AP - 7096 - Sessão: 22/03/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de autos suplementares do recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra o acórdão que recebeu parcialmente a denúncia oferecida na ação penal originária AP n. 34-25 (INQ n. 131754) contra GILMAR SOSSELLA, por prática dos delitos tipificados no art. 312, caput, segunda figura (peculato-desvio), e art. 316 do Código Penal (concussão); art. 346, c/c art. 377, e art. 350 do Código Eleitoral (uso de serviço ou prédio público com finalidade eleitoral); art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97 (propaganda de boca de urna) e art. 1º da Lei n. 9.613/98 (lavagem de dinheiro); e contra ARTUR ALEXANDRE SOUTO, por cometimento do crime previsto no art. 316 do Código Penal (concussão).

O inquérito policial INQ n. 131754 e a ação penal AP n. 3425 tramitaram perante este Tribunal Regional Eleitoral em razão da prerrogativa de foro do cargo de Deputado Estadual ocupado pelo denunciado GILMAR SOSSELLA por ocasião do ajuizamento.

A denúncia foi parcialmente recebida, rejeitando-se a imputação de prática dos crimes descritos no art. 346, c/c o art. 377, do Código Eleitoral e art. 1º da Lei n. 9.613/98 dirigida a GILMAR SOSSELLA, e declinando-se da competência quanto ao crime previsto no art. 312 do Código Penal ao Tribunal de Justiça do Estado.

Contra o acórdão de recebimento parcial da denúncia o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpôs recurso especial eleitoral, autuado no presente Tribunal em feito suplementar como AP n. 70-96, o qual foi parcialmente provido pelo TSE, fixando-se a competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar o delito de peculato conexo a crime eleitoral (RESPE n. 3425, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27.9.2018).

A ação penal originária AP n. 34-25 prosseguiu tramitação neste Tribunal quanto ao mérito das demais imputações, sobrevindo acórdão de condenação de GILMAR SOSSELLA pela prática dos delitos dos arts. 316 do Código Penal e 39, § 5º, da Lei n. 9.504/97, e absolvição relativa ao crime do art. 350 do Código Eleitoral, e de condenação de ARTUR ALEXANDRE SOUTO pela prática do delito do art. 316 do Código Penal.

Interpostos recursos especiais contra o acórdão condenatório pela acusação e pela defesa, os apelos foram autuados de forma suplementar perante o TSE como RESPE n. 1011, e neste Tribunal como AP n. 72-66.

Em 4.12.2018, a Corte Superior Eleitoral negou provimento à irresignação dos acusados e deu parcial provimento ao recurso especial interposto pelo Parquet para determinar a execução provisória das penas restritivas de direitos fixadas por este Tribunal.

Ao dar parcial provimento ao recurso especial eleitoral interposto contra o acórdão de recebimento parcial da denúncia, o Tribunal Superior Eleitoral determinou que este Regional exerça o juízo de admissibilidade relativamente ao crime tipificado no art. 312, caput, segunda figura, do Código Penal (peculato-desvio).

Recebidos os autos, o feito foi remetido com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo declínio da competência para a primeira instância eleitoral desta Capital devido ao encerramento do mandato de deputado estadual do denunciado GILMAR SOSSELLA (fls. 3734-3735).

A seguir, parte dos advogados de defesa de GILMAR SOSSELLA comunicaram a renúncia ao mandato outorgado nos autos (fls. 3737-3738).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, acolho o pedido de renúncia de mandato promovido pelos advogados Joel José Cândido, Caroline Maccari Ferreira e Cátilo B. Cândido, na forma do art. 112, § 2°, do CPC, consignando que, em relação à renúncia apresentada nos processos em tramitação perante o TSE, devem os procuradores diligenciar para o processamento do pedido.

A promoção ministerial pela declinação da competência merece acolhida.

O Tribunal Superior Eleitoral reformou em parte o acórdão do TRE-RS para o fim de declarar a competência da Justiça Eleitoral para julgar o crime previsto no art. 312 do Código Penal e determinar a realização do respectivo juízo de admissibilidade da denúncia.

Colaciono a ementa:

DIREITO PENAL ELEITORAL. AÇÃO PENAL. ELEIÇÕES 2014. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DENÚNCIA PARCIALMENTE REJEITADA. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.1. Recurso especial interposto pelo MPE em face de acórdão do TRE/RS que: (i) rejeitou parcialmente a denúncia contra Gilmar Sossella, à época Presidente da Assembleia Legislativa, e Artur Alexandre Souto, pelas imputações dos crimes de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/1998) e uso indevido da estrutura administrativa para fins eleitorais (art. 346 c/c art. 377 do CE) e (ii) declinou de competência quanto ao delito de peculato.2. Em tese, a prestação de contas eleitoral pode ser utilizada como mecanismo para se disfarçar dinheiro ilícito e constituir indício de lavagem de capitais. No específico contexto fático do caso, porém, a indicação em prestação de contas de campanha dos valores das doações eleitorais supostamente oriundas de concussão constitui mero exaurimento do delito. O crime de concussão, apontado como antecedente, teria por objeto justamente a obtenção de doações eleitorais. Dessa forma, não se vislumbra tentativa de dissimulação da origem dos recursos que justifique a incidência do tipo de lavagem de dinheiro. 3. A utilização de celular funcional para envio de mensagens por SMS com conteúdo eleitoral, embora irregular, não se enquadra no tipo penal de uso indevido de estrutura administrativa, previsto nos arts. 346 e 377 do Código Eleitoral.4. A suposta prática de crime de peculato tem conexão objetiva e probatória com a imputação de crime de propaganda eleitoral no dia da eleição. Essa conclusão não é afastada pela circunstância de o crime eleitoral já ter sido julgado pelo Tribunal de origem.5. Recurso parcialmente provido para firmar a competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar a ação penal pelo suposto crime de peculato.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 3425, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 27.9.2018.)

Ocorre que a ação penal originária foi processada e julgada por este Tribunal porque, ao tempo do ajuizamento, Gilmar Sossela era detentor do mandato de Deputado Estadual, circunstância que atraía a prerrogativa de foro ratione muneris estabelecida no art. 95, inc. XI, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.

Considerando que a tramitação da ação penal no foro especial ou privilegiado só é cabível em virtude da necessidade de proteção ao exercício da função pública, a partir do momento em que a autoridade beneficiária dessa faculdade deixa de ocupar o cargo cessa imediatamente a prerrogativa, modificando-se a competência originária.

Assim, a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral está em conformidade com a jurisprudência do STF segundo a qual a perda de mandato eletivo faz cessar a competência penal originária nos casos de autoridade com prerrogativa de foro por função:

Agravo regimental em reclamação. 2. Direito Processual Penal e Constitucional. 3. Extensão da prerrogativa de foro de ex-agentes públicos. 4. Cancelamento da Súmula 394 desta Corte. Declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84, do Código de Processo Penal com a redação dada pela Lei 10.682/2002 (ADI 2.797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 19.12.2006). 5. Superado o entendimento pretérito sobre a subsistência da prerrogativa de foro dos ex-agentes públicos. 6. Ofensa ao princípio do juiz natural não configurada. 7. Agravo regimental a que se nega seguimento. (Rcl 3.302-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno,DJe 19.5.2014).

Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal, c/c art. 356 do Código Eleitoral, a competência processual penal é definida pelo lugar em que se consuma o crime eleitoral, in casu, Porto Alegre (TSE, RHC 00004521720166190000, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 09.6.2017).

Assim, o feito deve ser remetido à Zona Eleitoral Distribuidora desta capital para posterior envio ao juízo eleitoral competente, de modo a cumprir-se a determinação do Tribunal Superior Eleitoral e, consequentemente, processar a ação penal.

ANTE O EXPOSTO, acolho a promoção ministerial e VOTO pela declinação da competência ao juízo eleitoral de primeiro grau de Porto Alegre, devendo os autos ser remetidos à Zona Eleitoral Distribuidora para posterior envio ao juízo eleitoral competente, de modo a dar cumprimento à determinação do Tribunal Superior Eleitoral e consequente processamento da ação penal mediante exame da admissibilidade da denúncia quanto ao crime tipificado no art. 312, caput, segunda figura, do Código Penal (peculato-desvio).