RE - 482 - Sessão: 19/12/2018 às 10:30

RELATÓRIO

Cuida-se de pedido de registro de candidatura de IRTON BERTOLDO FELLER e MARIZETE GARCIA PINHEIRO para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito de Parobé, respectivamente, relativo ao pleito de 2016.

Indeferido o pedido em primeiro grau, a decisão foi confirmada pelo TRE; todavia, a sentença de primeiro grau foi anulada pelo Tribunal Superior Eleitoral por insuficiência de fundamentação. Novo julgamento pelo indeferimento foi proferido pelo Juízo da 55ª Zona Eleitoral e mantido por este Tribunal, mas aquela egrégia Corte Superior anulou novamente o entendimento de primeiro grau, pois proferido com base apenas em autos suplementares formados sem a integralidade dos documentos dos principais.

Sobreveio sentença de deferimento do pedido de registro de candidatura (fls. 979-995). Fundamentou que as irregularidades apuradas pelo Tribunal de Contas não caracterizam a inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "g", da Lei Complementar n. 64/90. No tocante aos gastos sem finalidade pública, entendeu ausente o dolo, pois em processo criminal o candidato foi absolvido da imputação por esses fatos. Relativamente às despesas não operacionais e ao pagamento de cursos a ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, afastou o elemento subjetivo, pois arquivado inquérito civil instaurado para apurar o ato de improbidade. Concluiu que o aluguel de veículos de luxo não caracterizou ato de improbidade. No tocante às graves falhas de controle, entendeu não estar presente, na decisão do Tribunal de Contas, a má-fé por parte do candidato.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpôs recurso contra a decisão (fls. 999-1014v.). Alega que os gastos em bares noturnos atenderam a interesse pessoal, ausente qualquer interesse público das despesas, destacando não haver vinculação entre as esferas cível e penal. Relativamente aos gastos com brindes e festividades, argumenta estar comprovado o agir consciente do candidato na manutenção das despesas irregulares, assim como em relação às despesas realizadas para financiar cursos para diretores da Companhia. Argumenta estar reconhecida na decisão do Tribunal de Contas a irregularidade no aluguel de veículos de luxo para uso da diretoria. Sustenta que as graves falhas no controle financeiro da empresa não se confundem com mero equívoco, mas configuram ato ímprobo atentatório aos princípios da Administração Pública. Requer seja indeferido o pedido de registro de candidatura.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 1019-1033v.), nesta instância os autos foram encaminhados com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que exarou parecer pelo provimento do recurso (fls. 1036-1046v.).

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de recurso interposto contra a sentença que deferiu o pedido de registro de candidatura de Irton Bertoldo Feller para o cargo de Prefeito de Parobé, no pleito de 2016, julgando improcedente a ação de impugnação de registro de candidatura ajuizada pela Coligação Parobé Pode Mais, por entender não caracterizada a inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "g", da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

g - os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

A norma, com a finalidade de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, tal como estabelecido pelo art. 14, § 9º, da CF, impede o acesso a cargo eletivo por aqueles que praticaram ato doloso de improbidade administrativa, reconhecido em decisão definitiva de rejeição das suas contas como gestor público.

Como os órgãos que julgam as contas do agente público apenas analisam o caráter financeiro e legal dos atos de gestão, sem apreciar eventual improbidade, cabe à Justiça Eleitoral apurar se os fatos, delimitados e reconhecidos na decisão de rejeição de contas pelo órgão de controle, configuram “irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade” apta a gerar a inelegibilidade do candidato.

As contas do exercício de 2006 da Companhia Riograndense de Artes Gráficas (CORAG), no período em que Irton Bertoldo Feller administrou a aludida Companhia, foram desaprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado, em sessão do dia 24.3.2010, em razão das seguintes irregularidades: (a) gastos com comidas e bebidas em casas noturnas, bares, boates, saunas e motéis sem beneficiários identificados, imputando a Irton Feller o valor de R$ 2.890,76; (b) sistemáticas locações de veículos para uso dos diretores, não obstante a aquisição de veículos novos para a mesma finalidade nos anos de 2004 e 2005, conferindo a despesa de R$ 15.046,00 ao candidato ora sob julgamento; (c) dispêndios sem relação com a finalidade pública da empresa, como aquisição de brindes, bonés, camisetas, agendas, assinatura de TV a cabo e festividades diversas após ter sido notificado a respeito da irregularidade de tais gastos, imputada a Irton Feller a responsabilidade por R$ 122.545,13; (d) pagamento de cursos, sem aprovação governamental e do Conselho de Administração, a diretores com cargos transitórios na Companhia, atribuindo a responsabilidade por R$ 3.990,00 a Irton Feller; e (e) constatação de graves falhas, reveladoras de desarranjos administrativos, contábeis e orçamentários.

A sentença recorrida concluiu que nenhuma dessas falhas caracterizou ato doloso de improbidade, pois não poderiam ser atribuídas ao candidato ou foram praticadas sem má-fé de sua parte.

O recorrente, ao contrário, sustenta que as falhas evidenciam ato doloso de improbidade, a caracterizar a inelegibilidade do candidato, nos termos do art. 1º, inc. I, al. "g", da Lei Complementar n. 64/90.

Analiso, assim, as irregularidades individualizadamente.

a) gastos com despesas em casas noturnas e afins:

Concluiu o Tribunal de Contas do Estado que “restou evidenciada a apresentação sistemática, ao longo do exercício examinado, de comprovantes fiscais emitidos por casas noturnas (bares e boates), por saunas e motéis, e por alguns restaurantes, cujos beneficiários, especificação da despesa e data de realização, não eram apresentados” (fl. 25).

Em razão dessa falha, Irton Feller foi denunciado pela prática do crime de peculato, tipificado no art. 312 do CP (processo n. 2.07.0043523-0), e absolvido por falta de provas a respeito do envolvimento do réu nos fatos.

Assim consignou a decisão absolutória:

Portanto, por essa prática, não tinham os demais diretores conhecimento das despesas irregulares que estavam sendo feitas e ressarcidas em desconformidade com o interesse público e da empresa, não havendo, pois, demonstração de que estivessem os acusados Irton Bertoldo Feller, diretor-presidente, e Mauro Goetler, diretor industrial, associados na apropriação indevida dos valores irregularmente ressarcidos a Vitor Hugo Guerra.

Ademais, evidenciado, como se constata do depoimento do então Vice-Governador do Estado, Antônio Hohlfeldt, terem, logo que tomaram conhecimento dos fatos, Irton e Mauro tomado as devidas providências para apuração e busca da reparação do dano causado à companhia, inclusive, afastando o diretor responsável pelas irregularidades. (fl. 143)

Apreciados os fatos no juízo criminal, e afastado o agir doloso do candidato, após ampla dilação probatória, não há que se firmar conclusão em sentido contrário nos presentes autos.

Assim, tendo em vista a conclusão assentada no juízo criminal, não se vislumbra conduta ímproba do candidato em relação a esta irregularidade.

b) Locações de veículos de luxo para uso dos diretores:

As contas de gestão também foram desaprovadas, em razão do sistemático aluguel de veículo de luxo, para uso da presidência e diretoria da CORAG, sem fundamento para tanto, tendo em vista a aquisição de automóveis nos anos de 2004 e 2005 para o mesmo fim.

Constou na decisão do Tribunal de Contas:

No que tange ao item 3, referente à locação de veículos de luxo, observo que, inobstante a Companhia ter adquirido dois veículos zero quilômetro em 2004, sendo um para uso da Presidência e outro para as Diretorias Administrativas e Industrial, e mais dois veículos novos em 2005, a mesma efetuou sistemáticas locações de veículos (Zafira, Ecosport e Astra), para uso prolongado dos diretores, incluindo finais de semana e feriados. Nos processos respectivos, inexistem justificativas formais para comprovar a necessidade das locações, tanto no que diz com os modelos alugados, quanto ao período de sua utilização (fl. 25-26)

Interposto Recurso de Reconsideração, o Tribunal de Contas entendeu que as justificativas apresentadas, embora tenham ampliado os esclarecimentos, não comprovaram a necessidade das locações nem demonstraram a indisponibilidade dos veículos adquiridos para justificar o uso de outros automóveis (fl. 364).

A dimensão da irregularidade é compreendida com o auxílio da cópia da sentença condenatória proferida em ação de improbidade n. 001/1.11.0081437-0, na qual restou reconhecido que Irton Feller utilizava os veículos da entidade para fins pessoais, tal como deslocamento para sua casa nos finais de semana.

Consta na aludida decisão que “a prática de deslocamento em veículo da CORAG é reconhecida pelo réu nos autos” (fl. 178), conferindo maior credibilidade aos fatos ali narrados.

A respeito do dolo na conduta, assim manifestou-se o juízo sentenciante:

Efetivamente, decorre do senso comum que a utilização do veículo notadamente acarretaria gastos à CORAG, o que foi conscientemente aceito. Ou seja, o requerido utilizou o veículo da co-autoria para seu deslocamento pessoal, sabedor do gasto que ocasionava aos cofres.

Corrobora com tal conclusão, a manipulação dos diários de bordo dos automóveis, onde não houve o registro do deslocamento para Parobé, mas lançamento de rubricas sob a indicação “Div” e “Ret”, evidentemente com o intuito de omitir o real deslocamento do veículo. (fl. 179)

Registre-se que a sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação n. 70066382482, na data de 19.9.2018, ratificando o reconhecimento dos fatos pela sentença. Embora o acórdão não tenha sido juntado aos autos, é documento acessível ao público, que não traz nenhum dado fático novo, mas somente corrobora o acerto da sentença.

Dessa forma, verifica-se que as contas do prestador foram desaprovadas em razão da sistemática locação de veículos para uso da diretoria sem justificativas para essas operações, tendo em vista a aquisição de novos automóveis para a instituição. Mesmo após o Recurso de Reconsideração, o Tribunal de Contas concluiu que as explicações “não comprovam a necessidade das locações efetuadas...tampouco comprovam a indisponibilidade dos mesmos por períodos que justificassem as locações”.

Concluiu ainda que "os documentos apresentados não permitiram traçar uma perfeita relação entre os eventos dos quais participou a diretoria e o período de aluguel dos veículos locados, além de não haver prova da alegada fragilidade da frota”.

A causa dessa situação irregular do aluguel dos veículos, inclusive para uso nos finais de semana – e que justificou a desaprovação das contas – é perfeitamente esclarecida pela sentença condenatória proferida na ação de improbidade, ao registrar o uso de veículos alugados para deslocamento pessoal de Irton Feller até sua residência nos finais de semana, inclusive com a manipulação do diário de bordo, como registrado na sentença.

Esse elemento coaduna-se com o registro feito pelo Tribunal de Contas, de que o uso dos veículos nos finais de semana não foi devidamente comprovado, nem apresentadas provas da fragilidade da frota para atender às necessidades institucionais.

Os documentos permitem compor de forma segura a situação que levou à desaprovação das contas. Houve desvio de finalidade dos veículos da frota da CORAG para atender interesse pessoal de Irton Feller, mediante deslocamento para sua residência, o que ampliava a necessidade de veículos. A ausência de justificativas, reconhecida pelo Tribunal de Contas, alinha-se à reconhecida “manipulação dos diários de bordo”, admitida na sentença de improbidade.

É irrelevante que a sentença de improbidade não tenha transitado em julgado ainda, pois não está em análise aqui a suspensão dos direitos políticos, mas o valor probatório da decisão como documento apto a contribuir para o esclarecimento dos fatos que justificaram a desaprovação das contas pelo TCE e elucidar a natureza ímproba e dolosa dos fatos irregulares.

Nesse aspecto, cumpre destacar que o uso do veículo alugado para fins pessoais foi admitido pelo próprio candidato, como consignou a sentença, extraindo-se do senso comum o juízo de reprovação de seu comportamento, pois demandava o aluguel de automóveis sem encontrar justificativa nas necessidades da empresa, gerando irregularidades que resultaram na desaprovação das contas de gestão.

Pontuou o douto magistrado de primeiro grau que a sentença da ação de improbidade aludia ao uso de veículos distintos daqueles referidos na decisão do Tribunal de Contas. Enquanto a ação de improbidade tinha por objeto o uso de veículos VW Santana, placas IAQ9285 e VW Parati, placas ILP9885, a decisão do Tribunal de Contas reportava-se aos automóveis Zafira Ecosport e Astra.

A nota de improbidade dolosa não decorre do uso específico dos veículos Zafira, Ecosport e Astra em desvio de finalidade, mas do sistemático aluguel de veículos pela CORAG para, supostamente, atender à necessidade da instituição, quando parte de sua frota era utilizada para deslocamento particular do candidato, inclusive com manipulação do diário de bordo. Não é por acaso que a necessidade dos aluguéis não pode ser devidamente comprovada perante o Tribunal de Contas.

Os documentos dos autos evidenciam que o sistemático aluguel de veículos pela CORAG sem a devida comprovação de sua necessidade era ocasionado, entre outras razões, pelo uso de parte da frota para o deslocamento pessoal do candidato para sua residência nos finais de semana, caracterizando, assim, ato doloso de improbidade administrativa, tal como previsto no art. 10, inc. II, da Lei n. 8.429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie.

Assim, a falha acima analisada caracteriza ato doloso de improbidade administrativa, atraindo a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "g", da Lei Complementar n. 64/90.

c) realização de despesas sem relação com a finalidade da empresa:

A decisão do Tribunal de Contas apontou a realização de despesas com serviços e produtos que não guardam relação com a finalidade da empresa.

Reproduzo a passagem pertinente do voto:

Quanto ao item 14, relativo à realização de diversas despesas sem finalidade pública, compulsando os autos verifico que, apesar dos reiterados apontamentos da CAGE, a Auditada continua realizado despesas sem a característica de despesas públicas, as quais não são inerentes às suas atividades operacionais, tais como brindes oferecidos (canetas, agendas, camisetas, bonés, calendários etc), gastos em restaurantes, assinatura de TV a cabo e festividades diversas (fl. 26).

A sentença recorrida entendeu não caracterizado o agir doloso do candidato, tendo em vista o arquivamento de inquérito civil, pelo Ministério Público Eleitoral, com fundamento na ausência de provas a respeito do elemento subjetivo da conduta de Irton Feller.

O arquivamento a que se refere o juízo sentenciante não encontra respaldo nos autos. O Ofício n. 504/2011 (fl. 109) dá conta do arquivamento do inquérito civil 28L07 sobre “irregularidades relativas a despesas com locação de veículos e despesas que não se coadunam com as atividades da Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas”, mas o documento não indica que o inquérito efetivamente se refere aos fatos julgados nos presentes autos.

Ademais, o documento de fl. 933 se limita a uma digitalização no corpo das alegações finais e com trechos suprimidos. Ainda, nos trechos legíveis é possível ver que o documento fez alusão apenas aos exercícios de 2004 e 2005, sem nada mencionar em relação ao ano de 2006, período apreciado nos presentes autos.

Dessa forma, pelos documentos apresentados, não é possível afirmar que tenha havido arquivamento de inquérito civil em relação aos fatos praticados no exercício de 2006, período a que se refere a decisão do Tribunal de Contas sob análise.

Todavia, ao julgar o Recurso de Reconsideração interposto pelo candidato, o Tribunal de Contas chega a reconhecer a boa-fé de Irton Feller ao realizar tais gastos, direcionados, segundo alegou o candidato naquela oportunidade, a aproveitar eventos para divulgar a CORAG, incentivar o Turismo no Rio Grande do Sul e contribuir para programas de alfabetização e incentivo à leitura.

Registrou a decisão da Corte de Contas: “em que pese a boa intenção do gestor na promoção dos eventos, não há de terem sido os gastos legitimados por órgão competente e/ou amparados em normativa própria, ou seja, não se coadunam com o objeto da Empresa” (fl. 367).

Como se extrai do próprio fundamento empregado pelo Tribunal de Contas no enfrentamento do caso, a Corte chega a reconhecer a boa intenção do agente, restringindo a irregularidade à ausência de autorização legal ou estatutária para os gastos realizados. As circunstâncias, tal como tratadas pelo TCE, evidenciam não ter havido má-fé por parte do candidato, o qual, com a intenção de promover ações de interesse público, acabou realizando despesas estranhas ao objeto da empresa sem a observância dos trâmites regulamentares para a licitude das operações.

d) pagamento de cursos a ocupantes de cargos transitórios:

A Corte de Contas constatou o pagamento de cursos de gestão a dois diretores que ocupavam cargos transitórios na companhia e, consequentemente, não poderiam empregar a qualificação recebida em benefício da empresa.

Segue trecho da decisão:

Em relação ao item 35, que aborda o pagamento de curso de pós-graduação em gestão empresarial a dois diretores, observo que a contratação em tela foi aprovada apenas pelo Conselho de Administração, não tendo ocorrido a imprescindível autorização da Assembleia-Geral de Acionistas, sem a necessária autorização governamental.

Por outro lado, o pagamento de cursos de longa duração a administradores que detêm cargo de confiança revela-se um procedimento temerário, tendo em vista a natureza transitória e precária da relação destes com a Administração Pública. A concessão de tal benefício só se justifica na medida em que o agente público permaneça por razoável período de tempo, após a conclusão do curso, trabalhando na entidade que o custeou, como forma de aplicação dos conhecimentos auferidos na realização das atividades operacionais para as quais foi contratado. (fl. 27)

No tocante ao ponto, a própria natureza da irregularidade não permite que se extraia, de forma clara a segura, o elemento doloso do candidato.

Não se ignora que o mero raciocínio lógico já permite antever a ineficácia da medida, investindo valores públicos para a qualificação de pessoas que não permanecerão trabalhando na entidade, de forma que o investimento em qualificação resulta sem retorno para a entidade investidora.

Todavia, é possível vislumbrar no ato a boa intenção do agente ao buscar a qualificação dos quadros da empresa. A longa duração dos cursos custeados aliada à natureza dos cargos ocupados pelos beneficiários é que tornaram a decisão “temerária”, nos dizeres da decisão do Tribunal de Contas.

É possível cogitar-se de negligência por parte do gestor, mas não um ato dolosamente praticado contra o interesse público e conformado em ofensa à moralidade administrativa.

Assim, não se vislumbra, em relação a essa irregularidade, um agir doloso de improbidade administrativa, não justificando a inelegibilidade do candidato.

e) graves falhas no controle administrativo e orçamentário:

O processo de Tomada de Contas apurou também uma série de falhas e irregularidades que também justificaram a desaprovação das contas. Assim se manifestou o Tribunal de Contas:

Quanto às demais falhas, as mesmas são reveladoras da fragilidade do Sistema de Controle Interno da Auditada, além de violarem as normas de administração financeira e orçamentária, que sujeitam os Administradores à penalidade de multa, com fundamento no art. 67 da Lei n. 11.424/00, sem prejuízo dos reflexos do julgamento na presente Tomada de Contas. (fl. 27)

As irregularidades a que se refere a decisão foram apuradas no Relatório da CAGE (n. 010-36/2007) e na auditoria e podem ser identificadas no relatório do acórdão do TCE (fls. 19-24) e no parecer do Ministério Público de Contas (fls. 43-49).

Dentre essas falhas, inúmeras dizem respeito a irregularidades em processos licitatórios, conforme abaixo enumerado:

04) Contratação irregular de pessoal, tendo sido contratado um Marceneiro sem concurso público (itens 2.1 e 2.14 da CAGE – fls. 225/228 e 271/273)

[...]

07) as pesquisas de preços para aquisições de materiais e prestação de serviços vêm sendo reiteradamente efetuadas como as mesmas empresas, evidenciando favorecimento na escolha de fornecedores (Item 2.4 da CAGE – fls. 234/241)

[…]

13) No primeiro semestre de 2006, o total de despesas da Companhia com utilização de serviços de táxi, atingiu o montante de R$ 25.199,59, não havendo contrato formal com a empresa prestadora dos serviços, a qual também não foi contratada mediante devido processo licitatório (item 2.11 da CAGE – fls. 262/263)

[…]

28) Foram constatadas diversas irregularidades nos registros e saldos do Ativo Imobilizado, tais como: aquisição de móveis e utensílios sem licitação; fragilidade e irregularidades no controle patrimonial, irregularidade nas baixas de bens, falhas no processo de inventário-geral da CORAG, etc. (item 3.12 da CAGE – fls. 299/308);

29) No primeiro semestre de 2006, a Auditada efetuou diversas locações de veículos junto à empresa Filipinas Auto Peças e Locadora Ltda., sem apresentar manifestação ou demonstrativo explicitando a efetiva necessidade das locações, bem como infringido o disposto no art. 3º da Lei Federal n. 8.666/93, cujo valor total apurado de locações foi de R$ 22.836,00, superando o limite para dispensa de licitação (item 1.1 da auditoria do TCE – fls. 312/314 e 340)

30) Dentre os processos de dispensa de licitação analisados, verificou-se a existência de 4 contratos por períodos sucessivos, com as mesmas empresas e apresentando, rigorosamente, os mesmos objetos, o que caracteriza um indevido fracionamento das despesas referentes a um mesmo serviço (item 1.2 da auditoria do TCE – fls. 314/318 e 340/344)

Como é possível extrair do acórdão proferido pelo Tribunal de Contas, as finanças do gestor também foram desaprovadas em razão de inúmeras irregularidades relativas ao processo licitatório: contratação de serviço sem concurso público, reiterados contratos com a mesma empresa, evidenciando favorecimento de fornecedor, aquisição de bens sem licitação, realização de locações de veículos sem justificativa e procedimento licitatório e contratações sucessivas da mesma empresa e mesmo objeto, caracterizando indevido fracionamento de despesas de um mesmo serviço.

Verifica-se, assim, um sistemático desrespeito à Lei de Licitações, a qual estabelece procedimentos fundamentais para a garantia dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, além de assegurar a contratação mais vantajosa para a Administração e, por consequência, a eficiência da gestão.

Acrescente-se que as irregularidades não se limitam a meras falhas formais alusivas à Lei de Licitações, pois também há apontamentos mais graves, como fracionamento de contratações, o que reduz o valor de contratos e acaba dissimulando a possibilidade de dispensa de licitação, e o favorecimento na escolha de fornecedores, conforme constou na descrição das ilicitudes apuradas pelo órgão técnico, e que também justificaram o juízo de desaprovação. Os apontamentos indicam um agir voltado ao desrespeito à impessoalidade e à moralidade administrativa.

A ofensa a tais princípios é reconhecida pelo próprio TCE. Ao analisar o Recurso de Reconsideração interposto pelo candidato, o Tribunal de Contas do Estado, após reconhecer a existência de “um vasto elenco de irregularidades”, assentou (fl. 371):

(…) a realização de despesas em desacordo com os princípios constitucionais, em especial, os da moralidade, impessoalidade e legalidade, cuja inobservância, em conjunto ou isoladamente, ataca o ato administrativo no plano de sua validade, ao teor do art. 3º, inciso XI, letra “a” da Resolução n. 414/92, em concomitância com o art. 8º da mesma.

O Tribunal de Contas nada refere a respeito do agir doloso ou de boa-fé do candidato, consignando expressamente que seria excluído do “exame a apreciação da conduta subjetiva dos agentes” (fl. 371).

Contudo, as circunstâncias apuradas nos autos permitem identificar o agir doloso do candidato.

É pacífica a jurisprudência no sentido de que a inobservância da Lei de Licitações caracteriza ato doloso de improbidade administrativa, porquanto basta para sua caracterização o agir consciente em desrespeito aos ditames legais a que está submetido o gestor público, como se extrai das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, “g”, DA LC Nº 64/1990. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCM/PA. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. VÍCIO INSANÁVEL. CONFIGURAÇÃO DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O art. 1º, I, “g”, da LC nº 64/90 exige, para a sua configuração, a presença dos seguintes requisitos: exercício de cargos ou funções públicas; rejeição das contas pelo órgão competente; insanabilidade da irregularidade verificada; ato doloso de improbidade administrativa; irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas e inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas. 2. No caso em apreço, a agravante teve rejeitadas as suas contas referentes ao exercício financeiro de 2012, na condição de Secretária do Fundo Municipal de Assistência Social do Município de Itaituba/PA, em decisão irrecorrível do TCM/PA e sem notícia de suspensão ou anulação por decisão judicial, restando incontroversa a ausência de licitação para aquisição de veículo L200 Mitsubishi, no valor, da época, de R$ 65.800,00 (sessenta e cinco mil e oitocentos reais), situação configuradora de ato doloso e insanável de improbidade administrativa. 3. A questão do vício supostamente existente no pronunciamento da referida Corte de Contas, notadamente em relação à competência ou não da candidata para, na condição de Secretária do Fundo Municipal de Assistência Social do Município de Itaituba/PA, realizar procedimento licitatório a fim de adquirir veículo para uso do referido órgão, deveria ter sido objeto de recurso perante o TCM/PA, uma vez que não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por Tribunais de Contas. Inteligência da Súmula nº 41 do TSE. 4. A alegação de ausência do dolo na conduta ensejadora da rejeição de contas da agravante pelo TCM/PA não merece prosperar, porquanto para a configuração da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90 basta a “existência do dolo genérico ou eventual, o que se caracteriza quando o administrador deixa de observar os comandos constitucionais, legais ou contratuais que vinculam sua atuação em” (REspe nº 9365, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 22.02.2018). 5. A ausência de procedimento licitatório configura vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa apto a atrair a inelegibilidade do art. 1°, I, em g em, da LC n° 64/90. Precedente. 6. Agravo a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Ordinário n. 060051997, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26.10.2018.)

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. INDEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR nº 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS. TCU. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E UNIÃO. AQUISIÇÃO. UNIDADES MÓVEIS DE SAÚDE. "OPERAÇÃO SANGUESSUGA". LICITAÇÃO. VÍCIOS INSANÁVEIS. FALTA DE COMPETITIVIDADE. SUPERFATURAMENTO. RECURSOS FEDERAIS. DESPROVIMENTO.1. In casu, o registro de candidatura foi indeferido com base no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, em virtude da rejeição de contas do gestor público, prefeito à época, em sede de tomada de contas especial, na qual o TCU apurou sérias irregularidades tanto na licitação quanto na execução de convênio celebrado com o Fundo Nacional de Saúde visando à aquisição de ambulâncias para o município convenente. 2. Conforme delineado no acórdão regional, foram detectadas falhas graves, diretamente ligadas à atuação do então prefeito, tais quais: realização dos procedimentos sem a necessária presença de no mínimo 3 (três) participantes; não apresentação dos documentos necessários para a comprovação da regularidade fiscal das empresas vencedoras das licitações; existência de vínculo entre empresas participantes - fato ensejador de falta de competitividade no processo licitatório, com indício de conluio para fraudá-lo - e ausência de parecer jurídico que respaldasse a legitimidade do certame. 3. Diante da moldura fática constante do aresto recorrido, não há como acolher a tese de ausência de dolo, pois, na qualidade de prefeito, o ora recorrente foi diretamente responsável por irregularidades na condução do processo licitatório e na execução do convênio, no qual se constatou a malversação de recursos públicos decorrente do superfaturamento de preços com efetivo prejuízo ao Erário. 4. Na linha da jurisprudência deste Tribunal, ressalvados os vícios de natureza formal, o descumprimento da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93) constitui irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa. Precedentes. 5. Recurso especial eleitoral desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 61803, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 226, Data 22.11.2017, Páginas 41-42.)

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. INCIDÊNCIA. ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE. DECISÕES. EFEITO SUSPENSIVO EM RECURSOS DE REVISÃO.

MOMENTO POSTERIOR À DIPLOMAÇÃO. NÃO CONSIDERAÇÃO.

1. A noticiada suspensão dos efeitos dos acórdãos no âmbito do TCM/CE, mediante a concessão de efeito suspensivo em recurso de revisão, ocorreu por decisões proferidas em 9.2.2017, data posterior à diplomação dos eleitos, o que inviabiliza o afastamento da causa de inelegibilidade, pois, segundo o firme entendimento desta Corte, as alterações fáticas e jurídicas a que se refere o § 10 do art. 11 da Lei 9.504/97 só podem ser consideradas se ocorridas até a data final da diplomação dos eleitos.

2. Conforme pacífica jurisprudência deste Tribunal Superior, a Justiça Eleitoral é competente para analisar o teor do acórdão dos órgãos de contas, a fim de verificar se a eventual irregularidade que ensejou a rejeição delas tem

natureza insanável e se configura ato doloso de improbidade administrativa. Precedentes.

3. Incide a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar 64/90, pois houve rejeição de contas públicas referentes a dois exercícios financeiros, em razão de vícios insanáveis que caracterizam atos dolosos de improbidade administrativa, consistentes em ausência reiterada de licitação relativa a despesas com locação de veículos e aquisição de medicamentos e ausência de documentos na prestação de contas que inviabilizaram o controle externo bem como a fiscalização dos recursos públicos (ano de 2008). Nas contas de 2009, não houve a prestação de contas referentes ao exercício, além de ter havido ausência reiterada de licitação, acarretando a contratação direta de diversos credores em vultosos valores e o não repasse dos valores consignados a título de tributos (INSS, IRRF, ISS).

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 15571, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 63, Data 30.3.2017, Página 29.

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. DESCUMPRIMENTO DA LEI DE LICITAÇÕES. FALTA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. VÍCIOS INSANÁVEIS. DESPROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 27.10.2016.

2. inelegível, por oito anos, detentor de cargo ou função pública cujas contas tiverem sido rejeitadas em detrimento de falha insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, por meio de decisum irrecorrível do

órgão competente, salvo se suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário, a teor do art. 1º, I, g, da LC 64/90.

3. Falta de recolhimento de contribuições previdenciárias e ausência de licitação enquadram-se na referida causa de inelegibilidade, pois configuram, por si sós, vícios insanáveis e atos dolosos de improbidade administrativa.

Precedentes.

4. Não se exige dolo específico, bastando o genérico ou eventual, que se caracterizam quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos.

Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 8420, Acórdão, Relator Min. Herman Benjamin, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 08.11.2016.)

Diga-se também que o candidato não apresenta justificativas pontuais para os atos praticados em contrariedade à Lei de Licitações.

Ao analisar o elenco de argumentos tecidos no Recurso de Reconsideração, resumidos no acórdão do TCE (fl. 370), não se identificam explicações específicas para justificar a inobservância do procedimento licitatório, senão argumentos genéricos sobre o empenho do candidato na gestão da empresa e o estado anímico do corpo de funcionários desta.

Em alegações finais e contrarrazões de recurso, o candidato afirma que a CORAG é Sociedade de Economia Mista dotada de diversas diretorias, as quais acabavam por limitar a autonomia do presidente da pessoa jurídica. Contudo, trata-se de alegação genérica, que deixa de apontar como a estrutura da CORAG o impediu de agir em defesa da legalidade dos atos da empresa, tampouco demonstra oposição a eventuais decisões ilegais de terceiros que tenham levado à prática das ilegalidades pontuadas pelo TCE.

Além do mais, não se trata de uma irregularidade pontual, mas de sistemáticos descumprimentos da Lei de Licitações, em relação aos mais diferentes objetos: contratação de pessoal, prestação de serviços, aluguel de veículos, aquisição de bens móveis e utilização de táxis.

Outro elemento a ser ponderado é a alegada experiência do candidato como gestor público. Conforme constou na decisão proferida no julgamento do Recurso de Reconsideração, o candidato argumentou “que tem mais de 30 anos dedicado à vida pública e que nunca recebeu do TCE parecer desfavorável as suas contas” (fl. 370), além de afirmar que fora prefeito de Parobé, com suas contas aprovadas pela Câmara de Vereadores (fl. 941).

Se, de fato, é pessoa de larga experiência e que nunca teve apontamentos negativos em suas contas de gestão, evidentemente tem consciência da relevância e dever de respeito às regras de licitação, o que, além do senso comum, pode ser adquirido ao longo de sua carreira. Não obstante, à frente da administração da CORAG, viabilizou reiteradas ofensas aos ditames legais, contrariando os princípios da impessoalidade, moralidade e legalidade, tal como consignado pelo Tribunal de Contas.

Por fim, a defesa sustenta que Vitor Hugo Guerra, que dividiu a gestão da CORAG com o candidato no exercício 2006, lavrou ata notarial, em fevereiro de 2017, assumindo inteira responsabilidade pelas falhas apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado. Ocorre que a forma pública do documento não é capaz de conferir veracidade aos fatos ali registrados e informados de maneira unilateral por Vitor Hugo Guerra.

Apenas para exemplificar a falibilidade das afirmações anotadas na aludida ata, Vitor Hugo Guerra aduziu que “todos os apontamentos feitos sobre as irregularidades...ocorreram em período muito posterior a 30 de março de 2006”, quando o candidato se afastou da presidência da CORAG. Entretanto, consta expressamente na decisão do TCE que os gastos com serviço de táxi sem licitação ocorreram “no primeiro semestre de 2006”, registro incompatível com a afirmação de que as irregularidades são muito posteriores a 30 de março.

Dessa forma, caracterizado está o ato doloso de improbidade pelas sistemáticas ofensas à Lei de Licitações.

Concluindo, da análise dos autos, é possível verificar que o candidato incide na inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. "g", da Lei Complementar n. 64/90, em razão da locação de veículos sem justificativa (item ‘b’) e de reiteradas irregularidades alusivas a licitações (item ‘e’).

Relevante destacar que este Tribunal já analisou o mérito do presente registro de candidatura em duas oportunidades distintas, sempre concluindo pelo indeferimento do registro, tal como no presente julgamento, conforme se vê pelas ementas extraídas dos respectivos acórdãos:

Recursos. Impugnação. Registro de candidatura. Indeferimento. Cargos de prefeito e de vice-prefeito. Inelegibilidade. Rejeição de contas públicas. Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

1. Matéria preliminar afastada. 1.1) Julgamento de primeiro grau proferido em autos suplementares de ação cautelar em obediência à determinação do Tribunal Superior Eleitoral. Evidenciados todos os elementos necessários para prolação da sentença. Decisão regular, com caracterização da matéria fática e fundamento jurídico suficiente sobre os fatos ensejadores da inelegibilidade, viabilizando a plena defesa do candidato. Não demonstrado prejuízo à parte recorrente. Nulidade da sentença não configurada. 1.2) Entendimento atual do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a competência do Tribunal de Contas para fiscalizar as atividades das sociedades de economia mista. Ainda que constituídas sob a forma de pessoas jurídicas de direito privado, devem observar os princípios constitucionais da Administração Pública e estão passíveis do controle externo exercido pelas Cortes de Contas.

2. Rejeição das contas do candidato relativas à sua gestão frente à sociedade de economia mista, órgão da administração indireta do Governo do Estado. Conjunto de irregularidades atinentes a gastos com aluguel de veículos sem a devida justificação; pagamento de curso sem autorização dos órgãos competentes; vultosos gastos em áreas distintas do objeto da entidade; realização de compras e contratações de serviços, com evidências de favorecimento a determinados fornecedores; e contratações ilícitas, sem contratos formais e sem o devido processo licitatório. Vícios insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa e atraem a inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90.

3. Exigência legal de dolo genérico, não o específico. Basta que o agente tenha atuado, ciente dos fatos, em contrariedade aos princípios administrativos. O volume e a gravidade dos fatos evidenciam a impossibilidade de seu desconhecimento. Ausência de provimento judicial, ainda que precário, a desconstituir ou suspender os efeitos da decisão do tribunal de contas.

Provimento negado. (TRE/RS, Rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julg. em 16.5.2017.)

Recurso. Registro de candidatura. Prefeito. Impugnação. Inelegibilidade. Rejeição de Contas Públicas. Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

Decisão de piso que julgou procedente a impugnação ministerial e indeferiu o registro de candidatura, por entender caracterizada a inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90.

Matéria preliminar afastada. A alegada omissão do decidido em primeiro grau não impõe a sua nulidade uma vez que o art. 1013, § 1º, do Código de Processo Civil, estabelece que serão devolvidos ao segundo grau as questões suscitadas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas na sentença.

Requisitos necessários para a incidência do citado dispositivo da Lei das Inelegibilidades: contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente; irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule os efeitos da rejeição.

Desaprovação das contas pelo Tribunal de Contas do Estado, relativas à administração da Companhia Riograndense de Artes Gráficas – CORAG no exercício de 2006, em decisão que se tornou irrecorrível na data de 03.12.2012, em virtude de diversas irregularidades consistentes na realização de gastos sem finalidade pública. Presença do dolo no modo de agir, com pleno conhecimento dos fatos e do seu caráter ilícito, realizados sistematicamente durante a sua administração, apesar de reiteradamente apontados pela Controladoria-Geral como irregulares.

Ademais, as condutas que levaram à desaprovação das contas não podem ser tidas como meros equívocos formais. Ao contrário, as irregularidades, da forma como reconhecidas pela decisão do Tribunal de Contas, são aptas a configurar atos dolosos de improbidade administrativa, motivo pelo qual deve ser mantida a decisão que reconheceu a inelegibilidade do candidato.

Provimento negado. (TRE/RS, rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julg em 19.10.2016.)

A reapreciação da matéria, tanto naquelas oportunidades quanto nesta, ocorre em razão de vícios formais da sentença, sem que o Tribunal Superior Eleitoral tenha realizado qualquer apontamento a respeito de eventual inconsistência no mérito das decisões.

A candidata ao cargo de vice-prefeita, Marizete Garcia Pinheiro, preenche as condições para o deferimento do registro (apenso 1, fl. 100), mas resta prejudicada em razão do indeferimento da chapa majoritária por ela integrada, por força do art. 49 da Resolução TSE n. 23.455/15, segundo o qual, “os pedidos de registro das chapas majoritárias...somente serão deferidos se ambos os candidatos forem considerados aptos”.

Tendo em vista que o presente feito alude a pedido de registro de candidatura, não cabe neste momento qualquer determinação de afastamento do candidato do cargo ou realização de novas eleições, tendo em vista a tese firmada pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do RESPE n. 139-25, em 28.11.2016.

Naquela oportunidade, o egrégio TSE declarou a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado”, constante no art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, e elaborou enunciado no sentido de que a execução da decisão proferida em registro de candidatura fica condicionada à análise do caso pelo TSE. Reproduzo o enunciado aprovado:

A expressão “após trânsito em julgado” prevista no § 3º do art. 224, conforme redação dada pela Lei 13.165/2015, é inconstitucional.

Se o trânsito em julgado não ocorrer antes, e, ressalvada a hipótese de concessão de tutela de urgência, a execução da decisão judicial e a convocação de novas eleições deve ocorrer em regra:

1. após a análise dos feitos pelo TSE no caso dos processos de registro de candidatura, Lei Complementar 64/90, art. 3ª e seguintes, em que haja indeferimento do registro do candidato mais votado ou dos candidatos cuja soma dos votos ultrapasse 50%; e

2. após análise dos feitos pelas instâncias ordinárias nos casos de cassação do registro, diploma ou mandato em decorrência de ilícitos eleitorais apurados sob o rito do art. 22 da Lei Complementar 64/90 ou em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Assim, no presente momento, cumpre apenas julgar o pedido de registro de candidatura, sem a determinação de providências imediatas.

Pelo exposto, VOTO pelo provimento do recurso, a fim de indeferir o pedido de registro de candidatura de Irton Bertoldo Feller para o cargo de Prefeito de Parobé, relativo ao pleito de 2016.