RE - 1002 - Sessão: 19/12/2018 às 10:30

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo partido MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Bento Gonçalves contra sentença do Juízo da 8ª Zona (fls. 90-94), que desaprovou a prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2017 – a qual também é integrada pelos dirigentes partidários responsáveis –, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 5.170,00, em virtude do recebimento de recursos não identificados, e multa no percentual de 10% sobre a importância irregular.

Em suas razões (fls. 96-100), afirma que os recursos de origem não identificada, depósitos em dinheiro no montante de R$ 5.170,00 na conta do partido, referem-se a valores em espécie que o partido possuía em caixa relativos a exercícios anteriores. Aduz que, dessa forma, esses valores não se caracterizariam como de origem não identificada, mas como recursos próprios, devidamente declarados. Sustenta que, embora os depósitos não tenham transitado em conta bancária, o partido comunicou o recebimento dos valores e a origem dos recursos, identificando os doadores. Requer a reforma da sentença para aprovação das contas.

Nesta instância, com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 105-116).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo (fls. 95 e 96) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Da preliminar de nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, a fim de que os autos retornem à origem, para que seja aplicada a suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, uma vez tratar-se de consequência legal da constatação do recebimento de recursos de origem não identificada, nos termos do art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95 e art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Dispõe o art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I – no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do Fundo Partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

[…]

Conforme se extrai da sentença, o juízo a quo desaprovou as contas anuais do partido, relativas ao exercício financeiro de 2017, determinando: i) o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 5.170,00, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, nos termos do art. 14, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15 e ii) multa no percentual de 10% sobre a importância apontada como irregular, nos termos do art. 49, da citada Resolução.

Assim sendo, ao declarar a quantia de R$ 5.170,00 como sendo de origem não identificada, a sentença não admitiu os esclarecimentos prestados pela grei, motivo pelo qual determinou o seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

Destaca-se que, nos termos do § 11 do art. 37 da Lei n. 9.096/95, “os órgãos partidários poderão apresentar documentos hábeis para esclarecer questionamentos da Justiça Eleitoral ou para sanear irregularidades a qualquer tempo, enquanto não transitada em julgado a decisão que julgar a prestação de contas”.

Com efeito, a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário, “até que o esclarecimento da origem dos recursos seja aceito pela Justiça Eleitoral”, não é compatível com o instituto da preclusão e/ou da coisa julgada e poderia ensejar longos períodos de suspensão ou, ainda, interminável pesquisa sobre a origem do recurso.

Doutra forma, admitir a aplicação de sanção de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário até que a origem do recurso seja esclarecida, após o término do processo judicial de conhecimento, ou, ainda, nas hipóteses em que a produção da prova é extremamente difícil ou impossível, é sujeitar o partido à penalidade de caráter perpétuo, vedada pelo nosso ordenamento jurídico.

Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2007.

1. A decisão judicial que julga as contas como não prestadas não pode ser revista após o seu trânsito em julgado. Isso, contudo, não impede que o partido político busque regularizar a sua situação perante a Justiça Eleitoral, com o propósito de suspender a sanção que lhe foi imposta pela decisão imutável.

2. A sanção que restringe o direito dos órgãos partidários à distribuição dos recursos do Fundo Partidário não pode ter caráter perpétuo.

3. A realização de diligências - cujo objetivo é a verificação da verdade material - não pode ser relegada apenas às hipóteses que visam apurar irregularidades, devendo ser aceitas também quando visam regularizar falhas detectadas pelos órgãos técnicos. Afinal, não se pode limitar a produção da prova apenas em prejuízo do prestador de contas.

4. Na hipótese dos autos, inviabilizada a realização de diligências para que o partido comprovasse a procedência dos valores que foram tidos como de origem não identificada, a defesa foi efetivamente cerceada, ficando caracterizada a violação à parte final do art. 5º, LV, da Constituição Federal. Recurso especial provido.

(TSE. Recurso Especial Eleitoral n. 171502, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 215, Data: 13.11.2015, p. 153.) (Grifei.)

Colho, ainda, no mesmo sentido, aresto recente desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE NOVAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

Recebimento de depósitos em espécie não identificados com o CPF do doador e outros dois depósitos com identificação do próprio partido como doador originário, sem emissão de recibo para quaisquer dessas operações, caracterizando o ingresso de receita de origem não identificada. Os esclarecimentos prestados pelo partido não conferem segurança e confiabilidade para se considerar a falha como sanada.

Manutenção da determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional acrescido de multa de 10%. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário até que o partido preste esclarecimentos à Justiça Eleitoral.

A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito.

Parcial provimento.

(TRE-RS – RE n. 23-57 – Rel. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes – J. Sessão de 20.11.2018.) (Grifei.)

Portanto, não vislumbro omissão quanto à correta aplicação da lei, razão pela qual afasto a preliminar de nulidade suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Mérito

O partido MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) do Município de Bento Gonçalves recorre da sentença proferida pelo juízo da 8ª Zona Eleitoral que desaprovou a suas contas anuais, relativa ao exercício financeiro de 2017, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 5.170,00, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, nos termos do art. 14, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15, bem como multa no percentual de 10% sobre a importância apontada como irregular, nos termos do art. 49, da mesma Resolução.

Conforme parecer técnico conclusivo (fls. 72-73), foram apuradas duas irregularidades, a saber: a) receitas sem identificação no extrato bancário, nos valores de R$ 2.495,00, R$ 1.730,00, R$ 200,00 e R$ 745,00, no total de R$ 5.170,00; e b) extratos bancários não discriminam toda a movimentação financeira do exercício de 2017 declarada na prestação de contas.

Nos termos do art. 6º da Resolução TSE n. 23.464/15, é obrigatória a abertura de conta bancária pelos partidos políticos para a realização da movimentação financeira.

Nessa esteira, constata-se, analisando-se os documentos juntados às fls. 12, 15, 18, 21, 24, 27, 30, 33, 35, no período de janeiro a setembro de 2017, que a movimentação financeira – gastos e receitas – ocorreu sem a utilização da conta bancária específica.

De ver, nesse sentido, que a constituição de Fundo de Caixa deve atender estritamente o limite e a forma prevista no art. 19 da Resolução TSE n. 23.464/15, verbis:

Art. 19. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário, de qualquer esfera, pode constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), que observe o saldo máximo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), desde que os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente por conta bancária específica do partido e, no ano, não ultrapasse 2% (dois por cento) dos gastos lançados no exercício anterior.

§ 1º O saldo do Fundo de Caixa pode ser recomposto mensalmente, com a complementação de seu limite, de acordo com os valores despendidos no mês anterior.

§ 2º O saque dos valores destinados ao Fundo de Caixa devem ser realizados da conta bancária específica do partido, mediante a emissão de cheque nominativo em favor do próprio órgão partidário.

§ 3º Consideram-se de pequeno vulto os gastos cujos valores individuais não ultrapassem o limite de R$ 400,00 (quatrocentos reais), vedado, em qualquer caso, o fracionamento desses gastos.

§ 4º A utilização dos recursos do Fundo de Caixa não dispensa a comprovação dos gastos nos termos do art. 18 desta resolução.

§ 5º O percentual e os valores previstos neste artigo podem ser revistos, anualmente, mediante Portaria do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

(Grifei.)

Como se observa, o próprio Fundo de Caixa não está isento de transitar pela conta bancária, devendo ser sacado mediante emissão de cheque nominal ao órgão partidário e mantido em caixa para pagamento de pequenas despesas até o limite individual de R$ 400,00.

No caso concreto, o ente partidário, não obstante tivesse conta aberta, manteve elevados valores a título de Fundo de Caixa (R$ 13.781,11 – 04.01.2017 – fl. 12), em desobediência às disposições legais, irregularidade que, por si só, compromete a fiscalização pela Justiça Eleitoral e, portanto, a regularidade das contas.

Relativamente às receitas sem identificação no extrato bancário, afirma o recorrente que os depósitos em espécie, ocorridos nos meses de fevereiro e março de 2017, no total de R$ 5.170,00 na conta do partido, referem-se a valores que o partido possuía em caixa, relativos a exercícios anteriores.

Aduz o partido que, “Ao contrário do que o juízo a quo afirma, a origem dos recursos depositado pelo recorrente está devidamente identificada, oriundo de recurso em espécie que a agremiação possuía e que estavam devidamente informados à Justiça Eleitoral”.

Em que pese à informação da existência de saldo referente ao exercício anterior (fl. 83), a origem dos valores não restou esclarecida, uma vez que os doadores originários não estão devidamente identificados.

Nesse sentido é a jusrisprudência desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2015. FALTA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS E PEÇAS INDISPENSÁVEIS. RECURSOS SEM TRÂNSITO NA CONTA BANCÁRIA. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. COMPROMETIDA A TRANSPARÊNCIA DAS CONTAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO.

1. As peças relacionadas na normatização regente são imprescindíveis para que a Justiça Eleitoral possa exercer o controle dos recursos arrecadados e dos gastos realizados. A impossibilidade de confrontação das informações declaradas malfere a transparência, a publicidade e a confiabilidade das informações prestadas.

2. A arrecadação de receitas sem trânsito de recursos pela conta bancária é irregularidade grave que impede a atuação fiscalizatória quanto à licitude das quantias recebidas.

3. Recebimento de recursos sem indicação do número de inscrição no CPF dos doadores. Impossibilidade de identificação da origem.

4. Irregularidade que alcança a totalidade das receitas contabilizadas no período, justificando a aplicação da penalidade de desaprovação das contas.

5. Recolhimento do montante ao Tesouro Nacional.

6. Aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, em sua redação originária, para fixar o período de suspensão de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de quatro meses, em atenção ao princípio da razoabilidade.

Desaprovação.

(TRE-RS – PC n. 9750 – Rel. Des. JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA – DEJERS de 06.7.2018.) (Grifei.)

Portanto, a irregularidade constatada compromete a confiabilidade das contas e impõe a devolução dos recursos de origem não identificada, razão pela qual deve ser mantida a desaprovação das contas do partido recorrente, restando analisar a penalidade cominada, no percentual de 10% sobre a quantia glosada como irregular.

Nos termos do art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15 (art. 37 da Lei dos Partidos Políticos), a desaprovação das contas do partido implicará, além da sanção de devolução da importância apontada como irregular, quando for o caso, a multa de até 20% sobre o valor irregular. O § 2º do , por sua vez, reza que a multa deve ser aplicada de forma proporcional e razoável, levando-se em conta: I – a proporção entre o valor da irregularidade detectada e o valor dos recursos provenientes do Fundo Partidário que o órgão partidário estiver recebendo no momento da decisão; e II – o valor absoluto da irregularidade detectada.

Assim, deve ser feito um cotejo entre o valor da irregularidade e o total de recursos informados pelo recorrente.

Em termos percentuais, o valor da irregularidade (R$ 5.170,00) corresponde a 63,51% do total informado como receita (R$ 8.140,00 – fl. 52), razão pela qual entendo adequado o patamar de 10% fixado pelo juiz de primeira instância.

Logo, por essas circunstâncias, impõe-se a manutenção da sentença.

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo sentença de desaprovação das contas do MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Bento Gonçalves relativas ao exercício financeiro de 2017, bem como a determinação do recolhimento da quantia de R$ 5.170,00 (cinco mil cento e setenta reais) ao Tesouro Nacional, acrescida de multa no percentual de 10%.