RE - 1513 - Sessão: 28/01/2019 às 17:00

RELATÓRIO

O DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO PROGRESSISTA de Unistalda recorre contra a sentença (fls. 77-78) que concluiu pela desaprovação de suas contas relativas ao exercício financeiro de 2017, diante do recebimento de recursos oriundos de fonte vedada, no total de R$ 4.005,00, determinando o seu recolhimento ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 20%, e a suspensão dos recursos do Fundo Partidário pelo período de 06 meses.

Nas razões de apelo (fls. 86-89), a agremiação alega que a Lei n. 13.488/17 conferiu nova redação ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, permitindo a doação de filiados detentores de cargos em comissão aos partidos políticos. Afirma que deve ser aplicado o princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Requer, ao final, a aprovação das contas ou, subsidiariamente, sua aprovação com ressalvas.

Com vista dos autos, o Ministério Público Eleitoral em primeiro grau manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fl. 91-91v.). Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou no mesmo sentido (fls. 94-100v.).

VOTO

O recurso é tempestivo. Houve intimação da decisão em 05.10.2018 (fl. 79), e o recurso (fl.86) foi interposto na data de 08.10.2018.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

No mérito, as contas foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos oriundos de Mauro de Souza Pires e de Maria Ruth Melo de Oliveira, quando detentores dos cargos de “Supervisor – CC2” e de “Secretária Municipal – CC5”, respectivamente, ambos na Prefeitura de Unistalda, conforme relacionado no exame de prestação de contas (fl. 56).

Relativamente ao enquadramento das fontes vedadas, o art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

De acordo com o teor do texto normativo, nota-se que os cargos referenciados se inserem na vedação, porquanto consubstanciam funções de direção e de chefia.

Tendo por base o princípio da retroatividade in bonam partem, o recorrente pugna pela aplicação da Lei n. 13.488/17 ao caso concreto, no ponto em que, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, possibilitou as doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração direta ou indireta.

Contudo, mediante juízo de ponderação de valores, este Tribunal já se posicionou pela irretroatividade das novas disposições, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido, a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Deve, então, ser aplicado à solução do caso concreto o texto legal vigente ao tempo dos fatos em análise.

Ocorre que a Lei n. 13.488/17 entrou em vigor no dia 06.10.2017, revogando a proscrição absoluta de doações advindas de autoridades públicas ao incluir o inc. V no art. 31 da Lei n. 9.096/95, com a seguinte redação:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei n. 13.488, de 2017)

Dessarte, em relação ao exercício financeiro em testilha, há um duplo tratamento jurídico das doações de pessoas físicas exercentes de cargos de chefia e direção na Administração Pública direta e indireta por decorrência da mudança legislativa:

a) se realizadas as doações antes de 06.10.2017, deve ser observada a redação original do art. 31 da Lei dos Partidos Políticos, bem como as prescrições do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedavam as contribuições, ainda que provenientes de filiados a partidos políticos;

b) se realizadas a partir de 06.10.2017, cumpre aplicar o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 em sua nova redação, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos.

Nessa linha, em consulta aos extratos eletrônicos disponíveis no sistema “Portal SPCA” do TSE, extrai-se a seguinte cronologia de depósitos realizados pelos contribuintes em questão:

Data da Entrada     Valor da Doação (R$)            Doador

05-01-2017                                800                            MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

02-02-2017                               300                            MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

23-02-2017                                  20                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

02-03-2017                                  50                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

04-04-2017                               400                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

06-04-2017                                  50                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

03-05-2017                                500                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

15-05-2017                                 100                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

15-05-2017                                 105                           MAURO DE SOUZA PIRES

19-05-2017                                 100                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

01-06-2017                                 170                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

04-07-2017                                 210                          MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

08-08-2017                               450                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

10-10-2017                                 450                           MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

18-10-2017                                 300                          MARIA RUTH MELO DE OLIVEIRA

Logo, são lícitas e regulares as doações realizadas por Maria Ruth Melo de Oliveira, nos dias 10 e 18 de outubro de 2017, porquanto efetuadas sob a égide das alterações trazidas pela Lei n. 13.488/17, por contribuinte regularmente filiada à agremiação política (fl. 65).

Por outro lado, com supedâneo no princípio do tempus regit actum, as demais contribuições em análise devem ser consideradas como oriundas de fontes vedadas, uma vez que infringiram o disposto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e no art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, ambos vigentes ao tempo em que perfectibilizadas as doações.

Desse modo, a irregularidade verificada consolida-se no valor de R$ 3.255,00, que representa, aproximadamente, 45,9% dos recursos arrecadados no exercício (R$ 7.080,00), não sendo aplicáveis os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade em vista da relevância das cifras absolutas e percentuais no conjunto das contas.

Tendo em conta que os valores indevidamente recebidos não foram estornados aos doadores até o último dia do mês subsequente à efetivação do crédito, na forma propugnada pelo art. 11, § 5º, da Resolução TSE n. 23.464/15, o órgão partidário deve recolher a quantia equivalente ao Tesouro Nacional, consoante se depreende do art. 14, § 1º, do mesmo diploma normativo:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

No tocante à sanção contida no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, que prevê a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário no caso de recebimento de recursos de fonte vedada, pondero que, em observância à gravidade e ao quantum da irregularidade, em dosagem que não inviabilize a manutenção das atividades do partido, cabe a redução do patamar fixado para o período de 04 (quatro) meses.

Em desfecho, igualmente ponderando a proporcionalidade, entendo que a multa a ser aplicada deve sofrer redução para o índice de 5% (cinco por cento). Note-se que o máximo de multa previsto é da ordem de 20% (vinte por cento), de modo que as quantias envolvidas e o quinhão quantitativo das irregularidades, considerada a receita da grei no exercício de 2016, indicam a pertinência da redução da sanção pecuniária.

Nessa linha, destaco o seguinte precedente de minha relatoria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTES VEDADAS. IRRETROATIVIDADE DA LEI N. 13.488/17. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. REDUÇÃO DO PERÍODO DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DA MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Entendimento deste Tribunal no sentido da irretroatividade das novas disposições legais introduzidas pela Lei n. 13.488/17, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador, em atenção aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da Administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, em sua redação original, regulamentada pelo art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15, aplicável ao exercício financeiro em exame.

3. Falha que representa 49,32% da totalidade de recursos arrecadados no período, comprometendo a transparência e lisura da contabilidade. Recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, conforme previsão legal contida no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e esteio regulamentar no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15. Considerada a quantia envolvida e o percentual da irregularidade, a multa aplicada deve ser reduzida para 5% do valor impugnado.

4. Sanção disposta no art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15. Redução do período de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para quatro meses, em atenção aos primados da proporcionalidade e da razoabilidade.

5. Provimento parcial.

(TRE-RS; RE 33-41.2017.6.21.0053; Relator Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, sessão de 22.11.2018.) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, mantendo a desaprovação das contas em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, mas reduzindo o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 3.255,00, o percentual de multa para o patamar de 5% do montante identificado como irregular, bem como o prazo de suspensão do percebimento de quotas do Fundo Partidário para 4 meses.