RE - 2767 - Sessão: 22/01/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso inominado, em cumprimento de sentença (fls. 451-452), interposto pelo Diretório Estadual do PTB do Rio Grande do Sul contra decisão (fl. 449) do Juízo da 97ª Zona Eleitoral, que acatou pedido da UNIÃO, exequente, no sentido de que o recorrente, Diretório Estadual do PTB, bem como o Diretório Nacional do PTB providenciem “descontos nos futuros repasses das cotas do fundo partidário ao diretório municipal do PTB, até o valor de R$ 17.705,13 (em 31/08/2017)”.

Aduz, em primeiro lugar, que não há repasse de valores oriundos do Fundo Partidário aos diretórios municipais da agremiação, em virtude de que o montante repassado pelo Diretório Nacional ao Diretório Regional é insuficiente para tanto. Na sequência, sustenta que, ainda que fossem realizados repasses, a retenção se afiguraria irregular, conforme as normas de regência. Requereu o pedido de reconsideração do juízo de origem ou, na ausência deste, que as razões de recurso fossem encaminhadas a este Tribunal.

O d. Magistrado manteve a decisão recorrida (fl. 454) e, com contrarrazões da UNIÃO (fl. 456v.), vieram os autos.

Nesta instância, foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso (fls. 459-464).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

A rigor e conforme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, as decisões interlocutórias, ou aquelas sem caráter definitivo, são irrecorríveis nos processos eleitorais, “sendo eventuais inconformismos examinados na decisão final do processo e nos recursos a ela subsequentes” (AgRg no REsp n. 44-67/RN, Relatora Min. Luciana Lóssio, Ac. 18.6.2015).

Tal posicionamento decorre da premissa de que não se opera a preclusão sobre as questões objeto de decisões interlocutórias, nos processos eleitorais.

Contudo, na fase de cumprimento de sentença, há precedentes que apontam a aplicação subsidiária do art. 1.015, parágrafo único, do Código de Processo Civil, c/c o art. 2º, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.478/16.

Mediante exercício de compatibilidade sistêmica, entende-se por conhecer os agravos de instrumento. Nessa linha, precedentes deste Tribunal:

Agravo de instrumento. Atribuição de efeito suspensivo. Cumprimento de sentença. Astreintes. Decisão do juiz eleitoral que determinou à agravante recolhimento de multas impostas no âmbito da fiscalização da propaganda eleitoral. Afastada preliminar de inadequação do presente recurso, suscitada pela coligação agravada. Admissível agravo de instrumento para atacar decisão judicial relacionada a cumprimento de sentença envolvendo multa eleitoral. Aplicação subsidiária das normas do direito processual civil. A União é parte legítima para a execução de multa eleitoral incluindo as astreintes -- dívida ativa não tributária. Preponderância do interesse público a fim de destinar os valores estipulados em favor do Fundo Partidário.

Provimento ao recurso para acolher a preliminar de ilegitimidade ativa dos agravados -- candidato e coligação - para o processo de execução da aludida verba.

Extinção do processo, sem resolução do mérito.

(Recurso Eleitoral n 268331, ACÓRDÃO de 17.3.2015, Relator DES. ELEITORAL INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 48, Data 19.3.2015, Página 18.)

Recurso eleitoral. Agravo de instrumento. Prestação de contas. Cumprimento de sentença. Redirecionamento de execução para os responsáveis pelo partido. Conversão em renda dos valores bloqueados.

Matéria preliminar. a) Cabimento do agravo de instrumento em fase de cumprimento de sentença dos feitos eleitorais. Etapa do processo judicial na qual não se discute a matéria eleitoral, mas sim as técnicas de expropriação insertas nas regras do Código de Processo Civil. Procedimento voltado à cobrança de valores e à expropriação de bens, cujas decisões são dotadas de natureza preclusiva, admitindo a oposição de recursos por instrumento; b) Conhecimento integral do recurso. Incidência do art. 1.013, § 3º, inc. III, do CPC, que determina o julgamento pelo tribunal mesmo quando silente o juízo originário quanto ao pedido de conversão da penhora em renda.

1. Determinado o recolhimento de valores, por ingresso de recursos na conta do partido sem identificação da sua origem. Situação não abrigada pelas disposições do art. 34, § 1º, da Resolução TSE n. 21.841/04 como motivo para direcionamento da responsabilidade aos dirigentes partidários, sendo a regra aplicável aos casos de irregularidades consistentes na ausência de prestação de contas ou aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário. Análise do pedido nos termos da legislação civil, a qual exige a demonstração de atos fraudulentos voltados a frustrar o adimplemento da obrigação. A falta de bens da grei partidária para cumprir com a determinação da sentença não é causa legal para deferimento do pedido.

Não evidenciadas, assim, razões que justifiquem o redirecionamento da obrigação. Manutenção da decisão de indeferimento.

2. Configurada a liquidez do bem penhorado e ausente causa de restrição legal, deferida a pretensão recursal para a conversão dos valores bloqueados em renda da União.

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n 1434, ACÓRDÃO de 15.8.2016, Relator DES. ELEITORAL JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 149, Data 17.8.2016, Página 5.)

E o d. Procurador entende que o recurso inominado há de ser conhecido como agravo de instrumento, com a aplicação do princípio da fungibilidade, ante as circunstâncias de obediência ao prazo para interposição do recurso correto, além da inexistência de prejuízo.

De fato.

Penso que, no caso, havia dúvida razoável de parte do Diretório Estadual do PTB sobre que espécie de irresignação apresentar. Lembro que há nuances que assim fazem concluir: a já citada jurisprudência do TSE, bem como a Resolução TSE n. 23.478/16, a qual determina que, subsidiária e supletivamente, as disposições atinentes ao CPC de 2015 serão aplicadas aos feitos eleitorais.

No caso, a decisão combatida foi publicada no DEJERS em 23.7.2018 (fl. 450), e a interposição ocorreu em 26.7.2018, fl. 451, obediente ao prazo relativo ao agravo de instrumento.

Entendo, assim, aplicável o princípio da fungibilidade recursal, sem dúvida alguma reforçado no CPC/15 pela primazia de exame de mérito das demandas.

Conheço do recurso.

Mérito

No que diz respeito ao mérito da irresignação, trata-se de acordo de pagamento de débitos firmado entre o PTB de ESTEIO (Comissão Provisória) e a UNIÃO, em parcelamento homologado judicialmente (fls. 348-355).

A UNIÃO verificou o cumprimento apenas parcial do pagamento dos débitos e requereu o adimplemento do valor restante com os acréscimos relativos à multa e aos honorários advocatícios, art. 523 do CPC. Houve pedido para a penhora via BACENJUD (fls. 370-371).

Em decisão constante à fl. 387, o juízo de origem constatou que a Comissão Provisória do PTB de Esteio não mais exercia atividades e entendeu por intimar o Diretório Estadual do PTB para pagamento do saldo remanescente, R$ 17.705,13.

Como o órgão regional não adimpliu a dívida, houve a aplicação de multa de 10% e o pagamento de honorários advocatícios também da ordem de 10%, bem como nova penhora via BACENJUD, desta feita dirigida contra o órgão estadual (fl. 392).

Na sequência, o Diretório Estadual do PTB alegou ilegitimidade passiva e a impossibilidade de penhora dos recursos públicos e do Fundo Partidário, no que foi atendido pelo juízo de origem, o qual liberou os valores bloqueados nas contas bancárias de titularidade do Diretório Estadual do PTB, conforme decisão de fl. 421.

A UNIÃO, então, requereu o bloqueio e a penhora de eventuais valores creditados ao Diretório do PTB de Esteio e, após averiguada a inexistência de créditos, consoante informação extraída do BACENJUD, requereu a determinação do pagamento da importância executada (R$ 17.705,13, em 31.8.2017), por meio de desconto nos futuros repasses de quotas do Fundo Partidário, nos termos do art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.165/15.

Houve decisão de deferimento do pedido (fl. 449) contra a qual o Diretório Estadual do PTB apresenta recurso.

Transcrevo o teor da decisão

“Vistos.

Como requer a União.

Comunique-se os diretórios Estadual e Federal do Partido Trabalhista Brasileiro para que providencie os descontos nos futuros repasses das cotas do fundo partidário ao diretório municipal do PTB, até o valor de R$ 17.705,13 (em 31.8.2017).

Merece provimento o recurso.

Correto o d. Procurador Regional Eleitoral no sentido de que carece razão à UNIÃO. Não há como aplicar, retroativamente, a Lei n. 13.165/15 e a Lei n. 13.488/17 à prestação de contas sob exame, que diz respeito ao exercício de 2013.

Os precedentes deste Tribunal espelham posicionamento firme no sentido de aplicar o princípio tempus regit actum às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da segurança jurídica.

Nessa linha, a ementa que segue:

AGRAVO REGIMENTAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO ESTADUAL DE PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2007. CONDENAÇÃO POR APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS ORIUNDAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PEDIDO DE PAGAMENTO DE DÉBITO MEDIANTE DESCONTOS DO REPASSE DO FUNDO PARTIDÁRIO. INVIABILIDADE. CONVERSÃO DA INDISPONIBILIDADE EM PENHORA. DESPROVIMENTO.

1. Prestação de contas em fase de cumprimento de sentença, restando esgotadas as etapas para a satisfação extrajudicial do débito oriundo de condenação por utilizar irregularmente as verbas do Fundo Partidário. Pretensão partidária para o cumprimento da penalidade mediante descontos no repasse da parcela do Fundo Partidário a ser levado a efeito pelo Diretório Nacional, em montante que respeite os 2% da parcela mensal do referido Fundo.

2. As alterações introduzidas pelas Leis n. 13.165/15 e n. 13.488/17 não têm aplicação retroativa às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da segurança jurídica.

3. Manutenção da decisão agravada. Conversão da ordem de indisponibilidade em penhora, nos termos do disposto no art. 854, § 5º, do Código de Processo Civil. Provimento negado.

(Prestação de Contas n 30, ACÓRDÃO de 20.02.2018, Relator JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 23.02.2018, Página 6.) (Grifei.)

Dito de outra forma, a prestação de contas sob exame é a referente ao exercício do ano de 2013 e deve ser julgada de acordo com o ordenamento jurídico vigente à época, de modo que os futuros repasses de quotas do Fundo Partidário não podem se prestar para o adimplemento do débito em questão.

Ademais, merece provimento o recurso do PTB do RIO GRANDE DO SUL. Os valores oriundos do Fundo Partidário não podem se prestar ao pagamento de dívida originada do percebimento ilícito de recursos – fontes vedadas, no caso -, uma vez que o art. 44 da Lei n. 9.096/95 não faz constar dentre as hipóteses previstas legalmente a restituição de valores ao Tesouro Nacional.

Note-se o teor do comando legal:

Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:

I - na manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal, a qualquer título, observado, do total recebido, os seguintes limites: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

a) 50% (cinquenta por cento) para o órgão nacional; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

b) 60% (sessenta por cento) para cada órgão estadual e municipal; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

II - na propaganda doutrinária e política;

III - no alistamento e campanhas eleitorais;

IV - na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido.

V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria da mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

VI - no pagamento de mensalidades, anuidades e congêneres devidos a organismos partidários internacionais que se destinem ao apoio à pesquisa, ao estudo e à doutrinação política, aos quais seja o partido político regularmente filiado; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

VII - no pagamento de despesas com alimentação, incluindo restaurantes e lanchonetes.(Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Ora, quer pela interpretação gramatical do texto (“serão aplicados”), quer via método sistemático, os incisos do art. 44 compõem rol taxativo de utilização das verbas oriundas do Fundo Partidário, como dito anteriormente, de origem pública. Note-se que sequer haveria lógica em despender verbas públicas para sanar débito originado em ilícito.

Também aqui, total razão à opinião exarada pelo d. Procurador Regional Eleitoral, portanto.

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento do recurso a fim de determinar o retorno dos autos à origem - a 97ª Zona Eleitoral - para satisfação do acordo pactuado entre o Diretório Municipal do PTB de Esteio e a UNIÃO, pelas vias previstas para o cumprimento de sentença.