RE - 986 - Sessão: 01/02/2019 às 10:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso contra decisão que desaprovou a prestação de contas anual, apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) do Município de Farroupilha – RS, relativa ao exercício 2016.

Segundo a sentença (fls. 146-150), foram encontradas falhas insanáveis que comprometeram a regularidade das contas em razão do recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas, no valor R$ 14.197,00, conforme apontado pelo exame técnico de fls. 106-108 dos autos.

Por essas razões, foram as contas desaprovadas, em consonância com o parecer ministerial e, como consequência, determinou-se suspensão das quotas do Fundo Partidário por 6 meses, bem como recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores recebidos indevidamente, no montante de R$ 14.197,00 (quatorze mil, cento e noventa e sete reais), nos termos do art. 14, c/c art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15, acrescidos de multa de 10%.

Contra tal decisão foi proposto recurso eleitoral (fls. 153-156), argumentando, preliminarmente, a inconstitucionalidade do art. 12, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, repetido na Resolução TSE n. 23.464/15. No mérito, defende o recorrente a legalidade do recebimento de contribuições de seus filiados, inclusive tendo como fundamento as alterações da legislação advindas da Lei n. 13.488/17, conforme se lê no art. 31 da Lei n. 9.096/95. Pugna, ao final, pela aprovação das contas e pela exclusão da penalidade de multa fixada na sentença.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se nos autos pela rejeição da preliminar de inconstitucionalidade do art. 12, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14 e, no mérito, pelo desprovimento do recurso para manter in totum a sentença prolatada (fls. 159-167v.).

É o relatório.

VOTO

A desaprovação das contas foi fundamentada no recebimento de recursos de fontes vedadas no valor de R$ 14.197,00 (quatorze mil, cento e noventa e sete reais), provenientes de detentores de cargos de chefia e direção na Administração Pública.

Prevê o art. 12 da Resolução TSE n. 23.432/14:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

XII – autoridades públicas;

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Nesse ponto, defende o recorrente a liberdade de criação e de funcionamento dos partidos à luz da Constituição, reforçando a regularidade dos valores recebidos de doadores com o argumento de que o estatuto do PSB, aprovado pelo TSE, apresenta disposições prevendo sobre as doações de seus contribuintes filiados, razão pela qual deve ser afastada a irregularidade aventada.

Malgrado tal argumento, o Tribunal Superior Eleitoral, ao responder a Consulta n. 356-64 (Acórdão TSE de 5 de novembro de 2015), definiu que os estatutos partidários não podem conter regra de doação vinculada ao exercício de cargo, uma vez que ela consubstancia ato de liberalidade e, portanto, não pode ser imposta obrigatoriamente ao filiado.

Dessa forma, não podem ser consideradas ratificadas as doações oriundas de autoridades públicas em razão de previsão em estatuto partidário que contraria norma abstrata do próprio TSE à época, conforme transcrição do texto normativo.

O recorrente suscita ainda a inconstitucionalidade do art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, ao argumento de violação da disposição contida no art. 17, inc. II, da CF/88, que não prevê a proibição de recebimento de recursos procedentes de autoridades públicas.

Cumpre esclarecer que o mérito das contas é disciplinado pela Resolução TSE n. 23.464/15, a qual tem incidência sobre o exercício financeiro de 2016. Embora o recorrente tenha aludido às disposições da Resolução TSE n. 23.432/14, passarei à análise dos seus argumentos, tendo em vista que o teor normativo do art. 12, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14 foi repetido no art. 12, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Reproduzo o dispositivo legal:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

§ 2º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso XII do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

A vedação a que se refere o art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14 não foi inaugurada com o referido ato normativo impugnado, mas decorre da redação originária do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, que teve a sua extensão definida pelo TSE ainda em 2007, quando do julgamento da Consulta n. 1.428 (Resolução TSE n. 22.585/07), no sentido de não admitir contribuição partidária realizada por detentor de cargo de chefia e direção.

O aporte desses recursos, até então abrangidos pela ressalva prevista no § 1º do art. 5º da Resolução TSE n. 21.841/04, passou a ser regulado também pela Resolução TSE n. 23.077, de 04.6.2009 (Petição n. 100, Resolução n. 23.077 de 04.6.2009, Relator Min. Marcelo Ribeiro, DJE 04.8.2009).

A norma determinou que, durante as arrecadações dos exercícios financeiros seguintes, os partidos políticos observassem o entendimento firmado pelo TSE na Consulta n. 1.428 (Resolução TSE n. 22.585/07) no que concerne à contribuição de filiados, tendo em conta a interpretação dada ao inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95, que concluiu pela impossibilidade de repasse de valores por titulares de cargos de direção e chefia.

Aliás, após a consolidação do entendimento sobre a interpretação dada pelo TSE ao art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95, os tribunais eleitorais de todo o país, inclusive este TRE, passaram a julgar as contas partidárias com observância à vedação de contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum, da Administração direta ou indireta, com poder de autoridade:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridade, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia.

Redução, de ofício, do período de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, conforme os parâmetros da razoabilidade. Manutenção da sanção de recolhimento de quantia idêntica ao valor recebido irregularmente ao Fundo Partidário.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2346, Acórdão de 12.3.2015, Relator DES. ELEITORAL INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.3.2015, Página 02.)

Registro que as referidas normas ostentam presunção de constitucionalidade até a manifestação do Poder Judiciário em sentido contrário, seja em sede de controle difuso, seja em controle concentrado.

No particular, cabe observar que a ADI n. 5494, que discutia a constitucionalidade da expressão “autoridade” contida no inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95, foi extinta sem resolução do mérito em 13.6.2018, por decisão proferida pelo Relator, Ministro Luiz Fux, publicada no DJe n. 119/2018 de 15.06.2018, diante da perda do objeto, tendo em vista a revogação superveniente do ato normativo impugnado.

Vê-se, portanto, que não há espécie de pronunciamento vinculante da Corte Suprema sobre o tema.

Em juízo de controle difuso da compatibilidade vertical das normas, igualmente, não verifico indicativos de inconstitucionalidade do preceito.

A vedação das doações partidárias por detentores da condição de “autoridade” busca justamente garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a distribuição oportunística de cargos, corolários próprios do ambiente de regularidade democrática e republicana, estando em perfeita harmonia com o texto constitucional.

Desse modo, afasto a alegação de inconstitucionalidade.

Outro argumento apresentado pelo recorrente diz respeito à retroatividade da lei mais benéfica, em razão da alteração legislativa trazida pela Lei n. 13.488/17, que alterou a Lei n. 9.096/95.

Essa matéria não é nova, sendo que esta Corte e o TSE, quando chamados a apreciá-la, posicionaram-se no sentido de que o tempo rege o ato e, mesmo se tratando de norma mais benéfica, não são aplicáveis a retroatividade ínsita aos feitos de natureza criminal.

Foi assim quando, recentemente, o TSE examinou a questão das doações realizadas por pessoas jurídicas após a revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97.

Por oportuno, cito jurisprudência consolidada do TSE, que agasalha a máxima do tempus regit actum, nos termos do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ADI Nº 4650. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO SE APLICA A DOAÇÕES CONSOLIDADAS NAS ELEIÇÕES ANTERIORES À DATA DO JULGAMENTO. IRRETROATIVIDADE DA LEI Nº 13.165/2015. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.504/97 operou os seus efeitos a partir da sessão de julgamento da ADI nº 4650, a saber, 17 de setembro de 2015, alcançando as doações de campanhas a se realizarem no prélio eleitoral de 2016 e os subsequentes, não sendo essa a hipótese dos autos, que versa sobre doação realizada no pleito de 2014.

2. A revogação do art. 81 da Lei das Eleições não alcança as doações realizadas em eleições anteriores, notadamente por se tratar de atos jurídicos perfeitos consolidados sob a égide de outro regramento legal eleitoral, situação que se equaciona pela incidência do princípio do tempus regit actum, nos termos do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

3. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 13029, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 16.10.2017.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA.

1. A jurisprudência desta Corte já assentou que "o critério utilizado para aferição do limite para doações de campanha é o faturamento bruto da pessoa jurídica no ano anterior à eleição, declarado à Receita Federal" (AgR-REspe 264-47, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 3.6.2014).

2. A Corte de origem, fundamentadamente, decidiu, à míngua da ausência de declaração de Imposto de Renda, que o demonstrativo de resultado do exercício financeiro não é documento apto, por si só, a comprovar o faturamento da empresa no ano anterior da eleição, considerando se tratar de documentação não oficial e não revestida de presunção de veracidade nem tampouco de fé pública, principalmente ao confrontar com a certidão expedida pela Receita Federal quanto à doação sucedida e tendo em vista, ainda, a ausência de outros documentos de natureza fiscal que corroborassem tal informação.

3. A declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.504/97 operou os seus efeitos a partir da sessão de julgamento da ADI nº 4650, a saber, 17 de setembro de 2015, alcançando as doações de campanhas a se realizarem no prélio eleitoral de 2016 e os subsequentes, não sendo essa a hipótese dos autos, que versa sobre doação realizada no pleito de 2014" (AI 82-59, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 9.2.2017). No mesmo sentido: AgR-REspe 44-41, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 27.9.2016; e AgR-AI 36-14, rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 1º.7.2016.Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 4952, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 163, Data 23.8.2017, Páginas 105-106.) (Grifei.)

Igualmente, esta Corte examinou a questão em debate, decidindo pela irretroatividade da norma, inclusive do próprio dispositivo legal ora examinado, como se extrai da ementa colacionada:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2015. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. RECEBIMENTO DE RECURSOS PROVENIENTES DE DETENTORES DE CARGO ELETIVO. POSSIBILIDADE. NÃO ENQUADRAMENTO NA HIPÓTESE DE FONTES VEDADAS. PROVIMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS.
1. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17. Aplicação da legislação vigente ao tempo do exercício financeiro, em consideração aos princípios da anualidade eleitoral, da isonomia e do tempus regit actum.
2. Regularidade no recebimento de doações efetuadas por Vereadores. Precedentes deste Tribunal decidindo pela possibilidade de detentores de mandato eletivo efetuarem contribuição a partido político, revendo o posicionamento exarado na Consulta n.109-98 do TRE-RS.
Provimento do recurso. Aprovação das contas.

(TRE/RS, RE 34-71, Rel. Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julg em 03.10.2018.)

Destarte, não obstante os respeitáveis argumentos apresentados pelos recorrentes, tenho que a orientação que assegura igualdade, e é consentânea com os princípios processuais constitucionais e com o ato jurídico perfeito, é aquela que aplica a nova disposição prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, levada a efeito pela Lei n. 13.488/17, às doações realizadas apenas a partir da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

Com efeito, as razões do recorrente não se sustentam, devendo os recursos recebidos de fonte vedada ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do que prevê o art. 14, caput, combinado com o § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

No entanto, no caso concreto, percebe-se que mesmo após ter sido informado sobre o recebimento de valores de origem vedada durante todo o processo de prestação de contas, não cuidou o partido de estorná-los, fato que, de pronto, atrai a aplicação do art. 47, da Resolução TSE 23.464/15, in verbis:

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o órgão partidário sujeito às seguintes sanções:

I – no caso de recebimento de recursos das fontes vedadas de que trata o art. 12 desta resolução, sem que tenham sido adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14 desta resolução, o órgão partidário ficará sujeito à suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de um ano; e

A sentença, utilizando-se de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, definiu a suspensão das quotas do Fundo Partidário durante 6 meses, o que se mostra razoável à espécie, tendo em vista que o valor irregular (R$ 14.197,00) representa 49,3% dos recursos financeiros arrecadados (R$ 28.784,14).

Assim também em relação à multa de até 20% incidente sobre o valor irregular, prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95, a qual foi fixada na sentença em 10% sobre a importância a ser recolhida.

Assim, ante o fato de serem incontroversas as práticas irregulares, impõe-se a manutenção da sentença, visto tratar-se de vícios de natureza grave e insanável, capazes de resultar na desaprovação das contas.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença recorrida.