RE - 3887 - Sessão: 24/01/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso contra a sentença (fls. 164-167) que desaprovou as contas do PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Santo Ângelo relativas ao exercício financeiro do ano de 2016. A decisão reconheceu as seguintes irregularidades: o recebimento de transferências intrapartidárias sem identificação dos doadores originários, a existência de créditos em conta-corrente sem indicação do CPF do doador nos extratos bancários e a assunção de dívida de campanha sem a apresentação de acordo expressamente formalizado, determinando o recolhimento do montante de R$ 718,26 ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 5% sobre o valor irregular, e a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário até que o esclarecimento da origem dos recursos seja aceito pela Justiça Eleitoral.

Nas razões recursais (fls. 172-175), o diretório afirma que as falhas são ínfimas e não comprometem a lisura da prestação de contas. Sustenta que todas as receitas foram devidamente prestadas e analisadas, não havendo ato abusivo do poder econômico ou má-fé. Requer, ao final, a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, e o afastamento do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Foram os autos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso com o acréscimo do recolhimento de R$ 600,00 ao Tesouro Nacional, correspondente à doação oriunda de detentor do mandato eletivo (fls. 180-191v.).

É o relatório.

VOTO

1. Da tempestividade

Houve publicação da decisão no DEJERS em 29.8.2018, quarta-feira (fl. 168), e o recurso (fl. 171) foi interposto em 03.9.2018, segunda-feira.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos, merece conhecimento.

2. Do mérito

Inicialmente, a Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer escrito, opina pelo reconhecimento da ilicitude da doação de R$ 600,00 - advinda de detentor do Cargo de Vereador, considerando-o como fonte vedada de recursos, a teor do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, redação original, interpretado pela Resolução TSE n. 22.585/07 - e pelo consequente recolhimento dos valores correspondentes ao Tesouro Nacional.

Contudo, a sentença, alinhada com a jurisprudência desta Casa a partir do julgamento dos Recursos Eleitorais 13-93 e 14-78, ambos de relatoria do Des. Federal João Batista Pinto Silveira, sessão de 06.12.2017, entendeu pela possibilidade de detentores de mandato eletivo realizarem contribuições pecuniárias a partido político, eis que não ocupam cargo de livre nomeação conforme vinculações partidárias, mas exercem munus público de duração fixa, outorgado mediante eleição popular.

Nesse quadro, cumpre ressaltar que apenas o partido político recorreu da decisão de primeiro grau. Assim, sua situação não pode ser agravada com o reconhecimento ulterior da irregularidade pelo julgador ad quem.

Anoto que o caso em apreço não trata de omissão acerca de matéria de ordem pública ou de má utilização de recursos públicos, mas, sim, de posicionamento divergente externado na opinião do Custos Iuris quanto ao não enquadramento do Cargo de Vereador na proibição de doações de “autoridades”, art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

Dessa forma, a ausência de irresignação pelo Ministério Público Eleitoral torna preclusa a matéria, pois a interposição de apelo exclusivamente pelo prestador de contas, com a pertinente delimitação horizontal da matéria devolvida a exame, tem a única finalidade de melhorar a situação da parte recorrente, com a aprovação das contas.

Este Tribunal, após debates em questão bastante análoga, firmou posição majoritária no sentido de que é incabível o agravamento da situação do recorrente pelo Tribunal, pela aplicação de sancionamento não inscrito na sentença, quando apenas a parte interessada interpôs apelo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINARES. NULIDADE DA SENTENÇA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL. INVIÁVEL A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO, DE OFÍCIO, AO TESOURO NACIONAL. AUSÊNCIA DE MANEJO RECURSAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. MANIFESTAÇÃO SOBRE O PARECER CONCLUSIVO, NOS TERMOS DO ART. 66 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. DEPÓSITO EM ESPÉCIE DIRETAMENTE NA CONTA DE CAMPANHA EM VALOR ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DIVERGÊNCIA ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA REGISTRADA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS E A VERIFICADA NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. FALHAS QUE COMPROMETEM A TRANSPARÊNCIA DA CONTABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Preliminares afastadas. 1.1. Ofensa aos arts. 18, inc. I, § 3º e 26, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15. Inviável, nesta instância, determinar de ofício o recolhimento de valor ao Tesouro Nacional. A ausência de recurso ministerial conduz ao reconhecimento da preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da situação jurídica do recorrente. Obediência ao princípio da vedação da reformatio in pejus. 1.2. A obrigatoriedade de abertura de prazo para manifestação sobre o parecer conclusivo, nos termos do art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, é necessária apenas quando o órgão técnico indicar a existência de falhas sobre as quais não tenha sido oportunizado o contraditório ao candidato. In casu, o parecer conclusivo apenas ratificou os apontamentos já realizados, confrontando-os com os argumentos apresentados pela prestadora. Inexistência de prejuízo. Não caracterizado cerceamento de defesa.

2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, nos termos do disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Realizados depósitos diretamente na conta de campanha e acima do limite regulamentar, em desobediência à norma de regência. Caracterizada a inexistência de identificação da origem dos recursos. Valor substancial, representando 77,80% da totalidade da movimentação financeira. Impossibilidade de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

3. Divergência entre o registro da movimentação financeira na prestação de contas e a verificada nos extratos bancários. Falha que compromete a transparência que deve revestir a contabilidade.

4. Provimento negado. (TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 188-92, Acórdão de 10.04.2018, Relator: Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy) (Grifei.)

No mesmo sentido, colaciono precedentes do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/1997. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. CASSAÇÃO DE DIPLOMA E MULTA. EFEITO DEVOLUTIVO E TRANSLATIVO DO RECURSO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo provido para melhor análise do recurso especial eleitoral.

2. O juiz eleitoral julgou procedente o pedido formulado na representação por violação ao art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, mas aplicou apenas a sanção de multa. Recurso dos autores da representação (os réus, candidatos eleitos, não

recorreram da sentença condenatória). A conclusão Regional encontra-se em harmonia com o entendimento do TSE, pois o efeito devolutivo do recurso (tantum devolutum quantum appellatum) autoriza que o Tribunal analise as matérias que foram efetivamente impugnadas pelo recurso, razão pela qual não era possível ao Tribunal a quo apreciar a presença ou não dos requisitos configuradores do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, mas apenas a questão envolvendo a cumulatividade ou não das sanções (multa e/ou cassação de diploma), única matéria devolvida no recurso interposto pelos autores da representação.

3. A questão não envolve o efeito translativo do recurso, porque este encontra limites no próprio recurso eleitoral interposto, não alcançando a matéria de fundo não impugnada - qualificação dos fatos como captação ilícita de sufrágio-, pois, segundo jurisprudência do STJ, "o efeito translativo da apelação, insculpido no artigo 515, § 1º, do CPC, aplicável geralmente às questões de ordem pública, não autoriza o conhecimento pelo julgador de matérias que deveriam ter sido suscitadas pelas partes no momento processual oportuno por força do princípio dispositivo do qual decorre o efeito devolutivo da apelação que limita a atuação do Tribunal às matérias efetivamente impugnadas" (REsp nº 1.484.162/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24.2.2015).

4. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento n. 32118, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 22.3.2017, Páginas 100-101)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM. DESPROVIMENTO.

1. A atividade cognitiva do tribunal ad quem está adstrita aos limites impostos pelo objeto recursal, sob pena de violação ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum.

2. Não havendo recurso do autor da representação, a discussão atinente às propagandas veiculadas nos outdoors referidos na petição inicial, e não consideradas pela sentença, restou preclusa, sendo acobertado pela coisa julgada o capítulo decisório não impugnado.

3. Agravo regimental desprovido. (Recurso Especial Eleitoral n. 9565, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 05.02.2014)

Assim, diante da ausência de recurso do Ministério Público Eleitoral em relação à ilicitude da doação em questão, deve ser considerada preclusa a discussão sobre o tal capítulo específico da sentença, sob pena de proibida reformatio in pejus, tornando inviável o agravamento das determinações sentenciais na forma opinada pela PRE.

De toda sorte, por reverência ao debate, anoto que, recentemente, o tema foi levado ao TSE em recurso especial interposto pela Procuradoria Regional Eleitoral contra o acórdão desta Corte proferido nos autos do RE n. 13-93. Nesse julgamento, a Corte Superior negou seguimento ao recurso sob o fundamento de que a norma inscrita no § 1º, inc. IV, do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15 “não incluiu os detentores de mandato eletivo na vedação legal à doação para as agremiações partidárias” (RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 1393, Decisão monocrática de 30.8.2018, Relator: Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 03.9.2018 - Página 35-42).

Portanto, também para o TSE “Os detentores de mandato eletivo não são considerados autoridades, para os fins do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Dessa forma, as doações por eles realizadas aos partidos políticos não são oriundas de fonte vedada” (RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 4246, Decisão monocrática de 17.10.2018, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 24.10.2018 - Páginas 14-15).

Passando ao exame do recurso da agremiação, as contas foram desaprovadas em decorrência de um conjunto de apontamentos: a) recebimento de transferências do diretório nacional sem identificação dos doadores originários; b) créditos bancários sem identificação do CPF dos doadores; c) omissão de informações sobre a conta bancária de campanha e falta de apresentação dos extratos correspondentes; e d) ausência de acordo expressamente formalizado para a assunção de dívidas de campanha.

No tocante à primeira irregularidade, o relatório conclusivo indicou a existência de créditos na conta bancária n. 06.861504.0-3 identificados com o CNPJ do Diretório Nacional do partido. No entanto, os doadores originários dos valores transferidos não foram identificados no Demonstrativo de Transferências Intrapartidárias Recebidas e nos Recibos Eleitorais, infringindo o art. 11, inc. III, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 11. Os órgãos partidários de qualquer esfera devem emitir, no prazo máximo de três dias contados do crédito na conta bancária, recibo de doação para:

[…].

III – as transferências financeiras ou estimáveis em dinheiro realizadas entre níveis de direção partidária do mesmo partido político, com a identificação do doador originário;

O prestador de contas não trouxe aos autos documentação mínima declaratória da fonte originária dos recursos, contas retificadoras ou mera planilha com o rol de doadores.

Nesse passo, com acerto, a sentença entendeu pela não identificação da origem dos valores creditados exclusivamente com o registro do CNPJ do órgão nacional, no montante de R$ 658,26 (R$ 231,37 em 27.9.2016, R$ 205,33 em 13.10.2016 e R$ 221,56 em 14.12.2016), uma vez que embaraçada a análise da real origem dos recursos.

Trago julgado deste Tribunal com o mesmo entendimento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO HUMANISTA DA SOLIDARIEDADE (PHS). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. RECEBIMENTO DE RECURSOS SEM IDENTIFICAÇÃO DOS DOADORES ORIGINÁRIOS. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA PERMITINDO A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL E SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO.

1. Ingresso de recursos na conta bancária da agremiação sem a identificação do doador originário, contrariando a Resolução TSE n. 23.432/14, aplicável à espécie por força do art. 65, § 3º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17, a qual exige, em seu art. 7º, que todos os créditos bancários contenham a informação do CPF/CNPJ do contribuinte ou doador, de forma a permitir o reconhecimento da origem das receitas. Omissão que compromete a análise da prestação e não permite identificar o recebimento de eventuais recursos de origem vedada.

2. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos que considerava como recursos de fontes vedadas as contribuições advindas de detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração pública direta ou indireta investidos em função de direção ou chefia, ainda que filiados à grei partidária.

4. Constatadas falhas de natureza grave, atingindo 52,92% do total arrecadado pelo partido, impõe-se a desaprovação das contas e a necessidade de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores indevidamente recebidos, a teor do disposto no art. 14, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

5. Incidência do art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95. Suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário por cinco meses, em atenção aos parâmetros fixados no art. 37, § 3º, da Lei dos Partidos Políticos.

6. Desaprovação. (Prestação de Contas n 6375, ACÓRDÃO de 08.5.2018, Relator(a) JORGE LUÍS DALL'AGNOL, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 80, Data 11.5.2018, Página 2 ) (Grifei.)

A segunda irregularidade refere-se ao reconhecimento de créditos bancários sem identificação do CPF dos doadores, em afronta ao disposto nos arts. 7º e 8º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que dispõem:

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

[…]

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

Com efeito, verifica-se um total de R$ 60,00 em créditos sem identificação do CPF/CNPJ do doador nos extratos bancários ou nos demonstrativos contábeis representados por um conjunto de depósitos unitários no valor de R$ 10,00, realizados nos dias 01.02.2016, 29.02.2016, 29.4.2016, 30.5.2016, 29.6.2016 e 29.8.2016.

O argumento principal do recorrente de que o valor é ínfimo não é capaz de sanear a caracterização como recursos de origem não identificada em vista da infringência aos ditames normativos. Na mesma linha, colaciono recente julgado deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. EXISTÊNCIA DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHAS DE REDUZIDA REPRESENTATIVIDADE FRENTE À MOVIMENTAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Entendimento deste Tribunal no sentido de que a nova redação dada ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, pela Lei n. 13.488/17, denominada Reforma Eleitoral, não se aplica às doações realizadas antes da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

2. Não é permitido aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta quando detenham a condição de autoridades. Recursos procedentes de ocupantes de cargos de chefia e direção, todos considerados fontes vedadas, enquadrados na proibição do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

3. As receitas obtidas por meio de depósito com a indicação do CNPJ do próprio partido devem ser consideradas como de origem não identificada, uma vez descumprido o preceito do art. 7º da Resolução TSE n. 23.464/15.

4. As falhas apuradas totalizam 3,41% do total de recursos arrecadados pela agremiação. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Determinado o recolhimento do valor recebido de forma irregular ao Tesouro Nacional.

5. Aprovação com ressalvas. (TRE-RS – PC 24-44.2017.6.21.0000, relator Des. Eleitoral João Batista Pinto Silveira, julgado em 23.10.2018, unânime) (Grifei.)

Em continuidade, verifica-se que o prestador de contas silenciou sobre a existência da conta bancária n. 6.121150.0-5, agência 370, Banrisul, a qual não constou no relatório de contas bancárias (fls. 07 e 89) e cujos extratos não foram apresentados.

Realizados os procedimentos técnicos, o examinador contábil juntou os extratos eletrônicos da conta (fl. 136), revelando o trânsito de R$ 13.520,00 em créditos e R$ 4.850,00 em débitos na aludida conta-corrente.

Em suas razões, a agremiação alega que a informação sobre a conta-corrente chegou aos autos, permitindo a sua fiscalização pela Justiça Eleitoral e entende que a falha é meramente formal, pois os escopos da prestação de contas foram atingidos.

Ocorre que as informações sonegadas são expressamente exigidas pela norma regulamentar como fundamentais à deflagração do processo de prestação de contas, a teor do art. 29, incs. III e V, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 29. O processo de prestação de contas partidárias tem caráter jurisdicional e se inicia com a apresentação, ao órgão da Justiça Eleitoral competente, das seguintes peças elaboradas pelo Sistema de Prestação de Contas Anual da Justiça Eleitoral:

[…].

III – relação das contas bancárias abertas;

[…].

V – extratos bancários, fornecidos pela instituição financeira, relativos ao período ao qual se refiram as contas prestadas, demonstrando a movimentação financeira ou a sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o exercício ao qual se referem as contas, vedada a apresentação de extratos provisórios ou sem validade legal, adulterados, parciais, ou que omitam qualquer movimentação financeira;

A ausência de tais documentos representa falha grave, obstativa da incidência regular dos procedimentos e princípios de controle, consoante iterativa jurisprudência desta Casa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. FALTA DE APRESENTAÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ART. 29, § 1º, INC. V, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.432/14. DIVERGÊNCIAS ENTRE INFORMAÇÕES DOS DEMONSTRATIVOS CONTÁBEIS. SUSPENSÃO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESPROVIMENTO.

À luz do artigo 29, § 1º, inc. V, da Resolução TSE n. 23.432/14, a prestação de contas deve ser apresentada com os extratos bancários completos e referentes a todo o exercício financeiro. Documentos aptos a comprovar a veracidade das informações prestadas pelo partido. A falta dos extratos constitui falha grave que malfere a transparência que deve permear o exame contábil, impondo-se a desaprovação da prestação de contas.

Aplicação da redação do art. 37 da Lei n. 9.096/95, vigente ao tempo do exercício financeiro de 2015, que previa suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário no período de um a doze meses, de acordo com os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo adequado o prazo de quatro meses aplicado pelo juízo sentenciante.

Manutenção da sentença. Provimento negado. (TRE-RS – PC 64-61.2016.6.21.0032, relator Des. Eleitoral Rafael da Cás Maffini, julgado em 26.02.2018, unânime) (Grifei.)

Diferentemente do defendido pelo recorrente, a realização de procedimento administrativo de fiscalização pelo órgão técnico de análise após a apresentação das contas, apto a identificar e suprir a omissão do órgão partidário, não enseja a descaracterização da infringência regulamentar nem supera a omissão da parte.

De fato, ainda que não tenha impedido o exame da movimentação contábil, a desídia partidária sobre os documentos essenciais amplia o ônus persecutório atribuído ao órgão técnico na aferição das contas e vulnera o princípio da transparência, que deve nortear o expediente em todas as suas fases, esvaziando, ainda, a dicção normativa que exige a oferta inicial de informações e documentos pelo próprio partido prestador.

Desse modo, irretocável a conclusão do magistrado a quo no ponto em que tomou a falha como causa para a desaprovação das contas.

Em relação à derradeira irregularidade, consta no Demonstrativo de Dívidas de Campanha (fl. 31) que a agremiação assumiu os débitos não quitados, referentes às despesas com as eleições de 2016, dos candidatos Salete Aparecida Costas Domingos Sanches, Rudi Carmo de Castro, Flávio Cortes da Silva e Paulo Joel Bender Leal, no somatório de R$ 4.311,00.

Entretanto, não foi apresentado o acordo formalizado contendo a anuência expressa do credor, na forma estipulada pelos arts. 23 e 24 da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 23. Órgãos partidários de qualquer esfera podem assumir obrigação de outro órgão, mediante acordo, expressamente formalizado, que deve conter a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor.

§ 1º Não podem ser utilizados recursos do Fundo Partidário para quitação, ainda que parcial, da obrigação se o órgão partidário originalmente responsável estiver impedido de receber recursos daquele Fundo.

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo não impede que os órgãos partidários de qualquer esfera assumam obrigação de outro órgão mediante a utilização de outros recursos.

§ 3º A cópia do documento que deu origem à obrigação assumida deve ser anexada ao acordo.

§ 4º O acordo de que trata o caput deste artigo deve ser firmado pelos representantes dos respectivos órgãos partidários e pelo credor.

§ 5º Os órgãos partidários de que trata o caput deste artigo devem registrar em suas escriturações os efeitos contábeis resultantes da referida operação.

§ 6º Celebrado o acordo para a assunção da dívida, o órgão devedor originário fica desobrigado de qualquer responsabilidade e deve proceder à liquidação do respectivo registro contábil em seu passivo.

Art. 24. Os débitos de campanha não quitados, assumidos pelo partido político por decisão do seu órgão nacional de direção partidária, devem observar os critérios estabelecidos no art. 23 desta resolução.

Parágrafo único. A arrecadação financeira de recursos para pagamento de débitos de campanha eleitoral deve:

I – transitar na conta bancária de que trata o inciso II do art. 6º desta resolução;

II – obrigatoriamente ter sua origem identificada; e

III – sempre estar sujeita aos limites e vedações estabelecidos nesta resolução e nas Leis nº 9.096, de 1995, e nº 9.504, de 1997.

Ademais, além da concordância firmada do credor, cabe destacar que o art. 24, caput, acima transcrito, reclama igualmente que a assunção de dívida tenha a aprovação do órgão nacional de direção partidária, o que, igualmente, não se comprova nos autos.

Sobre a sistemática de assunção de dívidas eleitorais nos pleitos municipais, é clara a doutrina de Elmana Viana Lucena Esmeraldo:

Nesse caso, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral (Diretório ou Comissão Provisória Municipal nas Eleições Municipais) passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o candidato, hipótese em que a existência do débito não poderá ser considerada como causa para a rejeição das contas (Lei nº 9.504/97, art. 29, §4º).

Observe que, em eleições municipais, quem assume a responsabilidade pelo débito é o órgão de direção municipal, mas quem decide sobre a assunção do débito é o diretório nacional partido. (Manual de contas eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 95.) (Grifei.)

Dessa forma, na esteira da jurisprudência, a dívida de campanha assumida ao arrepio das formalidades regulamentares acarreta a rejeição das contas:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. ÓRGÃO DE DIREÇÃO REGIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO. ASSUNÇÃO DE DÍVIDAS DE CAMPANHA. PLEITO 2014. CANDIDATOS. APROVAÇÃO DAS CONTAS. DESCUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. FALTA DE QUITAÇÃO DAS DÍVIDAS NO EXERCÍCIO FINANCEIRO SEGUINTE. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO, COM PERDA, DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. A dívida de campanha de candidatos assumida pelo partido e não paga dentro do cronograma apresentado viola a alínea a do § 2º do art. 30 da Resolução TSE nº 23.406/2014 e, assim, consiste em irregularidade grave como dispõe o § 3º do art. 36 da Resolução TSE nº 23.432/2014, o que compromete a integralidade das contas, conduzindo à desaprovação. Contas desaprovadas com fundamento nos arts. 45, inciso IV, alínea a, e 48, § 2º, ambos da Resolução TSE nº 23.432/2014, com determinando de suspensão, com perda, de recebimento de recursos do Fundo Partidário, pelo prazo de três meses. Transitado em julgado, intime-se o órgão nacional do partido, para os fins do art. 62, inciso I, alínea a, da Resolução TSE nº 23.432/2014.

(TRE-MS - PC: 4773 CAMPO GRANDE - MS, Relator: TELMA VALÉRIA DA SILVA CURIEL MARCON, Data de Julgamento: 18.9.2018, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 2017, Data 20.9.2018, Página 03) (Grifei.)

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2014. EXTRATOS BANCÁRIOS, DEMONSTRAÇÃO DE FLUXO DE CAIXA, DÍVIDA DE CAMPANHA, ACORDOS DE ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÕES E CONTROLE DE DESPESAS COM PESSOAL. AUSÊNCIAS. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. CONTAS. DESAPROVAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1 - A desaprovação das contas impõe a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, de forma proporcional e razoável. Inteligência do § 3º do art. 37, da Lei nº 9.096/95, acrescentado pela Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009. 2- In casu, a mencionada agremiação partidária deixou de apresentar extratos bancários a comprovar movimentação da conta bancária, e ainda não constam dos autos demonstração de fluxo de caixa, de dívida de campanha, de acordos de assunção de obrigações e controle de despesas com pessoal, constituindo falhas graves a comprometer a regularidade e transparência das contas em apreço, sendo, portanto proporcional e razoável, a aplicação da mencionada suspensão pelo período de 12 (doze) meses. 3 - Sentença mantida. 4 - Recurso desprovido.

(TRE-CE - RE: 270 CARIRÉ - CE, Relator: ROBERTO VIANA DINIZ DE FREITAS, Data de Julgamento: 23.5.2016, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 97, Data 27.5.2016, Páginas 14-15) (Grifei.)

No que concerne à invocação dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, o conjunto das falhas não pode ser considerado irrelevante.

Deveras, muito embora o somatório dos recursos de origem não identificada perfaça a modesta quantia de R$ 718,26 (R$ 658,26 + R$ 60,00), não se pode ignorar a existência de graves irregularidades, na própria formalização dos registros contábeis, relacionadas à apresentação das contas bancárias e à assunção de dívidas, capazes de comprometer a confiabilidade e transparência das informações prestadas, bem como a aplicação dos procedimentos técnicos de fiscalização.

Nessa toada, deve ser mantido o juízo de desaprovação das contas e, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, a determinação do recolhimento de valor de R$ 718,26, proveniente de fontes não identificadas, ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 5% sobre esse valor, prevista no art. 37, caput, da Lei n. 9.096/95.

Por outro lado, merece reparo a decisão no tocante à sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixada nos termos do inc. I do art. 36 da Lei n. 9.096/95, até que o esclarecimento sobre a origem dos recursos seja aceito.

Da análise sistemática da regulamentação, verifica-se que a suspensão de quotas até que a origem dos recursos seja informada somente tem sentido durante a tramitação do feito e não após a prolação da decisão que julga as contas, pois nela deve ser determinado que os recursos de origem não identificada retornem integralmente aos cofres públicos.

Interpretação diversa poderia redundar na imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico brasileiro, sendo certo que após a prolação da sentença sequer teria lugar o exame de eventuais novos esclarecimentos.

Logo, a interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito concluindo pela existência de recursos de origem não identificada.

A ilustrar referido posicionamento, elenco o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Recebimento de depósitos em espécie não identificados com o CPF do doador e outros dois depósitos com identificação do próprio partido como doador originário, sem emissão de recibo para quaisquer dessas operações, caracterizando o ingresso de receita de origem não identificada. Os esclarecimentos prestados pelo partido não conferem segurança e confiabilidade para se considerar a falha como sanada.

Manutenção da determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 10%. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos à Justiça Eleitoral. A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito.

Parcial provimento.

(TRE-RS – PC 23-57.2017.6.21.0033, relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 20.11.2018, unânime) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar o sancionamento de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, mantendo íntegros os demais termos da sentença, pelos próprios fundamentos.