Ag/Rg - 4610 - Sessão: 18/12/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) do Rio Grande do Sul contra a decisão que indeferiu o pedido de parcelamento de dívida em número superior a 60 meses e limitou as parcelas a esse quantitativo (fls. 1197-1198).

Em sua irresignação (fls. 1204-1210), o partido sustenta que o parcelamento é um direito subjetivo do cidadão e  das pessoas jurídicas, nos termos do art. 11, § 8º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97. Argumenta que o parcelamento assegura a manutenção das condições de vida dos cidadãos e o funcionamento das pessoas jurídicas. Afirma que a presente sanção, somada à penalidade de outro processo, resulta no comprometimento de 47% do saldo do repasse do Fundo Partidário. Alega que boa parte dos recursos a ser restituída diz respeito à doação de detentores de cargos em comissão, cuja licitude foi reconhecida pela legislação superveniente. Requer a reforma da decisão, para permitir que cada parcela do pagamento respeite ao limite de 2% do repasse mensal do Fundo Partidário.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e merece conhecimento.

No mérito, o presente recurso busca reformar a decisão que indeferiu o pedido de parcelamento da dívida de R$ 524.322,01 em número de parcelas que não excedessem a 2% do repasse mensal do Fundo Partidário e limitou seu parcelamento em 60 vezes.

A agremiação recorrente alega que o parcelamento da dívida é direito subjetivo, a ser assegurado nos termos do art. 11, § 8º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, com a finalidade de garantir o adequado funcionamento e existência das pessoas jurídicas. Aduz, também, que o pagamento do débito em 60 vezes tornaria excessivamente oneroso o seu adimplemento, pois a agremiação ainda responde por outras sanções pecuniárias. Por fim, sustenta a ausência de gravidade do ilícito praticado, tendo em vista a evolução legislativa, que tornou lícita a doação de ocupantes de cargos em comissão.

O recurso não merece prosperar.

A decisão recorrida não nega o direito ao parcelamento de débitos perante a Justiça Eleitoral, mas reconhece que seus termos são fixados discricionariamente pela autoridade administrativa ou pelo juiz, como se extrai da legislação eleitoral.

Como fiz consignar na decisão recorrida, o art. 11, § 8º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97 emprega o verbo “poderá”, a indicar que o parcelamento acima de 60 vezes está sujeito a um critério discricionário da autoridade competente.

Transcrevo o dispositivo em comento:

Art. 11.

§ 8º

IV - o parcelamento de multas eleitorais e de outras multas e débitos de natureza não eleitoral imputados pelo poder público é garantido também aos partidos políticos em até sessenta meses, salvo se o valor da parcela ultrapassar o limite de 2% (dois por cento) do repasse mensal do Fundo Partidário, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultrapassem o referido limite.

Ademais, a norma deve ser interpretada em conformidade com o disposto no art. 11, § 11, segundo o qual “a Justiça Eleitoral observará, no parcelamento a que se refere o § 8º deste artigo, as regras de parcelamento previstas na legislação tributária federal”, remetendo à disciplina da Lei n. 10.522/02, que autoriza o parcelamento dos débitos da Fazenda Nacional “a exclusivo critério da autoridade fazendária”, como se lê no seu art. 10:

Art. 10. Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei.

Não se extrai da legislação eleitoral, portanto, um direito subjetivo ao parcelamento de dívidas nos limites dos termos legais. Ao contrário, a lei somente permite à autoridade administrativa ou ao juiz o parcelamento dos débitos, conferindo-lhes discricionariedade para estabelecer o quantitativo de parcelas.

Nesse sentido, tem se orientado o Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PRTB. DIRETÓRIO NACIONAL. EXECUÇÃO. APLICAÇÃO. LEI Nº 13.488/2017. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. TEMPUS REGIT ACTUM. OMISSÃO SUPRIDA. DEFERIMENTO. PARCELAMENTO DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE COTAS. DIREITO SUBJETIVO CONFERIDO ÀS AGREMIAÇÕES. CONDIÇÕES DE PARCELAMENTO. PROPORCIONALIDADE. EMBARGOS PROVIDOS. 1. O art. 11, § 8º, IV, inserido na Lei das Eleições pela minirreforma eleitoral de 2017 (Lei nº 13.488/2017), conferiu aos partidos políticos o direito subjetivo de parcelar seus débitos e multas de natureza eleitoral e não eleitoral com esta Justiça especializada. 2. A novidade legislativa alcança as prestações de contas em fase de execução por se tratar de norma de natureza processual, situação que se equaciona pela incidência do princípio tempus regit actum, previsto no art. 14 do Novo Código de Processo Civil. 3. A Lei nº 13.488/2017, a despeito de conceder aos partidos políticos um direito ao parcelamento de valores devidos a título de multas ou débitos, reserva para os órgãos jurisdicionais uma margem de ação para a definição de seus termos. Nesse passo, a prerrogativa de parcelamento não significa, em absoluto, um direito automático às mais brandas condições, cabendo aos tribunais o encargo de defini-las com base em um juízo de proporcionalidade, tendo em mira a gravidade das circunstâncias que ensejaram a punição, a finalidade de prevenção geral afeta às normas do direito eleitoral sancionador e o escopo educacional da jurisdição. In casu, a) o Embargante teve suas contas referentes às Eleições 2012 rejeitadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido condenado à suspensão de uma cota do Fundo Partidário; b) considerando que o processo está em fase de execução, é necessário deferir o requerimento de parcelamento da sanção imposta, nos termos do art. 11, § 8º, IV, da Lei das Eleições. 4. Embargos de declaração providos para, suprida a omissão, deferir o parcelamento da sanção de suspensão do Fundo Partidário em 50 (cinquenta) meses.

(TSE, Prestação de Contas nº 130071, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 11.4.2018, Páginas 34-35)

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. PARCELAMENTO. MULTA ELEITORAL. SESSENTA VEZES. INDEFERIMENTO. PARCELAMENTO MENOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Nos termos do art. 10 da Lei nº 10.522/2002, "os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser divididos em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei". Assim, "estabelecido que a divisão se dá, 'a exclusivo critério da autoridade fazendária', não há obrigatoriedade de o parcelamento ser concedido no prazo máximo previsto". (AgR-REspe nº 82-09/SP, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 15.9.2014)

2. No tocante à correção monetária, a atual redação do art. 11, § 11, da Lei nº 9.504/97, dada pela Lei nº 12.034/2009, prevê que "a Justiça Eleitoral observará, no parcelamento a que se refere o § 8º deste artigo, as regras de parcelamento previstas na legislação tributária federal".

3. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento nº 93989, Acórdão, Relatora Min. Luciana Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 06.4.2016)

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO NOS PRÓPRIOS AUTOS. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PEDIDO DE PARCELAMENTO DA MULTA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA INCAPACIDADE DE PAGAMENTO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal a quo assentou que o agravante não demonstrou a impossibilidade de arcar com o débito, motivo pelo qual seria razoável a manutenção da multa fixada sem parcelamento. A modificação desse entendimento, para acatar a pretensão recursal, exigiria o revolvimento de fatos e provas, o que é inadmissível na via estreita do recurso especial (Súmulas nos 7/STJ e 279/STF).

2. Consoante sinalizou a d. PGE, "nos termos do art. 10, da Lei n° 10.522/2002, o parcelamento da multa eleitoral não é direito subjetivo do devedor, inserindo-se na esfera de discricionariedade da autoridade competente, que deve considerar a capacidade econômica daquele e todas as demais peculiaridades do caso concreto para a formação de sua convicção", o que se alinha ao entendimento consolidado nesta Corte (Precedente: AgR-REspe nº 360-19/CE, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe 12.8.2011).

3. Este Tribunal Superior, na Consulta n° 1000-75/DF, decidiu que as alterações e introduções advindas com a Lei n° 12.891/2013, entre elas o § 8° do art. 11 da Lei n° 9.504/97, não se aplicariam aos fatos anteriores à sua vigência.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento nº 23955, Acórdão, Relatora Min. Luciana Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 23.10.2015, Página 64.)

Não se duvida também que a possibilidade de parcelamento tem o intuito de assegurar o adimplemento dos débitos públicos com a manutenção e sobrevivência das pessoas jurídicas ou agremiações partidárias. Todavia, a legislação realizou uma primeira ponderação entre os interesses em jogo, cabendo à autoridade competente concretizar essa ponderação conforme as peculiaridades de cada caso.

Na hipótese, a fixação da parcela em 2% do repasse mensal do Fundo Partidário, tal como busca o recorrente, implicaria o parcelamento em aproximadamente 211 meses ou 17 anos, isso sem contar o acréscimo de juros e correção monetária, o que evidentemente não atende ao propósito punitivo da condenação nem ao interesse público de ver-se ressarcido dos valores indevidamente arrecadados pela agremiação.

Por outro lado, a parcela em valor aproximado de R$ 8.738,70 (equivalente ao parcelamento em 60 vezes) mostra-se adequada à dimensão e às condições financeiras do Partido dos Trabalhadores, agremiação estruturada, que, apenas no mês de março deste ano, recebeu o repasse de R$ 180.000,00 do Fundo Partidário, segundo informou nos autos (fl. 1179v.).

O recorrente alega ainda que no mês de outubro recebeu repasse de R$ 151.000,00 do Fundo Partidário, do qual 101.970,33 estão comprometidos com gastos ordinários, restando um saldo de R$ 49.285,11. Aduz que o valor da parcela autorizada nestes autos (R$ 8.738,70), somado ao montante da parcela fixada nos autos da PC n. 77-93 (R$ 13.521,50), comprometeria 47% daquele saldo.

Entretanto, os argumentos apenas corroboram a capacidade financeira da agremiação para suportar o valor das parcelas fixadas. As duas penalidades somadas podem ser pagas apenas com a parcela não utilizada do Fundo Partidário, sem a necessidade de comprometer o valor empregado na manutenção ordinária da agremiação.

Além do Fundo Partidário, o recorrente informa ter recebido no mês de outubro também o valor de R$ 50.338,17 proveniente de outras fontes, o que só confirma a capacidade econômica de suportar a penalidade pecuniária, sem comprometer o seu funcionamento.

Não se pode esquecer que o débito decorre de uma sanção, que deve ser suportada pela agremiação de acordo com a sua finalidade punitiva. O parcelamento, sem se olvidar dessa natureza sancionatória, deve preservar a existência do partido, que não está comprometida no caso em análise, como se extrai dos autos.

Diga-se ainda, que a natureza das infrações praticadas também não autorizam o abrandamento da penalidade além do deferido na decisão recorrida, pois envolvem arrecadação de fontes vedadas, origem não identificada e indevida aplicação de recursos do Fundo Partidário, como se vê no acórdão condenatório.

É irrelevante que parte das irregularidades – arrecadação de fonte vedada proveniente de ocupantes de cargos em comissão – tenha sido supervenientemente legalizada, pois a alteração legislativa não retroage aos exercícios anteriores, nem altera o desvalor da conduta do partido de ter arrecadado recursos ilícitos ao tempo das doações.

Dessa forma, deve ser mantida a decisão recorrida, que autorizou o parcelamento da dívida de R$ 524.322,01 em 60 parcelas.

ANTE O EXPOSTO, voto por negar provimento ao recurso interposto.