INQ - 19620 - Sessão: 07/12/2018 às 10:30

RELATÓRIO

Trata-se de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 299 e 300 do Código Eleitoral por IAD CHOLI, Prefeito do Município de Barra do Quaraí, candidato à reeleição, DANILO FERNANDO TRINDADE RODRIGUES, Vice-Prefeito de Barra do Quaraí, e TOLENTINO JESUS DE ALMEIDA, servidor público daquele município.

Os supostos fatos delituosos teriam consistido na entrega de lona preta, em 28.9.2016, às 09h15min, ao casal DELIBIO FERREIRA BARROS e MARIA ANTONIA OLIVEIRA GODOI, em sua residência, pelo terceiro investigado -acompanhado de outros dois servidores municipais, “VOLMIR” e “GAÚCHO” -, em troca de voto em IAD CHOLI, o que configuraria corrupção eleitoral. A coação eleitoral, que teria sido praticada por IAD CHOLI e DANILO FERNANDO TRINDADE RODRIGUES, consistiria em ameaça àquele casal de perda de benefícios de natureza social, caso não votassem no primeiro investigado.

Em acórdão de 12.12.2016 (fls. 43-46), esta Corte fixou sua competência para processamento e julgamento dos fatos objeto do inquérito, por prerrogativa de foro do primeiro investigado, em face de cumprir mandato de Prefeito.

Concluídas as investigações pela autoridade policial, foi elaborado relatório sem indiciamentos (fls. 138-147).

A Procuradoria Regional Eleitoral requisitou a continuidade das apurações e a realização de diligências (fls. 150-152).

Concluídas as providências e encaminhados os autos ao Parquet Eleitoral, sobreveio promoção pela preservação da competência deste Tribunal e pelo arquivamento do inquérito policial, ante a conclusão de inocorrência dos crimes (fls. 162-170v.).

É o relatório.

 

VOTO

Inicialmente, anoto que, em decisão ocorrida no mês de maio de 2018, por maioria, o Supremo Tribunal Federal assentou nova interpretação a respeito da competência originária para processamento e julgamento de ação penal por prerrogativa de função, para restringir sua aplicação apenas aos delitos praticados no exercício do cargo e com pertinência às funções exercidas, salvo se o feito se encontrar em fase de alegações finais.

No caso dos autos, IAD MAHOUD ABDER RAHIM CHOLI está sendo investigado pelo cometimento de crime eleitoral às vésperas do pleito de 2016, ocasião em que, já ocupando o cargo de Prefeito de Barra do Quaraí, era candidato à reeleição.

Sagrando-se vitorioso nas urnas, o investigado permanece até a presente data à testa daquele Executivo Municipal.

Logo, encontram-se reunidos os requisitos para preservação da competência desta Corte sobre o inquérito policial, porquanto os fatos em tese configuram crime eleitoral, um dos investigados ostenta a condição de prefeito, desde a época dos fatos até o presente momento, e há pertinência entre tais ocorrências e as funções desempenhadas pelo mandatário.

Por elucidativo, transcrevo, a seguir, excerto da bem lançada promoção ministerial:

No caso concreto, os três requisitos para a incidência do foro por prerrogativa de função encontram-se preenchidos na medida em que: (1) a suposta doação de lona por intermédio de órgão municipal (Defesa Civil) em troca de votos e a suposta ameaça de proibição de utilização de serviço público municipal (cozinha comunitária) para coagir eleitores a votarem em uma determinada candidatura violam, em tese, bem jurídico relevante para a Justiça Eleitoral, qual seja a liberdade de exercício do voto; (2) os fatos foram atribuídos, dentre outras pessoas, ao Prefeito Municipal de Barra do Quaraí, IAD CHOLI, na legislatura 2013-2016, durante sua campanha à reeleição; tendo sido reeleito para o quadriênio 2017-2020, encontrando-se, consequentemente, no exercício do mandato; e (3) a entrega de lona por intermédio de órgão integrante da administração pública municipal e a ameaça de corte de serviço público prestado pelo município estão relacionadas às funções desempenhadas no cargo de chefe do Executivo municipal (chefia dos servidores públicos municiais e administração dos serviços públicos municipais).

Logo, a competência para o caso, firmada no dia 12/12/2016 (fl. 43), permanece sendo desta Corte Regional mesmo diante do novo paradigma interpretativo do foro por prerrogativa de função.

Assim, mesmo diante da nova interpretação do Supremo Tribunal Federal acerca do foro especial por prerrogativa de função, há de ser mantida a competência desta Corte para exercer a supervisão judicial do presente procedimento apuratório.

No mérito, a Procuradoria Regional Eleitoral requer o arquivamento do expediente, ao argumento de que restou clara a inocorrência dos fatos que originaram a presente investigação.

Com efeito, Maria Antonia Oliveira Godoi, em declarações prestadas à autoridade policial, negou a ocorrência dos fatos investigados, afirmando que o fornecimento da lona foi decorrente de solicitação de auxílio à Defesa Civil, para mitigar estragos provocados em sua casa por chuva de granizo e, posteriormente, por vendaval. Negou, ainda, ter recebido qualquer solicitação de voto ou ameaça de ser proibida de frequentar a cozinha comunitária, inclusive rechaçando a afirmação de que os dois primeiros investigados tenham se dirigido a sua residência. Declarou, também, que seu marido, contando 86 anos de idade, está surdo e não vota mais.

As declarações de Maria Antonia Oliveira Godoi, vítima do suposto crime de coação eleitoral de Tolentino Jesus Almeida Moraes, servidor público municipal que se deslocou à residência do casal para instalar a lona, e Izair Rodrigues dos Santos, Coordenador da Defesa Civil do município, convergem no sentido da inexistência de delito.

Nesse sentido, colho trecho da manifestação do ilustre Procurador Regional Eleitoral:

Em síntese, Tolentino confirmou que as lonas provinham de ação da Defesa Civil do Município e Izair confirmou ter sido Maria Antônia quem procurou o órgão, solicitando auxílio.

As narrativas de Maria Antonia, Tolentino e, principalmente, de Izair, são ainda confirmadas pelas cópias de documentos apresentadas à Autoridade Policial pelo último.

Primeiramente, tem-se cópia dos documentos que motivaram o Decreto n. 115/2016, de 23/05/2016 (fls. 77-8), o qual decretou situação de emergência em Barra do Quaraí em razão de desastre classificado como CHUVA INTENSA, ocorrido em 23/05/2016 (fls. 79-83), reconhecida pelo Ministério da Integração Nacional (fl. 84) e pelo Governo do Estado (fl. 85).

Conforme referido no depoimento de Izair, o decreto municipal declarando emergência tinha validade de 180 dias, estando vigente na época da entrega das lonas a Maria Antônia. Consequentemente, era de Izair, na qualidade de Coordenador da Defesa Civil do Município, a atribuição de autorizar o fornecimento de tal material.

Além disso, o documento da fl. 69, datado de 18/08/2016, informa o fornecimento de lona, pelo Governo do Estado ao município de Barra do Quaraí, como kit de ajuda humanitária, a ser utilizada, nos termos do Decreto Estadual 51.547/2014, para atender famílias atingidas por evento climático meteorológico do tipo GRANIZO, ocorrido em Barra do Quaraí/RS.

Os documentos das fls. 65-6, por sua vez, informam que no dia 23/08/2016, Maria Antonia de Oliveira Godoi solicitou à Coordenadoria da Defesa Civil de Barra de Quaraí/RS ajuda em razão de estragos no telhado de sua residência, provocados por forte chuva com granizo, ocorrida em 16/08/2016. A Defesa Civil teria instalado, nesta primeira oportunidade, 7 metros de lona no imóvel.

Posteriormente, em 28/09/2016, Maria Antonia teria feito nova solicitação à Defesa Civil, para conserto da lona anteriormente instalada, que havia sido danificada.

Submetidas as fichas de atendimento à perícia documentoscópica, seu resultado não contribuiu, segundo análise da Autoridade Policial, na determinação da verossimilhança dos dados nelas lançados.

Finalmente, os documentos das fls. 70-1 informam a elaboração de uma avaliação técnica na casa de MARIA ANTONIA DE OLIVIERA GODOY, possivelmente datada de 04/11/2016 (após as eleições), confirmando a situação precária de seu telhado, em virtude de danos causados pelas chuvas, e afirmando a necessidade de conserto. Esta avaliação teria sido realizada em razão de requisições da Defesa Civil (fls. 67/68), dada a vulnerabilidade social da família atingida.

O conjunto desses dados corrobora com exatidão tudo o que foi relatado por Maria Antônia, Tolentino e Izair perante a Autoridade Policial.

A oitiva policial dos noticiantes, por outro lado, desvelou uma série de

incongruências e contradições. Primeiro, não há equivalência entre o que foi narrado na Promotoria de Justiça e o que foi dito à Autoridade Policial. Segundo, os depoimentos conflitam entre si. Terceiro, o depoimento de Claudiomiro contém, em si mesmo, contradições flagrantes.

No que concerne a Cristiano Rosa, observa-se que o mesmo, em momento algum, informou ser filho de Ely Manoel da Rosa, o “Duce Rosa”, candidato de oposição à reeleição do Prefeito Municipal IAD CHOLI (ao menos não há nenhum registro nos autos nesse sentido). A informação apareceu tão somente ao final da investigação, no depoimento do servidor público municipal Volmir Marques de Freitas (e foi por nós confirmada no registro de candidatura de Cristiano – certidão criminal negativa do TJ/RS contém o nome do pai).

Além disso, quando expressamente questionado sobre os meios pelos quais teria tomado conhecimento das alegadas compras de votos, foi evasivo e genérico, limitando-se a afirmar não recordar quem teria dito, esquivando-se, ainda, de citar fatos concretos.

(…)

O fato de Cristiano ser filho do candidato de oposição à reeleição do então Prefeito Municipal, associado às inconsistências nos depoimentos dos três noticiantes retira qualquer credibilidade do que foi noticiado.

Portanto, as versões apresentadas pelos noticiantes Cristiano Garcia Rosa, Claudiomiro de Almeida Brazeiro e Joacir Luiz Bianchin, no sentido de que servidores municipais tenham entregue lona preta a Delibio Barros e Maria Godoi em troca de seus votos em IAD CHOLI, assim como tenha o casal sofrido coação para votar em referido candidato, não se confirmaram.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo arquivamento do expediente, com a ressalva do disposto no art. 18 do Código de Processo Penal e no art. 11 da Resolução TSE n. 23.363/11.