RE - 2362 - Sessão: 21/03/2019 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de Aratiba contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2017, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, e determinou o recolhimento da quantia de R$ 388,43 ao Tesouro Nacional, acrescida de multa de 5%, e a suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário pelo período de 1 ano (fls. 125-127).

Em sua irresignação (fls. 131-135v.), o recorrente sustenta que a irregularidade foi superada pela Lei n. 13.488/17, que conferiu nova redação ao art. 31 da Lei n. 9.096/95, passando a admitir o recebimento de recursos provenientes de pessoas detentoras de cargo ou função demissíveis ad nutum, desde que filiadas ao partido. Argumenta a aplicação imediata da nova legislação, ao fundamento de ser mais benéfica e sob pena de violação do princípio da legalidade. Aduz que a regulamentação do conceito de autoridade pelo TSE afronta a disposição contida no art. 3º da Lei n. 9.096/95, que assegura a autonomia partidária. Invoca a existência de norma interna da grei prevendo a obrigatoriedade da contribuição como requisito para a candidatura. Requer a aprovação das contas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 142-148).

É o relatório.

VOTO

A sentença recorrida desaprovou as contas da agremiação devido ao recebimento, no exercício financeiro de 2017, de R$ 388,43 de fonte vedada oriunda de contribuições de ocupantes de cargos de chefia demissíveis ad nutum.

O entendimento fixado na decisão mostra-se consentâneo com a orientação deste Tribunal, tendo em vista a redação originária do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, que proibia o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

A Lei n. 13.488/17 alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, possibilitando as doações de pessoas físicas filiadas a partidos políticos, ainda que ocupantes de cargos demissíveis ad nutum na Administração Direta ou Indireta.

Considerando que a modificação legislativa é mais benéfica ao órgão partidário, o recorrente requer a incidência da nova disposição para que sejam considerados regulares os recursos recebidos.

A respeito da aplicação do novo regramento, esta Corte, mediante juízo de ponderação de valores, já se posicionou no sentido da sua irretroatividade, por entender preponderantes os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Colaciono a ementa do referido julgamento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade) (Grifei.)

Na mesma senda, o TSE tem entendimento consolidado no sentido de que a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava durante o exercício contábil, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Tratando-se de contas relativas ao exercício financeiro de 2017, escorreita a aplicação, pelo juízo a quo, do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 em sua redação primitiva para as doações realizadas enquanto vigente o texto originário do dispositivo em questão.

Destaque-se que a sentença considerou regulares as doações realizadas por ocupantes de cargos em comissão após a entrada em vigor da Lei n. 13.488/17, em 06.10.2017, aplicando adequadamente a lei vigente ao tempo da realização dos fatos.

No tocante à alegada ofensa à autonomia partidária, cumpre esclarecer que tal princípio, reproduzido no art. 3º da Lei n. 9.096/95, não é absoluto, devendo harmonizar-se às normas que fortalecem o controle quantitativo e qualitativo dos partidos.

A existência de disposição estatutária determinando a contribuição obrigatória dos filiados, ainda que ocupantes de cargos em comissão, não torna lícita a arrecadação dos referidos recursos, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Ademais, é de se ressaltar que a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, com relevo, no caso concreto, o constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.464/15. Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos mediante diversos outros meios não vedados pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

A vedação das doações partidárias por detentores da condição de “autoridade” busca garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a distribuição oportunística de cargos e a captura do processo político pelo poder econômico.

Dessarte, tendo em vista que a irregularidade (R$ 388,43) alcançou 17,75% do total de recursos arrecadados pela grei no exercício financeiro (R$ 2.187,67), deve ser mantido o juízo de desaprovação das contas.

Em relação às sanções aplicadas, a determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional é consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, como se extrai do art. 14, §1º, e art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15, não comportando reparo a sentença.

No que se refere ao tempo fixado para suspensão do Fundo Partidário, a jurisprudência deste Tribunal admite a incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para realizar a dosimetria da sanção pelo tempo de 1 a 12 meses, em consonância com o entendimento consolidado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO 2015. PPS. DIRETÓRIO REGIONAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO. 1. In casu, o TRE/RS desaprovou as contas do partido, ora agravado, referentes ao exercício financeiro de 2015, e determinou a suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário por 6 (seis) meses, em razão das seguintes irregularidades: i) despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário sem a devida comprovação, no montante de 30,45%; e ii) utilização de recursos de origem não identificada e de fonte vedada. As irregularidades somaram R$ 111.256,71 (cento e onze mil, duzentos e cinquenta e seis reais e setenta e um centavos), que deverão ser recolhidos ao Erário. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a suspensão das cotas deve ocorrer de forma proporcional e razoável, conquanto as irregularidades tenham imposto a desaprovação das contas. Precedentes. 3. A orientação neste Tribunal é no sentido de que ao julgador cabe ponderar todas as circunstâncias do caso concreto na análise da sanção mais adequada (REspe nº 33-50/RS, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 18.10.2016). 4. Diante da nova sistemática de financiamento dos partidos, com a proibição de doação por pessoa jurídica, é de se primar pela busca de reprimenda que iniba o descumprimento das normas concernentes à prestação de contas e igualmente permita a continuidade de suas atividades. 5. Na espécie, a suspensão das cotas por 3 (três) meses mostra-se adequada, porquanto compatibiliza a necessidade de sobrevivência do diretório regional e a inibição de práticas assemelhadas. 6. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 7237, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 197, Data: 02.10.2018, Páginas 10-11.) (Grifei.)

Na situação em análise, mostra-se adequada a redução da suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário para o período de 2 meses, diante da natureza da falha e do montante da irregularidade frente ao total arrecadado.

Com base nos mesmos parâmetros, mostra-se adequada a multa fixada na sentença, no percentual de 5% incidente sobre o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, em decorrência do art. 37 da Lei n. 9.096/95.

Ante todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 02 meses.