RE - 10534 - Sessão: 28/01/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de ERECHIM contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, e determinou o recolhimento de R$ 12.020,00 ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 10%, e a suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário pelo período de 6 meses (fls. 192-195).

Em sua irresignação (fls. 201-208), o partido sustenta que a irregularidade foi superada pela Lei n. 13.488/17, que conferiu nova redação ao art. 31 da Lei n. 9.096/95, passando a admitir o recebimento de recursos provenientes de pessoas detentoras de cargo ou função demissíveis ad nutum, desde que filiadas ao partido. Argumenta a aplicação imediata da nova legislação, ao fundamento de ser mais benéfica, sob pena de violação do princípio da legalidade. Alega que a regulamentação do conceito de autoridade pelo TSE afronta a disposição contida no art. 3º da Lei n. 9.096/95, que assegura a autonomia partidária. Invoca a existência de norma interna da agremiação prevendo a obrigatoriedade da contribuição como requisito para a candidatura. Alternativamente, defende a existência de erro na sentença e pleiteia a redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional à quantia de R$ 10.700,00. Requer a aprovação das contas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 215-220v.).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, registro que este feito já foi examinado nesta Corte no acórdão das fls. 170-173 e 183-186, oportunidade na qual foi anulada a sentença para que nova decisão fosse proferida em seu lugar, com a observância das disposições legais vigentes após a edição da Lei n. 13.165/15 e aplicáveis ao exercício financeiro de 2016, em conformidade com a Resolução TSE n. 23.464/15.

Com o retorno dos autos à origem, nova sentença foi prolatada às fls. 192-195, mantendo o entendimento pela desaprovação das contas, com a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 meses e a determinação de recolhimento da quantia de R$ 12.020,00 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 10%.

O juízo de reprovação das contas decorre da arrecadação de recursos oriundos de fontes vedadas, à luz da redação originária do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, que proibia o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer especie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

A Lei n. 13.488/17 alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, possibilitando as doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração direta ou indireta.

Considerando que a modificação legislativa é mais benéfica ao órgão partidário, o recorrente requer a incidência da nova disposição para que sejam considerados regulares os recursos recebidos.

A respeito da aplicação do novo regramento, este Tribunal, mediante juízo de ponderação de valores, já se posicionou no sentido da sua irretroatividade, por entender preponderantes os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Colaciono a ementa do referido julgamento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Tratando-se de contas relativas ao exercício financeiro de 2016, escorreita a aplicação, pelo juízo a quo, do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise.

Destaca-se que o princípio constitucional da autonomia partidária, reproduzido no art. 3º da Lei n. 9.096/95, não é absoluto, devendo harmonizar-se com as normas que fortalecem o controle quantitativo e qualitativo dos partidos.

A existência de disposição estatutária determinando a contribuição obrigatória dos filiados, ainda que ocupantes de cargos em comissão, não torna a arrecadação dos referidos recursos lícita, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Ademais, é de se ressaltar que a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, com relevo, no caso concreto, o constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.464/15. Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos através de diversos outros meios não vedados pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

A vedação das doações partidárias por detentores da condição de “autoridade” busca garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a distribuição oportunística de cargos e a captura do processo político pelo poder econômico.

No caso dos autos, o enquadramento realizado na origem considerou a vedação contida no art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, reputando irregulares os recursos advindos de ocupantes de cargos com função de direção e chefia, v.g. secretário adjunto, chefe da divisão da infraestrutura do CEU, chefe do setor de fiscalização, chefe da divisão de programas habitacionais, diretor de saneamento, chefe da divisão de vistorias, chefe da divisão de análise.

Relativamente ao alegado excesso na condenação, com o consequente pleito de redução do valor de R$ 12.020,00 para 10.700,00, o recorrente não apresentou argumentos aptos a demonstrar que a sentença tenha se equivocado.

O recorrente não contesta a análise técnica realizada, nem sequer aponta – e muito menos demonstra – como a sentença teria se equivocado no valor condenatório. Os documentos a que alude o recorrente contêm anotações de valores a lápis, sem que seja possível saber quem as realizou e quais critérios foram empregados para se chegar a cada quantitativo.

Assim, considerando que a agremiação não impugnou especificadamente as contribuições indevidas e os respectivos doadores, restringindo a sua argumentação à apresentação do valor global que entende correto e à indicação de demonstrativos que contemplam todos os recursos arrecadados no exercício, não há argumentos nem provas que autorizem o acolhimento de seu pedido.

Dessarte, tendo em vista que a irregularidade alcançou 15,98% dos recursos arrecadados pela agremiação no exercício financeiro (R$ 75.196,43), deve ser mantido o juízo de desaprovação das contas.

Em relação às sanções aplicadas, a determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional é consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, como se extrai do art. 14, § 1º  e art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15, não comportando reparo a sentença.

No que se refere ao tempo fixado para suspensão do Fundo Partidário, a jurisprudência deste Tribunal admite a incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para realizar a dosimetria da sanção pelo tempo de 1 a 12 meses, em consonância com o entendimento consolidado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO 2015. PPS. DIRETÓRIO REGIONAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO. 1. In casu, o TRE/RS desaprovou as contas do partido, ora agravado, referentes ao exercício financeiro de 2015, e determinou a suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário por 6 (seis) meses, em razão das seguintes irregularidades: i) despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário sem a devida comprovação, no montante de 30,45%; e ii) utilização de recursos de origem não identificada e de fonte vedada. As irregularidades somaram R$ 111.256,71 (cento e onze mil, duzentos e cinquenta e seis reais e setenta e um centavos), que deverão ser recolhidos ao Erário. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a suspensão das cotas deve ocorrer de forma proporcional e razoável, conquanto as irregularidades tenham imposto a desaprovação das contas. Precedentes. 3. A orientação neste Tribunal é no sentido de que ao julgador cabe ponderar todas as circunstâncias do caso concreto na análise da sanção mais adequada (REspe nº 33-50/RS, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 18.10.2016). 4. Diante da nova sistemática de financiamento dos partidos, com a proibição de doação por pessoa jurídica, é de se primar pela busca de reprimenda que iniba o descumprimento das normas concernentes à prestação de contas e igualmente permita a continuidade de suas atividades. 5. Na espécie, a suspensão das cotas por 3 (três) meses mostra-se adequada, porquanto compatibiliza a necessidade de sobrevivência do diretório regional e a inibição de práticas assemelhadas. 6. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 7237, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 197, Data 02.10.2018, Páginas 10-11.) (Grifei.)

Na situação em análise, mostra-se adequada a redução da suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário para o período de 2 meses, diante da representação da irregularidade em relação à arrecadação do partido (15,98%) e da capacidade econômica do prestador de contas.

Com base nos mesmos parâmetros, a multa de até 20% incidente sobre o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, que decorre da desaprovação das contas, como se extrai do art. 37 da Lei n. 9.096/95, com a redação atribuída pelo Lei n. 13.165/15, deve ser reduzida para o patamar de 5%.

Ante todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 2 meses e a multa incidente sobre a importância considerada irregular para 5%.