INQ - 34492 - Sessão: 17/12/2018 às 13:30

RELATÓRIO

Trata-se de inquérito policial instaurado para apurar a possível prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, pelos então candidatos CELSO GOBBI e DELONEI LUIZ PEREIRA DA SILVA, por ocasião das eleições de 2016.

Instruído o inquérito, a autoridade policial apresentou relatório conclusivo (fls. 96-97) sem indiciamento, tendo o Juiz Eleitoral, acolhendo promoção do Ministério Público Eleitoral de origem (fls. 106-108), declinado da competência em favor deste Tribunal (fl. 111), considerando que os investigados foram eleitos para o cargo de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Colorado naquele pleito.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo declínio da competência ao Juízo Eleitoral da 117ª Zona Eleitoral – Não-Me-Toque, em razão da recente interpretação restritiva conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao instituto do foro por prerrogativa de função (fls. 115-119v.).

É o relatório.

VOTO

Conforme relatado, trata-se de inquérito policial instaurado em face de CELSO GOBBI e DELONEI LUIZ PEREIRA DA SILVA para apurar a possível prática do crime de corrupção eleitoral, previsto no art. 299 do Código Eleitoral, no pleito municipal de 2016, concluído pela autoridade policial sem indiciamento diante da ausência de indícios de materialidade e autoria.

A Procuradoria Regional Eleitoral, diante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em questão de ordem levantada durante o trâmite da Ação Penal n. 937/RJ, que analisou o foro por prerrogativa de função, requer a declinação de competência para o acompanhamento do inquérito ao Juiz Eleitoral da 117ª Zona Eleitoral deste Estado, sob o seguinte fundamento, in verbis:

No caso concreto, a despeito de o noticiado CELSO GOBBI encontrar-se no exercício do mandato de Prefeito Municipal de Colorado, o fato noticiado (suposto oferecimento de vantagens em troca de votos) ocorreu antes do início do mandato e não guarda relação com as atribuições de Prefeito Municipal.

Logo, porque não estão preenchidos os pressupostos para incidência do foro por prerrogativa de função (na interpretação restritiva conferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal n. 937, aplicável ao presente caso pelo princípio da parametricidade), conclui-se que esta Procuradoria Regional Eleitoral não detém atribuição para a formação da opinio delicti.

O foro por prerrogativa de função ou, simplesmente, “foro privilegiado” é um dos modos de se estabelecer a competência penal. Com esse instituto jurídico, o órgão competente para julgar ações penais contra determinados agentes é estabelecido levando-se em conta o cargo ou a função que eles ocupam, de modo a proteger a função e a coisa pública.

O instituto está previsto em diversas disposições da Constituição Federal de 1988.

No caso de Prefeitos e Vice-Prefeitos, a prerrogativa encontra-se disciplinada no art. 29, inc. X, do texto constitucional, in verbis:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(…)

X- julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;

Em se tratando do cometimento de crimes eleitorais, sob a ótica da simetria, a competência para processar e julgar o titular do executivo municipal é do Tribunal Regional Eleitoral do respectivo Estado:

Habeas corpus. Art. 350 do Código Eleitoral. Prefeito municipal. Inquérito policial instaurado por requisição do Ministério Público Eleitoral sem supervisão do TRE. Procuradoria-Geral Eleitoral opina pela concessão da ordem. Ordem concedida. 1. Compete ao Tribunal Superior Eleitoral processar e julgar habeas corpus contra ato supostamente ilegal praticado por procurador regional eleitoral. Precedentes do TSE. 2. A instauração do inquérito policial para averiguar suposto crime praticado por prefeito depende de supervisão do Tribunal Regional Eleitoral competente para processar e julgar o titular do Poder Executivo municipal nos crimes eleitorais. Precedentes do TSE e do STF. 3. A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para a defesa de interesses de titulares de cargos relevantes, mas para a própria regularidade das instituições. Se a interpretação das normas constitucionais leva à conclusão de que o chefe do Executivo municipal responde por crime eleitoral perante o respectivo TRE, não há razão plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial daquele órgão. 4. Ordem concedida". (Ac. de 8.4.2014 no HC no 42907, rel. Min. Gilmar Mendes.)

A questão posta pelo Procurador Regional Eleitoral nestes autos trata dos critérios para a definição de tal competência.

Argumenta o ilustre representante do Parquet nesta Corte em sua manifestação (fls. 115-119v.) que, na AP 937/RJ, o Supremo Tribunal Federal definiu o contexto de aplicação do foro por prerrogativa de função, restringindo sua incidência a crimes cometidos durante o mandato e em função dele.

Com efeito, no dia 03 de maio do corrente ano, o Plenário do Supremo Tribunal Federal conferiu nova interpretação ao art. 102, inc. I, als. "b" e "c", da CF, assentando a competência da Corte Suprema para processar e julgar os membros do Congresso Nacional exclusivamente quanto aos crimes praticados no exercício e em razão da função pública.

O tema foi levantado por meio de Questão de Ordem suscitada pelo eminente Ministro Luiz Roberto Barroso em voto proferido no julgamento da AP n. 937, cujo acórdão restou assim ementado:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. QUESTÃO DE ORDEM EM AÇÃO PENAL. LIMITAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO AOS CRIMES PRATICADOS NO CARGO E EM RAZÃO DELE. ESTABELECIMENTO DE MARCO TEMPORAL DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA.

I. Quanto ao sentido e alcance do foro por prerrogativa 1. O foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, na interpretação até aqui adotada pelo Supremo Tribunal Federal, alcança todos os crimes de que são acusados os agentes públicos previstos no art. 102, I, b e c da Constituição, inclusive os praticados antes da investidura no cargo e os que não guardam qualquer relação com o seu exercício. 2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para restringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo. É que a prática atual não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos por crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade administrativa. 3. Para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício das funções - e não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade - é indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo. A experiência e as estatísticas revelam a manifesta disfuncionalidade do sistema, causando indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo. 4. A orientação aqui preconizada encontra-se em harmonia com diversos precedentes do STF. De fato, o Tribunal adotou idêntica lógica ao condicionar a imunidade parlamentar material - i.e., a que os protege por suas opiniões, palavras e votos - à exigência de que a manifestação tivesse relação com o exercício do mandato. Ademais, em inúmeros casos, o STF realizou interpretação restritiva de suas competências constitucionais, para adequá-las às suas finalidades. Precedentes. II. Quanto ao momento da fixação definitiva da competência do STF 5. A partir do final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais - do STF ou de qualquer outro órgão - não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de prorrogação de competências constitucionais quando necessária para preservar a efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional. Precedentes. III. Conclusão 6. Resolução da questão de ordem com a fixação das seguintes teses: "(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo''. 7. Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso. Ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e demais juízos com base na jurisprudência anterior. 8. Como resultado, determinação de baixa da ação penal ao Juízo da 256a Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, em razão de o réu ter renunciado ao cargo de Deputado Federal e tendo em vista que a instrução processual já havia sido finalizada perante a I a instância.

Na decisão, fica clara a necessidade da análise de dois critérios para a definição da aplicação do foro por prerrogativa de função: o cometimento de crime durante a investidura em cargo público e a relação entre as funções exercidas no cargo e a ação criminosa.

Embora o precedente da Corte Suprema tenha sido proferido em contexto atinente ao cargo de Deputado Federal, o próprio STF, no julgamento do Inq n. 4703 de relatoria do Min. Luiz Fux, julgado em 12.6.2018, afirmou que o entendimento vale também para Ministros de Estado.

Desde então, vários tribunais do país, tomando o acórdão como orientação, passaram a aplicar a mesma linha interpretativa para outras hipóteses de foro privilegiado.

Foi o que decidiu, por exemplo, a Corte Especial do STJ que, seguindo a linha de raciocínio adotada pelo STF, limitou a amplitude do art. 105, inc. I, al. “a”, da CF/88 e estabeleceu que a restrição do foro deve alcançar Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais (STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20.6.2018).

Esse também é o caso deste Regional que, em sessão realizada no último dia 25.9.2018, aderiu ao posicionamento da Corte Excelsa no julgamento do Inquérito n. 333, de relatoria do Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, cuja ementa reproduzo abaixo:

INQUÉRITO. CRIME ELEITORAL. ART. 324 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRERROGATIVA DE FORO. LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DO CARGO. CANDIDATO AO CARGO DE PREFEITO NA ÉPOCA DO FATO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.

Suposta prática de crime durante debate eleitoral que antecedeu ao pleito, período em que o investigado detinha apenas a condição de candidato ao cargo de prefeito. Novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de limitar o foro por prerrogativa de função às hipóteses em que a prática delitiva ocorrer no exercício do cargo e em decorrência de suas atribuições. Alinhamento deste Tribunal à nova interpretação. Não subsiste a competência originária criminal desta Corte, reconhecida ao juízo eleitoral de primeiro grau. Acolhida a promoção ministerial.

No caso destes autos, o suposto crime de corrupção eleitoral (suposto oferecimento de vantagens em troca de votos) teria sido cometido pelos atuais Prefeito e Vice-Prefeito de Colorado, CELSO GOBBI e DELONEI LUIZ PEREIRA DA SILVA, no decorrer da campanha eleitoral de 2016.

Assim, forçoso reconhecer que o fato apurado no presente inquérito diz respeito a período anterior à posse dos investigados e, por conseguinte, conforme bem observado pelo Procurador Regional Eleitoral, não guarda relação com as atribuições de Prefeito Municipal.

Dessa sorte, com base nas definições apontadas pelo STF sobre a matéria e na linha do entendimento recentemente adotado por este Tribunal, impõe-se determinar a baixa dos autos ao Juízo da 117ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, tendo em vista que o suposto crime imputado a CELSO GOBBI e DELONEI LUIZ PEREIRA DA SILVA não teria sido praticado no decorrer dos respectivos mandatos de Prefeito e Vice-Prefeito da cidade de Colorado ou em razão deles.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo acolhimento da promoção ministerial, declinando da competência ao Juízo da 117ª Zona Eleitoral – Não-Me-Toque, para que, encaminhados os autos ao Promotor Eleitoral oficiante, adote as medidas que entender cabíveis.