INQ - 57392 - Sessão: 03/09/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de inquérito policial instaurado pela Delegacia da Polícia Federal, sediada em Passo Fundo, por requisição da Promotoria Eleitoral local, para fins de apuração de eventual prática do crime de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), ocorrido, em tese, em 15.9.2016.

A Procuradoria Regional Eleitoral solicitou a este Egrégio Tribunal Regional Eleitoral que fixasse sua competência originária, bem como a abertura conjunta de vista destes autos com os da AIJE n. 165-04.2016.6.21.0128, que apurou o mesmo fato (fls. 73-75).

Os pedidos foram deferidos em 22.11.2018 (fl. 110).

Com o exame de todos os elementos, o Parquet Eleitoral requereu o arquivamento do inquérito policial, com as ressalvas do art. 18 do CPP (fls. 118-120v).

É o breve relatório.

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

Inicialmente, anoto que, em decisão ocorrida no mês de maio de 2018, por maioria, o Supremo Tribunal Federal assentou nova interpretação a respeito da competência originária para processamento e julgamento de ação penal por prerrogativa de função, na Ação Penal Originária n. 937, para restringir sua aplicação apenas aos delitos praticados no exercício do cargo e com pertinência às funções exercidas, salvo se o feito encontrar-se em fase de alegações finais.

No caso dos autos, ODIR JOÃO BOEHM tem contra si atribuída prática de fato que caracteriza ilícito eleitoral ao tempo em que ocupava o cargo de Prefeito de Ernestina (2016).

Foi reeleito, de forma que se consolidou a competência deste Regional para o inquérito, porquanto os fatos, em tese, configuram crime eleitoral, e um dos investigados ostenta a condição de prefeito. Ademais, há pertinência entre tais fatos e as funções desempenhadas pelo mandatário.

Realizada a investigação do fato noticiado, o representante do Ministério Público Eleitoral concluiu pela ausência de justa causa para a persecução penal, razão pela qual requer o arquivamento das peças de informação.

A conduta supostamente ocorrida foi o oferecimento de R$ 200,00 (duzentos reais) a Nathalia Aparecida da Silva Timoteo, na época com 17 anos, no interior do prédio da prefeitura, pelo então prefeito e candidato à reeleição, em troca do voto  da eleitora e, possivelmente, dos seus familiares, em sua candidatura.

E o d. Procurador Regional Eleitoral sublinha, em sua promoção, a fragilidade probatória de todos relatos. Vejamos:

[...]

os elementos de informação coletados são insuficientes para subsidiar o oferecimento de denúncia e não há outras diligências a serem realizadas, razões pelas quais o presente expediente deve ser arquivado.

Com efeito, restou incontroverso (tanto na presente investigação quanto na AIJE N. 165-04) que em setembro de 2016, a eleitora Nathalia Timoteo, então com 17 anos de idade, foi recebida pelo Prefeito Municipal e candidato à reeleição ODIR BOEHN, no Gabinete do Prefeito, no interior do prédio da Prefeitura Municipal de Ernestina, ocasião em que a primeira lhe solicitou uma vaga para estágio, tendo recebido como resposta que poderia ser chamada em outubro (após a eleição) ou, talvez, apenas em janeiro. Também restou incontroverso que, na mesma ocasião, considerando que não iria começar a trabalhar imediatamente, Nathalia Timoteo solicitou ao Prefeito Municipal ajuda financeira para cobrir parte dos gastos que teria com a formatura de 2º grau, tendo este lhe emprestado R$ 200,00.

Além do áudio do encontro (gravado por Nathalia Timoteo, com seu telefone celular) a efetiva ocorrência dos fatos foi reconhecida por ODIR BOEHN em sua oitiva policial, assim como pelas peças de defesa apresentadas na AIJE n. 165-04. Parte dos fatos ainda encontra supedâneo nos depoimentos de servidores públicos municipais, como a professora Diones Margarinos da Silva, presente no momento da conversa em que foi questionada se haveria vaga de estágio aberta naquele momento ou por abrir nos próximos meses.

O ponto controvertido reside no elemento subjetivo do tipo previsto pelo art. 299 do Código Eleitoral – “para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção” - essencial à caracterização da corrupção eleitoral.

Nesse particular, observa-se que o áudio da reunião contém diversas partes inaudíveis. Do que é possível escutar, extrai-se, claramente, a existência do encontro e os assuntos tratados. Porém não se escuta pedido expresso ou implícito de voto, nem a imposição de condições ao atendimento dos pedidos feitos a ODIR por Nathalia.

A eleitora, ouvida nesta investigação e, também, na instrução da AIJE n. 165-04, declarou que a conversa tinha como base a obtenção do seu voto, bem como que intercedesse junto ao seu pai para que ele também votasse em prol da reeleição de ODIR. Contudo, este negou ter havido negociata de votos.

As demais testemunhas e informantes ouvidas nesta investigação e na AIJE n. 165-04 não presenciaram eventual conversa sobre votos. Inclusive, como nestes autos havia sido colhido o depoimento de apenas uma testemunha (além da eleitora e do candidato envolvidos no fato), solicitou-se vista da AIJE n. 165-04, no âmbito da qual foram ouvidas outras três pessoas. Porém, analisando o inteiro teor dos áudios dos seus depoimentos restou claro que não presenciaram nenhuma parte da reunião havida entre o candidato e a eleitora.

Logo, a única prova direta do dolo reside no depoimento da eleitora, o qual, diante da negativa do candidato, resta insuficiente para o início de um processo criminal contra o investigado, à míngua de prognóstico da existência de possibilidade de produção de prova confirmatória e adicional ao que até o presente momento se conseguiu coletar.

Conforme sustentamos no parecer ofertado no Recurso Eleitoral na AIJE n. 165-04, o elemento subjetivo da captação ilícita de sufrágio (infração eleitoral cível correspondente ao crime de corrupção eleitoral) poderia ser extraído do depoimento da eleitora em contraste com as circunstâncias da reunião e as partes audíveis da gravação.

Mencione-se, nesse sentido que a iniciativa da reunião partiu de ODIR BOEHN, após encontro fortuito em que a eleitora declarou que não iria ouvir suas propostas pois quando enviou currículo para a Prefeitura Municipal ele sequer foi analisado). Além disso alguns trechos do áudio induzem à conclusão de que houve negociação do voto de Natália, v.g. “(ininteligível) se eu não te dar nada, se tu achar que eu to te dando pouco (ininteligível)” e “esconda, se tu falar pra alguém que eu te dei, eu vou dizer que você mentiu”).

Todavia, assim como há elementos hábeis à fundamentar a presença da intenção do candidato de obter o voto da eleitora, há, concomitantemente, elementos hábeis a afastar esse dolo, conforme explicitado no voto vencedor no julgamento do RE na AIJE n. 165-04.

Nesse particular, destaca-se que a eleitora já adentrou à reunião com o gravador ligado e insistiu inúmeras vezes para que o prefeito lhe conseguisse alguma vantagem, fosse um estágio ou o pagamento de parte dos custos de sua formatura, sendo pouco convincente a explicação de que realizou a gravação pois tinha receio de que ele pudesse lhe assediar.

Chama atenção, também, que diante do temor de Nathalia de sofrer alguma retaliação por parte de ODIR – já que, ao final da conversa ele percebeu que havia sido gravado – ela tenha apresentado a gravação à coligação adversária de ODIR e não a órgão policial.

No mais, cumpre reconhecer que não há outras provas a serem produzidas sobre o dolo uma vez que a suposta negociata de votos, se efetivamente ocorreu, se deu a portas fechadas, sub-repticiamente.

Conforme lucidamente ponderado pelo Promotor Eleitoral que atuou em primeira instância na AIJE n. 165-04, “embora reprovável a conduta do representado Odir, pois, em período eleitoral, recebeu Nathalia Aparecida da Silva Timoteo em seu gabinete, atendendo suas solicitações de ajuda, não se tem como aferir um juízo de certeza de sua real intenção, se era de angariar o voto mediante recompensa ou de apenas auxiliar a solicitante”.

Nesse contexto, ainda que possível o oferecimento e o recebimento de denúncia no presente caso com base no princípio in dubio pro societate, resta clara a inviabilidade de, em instrução judicial, ser sanada a referida dúvida.

Em outras palavras, o sucesso da ação penal dependeria, exclusivamente, de uma confissão do agente, afigurando-se absolutamente contrário aos princípios da eficiência e da economicidade intentar uma ação penal em tais condições. 

[...]

Conforme o exposto, a única prova direta do dolo de captação de sufrágio reside no depoimento da eleitora – visto que tal prática não se evidencia na gravação por ela realizada, que contém muitos trechos inaudíveis. Nesse contexto, diante da negativa do candidato, o acervo probatório colhido na investigação é insuficiente para o início de um processo criminal, à míngua da possibilidade de produção de prova confirmatória e adicional ao que, até o presente momento, se conseguiu coletar.

Dessa forma, uma vez ausentes provas que constituam subsídios mínimos para a instauração da ação penal, e esgotadas as investigações sobre os elementos de que até aqui se tem notícia, tenho que o pleito de arquivamento por ausência de justa causa para a denúncia, tal como requerido pelo próprio dominus litis da persecução criminal, deva ser atendido.

ANTE O EXPOSTO, acolho integralmente a promoção ministerial e VOTO no sentido de determinar o arquivamento do expediente, com a ressalva do disposto no art. 18 do Código de Processo Penal e no art. 11 da Resolução TSE n. 23.363/11.

É como voto, senhora Presidente.