E.Dcl. - 7067 - Sessão: 05/12/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), fls. 1024-1028. Entende que o acórdão, constante às fls. 1011-1018v., padece de “omissões, contradições e obscuridade”. Requer o acolhimento dos embargos, com a atribuição de efeitos modificativos.

É o relatório.

VOTO

São tempestivos os embargos de declaração.

A oposição ocorreu em 09.11.2018 (fl. 1024). O acórdão foi publicado em 06.11.2018, terça-feira, no DEJERS (fl. 1020). De acordo, portanto, com o art. 275, § 1º, do Código Eleitoral.

No mérito, o embargante sustenta a existência de omissão quanto ao emprego do art. 2º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.472/16, que possibilita a retroação de norma mais benéfica em prestação de contas.

Argumenta que não houve manifestação acerca do alegado enriquecimento ilícito da União, por ser destinatária dos recursos considerados irregulares, porquanto procedentes de fontes vedadas e de origem não identificada.

Defende a ocorrência de obscuridade quanto a elemento de prova, ao fundamento de que os recursos arrecadados com a denominação “0236-crédito títulos” foram considerados como de origem não identificada, não obstante a agremiação tenha informado os doadores.

Alega a existência de contradição no tocante à interpretação ampliativa de norma restritiva, em razão do enquadramento das contribuições vertidas por ocupantes dos cargos de Coordenador e Coordenador-Geral de Bancada como sendo procedentes de fontes vedadas.

Assevera, por fim, que a redação original do art. 44, inc. V e § 5º, da Lei n. 9.096/95 admite a reserva de valores para gastos em políticas femininas, de modo que a decisão, ao negar a aplicação do referido dispositivo, incorreu em contradição.

Requer o saneamento dos vícios apontados e a atribuição de efeitos modificativos para “excluir a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional; excluir a determinação de aplicação de R$ 60.444,16 com políticas femininas; aprovar as contas do partido; e excluir a suspensão de repasses do Fundo Partidário”.

À análise.

1. Da omissão quanto à aplicação do art. 2º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.472/16

Como bem referido pelo próprio embargante, este Tribunal não acolheu a tese de que a disposição contida no art. 12 da Resolução TSE n. 23.546/17 retroagiria por ser benéfica.

Ocorre que, efetivamente, houve omissão acerca da apreciação da matéria frente ao art. 2º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.472/16, que dispõe:

Art. 2º As instruções para regulamentação das eleições ordinárias serão editadas em caráter permanente e somente poderão ser alteradas nas seguintes hipóteses:

[...]

§ 3º A alteração que verse sobre prestação de contas anuais somente será aplicada ao exercício seguinte, salvo se dela sobrevier evidente benefício para os partidos políticos.

A Resolução TSE n. 23.472/16 foi editada com a finalidade de sistematizar o poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral no que concerne à expedição de instruções para realização de eleições, na forma de instrumento que permitiria aos jurisdicionados antever as regras técnicas e a interpretação dos dispositivos legais a serem aplicados nos pleitos futuros.

O ato normativo não impõe a aplicação retroativa da lei, apenas orienta que, na redação de futuras resoluções, deve ser observado que modificações em relação à prestação de contas não são aplicáveis no ano em que publicadas, mas apenas no exercício seguinte, como forma de garantir segurança ao jurisdicionado.

Ainda como forma de prestígio ao jurisdicionado, consignou-se que, como exceção, normas que reflitam em evidente benefício para os partidos políticos poderão ter aplicação imediata.

Como se percebe, trata-se de recomendações dirigidas à elaboração de futuros regulamentos pelo próprio Tribunal Superior, e que, em razão de suas peculiaridades, não se sobrepõem às normas que disciplinam o conflito de leis no tempo.

Com essas considerações, afasto a aplicação do disposto no § 3º do art. 2º da Resolução TSE n. 23.472/16, de forma a suprir a omissão alegada nos embargos declaratórios.

2. Da não apreciação da alegação de enriquecimento ilícito da União

Os embargos afirmam, aliás de maneira equivocada, que, na fundamentação, “não há qualquer referência ao fato de que o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional causará locupletamento ilícito da União”.

Sem razão o embargante.

O enfrentamento da matéria foi realizado quando apreciada a alegação de inconstitucionalidade do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14, por ofensa ao art. 5º, inc. II, do texto constitucional e extrapolação do poder regulamentar do TSE, oportunidade em que foi afastada a interpretação no sentido de que a providência de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional ensejaria o enriquecimento ilícito da União, por tratar-se de consequência lógica contemplada na previsão normativa e necessária ao restabelecimento do equilíbrio entre as agremiações.

Segue trecho da decisão, verbis:

“[...]

Trata-se de consequência lógica da disposição, que resulta de expressa permissão normativa, consistente nos comandos do art. 61 da Lei n. 9.096/95 e art. 23, inc. IX, do Código Eleitoral.

Logo, não verifico incompatibilidade da norma com o texto constitucional, tampouco que a providência acarrete locupletamento ilícito da União. Ao contrário disso, trata-se de medida isenta e necessária para o restabelecimento da ordem jurídica violada.

Ademais, cabe observar que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a legitimidade da atuação do TSE na regulação dos temas eleitorais, de modo que não há se falar em inconstitucionalidade, em vista da inexistência de contrariedade de preceito constitucional no caso (ADI n. 3999/DF; ADI n. 3345/DF).

3. Da obscuridade quanto à prova da origem dos recursos arrecadados com a denominação “0236-crédito títulos”

No ponto, pretende o recorrente revisitar o mérito da demanda, especialmente a valoração das justificativas apresentadas a respeito dos recursos considerados como sendo de origem não identificada pela unidade técnica.

Constou expressamente na fundamentação da decisão que o cotejo realizado entre os livros e os dados registrados nos boletos, para o fim de identificar os doadores, embora possa servir para controle interno, não supre a formalidade prevista no diploma regente para a comprovação da origem dos recursos.

Observo que o intento de comprovar a regularidade da referida receita, embora não tenha servido para afastar a falta de confiabilidade decorrente do descumprimento da previsão normativa, foi devidamente considerado para o fim de afastar a determinação de suspensão das quotas do Fundo Partidário.

Reproduzo o excerto referenciado:

“[…]

Quanto ao recebimento de recursos de origem não identificada, o órgão técnico verificou que a quantia de R$ 5.105,87, arrecadada com a denominação de “0236-CREDITO TITULOS” restou sem comprovação dos doadores contribuintes das receitas, em razão da falta de indicação do CPF/CNPJ respectivo.

Ressalto que os documentos às fls. 879-889 não se prestam para esse fim, pois se destinam a atestar a origem dos créditos de operações “CREDITO CONV. ENCARGO”.

Em defesa ao apontamento, a agremiação sustenta que a identificação ocorreu exclusivamente por meio do cruzamento entre os lançamentos constantes no livro razão e as informações bancárias. Nesse ponto, os documentos às fls. 925-930 evidenciam a impossibilidade de conferência dos dados dos doadores.

Por essa razão, não é possível entender como regular os recursos arrecadados. A forma de recebimento afronta a disposição contida no art. 8º, §2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, que exige a identificação do doador por meio da aposição do CPF/CNPJ:

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que remeterão à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil.

§ 1º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político.

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deverá ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “outros recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF ou o CNPJ do doador seja obrigatoriamente identificado.

Em virtude do descumprimento, deve a referida importância ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 23.432/14.

Todavia, deixo de aplicar a suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos do Fundo Partidário, prevista no art. 46, inc. II da Resolução TSE n. 23.432/15, por entender que a agremiação envidou seus esforços para esclarecer a origem do recurso, embora não tenha sido possível suprir a irregularidade quanto à forma de sua arrecadação.”

Assim, não existe obscuridade na apreciação da questão.

4. Da contradição quanto à interpretação ampliativa de norma restritiva

O embargante alega a existência de contradição na decisão, por conferir interpretação restritiva no enquadramento dos agentes políticos e ampliativa relativamente aos ocupantes dos cargos de coordenador.

Sem razão.

Integra a fundamentação que o enquadramento foi realizado com base na nomenclatura atribuída às funções e no plexo de atividades a elas imanentes, ressalvando-se a possibilidade de o órgão partidário interessado demonstrar que a presunção resultante desse raciocínio não corresponde à realidade das atribuições do ofício.

Assim, considerando que, nos termos do art. 37, inc. V, da CF/88, os cargos comissionados e as funções de confiança existentes na Administração Pública são apenas para o desempenho das funções de direção, chefia ou assessoramento, não há como olvidar que o cargo de Coordenador, ainda que por exclusão, amolda-se na vedação, uma vez que se extrai do verbo coordenar ações como direção, gestão e orientação de atividades.

Situação absolutamente diversa ocorre em relação aos agentes políticos, que são eleitos pela vontade popular para exercer, com independência, as funções atinentes ao cargo correspondente.

Logo, não existe contradição.

5. Da contradição quanto à interpretação conferida ao art. 44, inc. V e § 5º, da Lei n. 9.096/95

Por fim, o embargante sustenta a ocorrência de contradição na interpretação do art. 44, inc. V e § 5º, da Lei n. 9.096/95, na sua redação original, que prevê a possibilidade de reserva de valores para utilização no exercício subsequente no caso de não aplicação de, no mínimo, 5% dos recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

Trata-se de evidente tentativa de revisita ao mérito da demanda.

Não há reparo na fundamentação, que racionalizou a convicção firmada no tocante à aplicação do dispositivo invocado.

Confira-se:

[…]

Apesar da argumentação da agremiação no sentido de reserva de valores para esse fim no exercício subsequente ao descumprimento, adiro à manifestação da unidade técnica no sentido de que a providência adotada não encontra amparo normativo.

Ademais, a conduta do partido não atende ao fim colimado pela norma eleitoral, que é promover a participação feminina na política. Ao revés, faz letra morta a ação afirmativa extraída do dispositivo.

O incentivo à participação das mulheres, como ação afirmativa, merece ser interpretado de forma a conferir a maior efetividade possível à norma. E o acórdão adotou exatamente essa linha interpretativa, que tem por escopo a valorização da igualdade de gênero na política.

Entender que o preceito garante à agremiação a possibilidade de dispor desse dever, protraindo a aplicação do percentual para o exercício financeiro subsequente, é ferir o comando normativo, que deve ser entendido como a sanção aplicável no caso de descumprimento da determinação, e não como mera faculdade concedida ao órgão partidário.

Por isso, não há contradição.

Refiro, a título de desfecho: quanto ao prequestionamento de dispositivos, conforme o art. 1025 do CPC, “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Diante do exposto, VOTO pelo acolhimento dos embargos opostos pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), apenas para agregar ao acórdão embargado os esclarecimentos expostos, os quais são incapazes de modificar a sua conclusão.