRREGULAR AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Afastada a preliminar. Reconhecido pelo magistrado sentenciante o emprego em campanha de recursos de origem não identificada, sem a determinação do comando de recolhimento da importância irregular ao Tesouro Nacional. Impossibilidade de agravamento da situação do recorrente quando, durante a tramitação do feito, aquela penalidade nunca foi suscitada. A ausência de irresignação quanto a esse ponto da decisão conduz ao inevitável reconhecimento da preclusão da matéria, pois a interposição do apelo dirigido a este Tribunal tem a única finalidade de melhorar a situação da parte, com a aprovação integral das contas. Defeso a invocação da matéria na instância "ad quem", dado que a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional configurará inegável prejuízo para a parte que interpõe o apelo. Vedada a "reformatio in pejus", nos termos do art. 141 do Código de Processo Civil. Inaplicável ao feito o entendimento de que a questão está madura para julgamento, podendo ser determinado o recolhimento de ofício pelo Tribunal. Não caracterizada nulidade.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Realizado depósito em dinheiro, diretamente na conta de campanha e acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Manutenção da sentença de desaprovação. Não determinado o comando de recolhimento do valor empregado ao Tesouro Nacional.

Desprovimento. (Recurso Eleitoral nº 63662, Acórdão de 14.12.2017, Relator: DES. ELEITORAL LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN) (Grifei.)

Mutatis mutandis, entendo que admitir o prosseguimento do feito pelo Ministério Público Eleitoral, em razão do interesse público subjacente à determinação de recolhimento de valores recomendada no parecer técnico na instância recursal, é contrariar a jurisprudência deste Tribunal, a par de violar o princípio tantum devolutum quantum appellatum, bem como a vedação de reformatio in pejus.

Logo, considerando que a ausência de interposição de recurso eleitoral pelo Ministério Público impede o agravamento da situação jurídica do recorrente, não há utilidade no prosseguimento do feito, devendo ser homologado o requerimento de desistência do recurso.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e acolhimento parcial dos aclaratórios opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, apenas para reconhecer a nulidade da decisão que homologou a desistência de recurso em razão da ausência de intimação prévia do órgão ministerial do pedido formulado pelo recorrente e, sanada a irregularidade, agregar a fundamentação exposta à decisão recorrida, mantendo a homologação da desistência do recurso.

É como voto, senhor Presidente.