RE - 4708 - Sessão: 18/12/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de São Gabriel contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2014, em virtude da omissão de documentos essenciais, inclusive dos extratos bancários, além do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas, consistentes em doações de servidores públicos demissíveis ad nutum, determinando, em conclusão, o recolhimento do valor de R$ 37.981,48 ao Tesouro Nacional e a suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário pelo período de 06 meses (fls. 496-497v.).

Em sua irresignação (fls. 502-511), o recorrente aduz preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pois não houve abertura de prazo para alegações finais, contrariamente ao que determina o art. 40 da Resolução TSE n. 23.546/17. No mérito, afirma que os demonstrativos de fluxo de caixa foram devidamente entregues nos moldes regulamentados para as contas do exercício de 2014. Junta aos autos os extratos bancários visando sanar a inconsistência. Relata que não houve intimação do partido para complementar as peças faltantes. Sustenta que não há demonstração clara sobre os cargos ocupados pelos contribuintes e os respectivos valores depositados mês a mês. Alega que não estão nos autos as leis que definem as funções de cada cargo, impossibilitando a demonstração de que eram autoridades públicas com poder de decisão. Assevera que a penalidade não pode ser aplicada sem prova de que a agremiação tinha conhecimento da natureza dos cargos. Entende que as doações realizadas pelos membros do diretório são lícitas, uma vez que previstas no Estatuto da sigla partidária. Ressalta que a responsabilidade pela legalidade da doação cabe ao doador, não sendo transferível ao beneficiário. Requer a nulidade da decisão, com o retorno dos autos à origem para renovação da instrução. Caso superada a prefacial, pugna pela aprovação das contas, com ou sem ressalvas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 543-548v.).

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR

Nulidade da Sentença

O órgão partidário sustenta prefacial de cerceamento de defesa, ao argumento de que não lhe foi facultada a apresentação de alegações finais, em inobservância ao procedimento previsto no art. 40 da Resolução TSE n. 23.546/17, negando à parte a oportunidade de tecer uma análise ampla do processo.

Efetivamente, analisando os autos, observo que, após a abertura de prazo para a apresentação da defesa a que alude o art. 38 da Resolução TSE n. 23.464/15, diploma normativo então vigente e aplicável aos atos processuais em tela, a sentença foi prolatada sem que fosse oportunizada a oferta de alegações finais, conforme a disposição contida no art. 40 da referida Resolução.

Contudo, após a emissão de parecer pelo Ministério Público Eleitoral, o partido político e seus dirigentes foram devidamente notificados para a apresentação de suas razões defensivas e para a produção de provas (fls. 470, 477 e 485), deixando transcorrer o prazo legal de quinze dias sem manifestação (fl. 486).

Assim, em que pese às alegações dos recorrentes, entendo que não houve prejuízo à defesa. Isso porque, depreende-se do art. 40, caput e parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.464/15 que as alegações finais visam ao debate sobre o pronunciamento do examinador técnico acerca dos argumentos e provas trazidos pelo órgão partidário em sua defesa.

Portanto, não havendo novas alegações ou dilação probatória após esse prazo, torna-se despicienda a apresentação de alegações finais pelas partes.

Nesse sentido, destaco a seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas. Partido Político. Fonte vedada. Resolução TSE n. 23.432/14. Exercício financeiro de 2015.

1. Afastada a preliminar de nulidade da sentença por ausência de intimação para alegações finais. Previsão contida no art. 40 da Resolução TSE n. 23.464/15, a qual dispõe que, encerrada a produção de provas, deve ser dada vista às partes para alegações finais. Todavia, no caso, não houve produção de provas, visto a matéria probatória depender exclusivamente de prova documental, e trazida aos autos pelo prestador. Rejeitada igualmente a prefacial de cerceamento de defesa. Produção de prova testemunhal indeferida, uma vez que o conceito de autoridade pública é temática exclusivamente de direito.

2. Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Reconhecida como fonte vedada as quantias recebidas de Coordenador, Chefe de Gabinete, Secretário e Procurador.

3. Confirmada a sentença que determinou o recolhimento do montante recebido indevidamente ao Tesouro Nacional. Adoção dos critérios da razoabilidade e proporcionalidade para reduzir o prazo de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para três meses.

Provimento parcial.

(TRE-RS – RE PC 18-47.2016.6.21.0008, relator Des. Eleitoral Paulo Afonso Brum Vaz, sessão de 14.12.2016.) (Grifei.)

Pertinente salientar, ainda, que a agremiação foi exitosamente intimada para prestar esclarecimentos ou realizar o saneamento de todos os apontamentos realizados durante o exame preliminar das contas (fls. 65 e 459-459v.), nos exatos termos do art. 34, § 3º, da Resolução TSE n. 23.464/15, tendo, porém, se quedado silente em todas as oportunidades (fls. 65v. e 460v.).

Por consequência, não cabe a alegação do recorrente quanto a ter havido cerceamento de defesa, devendo ser rejeitada a prefacial.

Inadmissibilidade dos documentos juntados com o recurso

Houve a juntada, com o recurso, de espelho de consulta de histórico de extratos (fls. 512 e v.) e de extratos de Fundo de Investimento (fls. 513-536v.), com a finalidade de superar a irregularidade atinente à ausência de extratos bancários.

É bem verdade que este Tribunal, com fulcro no art. 266, caput, do Código Eleitoral, em sede de prestação de contas, tem se posicionado pela aceitação de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição.

Entretanto, nessas situações excepcionais, a documentação nova somente é conhecida quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, ou seja, o saneamento da falha deve defluir de plano da documentação, sem necessidade de qualquer persecução complementar.

Tal procedimento é inviável em se tratando de extratos bancários não submetidos à apreciação durante a instrução do feito, pois essas peças demandam apurada análise contábil, sujeitando-se a diversas conferências e verificações técnicas pelo examinador designado.

É inviável que, após o julgamento e a despeito de não ter atendido às intimações nas fases processuais próprias, a parte pretenda reabrir a instrução probatória e o exame técnico, quando já encerrada a jurisdição da instância a quo.

Ilustrando tal entendimento, destaco a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. AFASTADOS. EXTRATOS BANCÁRIOS DA TOTALIDADE DA CAMPANHA. NÃO APRESENTADOS. JUNTADA DA DOCUMENTAÇÃO EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS. REJEITADA. DESPROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

1. Afastados os argumentos de cerceamento de defesa e de ausência de dilação probatória. O art. 48, inc. II, alínea “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15 prevê expressamente a apresentação de extratos da conta bancária aberta em nome do candidato, demonstrando a movimentação financeira ou a sua inexistência, em forma definitiva, contemplando todo o período de campanha. Verificada a ausência da documentação na prestação de contas da candidata, a qual, apesar de regularmente intimada, manteve-se inerte, manifestando-se nos autos somente após a prolação da sentença.

2. A irregularidade não fica afastada com a juntada dos extratos bancários em embargos de declaração, pois estes possuem hipóteses de cabimento taxativamente elencadas no art. 275 do Código Eleitoral, sendo inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa e para a reabertura da instrução processual.

3. Este Tribunal, em situações excepcionais, aceita a apresentação de documentação nova com o recurso quando a sua simples leitura reflete positivamente no exame das contas. Circunstância que difere do exame de extratos bancários, que demandam apurada análise contábil, conferências e verificações técnicas.

4. Irregularidade que compromete a transparência e a confiabilidade da prestação de contas.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE 773-62.2016.6.21.0011, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, sessão de 07.11.2018.) (Grifei.)

Dessa forma, considerando a complexidade que a análise dos documentos demanda, confundindo-se com verdadeira instrução da prestação de contas, é indevida a sua juntada em fase recursal, motivo pelo qual não serão considerados no presente julgamento.

MÉRITO

Tangente ao mérito, inicialmente, o órgão técnico de análise indicou a omissão de documentos indispensáveis ao exame das contas, quais sejam, a Demonstração dos Fluxos de Caixa, as Notas Explicativas, o Parecer da Comissão Executiva e os extratos bancários de todo o exercício financeiro (fl. 61 e v.).

Entretanto, as peças essenciais à formalização das contas relativas ao exercício de 2014 estão arroladas no art. 14 da Resolução TSE n. 21.841/04, o qual não elenca a obrigatoriedade de Demonstração dos Fluxos de Caixa ou de Notas Explicativas. Dessarte, a omissão desses documentos, por si só, não é causa para a desaprovação das contas.

Por sua vez, a ausência de Parecer da Comissão Executiva, aprovando ou não as contas, exigido pelo art. 14, inc. I, al. “k”, da aludida Resolução, é falha meramente formal, que não prejudica o exame e a transparência da contabilidade, ensejando a simples aposição de ressalvas no julgamento das contas.

Diversamente, a sonegação dos extratos bancários do período integral do exercício em análise, ostenta natureza grave, implicando a desaprovação da contabilidade.

De fato, com a ausência de apresentação dos extratos bancários, de forma consolidada e definitiva, conforme reclamado pelos arts. 12 e 14, inc. I, al. “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04, as informações prestadas não se revestem da segurança para o controle das contas, inviabilizando a fiscalização sobre a real movimentação financeira e patrimonial do partido político.

Nessa linha, posiciona-se a sedimentada jurisprudência:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2011. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DOS EXTRATOS BANCÁRIOS. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTES VEDADAS. ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/95. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. LICITUDE DAS DOAÇÕES ADVINDAS DE DETENTORES DE MANDATO ELETIVO. SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. A ausência de documentos exigidos pela legislação, dentre eles os extratos bancários completos, de forma consolidada e definitiva, nos termos dos arts. 12 e 14, inc. I, al.“n”, da Resolução TSE n. 21.841/04, impede o efetivo controle da Justiça Eleitoral sobre as contas dos partidos políticos, ensejando a sua desaprovação.

2. Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. A agremiação partidária recebeu recursos de ocupantes dos cargos de secretário, chefe e coordenador, todos diretamente ligados ao exercício de direção ou chefia, caracterizando o ingresso de recurso de origem proibida por lei.

3. Em relação às contribuições que a agremiação partidária recebeu de detentores de mandatos eletivos - prefeito, vice-prefeito e vereador –, este Tribunal recentemente reviu seu entendimento para concluir que os agentes políticos, dentre os quais se inserem os detentores de mandato eletivo, não são alcançados pela vedação do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Doações consideradas lícitas.

4. Recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores oriundos de fontes vedadas. Manutenção do juízo de desaprovação das contas e do prazo de suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário.

4. Parcial provimento.

(TRE-RS – RE PC 48-10.2016.6.21.0032, Relator Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, sessão de 19.02.2018) (Grifei.)

 

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014. Falta de abertura de conta bancária para o registro da movimentação financeira e da apresentação dos extratos bancários correspondentes. Providências imprescindíveis, seja para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos, seja para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira à Justiça Eleitoral. Inaplicabilidade da norma que desobriga a apresentação das contas por órgãos partidários que não tenham movimentação financeira e que exclui a sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário, haja vista a irretroatividade dos efeitos das alterações decorrentes da Lei n. 13.165/15, conforme entendimento firmado por este Tribunal. Readequação, de ofício, do prazo de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para 1 (um) mês. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral nº 3350, Acórdão de 25.01.2016, Relator DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 16, Data 29.01.2016, Página 4) (Grifei.)

Prosseguindo na análise, o juízo de reprovação das contas decorreu também da arrecadação de recursos oriundos de fontes vedadas, à luz da redação originária do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, reproduzido pelo art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04, que proibia o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

Tratando-se de contas relativas ao exercício financeiro de 2014, escorreita a aplicação, pelo juízo a quo, do art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 em sua redação primitiva, vigente ao tempo dos fatos em análise, conforme entendimento pacificado no âmbito deste Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade) (Grifei.)

A vedação das doações partidárias por detentores da condição de “autoridade” busca garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações e prevenir a distribuição oportunística de cargos e a captura do processo político pelo poder econômico.

Em suas razões recursais, a agremiação argumenta que não há clareza quanto aos cargos ocupados pelos contribuintes e sobre os respectivos valores doados.

Entretanto, a relação de fontes vedadas de receitas (fls. 453-456) foi elaborada pela unidade técnica com esteio nas informações e nos documentos oriundos da Secretaria Municipal de Administração e Recursos Humanos de São Gabriel (fls. 84-452), dentre os quais a ficha pessoal e os decretos de nomeação e exoneração de cada servidor ocupante de cargo em comissão.

Ressalta-se que tais informações obtidas do Poder Executivo Municipal foram expressamente circunscritas à “relação das pessoas que exerceram cargos em comissão com poder de decisão, nos exercícios 2009 a 2013, com suas respectivas datas de designação e dispensa”.

Outrossim, a unidade técnica realizou o cruzamento dos referidos dados com o Demonstrativo de Doações Recebidas (fls. 25-39), elaborado pela própria agremiação prestadora, no qual são relacionadas cada uma das operações, com individualização do doador por nome e CPF, da data de ocorrência e do valor depositado em cada operação.

Portanto, na hipótese dos autos há certeza e confiabilidade sobre o rol de doadores ocupantes de cargos de chefia e direção que não podiam ter alcançado recursos financeiros ao partido, estando acertada a conclusão do juízo de origem ao referir que esses contribuintes enquadram-se na vedação a que se refere o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

Além disso, a incidência de regra contenta-se com o exercício de função de chefia e direção, ou seja, com a ascendência hierárquica sobre outros servidores. Essa característica funcional está ínsita nas próprias nomenclaturas dos cargos em comissão, quais sejam, Chefe de Seção de Dívida Ativa, Chefe de Setor de Artesanato, Chefe de Serviço, Coordenador de Processamento de Dados, Chefe de Serviço de Trânsito, Chefe de Biblioteca, Chefe de Seção Administrativa, Coordenadora de Obras e Serviços de Engenharia, Chefe de Serviço de Apoio Administrativo, Chefe de Serviço de Habitação, Coordenador de Serviço de Habitação, Coordenador de Serviço de Assuntos Fundiários, dentre outros minuciosamente arrolados no relatório de exame às folhas 453-455v.

Considerando que, nos termos do art. 37, inc. V da CF/88, os cargos comissionados e as funções de confiança existentes na Administração Pública são apenas para desempenho de três funções (direção, chefia ou assessoramento), cumpriria ao interessado demonstrar que as informações da municipalidade e a nomenclatura designativa dos cargos não correspondem às atribuições funcionais estabelecidas na legislação de regência, do que não se desincumbiu nestes autos.

Cumpre, no entanto, afastar a irregularidade em relação à doação de R$ 420,00 efetuada por Evandro Obaldia Guedes, quando Vice-Prefeito, ou seja, cargo alcançado via sufrágio popular para mandato fixo.

Deveras, a jurisprudência desta Corte consolidou o posicionamento que os detentores de cargo eletivo não se enquadram na definição de autoridade pública estabelecida pelo art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, pois não representam cargos de livre nomeação política, possibilitando-lhes efetuar doações a partidos políticos.

Colaciono, abaixo, ementa de acórdão paradigmático a tal respeito, de relatoria do ilustre Desembargador Eleitoral João Batista Pinto Silveira:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR DETENTOR DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA NORMA. NÃO CARACTERIZADA FONTE VEDADA. LICITUDE DA DOAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de autoridades públicas, vale dizer, aqueles que exercem cargos de chefia ou direção na administração pública, direta ou indireta. Definição expressa no texto do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15.

No caso, a agremiação partidária recebeu recursos de detentor de mandato eletivo de prefeito. O texto normativo não contempla os agentes políticos. Impossibilidade de se dar interpretação ampliativa à norma que traz uma restrição de direitos. O detentor de mandato eletivo não é titular de cargo nomeado em razão de vinculações partidárias, ao contrário, exerce "munus" público, eleito pelo povo. As doações realizadas por essa espécie de agente não possuem a potencialidade de afetar o equilíbrio entre as siglas partidárias. Caracterizada, assim, a licitude da doação efetuada pelo prefeito. Fonte vedada não caracterizada. Reforma da sentença para aprovar as contas.

Provimento.

(RE na Prestação de Contas 1478, Acórdão de 06.12.2017) (Grifei.)

Recentemente, o tema foi levado ao TSE, em recurso especial interposto pela Procuradoria Regional Eleitoral contra acórdão deste TRE-RS, tendo a Corte Superior Eleitoral negado seguimento ao recurso sob o fundamento de que a norma de igual teor insculpida na Resolução TSE n. 23.464/15 “não incluiu os detentores de mandato eletivo na vedação legal à doação para as agremiações partidárias” (RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 1393, Decisão monocrática de 30.8.2018, Relator: Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 03.9.2018 - Páginas 35-42).

Por sua vez, a alegação recursal de que a responsabilidade da agremiação depende da prova de que a mesma tinha conhecimento da natureza dos cargos deve ser rechaçada.

O partido político deve manter rígido controle sobre as doações e contribuições financeiras recebidas, as quais devem ser realizadas por cheque nominativo cruzado ou por crédito bancário identificado, diretamente na conta da agremiação, justamente a fim de possibilitar a plena identificação da sua procedência.

Nesse passo, a Resolução TSE n. 21.841/04, tal como suas sucessoras, é taxativa em prescrever que os recursos advindos de fontes vedadas ou cuja origem seja desconhecida não podem ser utilizados, devendo ser devolvidos ao doador, se possível, ou recolhidos às contas públicas (Fundo Partidário ou Tesouro Nacional, conforme o caso).

Portanto, inafastável o dever de controle, vigilância e transparência do órgão partidário sobre todos os aportes pecuniários que lhe favoreceram, devendo prevenir-se das origens proscritas ou obscuras, por meio da adoção das citadas providências regulamentares.

Em sequência, o recorrente entende que as doações realizadas pelos membros do diretório são lícitas, uma vez que previstas no Estatuto da sigla partidária.

Destaca-se que o princípio constitucional da autonomia partidária, reproduzido no art. 3º da Lei n. 9.096/95, não é absoluto, devendo harmonizar-se às normas que fortalecem o controle quantitativo e qualitativo dos partidos.

A existência de disposição estatutária determinando a contribuição obrigatória dos filiados, quando membros do órgão executivo ou detentores de cargos em comissão, não torna a arrecadação dos referidos recursos lícita, pois o estatuto partidário, diploma de regulação das relações internas da agremiação, deve obediência à lei e às resoluções editadas pelo TSE dentro de seu poder regulamentar.

Ademais, é de se ressaltar que a legislação prevê um extenso rol de fontes lícitas de receitas dos partidos políticos, com relevo, no caso concreto, o constante no art. 5º da Resolução TSE n. 23.464/15. Desse modo, a proscrição da receita não agride a autonomia da administração financeira do partido, quando lhe é plenamente possível a obtenção de recursos através de diversos outros meios não vedados pela ordem jurídica, inclusive com verbas advindas de fundos públicos.

Dessarte, excluído o montante recebido em doação pelo detentor do cargo de Vice-Prefeito, a irregularidade em questão alcança a cifra de R$ 37.561,48, representando 79% do total de recursos arrecadados pela agremiação no exercício financeiro (R$ 47.258,80), devendo ser mantido o juízo de desaprovação das contas.

Em relação às sanções aplicadas, a determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional é consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, como deflui do art. 28, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04, não comportando reparo a sentença.

No que se refere ao tempo fixado para suspensão do Fundo Partidário, a jurisprudência deste Tribunal admite a incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para realizar a dosimetria da sanção pelo tempo de 1 a 12 meses, em consonância com o entendimento consolidado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARCIAL PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO 2015. PPS. DIRETÓRIO REGIONAL. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO. 1. In casu, o TRE/RS desaprovou as contas do partido, ora agravado, referentes ao exercício financeiro de 2015, e determinou a suspensão do repasse das cotas do Fundo Partidário por 6 (seis) meses, em razão das seguintes irregularidades: i) despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário sem a devida comprovação, no montante de 30,45%; e ii) utilização de recursos de origem não identificada e de fonte vedada. As irregularidades somaram R$ 111.256,71 (cento e onze mil, duzentos e cinquenta e seis reais e setenta e um centavos), que deverão ser recolhidos ao Erário. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a suspensão das cotas deve ocorrer de forma proporcional e razoável, conquanto as irregularidades tenham imposto a desaprovação das contas. Precedentes. 3. A orientação neste Tribunal é no sentido de que ao julgador cabe ponderar todas as circunstâncias do caso concreto na análise da sanção mais adequada (REspe nº 33-50/RS, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 18.10.2016). 4. Diante da nova sistemática de financiamento dos partidos, com a proibição de doação por pessoa jurídica, é de se primar pela busca de reprimenda que iniba o descumprimento das normas concernentes à prestação de contas e igualmente permita a continuidade de suas atividades. 5. Na espécie, a suspensão das cotas por 3 (três) meses mostra-se adequada, porquanto compatibiliza a necessidade de sobrevivência do diretório regional e a inibição de práticas assemelhadas. 6. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 7237, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 197, Data 02.10.2018, Páginas 10-11) (Grifei.)

No caso dos autos, a irregularidade corresponde à parcela considerável dos recursos arrecadados (79%) e o juízo de primeiro grau determinou a suspensão do fundo partidário pelo período de 06 meses, de forma que deve ser mantido o período de suspensão, ausentes motivos para a sua redução no caso em espécie.

Ante todo o exposto, VOTO, preliminarmente, pela inadmissibilidade da juntada dos documentos das fls. 512 a 536 e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 37.561,48, mantidos os demais termos da sentença.