RE - 5635 - Sessão: 19/12/2018 às 10:30

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto contra decisão do Juiz da 159ª Zona Eleitoral – Porto Alegre - que julgou procedente representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral em desfavor de GABRIEL XAVIER MARANTES, sob o fundamento de que houve doação de recursos a Felipe Zortea Camozzato, candidato nas eleições 2016, em valor acima do limite estabelecido pelo art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

O recorrente foi condenado à pena de multa de 5 (cinco) vezes o valor em excesso, qual seja, R$ 2.318,24, perfazendo o valor de R$ 11.191,20.

Às fls. 86-104, alega o recorrente, em suas razões, que o ajuizamento da ação não respeitou o prazo de 180 dias a contar da diplomação, estando configurada a decadência. No mérito, argumenta que os rendimentos do doador considerados para fins de verificação do excesso não correspondem à realidade e acrescenta que a legislação eleitoral não define que o único meio de comprovação dos recebimentos deva ser a declaração de imposto de renda. Aduz que os rendimentos isentos e não tributáveis devem ser considerados na base de cálculo dos rendimentos da pessoa física. Postula o conhecimento e provimento do recurso para que a sentença seja reformada.

O Ministério Público Eleitoral manifestou-se (fls. 175-176) pelo desprovimento do apelo.

A Procuradoria Regional Eleitoral, por sua vez, opinou pela rejeição da prejudicial de decadência e, no mérito, pela manutenção da condenação (fls. 184-190).

É o relatório.

VOTO

1. Preliminar de decadência

Inicialmente, o recorrente alega que o prazo para ajuizamento de representações eleitorais é de 180 (cento e oitenta) dias contados da diplomação que, em Porto Alegre, ocorreu em 01.12.2016. Sustenta que, diante da data de distribuição da ação no foro competente, em 06.02.2018, teria se operado a decadência.

Ocorre que a Resolução TSE n. 23.462/15, que dispõe sobre representações, reclamações e pedidos de resposta previstos na Lei n. 9.504/97 para as eleições de 2016, veicula prazos específicos para representações como a ora analisada. Vejamos:

Art. 22. As representações que visarem à apuração das hipóteses previstas nos arts. 23, 30-A, 41-A, 45, inciso VI, 73, 74, 75 e 77 da Lei nº 9.504/1997 observarão o rito estabelecido pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990.

§ 1º As representações de que trata o caput poderão ser ajuizadas até a data da diplomação, exceto as do art. 30-A e 23 da Lei nº 9.504/1997, que poderão ser propostas, respectivamente, no prazo de quinze dias e até 31 de dezembro de 2017.

§ 2º O Juízo Eleitoral do domicílio civil do doador será o competente para processar e julgar as representações por doação de recursos para campanha eleitoral acima do limite legal de que trata o art. 23 da Lei nº 9.504/1997.

(Grifei.)

A aplicação da Resolução não pode ser afastada. Se o fosse, o recurso do doador sequer seria recebido, visto que o prazo recursal de decisões do juiz eleitoral, observando-se estritamente as previsões da Lei n. 9.504/97 (art. 96, § 8º), é de 24 (vinte e quatro) horas.

O dispositivo transcrito também prescreve que as representações por doação de recursos para campanha eleitoral acima do limite legal devam ser propostas no juízo eleitoral do domicílio civil do doador até 31.12.2017.

Na hipótese, a ação foi proposta em 18.12.2017, na 66ª Zona Eleitoral – Canoas (fl. 02).

Constatado que o doador teria domicílio em Porto Alegre, o Juízo da 66ª Zona Eleitoral determinou a remessa dos autos a uma das zonas eleitorais da capital (fl. 11).

Examinando situações semelhantes à que aqui se apresenta, o Tribunal Superior Eleitoral firmou posição no sentido de que a propositura da ação perante juízo absolutamente incompetente, desde que no prazo legal, impede a consumação da decadência (Recurso Especial Eleitoral nº 2130, Relatora Min. Luciana Lóssio, publicado em 27.10.2015; Recurso Especial Eleitoral nº 32230, Relator Min. Castro Meira, publicado em 28.8.2013).

Assim, proposta a ação dentro do prazo estabelecido na Resolução TSE n. 23.462/15, deve ser afastada a preliminar de decadência.

2. Mérito

O procedimento relativo à apuração de doação de recursos para campanha eleitoral acima do limite legal, nas eleições 2016, está disciplinado na Resolução TSE n. 23.463/15, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas.

Especificamente sobre os limites de doação para campanhas eleitorais, transcrevo a normativa na parte pertinente:

Art. 21. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição. (Lei n° 9.504/1997, art. 23, §1°)

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido na forma do art. 4º para o cargo ao qual concorre (Lei n° 9.504/1997, art. 23, §1°)

§ 2º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 3º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso, sem prejuízo de responder o candidato por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

§ 4º O limite de doação previsto no caput será apurado anualmente pelo Tribunal Superior Eleitoral e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observando-se os seguintes procedimentos:

I - o Tribunal Superior Eleitoral consolidará as informações sobre as doações registradas até 31 de dezembro de 2016, considerando (Lei nº 9.504/1997, art. 24-C, § 1º):

a) as prestações de contas anuais dos partidos políticos entregues à Justiça Eleitoral até 30 de abril de 2017;

b) as prestações de contas eleitorais apresentadas pelos candidatos e pelos partidos políticos em relação à eleição de 2016;

II - após a consolidação das informações sobre os valores doados e apurados, o Tribunal Superior Eleitoral as encaminhará à Secretaria da Receita Federal do Brasil até 30 de maio de 2017 (Lei nº 9.504/1997, art. 24-C, § 2º);

III - a Secretaria da Receita Federal do Brasil fará o cruzamento dos valores doados com os rendimentos da pessoa física e, apurando indício de excesso, comunicará o fato, até 30 de julho de 2017, ao Ministério Público Eleitoral, que poderá, até 31 de dezembro de 2017, apresentar representação com vistas à aplicação da penalidade prevista no § 2º e de outras sanções que julgar cabíveis (Lei nº 9.504/1997, art. 24-C, § 3º);

IV - o Ministério Público Eleitoral poderá apresentar representação com vistas à aplicação da penalidade prevista no § 3º do art. 23 da Lei nº 9.504/1997 e de outras sanções que julgar cabíveis, ocasião em que poderá solicitar ao Juiz Eleitoral competente a quebra do sigilo fiscal do doador e, se for o caso, do beneficiado.

§ 5º A comunicação a que se refere o inciso III do § 4º se restringe à identificação nominal, seguida do respectivo número de inscrição no CPF, município e UF fiscal do domicílio do doador, resguardado o sigilo dos rendimentos da pessoa física e do possível excesso apurado.

§ 6º Para os municípios com mais de uma Zona Eleitoral, a comunicação a que se refere o inciso III do § 4º deve incluir também a Zona Eleitoral correspondente ao domicílio do doador.

§ 7º A aferição do limite de doação do contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda deve ser realizada com base no limite de isenção previsto para o ano-calendário de 2016.

§ 8º Eventual declaração anual retificadora apresentada à Secretaria da Receita Federal do Brasil deve ser considerada na aferição do limite de doação do contribuinte.

§ 9º Se, quando das prestações de contas, ainda que parcial, surgirem fundadas suspeitas de que determinado doador extrapolou o limite de doação, o Juiz poderá, de ofício ou a requerimento do Ministério Público Eleitoral, determinar que a Secretaria da Receita Federal do Brasil informe o valor dos rendimentos do contribuinte no ano anterior.

Como se depreende da leitura do dispositivo destacado, as informações prestadas pelo contribuinte à Receita Federal acerca de seus rendimentos constituem a base de cálculo considerada para a apuração de eventual excesso de doação.

Não é outra a interpretação da jurisprudência acerca do instituto em questão. O “cálculo do limite de doação de 10% previsto no art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97 deve ser feito sobre os rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição, os quais são comprovados por meio da declaração de imposto de renda”, nos termos dos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral (para ilustrar, Recurso Especial Eleitoral n. 5043, Relator Min. Luís Roberto Barroso, publicado em 25.10.2018).

A norma inclusive admite que o contribuinte retifique a declaração anual apresentada à Receita Federal para adequar-se aos limites, o que também é chancelado na jurisprudência eleitoral.

Tendo ocorrido o equívoco tributário único e pontual alegado no recurso, a retificação tempestiva da declaração de imposto de renda perante o órgão competente poderia afastar a aplicação da multa, mas não foi realizada.

Um dos precedentes citados pelo recorrente em suas razões – RE n. 7689 - inclusive retrata tal situação: doador que retificou declaração de renda perante o órgão fazendário e teve afastada a multa pelo excesso inicialmente apurado.

O outro precedente que sustentaria os argumentos recursais – RE 1509 - contempla situação diversa da aqui examinada, tratando do momento da incorporação de rendimentos em virtude de abertura de sucessão, de forma que também não se amolda como paradigma de divergência aos argumentos formulados na sentença.

Assim, não há como admitir que os rendimentos do doador possam ser demonstrados por movimentação financeira, extratos bancários ou comprovantes de outra natureza senão estritamente naqueles valores informados ao fisco.

De outra banda, este Regional tem admitido que sejam considerados os rendimentos tributáveis, os isentos e não tributáveis e os sujeitos à tributação exclusiva na verificação do limite de doação às campanhas eleitorais, uma vez que todos integram a base de cálculo dos rendimentos brutos da pessoa física. Menciono o precedente que estampa tal compreensão:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 1º, DA LEI N. 9.504/97. APLICAÇÃO DE MULTA. CONCEITO DE RENDIMENTO BRUTO. MAJORAÇÃO DOS RENDIMENTOS. REDUÇÃO DA PENALIDADE PECUNIÁRIA. PROVIMENTO PARCIAL.

Para a verificação do limite de doação às campanhas eleitorais, devem ser considerados os rendimentos tributáveis, os isentos e não tributáveis e os sujeitos à tributação exclusiva, uma vez que integram a base de cálculo dos rendimentos brutos da pessoa física. Ultrapassados os limites impostos pela norma de regência, que restringe a doação a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pela pessoa física no ano anterior à eleição, há incidência objetiva de sanção eleitoral.

Inviável a consideração de eventual saldo em conta-corrente ou do valor do patrimônio. Acréscimo, entretanto, dos rendimentos sujeitos à tributação exclusiva, anteriormente não computados para o estabelecimento da renda bruta. Redução da multa aplicada.

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n 21720, ACÓRDÃO de 11.10.2018, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 187, Data 15.10.2018, Página 3.)

Tendo em mente esse parâmetro, e examinando os documentos constantes no anexo 1, verifico que o recorrente auferiu rendimentos de todas essas categorias no ano-calendário de 2015 (fls. 49-56):

- rendimentos tributáveis: R$ 6.817,60

- rend. isentos e não tributáveis: R$ 11.486,26

- rend. sujeitos à tributação exclusiva: R$ 515,71

Total de rendimentos: R$ 18.819,57

Considerados o total dos rendimentos (R$ 18.819,57), e não somente os tributáveis – procedimento adotado na decisão a quo -, o recorrente poderia fazer doação de até R$ 1.881,95 nas Eleições 2016. Tendo doado R$ 3.000,00, incidiu em excesso na quantia de R$ 1.118,05.

Tomado o parâmetro do valor mínimo da sanção prevista em lei aplicado na sentença – cinco vezes o valor do excesso -, a condenação ao pagamento de multa deve ser readequada para R$ 5.590,25.

Assim, contemplando que devam ser considerados para verificação do limite de doação eleitoral os rendimentos tributáveis, os isentos e não tributáveis e os sujeitos à tributação exclusiva, o que, no caso concreto, amplia o montante de rendimentos auferidos pelo recorrente, deve ser dado provimento ao pedido alternativo formulado no recurso, de forma a reduzir o valor da multa aplicada para R$ 5.590,25 (5 x R$ 1.118,05).

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a preliminar de decadência e, no mérito, por dar parcial provimento ao recurso para, mantendo a decisão que julgou procedente o pedido formulado na representação, reduzir a penalidade de multa para o valor de R$ 5.590,25.