RE - 4924 - Sessão: 18/12/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de TUPANDI contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas, do exercício de 2016, devido ao recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas, e determinou o recolhimento do valor de R$ 916,00 ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 10%, e a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário pelo período de 03 (três) meses (fls. 123-124v.).

Em suas razões (fls. 126-134), afirma que a doação estimável em dinheiro (R$ 616,00) teve como objeto a cessão do endereço residencial do presidente do órgão partidário, Carlos Vanderley Kercher, para a sede do partido, com o propósito de receber comunicações processuais, efetuar a guarda de documentos e realizar reuniões partidárias. Argumenta que a agremiação e seus responsáveis não descumpriram as normas eleitorais intencionalmente, e que as faltas apuradas representam meros equívocos no lançamento contábil, incapazes de malferir a sua integridade. Esclarece que o partido não recebeu recursos do Fundo Partidário e não possui outras fontes de arrecadação. Defende o direito do presidente do partido de promover o cumprimento de suas funções institucionais, o que inclui a cessão do seu endereço à agremiação. Sustenta a inexistência de irregularidade ou impropriedade capaz de comprometer o conhecimento da origem e da destinação dos recursos. Alega que os fundamentos que justificam a proibição de recebimento de recursos provenientes de autoridades não estão presentes nas doações registradas pelo órgão partidário. Ao final, requer a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas, ainda que com ressalvas. Subsidiariamente, postula a redução das penalidades aplicadas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 139-144).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

A sentença apontou que a quantia de R$ 916,00, recebida por meio de doações de recursos financeiros (R$ 300,00) e estimáveis em dinheiro (R$ 616,00) realizadas por Carlos Vanderley Kercher, presidente do órgão partidário e detentor do cargo de Diretor Presidente da CESA no exercício a que se referem as contas, enquadra-se no conceito de recursos provenientes de fonte vedada, por ostentar o doador a condição de autoridade.

A respeito do tema, registro que, para o exame das presentes contas, deve ser considerado o texto do art. 31 da Lei n. 9.096/95 e seus incisos, vigente ao tempo do exercício financeiro em questão – 2016 – sem as posteriores alterações legislativas.

O TSE tem entendimento consolidado no sentido de que “a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força dos princípios da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo” (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Seguindo tal diretriz, este Tribunal, por ocasião do julgamento do RE n. 14-97.2016.6.21.0076, debateu quanto à incidência imediata da alteração introduzida no art. 31 da Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.488/17, que considera lícitas doações advindas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum, desde que filiados a partido político, entendendo, mediante juízo de ponderação de valores, pela irretroatividade das novas disposições legais, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, preponderando os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. Colaciono ementa do referido julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar rejeitada. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 prevê que deverá ser determinada a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa sempre que houver impugnação ou constatação de irregularidade no parecer conclusivo. A integração dos dirigentes na lide é consectário da responsabilização prevista na Lei dos Partidos Políticos. Manutenção dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Ilegitimidade passiva afastada.

2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia.

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

5. Incontroverso o recebimento de recursos de fontes vedadas, em valor correspondente a 65,79% das receitas do partido, impõe-se a desaprovação das contas. Redução, entretanto, do prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para quatro meses. (Grifei.)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS – RE: 1497 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: DES. ElLEITORAL LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 04.12.2017, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 225, Data 15.12.2017, Página 6) (Grifei.)

Quanto à abrangência do termo “autoridade”, importa referir que, em 2007, no julgamento da Consulta n. 1428 (Resolução TSE n. 22.585/07), o TSE assentou não ser permitido aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum de chefia ou direção da administração direta ou indireta.

Após a consolidação da interpretação dada pelo TSE ao art. 31, caput, inc. II, da Lei n. 9.096/95, os tribunais eleitorais de todo o país, inclusive este TRE, passaram a julgar as contas partidárias com observância à vedação de contribuições de titulares de cargos em comissão de chefia ou direção na administração pública.

A vedação é reproduzida pelo art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, cujas normas disciplinam o aspecto material de análise das contas do exercício financeiro de 2016:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…]

IV – autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se como autoridades públicas, para os fins do inciso IV do caput deste artigo, aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Como se verifica por seu expresso teor, o dispositivo não apresenta ressalva quanto à eventual circunstância de a autoridade acumular o exercício da direção do órgão partidário, tampouco se a natureza da receita arrecadada é estimável em dinheiro ou financeira.

Além disso, a previsão é entendida como uma norma de caráter objetivo, que não demanda investigação acerca do propósito visado com o repasse do recurso, bem como o porte da agremiação e a existência de outras fontes de arrecadação de receitas.

Isso não significa ignorar o universo fático em que ocorreram as irregularidades, mas apenas adequar a valoração dos aspectos circunstanciais ao momento em que a jurisprudência e a própria norma eleitoral admitem a realização desse juízo de ponderação, ou seja, por ocasião da aplicação das sanções correspondentes.

Ademais, a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, tendo relevo, no caso concreto, o rol constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.464/15.

Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido ou inviabiliza o seu funcionamento quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos através de diversos outros meios não proibidos pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

Então, correto o entendimento adotado pela sentença no sentido de que as contribuições, no total de R$ 916,00, realizadas pelo ocupante do cargo de Diretor Presidente da CESA, são consideradas fontes vedadas de arrecadação.

Ressalto que não comporta reforma a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, por não se tratar propriamente de uma penalidade, mas sim de uma consequência decorrente da arrecadação irregular de recursos, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Considerando que o total de recursos arrecadados (fls. 14-16) alcançou a quantia de R$ 2.756,00, a irregularidade apurada representa 33,23% das receitas do exercício, de modo que não é possível afastar o juízo de reprovação das contas.

Contudo, diante das circunstâncias do caso concreto, que evidenciam a boa-fé da agremiação, tenho que o período de suspensão do Fundo Partidário, decorrente do recebimento de recursos de fontes vedadas (art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.464/15), comporta redução para 1 (um) mês.

Outrossim, com fundamento nos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, a multa incidente sobre o valor irregular, que decorre da desaprovação da contabilidade (art. 49 da Resolução TSE n. 23.464/15), merece ser fixada em 1% (R$ 9,16), o que totaliza a quantia de R$ 925,16 a ser recolhida aos cofres públicos.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para 1 mês e a multa aplicada sobre o valor irregular para 1% (R$ 9,16), mantendo a desaprovação das contas e determinação de recolhimento da quantia total de R$ 925,16 ao Tesouro Nacional.