RE - 68148 - Sessão: 30/01/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos eleitorais interpostos por DARCI PRETTO DA SILVA, JULIO CESAR HENRIQUE JEREMIAS, GILVANE ANDREATTA PRETTO DA SILVA (fls. 2965-3091), MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 3094-3103v.) e PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) (fls. 3112-3120) em face de sentença que julgou parcialmente procedente AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL c/c REPRESENTAÇÃO, por infringência aos arts. 41-A e 30-A da Lei n. 9.504/97, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral, nos seguintes termos (fl. 2957):

ISSO POSTO, nesta Ação de Investigação Judicial Eleitoral c/c Representação por Infringência aos artigos 41-A e 30-A da Lei 9.504/97 ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral:

- reconheço a ilegitimidade passiva de Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias para a demanda relativamente ao art. 41-A da Lei 9.504/97;

- julgo procedente o pedido feito contra Darci Pretto da Silva, para o fim de cassar o seu Diploma Eleitoral e aplicar-lhe multa de dez mil UFIR, correspondente a R$ 10.641,00, nos termos do art. 41-A e 30-A da Lei 9.504/97;

- declaro a inelegibilidade de Darci Pretto da Silva pelo prazo de oito anos e determino a cassação do seu Diploma Eleitoral, com base no art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90;

- declaro a inelegibilidade de Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias pelo prazo de oito anos, com base no art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/1990; e

- julgo improcedentes os pedidos feitos contra Nandir dos Santos, Darci Pretto da Silva Júnior, Ubiratan Machado Erthal e Mario Sergio dos Santos.

Proceda-se ao recálculo do quociente eleitoral e partidário, nos termos dos artigos 106 e 107 do Código Eleitoral, com anulação dos votos obtidos por Darci Pretto da Silva, nos termos do art. 222 do mesmo diploma legal, com repercussão nos votos da legenda a qual fazia parte.

Pelo deferimento do pedido liminar, determino o afastamento imediato de Darci Pretto da Silva do cargo que ocupa, como Vereador do Município de Ijuí, devendo ser oficiado ao Presidente da Câmara de Vereadores local para que dê o devido cumprimento.

Os fatos imputados na peça inicial do Ministério Público Eleitoral foram resumidos no relatório da sentença das fls. 2931-2957v.:

O Ministério Público Eleitoral ajuizou Ação de Investigação Judicial Eleitoral c/c Representação por Infringência aos artigos 41-A e 30-A da Lei 9.504/97 contra Darci Pretto da Silva, Darci Pretto da Silva Júnior, Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva, Julio Cesar Henrique Jeremias, Ubiratan Machado Erthal e Mario Sergio dos Santos, qualificados.

Disse que em 30/09/2016 tomou conhecimento, por denúncia anônima, de corrupção eleitoral se desenvolvendo no Posto Burmann, Patias e Cia Ltda., em Ijuí/RS, sendo que um candidato às eleições proporcionais de Ijuí teria deixado combustíveis pagos para eleitores. Em verificação, constatada grande movimentação de veículos para abastecer, sem o pagamento de qualquer espécie. Expedido e cumprido mandado de busca e apreensão, percebeu-se esquema em favor do candidato Darci Pretto da Silva para angariar votos indevidamente, com colaboração de outras pessoas. Gerou-se a operação chamada “Caixa de Pandora”. Na ocasião, preso em flagrante Nerceu Roque da Silva por ter comparecido ao posto com sua Ford/Belina de placas IEI-4996, valendo-se de um vale-combustível que mencionou ter recebido de um indivíduo conhecido como Nande, que lhe deu o vale e material de propaganda em troca de voto para Darci Pretto da Silva. No veículo havia “santinhos” do candidato Darci. Apurado que Nande teria dado vales a outras pessoas em troca de votos. Nande foi identificado como Nandir dos Santos, funcionário de Julio Cesar Henrique Jeremias, que fez doação de combustível à campanha de Darci. Que foi usada a conta bancária da esposa de Darci, a ré Gilvane Andreatta Pretto da Silva, para pagamento dos combustíveis adquiridos no Posto Burmann, pois aprendidos cheques no valor de R$ 10.984,00 referentes ao mês de setembro. Mencionou que os vales referentes à campanha de Darci Pretto da Silva possuíam a inscrição das letras “JB”. Aduziu que Julio Cesar colaborou com a campanha de Darci Pretto através de aporte financeiro feito pela empresa Portobello Saneamento e Construções Ltda. feitos no Posto Ouro e Prata de Ijuí, sendo percebidas anotações correspondentes na agenda do réu Darci. Que os abastecimentos ocorreram neste posto em conta gotas, sendo gasolina e um pouco de etanol, totalizando 4.152 litros. Mencionou que o procedimento no Posto Ouro e Prata foi o mesmo do Posto Burmann. Referiu que houve ferimento ao art. 41-A da Lei 9.504/97. Indicou ter ocorrido abuso do poder econômico, tendo indicado valor superior a R$ 30.000,00 como tendo sido gasto pelo candidato Darci Pretto, podendo chegar a montante superior a R$ 49.000,00, sendo superior aos valores apresentados à Justiça Eleitoral. Aduziu também o abuso do poder político por Darci Pretto da Silva, ao buscar benefício de Joel, da Transportadora São Miguel, junto ao Secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano, Obras e Trânsito, Ubiratan Machado Erthal, mediante utilização de uma patrola para esparramar pedra, o que foi feito no dia 10/10/2016 pela máquina motoniveladora da Prefeitura Municipal de Ijuí, amarela, marca CASE, nº 845, mas sem anotação do serviço prestado. Ainda, o réu Darci buscou junto a Ubiratan Machado Erthal a colocação de tubos para pessoa identificada como “Guto”, em 07/10/2016. O réu Darci também buscou a marcação de consultas médicas em troca de votos. Aduziu que pagamentos dos vales combustíveis foram feitos com cheques de Gilvane Andreatta Pretto da Silva, esposa de Darci. Em 12/09/2016, foi realizado depósito de R$ 15.000,00 na conta de Gilvane, feito por Darci Pretto da Silva Júnior, filho do candidato Darci. As contas de Darci Pretto da Silva foram desaprovadas pela Justiça Eleitoral. Requereu tutela provisória de urgência para negação de expedição de diploma ao réu Darci Pretto da Silva. Ao final, a condenação de Darci Pretto da Silva, Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva, Jorge Viriato e Julio Cesar Henrique Jeremias ao pagamento da multa disciplinada no art. 41-A da Lei 9.504/97; cassação do registro ou do diploma de Darci Pretto da Silva; declaração de sua inelegibilidade e cassado o registro ou diploma com base no art. 22, XIV, da Lei das Inelegibilidades; e declarada a inelegibilidade de Darci Pretto da Silva Júnior, Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva, Jorge Viriato, Julio Cesar Henrique Jeremias, Ubiratan Machado Erthal e Mario Sergio dos Santos.

Em suas razões recursais, DARCI PRETTO DA SILVA, JULIO CESAR HENRIQUE JEREMIAS e GILVANE ANDREATTA PRETTO DA SILVA (fls. 2965-3091) alegam: a) que o recurso ordinário interposto por Darci Pretto da Silva garante o direito de permanecer no cargo para o qual foi eleito; b) nulidade processual por falta de citação do representado Jorge Viriato, causando prejuízo e cerceamento à defesa; c) nulidade da decretação da inelegibilidade por afronta à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica); d) que não foi valorado o depoimento das testemunhas de defesa, somente sendo considerado o depoimento de servidores que tinham vínculo com o representante; e) ausência de prova robusta a ensejar a punição do representado; f) que Darci Pretto da Silva não ofereceu benefícios a nenhum eleitor, não obteve ou gastou recursos ilegais em sua campanha e não cooptou votos ilicitamente. Pediram o recebimento do recurso em ambos os efeitos e, ao final, o provimento do apelo para julgar improcedente a presente ação.

O recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 3094-3104) requer a reforma parcial do julgado em relação aos seguintes pontos: a) reconhecer a legitimidade passiva de Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias, condenando-os às sanções do art. 41-A da Lei n. 9.504/97; b) majorar a multa aplicada em relação a Darci Pretto da Silva para valor não inferior a R$ 26.000,00, estabelecendo essa quantia para os demandados Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias; c) julgar procedente a ação, em relação aos representados Ubiratan Machado Erthal e Mário Sérgio dos Santos, pela prática de abuso do poder político.

O PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de IJUÍ, em seu apelo, sustenta que, havendo a exclusão dos votos conferidos ao demandado Darci Pretto da Silva, o maior prejudicado é o PDT de Ijuí, pois os votos deveriam ser computados à legenda, em virtude de a decisão ter sido proferida posteriormente à eleição.

Sustenta ser terceiro interessado e requer seja deferida a sua intervenção no processo, na forma do art. 119 do CPC. No mérito, pede a aplicação do § 4º do art. 175 da Lei n. 4.737/65, para que os votos conferidos ao candidato eleito e eventualmente condenado à pena de cassação do registro ou do diploma sejam computados para a coligação pela qual concorreu, devendo-se empossar o primeiro suplente desta, sendo inviável a determinação de recálculo de quociente (fls. 3113-3129).

Foi deferido o pedido liminar para reconhecer o efeito suspensivo do recurso interposto nos autos da presente AIJE, suspendendo a ordem de imediato afastamento de Darci Pretto da Silva do cargo de vereador do Município de Ijuí, consoante decisão proferida na Ação Cautelar n. 0600493-07.2018.6.21.0000 do TRE/RS em 18.7.2018 (fls. 3108-3110v.).

Foram oferecidas contrarrazões pelo Ministério Público Eleitoral (fls. 3135-3147v.), pelos representados Darci Pretto da Silva, Julio Cesar Henrique Jeremias, Gilvane Andreatta Pretto da Silva (fls. 3156-3276), Ubiratan Machado Erthal (fls. 3279-3286), Mário Sérgio dos Santos (fls. 3288-3307) e Nandir dos Santos (fls. 3308-3325).

Nesta instância, os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso do Ministério Público Eleitoral para: a) reconhecer a legitimidade passiva de Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias para a demanda relativamente ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97; b) julgar procedente a ação em relação aos representados Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto e Julio Cesar Henrique Jeremias, relativamente ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97; c) majorar a pena de multa do representado Darci Pretto da Silva para R$ 26.000,00.

Ainda, opinou pelo desprovimento dos recursos de DARCI PRETTO DA SILVA, JULIO CESAR HENRIQUE JEREMIAS e GILVANE ANDREATTA PRETTO DA SILVA e pelo provimento do recurso do PDT, para deferir sua integração na lide na qualidade de assistente simples, bem como para que sejam computados a favor da legenda os votos obtidos pelo candidato a vereador Darci Pretto da Silva, por força do disposto no art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral.

Por fim, disse que deve ser mantida a sentença no ponto em que julgou improcedente o pedido em relação aos representados Ubiratan Machado Erthal e Mário Sérgio dos Santos e julgou procedentes os pedidos para: a) cassar o Diploma Eleitoral de Darci Pretto da Silva, nos termos dos arts. 41-A e 30-A da Lei n. 9.504/97; b) declarar a inelegibilidade de Darci Pretto da Silva pelo prazo de oito anos e determinar a cassação do seu Diploma Eleitoral, com base no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90; c) declarar a inelegibilidade de Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias pelo prazo de oito anos, com base no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90 (fls. 3328-3376).

É o relatório.

VOTO

Os apelos são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Passo a analisar a matéria preliminar de cada um dos recursos interpostos.

No recurso de Darci Pretto da Silva, Julio Cesar Henrique Jeremias e Gilvane Andreatta Pretto da Silva há pedido de efeito suspensivo e alegação de nulidade do processo em função da ausência de citação de Jorge Viriato e violação ao Pacto de São José da Costa Rica.

Nos autos da Ação Cautelar n. 0600493-07.2018.6.21.0000, deferi o efeito suspensivo ao recurso, assegurando a permanência de Darci Pretto da Silva no cargo.

Dessa forma, o pedido de Darci está prejudicado no ponto.

Os recorrentes postulam o reconhecimento de nulidade do processo em função da falta de citação de Jorge Viriato, pois teria havido pedido expresso de sua condenação na inicial.

Ao examinar a inicial da presente ação, constatei que o Ministério Público Eleitoral requereu a condenação de Jorge Viriato ao pagamento da multa prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, assim como a declaração de sua inelegibilidade (fl. 65) e mencionou sua participação na compra de votos.

Contudo, ao elencar o polo passivo da ação, Jorge Viriato não foi arrolado como representado (fls. 02-04).

Nessa medida, tendo em conta o princípio da demanda e a manifestação ministerial da fl. 3136, que menciona a intenção inicial de incluir Jorge Viriato e Maria da Graça Gonçalves Dias como demandados e a posterior mudança de entendimento, tenho por rejeitar a nulidade suscitada.

Ademais, como bem salientado à fl. 3136v., à defesa não havia impedimento algum no sentido de que Jorge Viriato fosse arrolado como testemunha, pois sequer constava como demandado na inicial.

Quanto à violação ao Pacto de São José da Costa Rica, é de ser rejeitada, pois a inelegibilidade tem matriz constitucional, hierarquicamente superior à Convenção, conforme jurisprudência do STF que atribuiu status supralegal ao mencionado diploma internacional.

No apelo do Partido Democrático Trabalhista de Ijuí há pedido de intervenção como terceiro interessado, em função do prejuízo que sofreu pela determinação da sentença de recálculo do quociente eleitoral e partidário decorrente da anulação dos votos obtidos por Darci Pretto da Silva, nos termos do art. 222 do CE.

De fato, inequívoco o prejuízo causado à agremiação, motivo pelo qual defiro a intervenção postulada pelo PDT, na forma do art. 119 do CPC.

No recurso do Ministério Público Eleitoral há insurgência quanto ao reconhecimento da ilegitimidade passiva de Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias para figurarem como representados por infringência ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias não foram candidatos no pleito de 2016.

A controvérsia é se possuem, na condição de terceiros, legitimidade passiva para serem demandados por compra de votos (art. 41-A da Lei das Eleições).

O texto normativo está assim redigido:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Grifei.)

A questão da legitimidade não é pacífica na doutrina, mas a jurisprudência está sedimentada no sentido de que apenas o candidato é legitimado ad causam para figurar no polo passivo da representação.

Quem pode cometer o ato ilícito é o candidato, e apenas ele. Se alguém, em nome dele, promete, doa, oferece ou entrega ao eleitor algum bem ou vantagem pessoal, com a finalidade de obter-lhe o voto, comete abuso de poder econômico ou corrupção, mas não a captação de sufrágio.

Nesse sentido, a jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE RECURSAL AFASTADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE TERCEIRO NÃO CANDIDATO. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL. DESPROVIMENTO.

(...)

2. Somente o candidato possui legitimidade para figurar no polo passivo de representação fundada no art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral.

(TSE, Recurso Ordinário n. 133425, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 44, Data 06.3.2017, Página 81.)

ELEIÇÕES 2016. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA J. LEI COMPLEMENTAR 64/90, ARTIGO 1º, INCISO I. CONDENAÇÃO. CONDUTA VEDADA. AGENTE PÚBLICO. MULTA. CANDIDATO. CASSAÇÃO. INTERPRETAÇÃO.

(...)

12. Consoante pacífica jurisprudência deste Tribunal, na hipótese de captação ilícita de sufrágio, somente o candidato que praticou a compra de voto ou a ela anuiu tem legitimidade para compor o polo passivo da representação (RO 6929-66, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 30.5.2014; RO 1800-81, rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 30.4.2014; REspe 39364-58, rel. Min. Cármen Lúcia, DJE de 3.2.2014; REspe 19.566, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 26.4.2002; RP 3-73, rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 26.8.2005), e, “uma vez reconhecida a captação ilícita de sufrágio, a multa e a cassação do registro ou do diploma são penalidades que se impõem ope legis. Precedentes: AgRg no RO 791/MT, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.8.2005; REspe 21.022/CE, rel. Min. Fernando Neves, DJ de 7.2.2003; AgRg no REspe 25.878/RO, desta relatoria, DJ de 14.11.2006” (REspe 277-37, rel. Min. José Delgado, DJ de 1º.2.2008).

(...)

Recursos especiais providos, por maioria.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 40487, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27.10.2016.)

Assim, mantenho a sentença no ponto em que reconheceu a ilegitimidade passiva de Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias, negando provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral.

Mérito

O Ministério Público Eleitoral propôs Ação de Investigação Judicial Eleitoral cumulada com Representação, por infringência aos arts. 30-A e 41-A da Lei n. 9.504/97 em face de DARCI PRETTO DA SILVA (candidato a vereador pelo PDT reeleito no pleito de 2016 no Município de Ijuí), DARCI PRETTO DA SILVA JUNIOR, NANDIR DOS SANTOS, GILVANE ANDREATTA PRETTO DA SILVA, JULIO CESAR HENRIQUE JEREMIAS, UBIRATAN MACHADO ERTHAL e MÁRIO SÉRGIO DOS SANTOS, atribuindo-lhes práticas eleitorais ilícitas, conforme apurado na investigação denominada “Caixa de Pandora”.

A investigação foi levada a efeito a partir de informações (fornecidas em 30 de setembro de 2016) de que estariam se desenvolvendo atos de corrupção eleitoral junto ao Posto Burmann, Patias e Cia. Ltda., na cidade de Ijuí.

Em síntese, as notícias eram no sentido de que candidatos às eleições proporcionais estavam distribuindo vales-combustível em troca de votos.

Cumpre registrar que esta Corte apreciou, na data de 28.9.2018, Recurso Eleitoral contra Ação de Investigação Judicial Eleitoral envolvendo o candidato Claudiomiro Gabbi Pezzetta, que concorreu pela mesma coligação de Darci Pretto da Silva (Frente Social Trabalhista - PDT/PPS) e teve seu diploma cassado, sendo mantida a sentença neste Regional que apurou fatos muito semelhantes aos que ora serão examinados, conforme pode se constatar pela ementa que reproduzo:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO CUMULADA COM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. VEREADOR ELEITO. ELEIÇÕES 2016. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO, CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS E ABUSO DE PODER ECONÔMICO. INELEGIBILIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

Recurso do representado/investigado

Preliminares. Ação instruída com provas obtidas em procedimento preparatório instaurado pelo Ministério Público Eleitoral. Documentos que instruem os autos desde o início da tramitação processual. Oportunizado ao representado o exercício da ampla defesa e do contraditório em todas as fases do processo. Inexistência de nulidade.

Cerceamento de defesa. Inocorrência. O indeferimento de oitiva de testemunha meramente abonatória, mesmo que anteriormente permitida, não acarreta cerceamento de defesa. Cabe ao juiz, destinatário da prova, indeferir aquelas desnecessárias, inúteis ou protelatórias. Inteligência do art. 370, parágrafo único, do CPC.

Mérito

1. Apreensão de vales-combustível com as siglas do candidato, cheque de elevado valor utilizado para o pagamento de combustível e de blocos de compras de gêneros alimentícios. Existência de elementos aptos a demonstrar a finalidade eleitoreira dos produtos, utilizados para captação ilícita de sufrágio.

Conversa gravada extraída de notebook apreendido em que o próprio representado faz referência ao cheque, enfatizando o alto custo da campanha. Insubsistente a alegação da defesa de que a cártula referia-se a pagamento de dívidas antigas. Circunstâncias suficientes para um juízo condenatório.

2. Uso da máquina pública. Não comprovação. O encaminhamento de demandas da comunidade para o executivo, conquanto possa, eventualmente, desbordar da atividade parlamentar, não é apta, por si só, para atrair as sanções da lei eleitoral. Não comprovado o favorecimento de eleitores em troca de voto.

3. A utilização de recursos financeiros para práticas ilícitas, na campanha eleitoral, caracteriza o delito descrito no art. 30-A da Lei n.9.504/97. Caso concreto em que restou comprovado um grande aporte de recursos não declarados na prestação de contas do recorrente, utilizados para captação ilícita de sufrágio.

4. Abuso de poder econômico. Art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Emprego de recursos financeiros de elevado valor, na campanha eleitoral, não declarados na prestação de contas. Indevida interferência do poder econômico, de modo a malferir a legitimidade e a lisura da disputa.

5. Inelegibilidade. A inelegibilidade pela prática de abuso do poder econômico não é efeito secundário de condenação, mas verdadeira sanção, prevista expressamente no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90.

Manutenção da condenação e da declaração da inelegibilidade do recorrente pela prática do abuso de poder econômico.

Recurso do Ministério Público Eleitoral

Insurgência contra a decisão que julgou extinto o feito, sem julgamento do mérito, em relação a terceiros não candidatos aos quais foi imputada a prática descrita no art. 41-A da Lei das Eleições.

Entendimento pacificado no TSE de que terceiros não candidatos não detêm legitimidade para figurar no polo passivo de demandas em que se apura a prática de captação ilícita de sufrágio.

Negado provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral e dado parcial provimento ao apelo do investigado.

(RE 682-33.2016.6.21.0023, Rel. Desa. Eleitoral Marilene Bonzanini.)

A prova contida nos autos é bastante farta, sendo que os autos possuem 18 volumes, contendo inúmeros relatórios de intercepção telefônica, cheques, busca e apreensão e prova oral.

Passo a analisar individualmente os recursos interpostos:

Recurso de Darci Pretto da Silva, Julio Cesar Henrique Jeremias e Gilvane Andreatta Pretto da Silva

Alegam a ausência de prova robusta a ensejar a punição de Darci Pretto da Silva, pois não ofereceu benefícios a nenhum eleitor, não obteve ou gastou recursos ilegais em sua campanha e não cooptou votos ilicitamente.

A inicial veio instruída com extensa documentação que compôs o procedimento preparatório n. 00795.00304/2016, formado após denúncia de distribuição de vales-combustível no município de Ijuí em troca de votos. A operação foi denominada "Caixa de Pandora".

Houve o cumprimento de mandado de busca e apreensão junto ao Posto Burmann, Patias e Cia Ltda. no dia 01.10.2016, circunstância que revelou um esquema estruturado em favor do candidato Darci Pretto da Silva para angariar votos indevidamente à sua candidatura. Na ocasião, Nerceu Roque da Silva foi preso em flagrante pelo delito capitulado no art. 299 do CE, pois compareceu no estabelecimento comercial munido de vale-combustível que seria objeto do mencionado esquema para obtenção de votos de maneira ilícita.

Consoante histórico do flagrante, Nerceu disse que estava em casa quando um carro de som guiado por um motorista conhecido como “Nande”, que fazia propaganda eleitoral do candidato Darci, passou e deu-lhe o vale e o material (fl. 84). Foi apreendido um vale do posto Burmann de R$ 39,50 e santinhos de Darci Pretto (fl. 87).

Esclareço que “Nande” é o apelido do recorrente Nandir dos Santos, que atuou como cabo eleitoral do candidato Darci, enquanto os demais representados agiram como colaboradores da campanha de Darci, incluindo a esposa deste, Gilvane Andreatta Pretto da Silva.

De acordo com o Relatório n. 03/2016, da busca e apreensão (fls. 93-111), cumprida no dia 1º.10.2016, foram localizados e apreendidos 46 vales do Posto Burmann, no valor de R$ 39,50, 13 vales de R$ 19,75, 2 vales no valor de R$ 38,80, 2 vales no valor de R$ 25,00, 1 vale no valor de R$ 310,00 e 1 vale no valor de R$ 58,00, 17 vales de 10 litros de gasolina comum, 3 vales de 5 litros de gasolina comum, 6 cheques do Banrisul em nome de Gilvane Andreatta, companheira de Darci Pretto da Silva, (cheque 000202, expedido em 1º.9.2016, no valor de R$ 1.940,00; cheque 000203, expedido em 05.9.2016, no valor de R$ 776,00; cheque 000204, expedido em 09.9.2016, no valor de R$ 1.940,00; cheque 000207, expedido em 13.9.2016, no valor de R$ 2.716,00; cheque 000210, expedido em 16.9.2016, no valor de R$ 1.672,00; e cheque 000212, expedido em 22.9.2016, no valor de R$ 1.940,00) e 1 cheque do Banrisul em nome de “Eleição 2016 Darci Pretto da Silva”, expedido em 30.9.2016, no valor de R$ 174,00.

Em decisão exarada em 14.10.2016, entre outras medidas, foi deferida a realização de busca e apreensão nos seguintes locais (fls. 335-340): residência e escritório de Darci Pretto da Silva; residência de Jorge Viriato e Maria da Graça Gonçalves Dias; Igreja Evangélica Pentecostal do Brasil, congregação dos pastores JORGE VIRIATO e MARIA DA GRAÇA GONÇALVES DIAS; residência de JOÃO CARLOS BEVILAQUA; residência de NERCEU ROQUE DA SILVA; residência de NANDIR DA SILVA; Câmara de Vereadores de Ijuí (gabinete e salas utilizadas por Darci e por servidores/assessores vinculados a este); garagem de máquinas da Prefeitura Municipal de Ijuí; posto de combustíveis VERA CRUZ COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS LTDA (Posto Tigrão); e posto de combustíveis Burmann, Patias e Cia Ltda.

A operação "Caixa de Pandora" contou com várias interceptações telefônicas em aparelhos utilizados por Gilvane Andreatta Pretto da Silva (esposa de Darci Pretto da Silva), conforme Análise de Mídias juntada às fls. 1298-1332.

Durante a instrução, foram ouvidos os policiais militares que acompanharam a diligência junto ao posto de combustíveis Burmann e Patias, sendo que todos eles (Claudiomar, Juliano, Colins e Edson) confirmaram o depoimento de Nerceu no sentido de ter recebido o vale de R$ 39,50 em troca de seu voto em Darci Pretto. Ainda, todos asseveraram que Nerceu sequer conhecia o “casal da Igreja” que chegou no local. De outra banda, Nerceu mudou seu depoimento quando ouvido na Delegacia de Polícia: na presença de advogado, e em juízo, disse que recebeu o vale de Jorge Viriato, pastor da Igreja.

Trago excertos dos depoimentos dos policiais e de Nerceu, consoante análise feita na sentença:

Claudiomar de Oliveira Alflen, Policial Militar, referiu que acompanhou o cumprimento de um mandado de busca e apreensão no Posto Burmann e Patias. Ficou na parte externa com um colega. Havia uma Belina e nela foi localizado santinho de Darci Pretto. Daí, o motorista falou que uma pessoa chamada Nandir foi até a sua casa e ofereceu um vale e disse para “votar nesse galo aqui”. Não lembra se esse carro estava adesivado com nome de Darci Pretto. Estava junto a esposa do motorista da Belina, mais um filho. A esposa confirmou o que disse seu marido. Não visualizou o vale. Durante esse cumprimento, chegaram umas pessoas, entre elas um casal de uma igreja, que disse que aquele dinheiro, aquele vale, era deles, mas o motorista da Belina, no momento, referiu que não os conhecia. Ouviu os dois conversando no local. Quando chegou no posto, já estava a Belina. Enquanto estava lá, não recorda de o casal detido ter ligado para alguém. O casal da igreja chegou no local uns vinte minutos depois. Compareceu posteriormente o Advogado Telmo. Pelo que ficou sabendo, o motorista mudou a versão posteriormente. Quando conversou com o motorista da Belina, ele já estava preso, mas estava bem tranquilo. No local, não viu ninguém oferecer algo em troca de voto, nem que Darci tenha pessoalmente oferecido algo. Não viu o vale. Nos santinhos que viu na Belina, não tinha nada grampeado junto. Não tomou depoimento do motorista da Belina, apenas conversou com ele.

Juliano Martins Barragan, Policial Militar, disse que auxiliou na busca e apreensão no Posto Burmann e Patias. Havia uma pessoa que confirmou que tinha recebido de Nandir um vale-combustível e que era para votar no candidato Darci Pretto. Depois, chegou uma mulher que era da igreja e começou a falar que o vale era da igreja. O carro era uma Belina. O motorista era uma pessoa bem humilde. Com ele estava a esposa e outra mulher. O motorista estava bem tranquilo. A esposa dele não comentou nada. Essa mulher da igreja estava acompanhada do marido. O motorista negava que o vale era da igreja, mas que tinha recebido de Nandir. O motorista mencionou que não conhecia este casal da igreja. Não sabe se na Delegacia de Polícia o motorista confirmou ou não sua versão. Quando chegou lá, o motorista da Belina já tinha abastecido o veículo. O pessoal do Ministério Público é que já estava lá e que deteve o motorista. Não viu o casal da Belina ligando para ninguém. Não presenciou chegar o Advogado Telmo no local. O casal da igreja chegou de repente no posto. Chamou a atenção o fato de a mulher da igreja falar uma coisa e o motorista da Belina não confirmar. A mulher da igreja queria convencer o motorista da Belina da versão dela. Não recorda se havia adesivo de Darci Pretto na Belina, mas acha que não tinha. Não presenciou alguém oferecer algo em troca de votos. O motorista da Belina disse que foi Nandir quem ofereceu, sendo cabo eleitoral de Darci, não tendo sido Darci pessoalmente quem ofereceu.

Colins Lucas Moreira, Policial Militar cedido ao Ministério Público, mencionou que foi recebida denúncia de que no Posto Burmann os frentistas estariam dizendo para as pessoas que candidatos em geral teriam deixado combustível pago lá. Citaram o nome de Adelar e que se a pessoa quisesse os vales teria que falar com o sobrinho de Adelar, que trabalha em uma empresa em Ijuí. Posteriormente, em averiguação preliminar, foram levantados dados e feito o relatório. Depois, expedido o mandado de busca, tendo participado do cumprimento. Na ocasião, estavam aguardando a Brigada Militar quando chegou uma pessoa chamada Nerceu, com uma Belina, abasteceu e pagou com vale. Tinha santinho também no carro. Feita busca no veículo e encontrados santinhos somente de Darci Pretto. Conversaram com ele, que confirmou ter recebido o vale de Nandir, chamado Nande, que morava no bairro Independência. Quando ele confessou, foi dada voz de prisão. Continuaram as buscas no posto e foram apreendidos vários documentos, cheques da esposa de Darci Pretto, entre outros. Enquanto cumpriam o mandado, chegou uma pessoa se identificando como sendo de uma igreja, chamada Maria da Graça, e quis mudar a versão que o flagrado já tinha passado. Ela foi orientada a não mais ficar ali. Até então, o flagrado estava tranquilo e falava o que tinha acontecido. Posteriormente, chegou um Advogado e conversou com ele na Delegacia de Polícia. Houve interceptações telefônicas, sobre muitos fatos, mas sobre o candidato Darci Pretto houve vários relatórios, todos descritos. Houve conversa de Darci Pretto com Nandir, reuniões ocorridas na casa de Darci Pretto com os dois pastores e Nandir. Feito serviço de campo também na casa dos pastores, sendo que Nandir estava no local. O trabalho de campo era para confirmar o que tinha sido constatado nas interceptações telefônicas. Teve interceptação de conversa entre Darci e Gerson Burmann, que é Deputado Estadual, na qual Darci pede para Gerson conversar com Ciloé, que é proprietária do posto, para orientá-la acerca do depoimento. Ciloé é parente de Gerson, mas não sabe em que grau. A partir daí, foi feito serviço de campo e constatou-se que ela efetivamente foi na casa de Gerson. Feita busca na casa de Darci, foi apreendida a agenda e mais uns documentos. Constavam anotações sobre a negociação de carro. Sobre Ubiratan, lembra que uma pessoa de uma empresa de transportes ligou para Darci Pretto pedindo auxílio para espalhar pedras. Daí, Darci conversou com Ubiratan e ficou acertado que uma máquina da prefeitura faria o serviço. Verificou que o trabalho foi feito. Ubiratan tinha um cargo na prefeitura. Esteve no posto antes da diligência e percebida grande quantidade de movimentação de veículos, com carros adesivados com vários candidatos. Os carros abasteciam e não pagavam com dinheiro. Alguns carros abasteciam e era pago com um papel, com outros não era entregue nada e outros o motorista entrava no posto e assinava algo. O candidato Darci esteve no local naquele dia, duas vezes. Tudo está nos relatórios. A denúncia anônima falava apenas no Posto Burmann. Normalmente, o pagamento em posto é em dinheiro, cartão ou cheque. No cumprimento do mandado, vários vales foram apreendidos, de litragem baixa. Na segunda, vários vales novamente foram apreendidos. Alguns vales tinha a indicação de Gilvane e Nandir. Foi o depoente quem deu voz de prisão a Nerceu. Nem Nerceu nem sua mulher efetuaram ligação telefônica após o flagrante. No dia 01/10/2016, houve mensagem de Gilvane para a pastora, referindo que teria conversar com urgência com ela. Estava dentro do escritório, mas escutou algumas coisas que a pastora falava, no sentido de que o vale tinha sido dado pela igreja, sendo que Nerceu dizia que não e deu mostras de que Nerceu não conhecia o casal da igreja. Não foi Nerceu quem chamou o casal da igreja. Na Delegacia de Polícia estava o Advogado Telmo e o flagrado preferiu ficar em silêncio. No dia da apreensão, Beviláqua falou que as siglas “JB” diziam respeito ao candidato Darci. A sigla “CP” referia-se a Claudiomiro Pezzetta. “JCB” a Darci Pretto. Essas letras diziam respeito às iniciais do nome de Beviláqua. Os vales apreendidos eram somente daquele dia, consoante o que disse o pessoal do caixa. Na segunda apreensão, apreendidos vale e cupons fiscais. Não participou da segunda apreensão. Os cheques de Gilvane foram apreendidos no primeiro dia. Não recorda o que Beviláqua disse sobre os cheques. Tinha anotações de Darci Pretto e o valor de R$ 1.940,00. Os vales eram de gasolina, não diesel. Referiu a negociação com o dono de empresa de transporte. Sobre conversa de Bevilaqua com Gerson Burmann, não recorda. Verificadas mensagens de celular em que pessoas pediam vales de combustíveis e galetos. Sobre o Posto Ouro e Prata, foi cumprido mandado na casa de Darci e apreendidos documentos, nos quais tinham nomes e valores. Um dizia Ouro e Prata, com um valor de 15 ou 16 mil reais. Ainda, uma lista com apoiadores da campanha. A partir daí, feitas buscas no posto Ouro e Prata e o pessoal apresentou planilhas, que levaram à empresa de Julio Cesar, sendo os valores muito próximos. Essa planilha tinha vários abastecimentos com pouca litragem, em pequeno período, de poucos dias. No posto Ouro e Prata não foram apreendidos vales, mas cheques e a planilha, com abastecimentos sem indicação de placas. A empresa de Julio era mais de máquinas e caminhão. Ainda, Julio trabalhou na campanha, havendo mensagem de Gilvane para Julio. Sobre o filho de Darci Pretto, ele enviou uma mensagem pelo Whattsapp para Gilvane sobre depósito de R$ 15.000,00 na sua conta. Ele estava em Porto Alegre e de lá fez o depósito na conta de Gilvane. Foi interceptada uma conversa dele com o pai, bem nervoso, em que externou a preocupação de não ser prejudicado, pois prestaria concurso público. Mario Sergio Santos era responsável pela garagem da prefeitura e quem conversou com ele foi Darci. Marião é apelido de Mario. Soube que apreendido envelope contendo cupons fiscais, estando indicado Mario Sergio Santos. Não havia ordem de serviço pelo trabalho feito pela máquina da prefeitura, nem aparecia no livro de bordo, ou seja, nenhum registro havia deste serviço. O livro de bordo era da máquina que estava fazendo o serviço, e nada constava. Não sabe a origem do valor do depósito feito pelo filho de Darci Pretto. Não esteve na casa dos pastores para cumprir mandado de busca. Referiu haver interceptação telefônica de Valdir Heck para Darci Pretto em que Valdir disse para Darci que aquela pessoa fantástica, referindo-se à pastora, teria que ter esses bloquinhos na casa ou na igreja, como que orientando. As testemunhas anteriores não são cedidos ao Ministério Público. Todas as interceptações telefônicas estão dentro dos autos. Trabalhou em todas, montando os relatórios. Barragan e Claudiomiro não trabalharam nos relatórios das interceptações. Escutou conversa entre Nerceu e os policiais Barragan e Claudiomiro de que tinha recebido o vale de Nandir. Sobre Marião, houve conversa entre Darci e os proprietários, não tendo ocorrido oferecimento de vantagem em troca de votos. Não tem conhecimento de lei municipal de incentivo a empresas. Não se recorda de pronome utilizado constantemente por Darci, mas recorda de usar “Meu Secretário”, mas não tem certeza. No caso específico da Transportadora São Miguel, não visualizou pessoalmente a máquina trabalhando, mas outros policiais sim. O tempo trabalhado foi de horas e deve estar no relatório. O fato ocorrido na Transportadora São Miguel ocorreu após as eleições. Não recorda se naqueles dias havia chovido muito na cidade de Ijuí. Não sabe se o réu Ubiratan apoiava o candidato Marcos Barrichelo. No monitoramento pelas interceptações, lembra de interceptação referente a tubos. Mas não fez serviço de campo sobre isso. Não lembra se o pedido era de tubo ou colocação de tubo. Nessas conversas sobre os serviços, não percebeu questões de votos. Segurança institucional e trabalho em operações são funções como cedido para o Ministério Público. Não toma depoimentos. No flagrante, questionou Nerceu sobre o que tinha acontecido. Descreveu características de Nerceu, confirmando ser bastante humilde. O Advogado do PDT é Telmo. Não houve escuta tendo ele como interceptado. Não sabe se Telmo é ou foi Advogado de Darci. Houve interceptações de Darci conversando com Telmo. Não sabe se a pastora é cliente de Darci. Foi feito trabalho de campo no local onde estava Gerson Burmann. Tem conhecimento de que Gerson Burmann e Pompeu de Mattos possuem foro privilegiado, pois deputados. Sobre galeto, não tem ciência da entrega deste material, mas mensagens de pessoas pedindo. Não viu Darci pessoalmente oferecendo alguma coisa em troca de votos.

Edson Maurício Palácio Fagundes referiu que participou da operação eleitoral. Teve vários relatórios. Houve uma prisão em flagrante em um posto de combustível de uma pessoa que abasteceu utilizando um vale recebido de um cabo eleitoral de Darci Pretto. Outros vários vales foram encontrados em uma gaveta no posto Burmann e Patias. Nesse dia da prisão, e outros em que houve monitoramento, o movimento do posto era atípico, intenso. Tentou-se maquiar o que tinha acontecido no posto, através de um pastor. Foi combinado que ele tinha dado o vale para Nerceu. Teve interceptação telefônica sobre a combinação correspondente. No momento da abordagem, Nerceu contou que recebeu de Nande um vale e que era para votar no seu “Galo”, que era Darci Pretto. Foi na igreja do pastor, mas não recorda de ter sido apreendido nada relevante. Na casa do pastor, parece que foi apreendido material de campanha. Encontrados vales de Claudiomiro Pezzetta também. Não viu Darci Pretto oferecer pessoalmente alguma coisa em troca de voto. Entrevistou Nerceu no posto Burmann. Participou de operação na casa de Gerson Burmann, após terem verificado em conversa telefônica que haveria combinação entre ele e Ciloé. Pompeu de Mattos foi visto em campanas realizadas nas operações. Nos vales existiam códigos de identificação, através de letras. No veículo de Nerceu havia santinhos somente de Darci Pretto. Muitos carros identificados com os candidatos Darci e Pezzetta apareciam no posto para abastecimento. De outros candidatos, apareciam de vez em quando.

Nerceu Roque da Silva confirmou que foi preso e estava com uma Belina. Estava com sua esposa, sogra e filhos. Abasteceu e naquela noite teria o noivado do filho. É músico e toca na igreja. O pastor lhe foi fazer uma visita e deixou o vale. Nunca entrou em política. Recebeu o vale de Jorge Viriato, esposo de Maria, a qual chegou naquele dia. Não deixaram-no conversar. Estava com uns quatro santinhos, tendo de Darci, do Prefeito Valdir e outros. Na Delegacia de Polícia, percebeu que havia um Advogado e pegou, sendo o Dr. Telmo. Não lhe foi oferecida a possibilidade de ter um Advogado na Delegacia de Polícia. Estava apavorado. O pessoal que lhe prendeu foi bastante brutal. Nunca tinha passado por situação constrangedora assim. Estudou até quinta série. No outro dia, iria a Santa Rosa, mas acabaram não indo. Lê devagar. Conhece Nandir dos Santos e não sabe se ele fazia campanha para algum candidato. Não viu ele com carro de som. Fizeram busca e apreensão na sua casa, sendo que sua mulher ficou no andar de cima com um policial. Ele disse que tinha um santinho de Darci e Valdir Heck no seu armário e no bolso da sua roupa, mas negou que fossem seus. No Posto de combustível ficou umas duas horas antes de ir para Delegacia de Polícia. Não estava acompanhado de Advogado no posto. No momento da abordagem no posto, tinha uns dois ou três santinhos de Darci. O vale era de 10 litros. Para ir a Santa Rosa gasta entre 13 e 14 litros. Cada vez que viaja, vai com seu carro. No posto, chegou a pastora. Nem deixaram ela falar com ele. A pastora não estava na Delegacia de Polícia. Não conversou com Darci. É conhecido de Nandir.

(Grifei.)

Em que pese à mudança da versão de Nerceu, afirmando que teria recebido o vale de Jorge Viriato, inúmeros elementos levam à conclusão da veracidade dos depoimentos prestados pelos policiais.

No Posto Burmann, Patias e Cia Ltda., foram apreendidos 38 vales-combustível, contendo as inscrições “JB”, referentes a diversas datas (fl. 890). Além disso, houve a apreensão de uma agenda com anotações, ressaltando a cópia que está na fl. 892, referente ao dia 24 de agosto de 2016, com as anotações “DARCI PRETTO JB 1940”, “500 LTS 3,88”.

Essa anotação (fl. 892) comprova a destinação dos vales com as letras “JB” como sendo de Darci Pretto, sendo que o valor de R$ 1.940,00 corresponde exatamente a 500 litros de gasolina, sendo R$ 3,88 o litro.

Ainda, na fl. 734, há um vale-combustível com as anotações “Darci Pretto” e “JB”, no valor de R$ 2.000,00.

Conforme o depoimento de João Carlos Beviláqua, gerente do Posto Burmann, Patias e Cia Ltda., os 38 vales apreendidos referem-se apenas ao dia do cumprimento do mandado de busca, ou seja, somente no dia 01.10.2016, véspera da eleição, 38 pessoas já haviam abastecido seus veículos utilizando vales semelhantes, sendo todos de pouca litragem e com as mesmas referências de sinais. Na condição de gerente, asseverou que o cliente compra combustível e deixa um cheque para que tenha créditos em litros de gasolina. Que o controle da retirada do combustível ocorre por meio de vale. Que no período de eleição aumentam as vendas de combustível. Que é o responsável pela assinatura dos vales. JB significa João Beviláqua e PZ, Pezetta. Ao final do dia, disse ele, os vales eram contabilizados e descartados.

Ressalto que Pezetta é o candidato Claudiomiro Gabbi Pezzetta, que concorreu pela mesma coligação de Darci Pretto da Silva (Frente Social Trabalhista – PDT/PPS), e que teve seu diploma cassado neste Tribunal na sessão de 28.9.2018 (RE 682-33, Relatora Desa. Eleitoral Marilene Bonzanini).

Nesse contexto, no qual diversos veículos foram abastecidos por meio desses vales, ocorreu a prisão de Nerceu, que afirmou aos policiais ter recebido de Nande o vale com as características idênticas aos apreendidos no posto.

Importante mencionar que a versão posterior de Nerceu, no sentido de ter recebido o vale de Jorge Viriato, da Igreja Pentecostal do Brasil, não se sustenta, pois os que são entregues pela instituição religiosa têm a indicação “Igreja Pentecostal do Brasil” (fl. 694), e o que foi apreendido com Nerceu tem a indicação das iniciais “JB” (fl. 97), que é a sigla da grande maioria dos vales apreendidos no posto durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão.

Maria da Graça Gonçalves Dias, pastora da Igreja Pentecostal, ao ser ouvida em juízo como informante, por ser sobrinha de Darci Pretto, afirmou que os vales-combustível entregues pela instituição religiosa tinham a indicação do nome da igreja.

Ainda, os relatórios de interceptação do terminal telefônico de Nerceu Roque da Silva (fls. 307-311) evidenciam que, no dia 07.10.2016, ele entrou em contato com Nandir dos Santos, combinando de se encontrarem para conversar, com o objetivo de forjar álibi para tentar justificar a licitude da posse do vale.

Após intimação de Ajoice Inês Ames, esposa de Nerceu, para prestar depoimento junto ao Ministério Público Eleitoral (fl. 869), foram capturadas ligações telefônicas entre Nandir e Darci.

Na síntese da ligação (fl. 665), Darci Pretto orienta Nande para não esquecer de levar Ajoice (esposa de Nerceu) à casa do pastor Jorge para combinarem exatamente se o pastor Jorge teria dado o vale para ela e se teria sido entregue na igreja ou na casa dela. Darci diz para “verem direitinho” para o pastor conversar bem com ela, que foi a igreja que deu o vale, que é para deixar Ajoice bem “abotoadinha” para ser ouvida no Ministério Público. Há fotografias desse encontro (fls. 635-636 e 669-670).

Como salientado pelo juízo a quo, se de fato o vale fora entregue a Nerceu pelo pastor, por óbvio que seria desnecessário “combinar o local da entrega”.

Digna de nota também a conversa mantida entre João Carlos Beviláqua e Edson Burmann, em 06.10.2016 (fl. 302), quando eles se referem às “encrencas” ao se reportarem à operação promovida pelo Ministério Público Eleitoral.

Edson Burmann falou quatro vezes que em Ijuí a coisa estava demais, ressaltando o excesso e o exagero das ilicitudes perpetradas no município.

Registro que foram apreendidos no Posto Burmann cheques emitidos por Gilvane Andreatta Pretto da Silva, esposa de Darci, sendo três deles no valor de R$ 1.940,00, um de R$ 1.672,00, um de R$ 2.716,00 e um de R$ 776,00, totalizando R$ 10.984,00. Os cheques foram emitidos em datas diferentes, entre 1º.9.2016 e 22.9.2016, e pré-datados também para dias diversos, de 05.10.2016 até 25.10.2016 (fl. 884).

A respeito da destinação desses cheques, Gilvane afirmou que eram relativos à compra de um veículo de Paulo Salatiel de Almeida Moura.

Entretanto, a versão é pouco crível, conforme a análise do juízo a quo que reproduzo:

Sobre tais cártulas, Gilvane defende que foram utilizadas para aquisição de um veículo Gol de Paulo Salatiel de Almeida Moura. Segundo ela, teria sido pactuado o pagamento do valor do automóvel através de combustíveis no Posto Burmann, que Gilvane teria pago com os cheques mencionados.

No entanto, essa alegação é pouco crível em vários aspectos. O primeiro a ser observado é que, já em 12/09/2016, Gilvane possuía a quantia suficiente para o pagamento do veículo, pois transferidos R$ 15.000,00 em seu favor pelo enteado, Darci Pretto da Silva Júnior.

O vendedor do veículo, por sua vez, em seu depoimento, referiu que Gilvane queria parcelar o pagamento, mas que não aceitou, sugerindo, posteriormente, a troca por combustível. Essa versão também se mostra pouco razoável, já que os pagamentos com combustíveis, de certa forma, também seriam um parcelamento, e ainda mais limitado, já que com finalidade específica. Mesmo que o combustível fosse de grande consumo do vendedor, pela sua atividade profissional, não há como deixar de considerar que é mais vantajoso o recebimento de dinheiro, ainda mais porque não referido qualquer benefício pelo tipo de negociação, como uma quantidade maior de combustível em relação ao valor do veículo, por exemplo.

Segue o depoimento de Paulo Salatiel de Almeida Moura. Referiu que prestou depoimento no Ministério Público e no final não foi gravado, ocasião em que a Promotora de Justiça disse que ele poderia perder seu serviço de transporte se tivesse mentido, tendo ficado chateado com isso. Mencionou que vendeu um veículo Gol para Gilvane. Eles estavam precisando de outro carro para trabalhar. Disse que queria R$ 9.000,00 pelo Gol. Ela queria parcelar, mas não aceitou. Sugeriu que poderia trocar por combustível. Seu gasto mensal em combustível é de aproximadamente 10 ou 11 mil reais. Conforme ia abastecendo, pegava os vales. O acerto foi de 2800 litros. Repassa aos funcionários os vales, como forma de pagamento. Esses vales eram do Posto Burmann. Darci nunca lhe ofereceu combustível, ou outra vantagem, em troca de votos. É filiado no PDT. Darci já trabalhou como seu Advogado. Possui oito veículos, em nome da empresa. Darci tinha outros carros anteriormente. A procuração foi feita no escritório de Darci. Estava com procuração e transferiu para Gilvane. Esse carro ainda está com eles. Não lembra a placa do veículo e tinha comprado de Luis, do Auto Bacana. Abasteceu umas duas vezes por semana. Abastece no posto Ouro e Prata e Antonelo. Votou para Darci Pretto, mas não é apoiador. Tinha falado com Beviláqua sobre os abastecimentos. Não lembra se foi intimidade na Promotoria de Justiça antes ou depois do depoimento, mas acha que foi depois. Não registrou ameaça nem encaminhou par a Corregedoria.

Ainda, mesmo que se considere que havia efetivamente a intenção da compra do veículo por Gilvane, e que tenha realmente acontecido, o que inclusive tem comprovação nos autos por alguns depoimentos de testemunhas, é importante perceber que o valor dos cheques em seu nome apreendidos não possuem relação com a compra do automóvel.

Além dos fatores postos acima, notável o que disse Márcia de Oliveira Nascimento, sobrinha de Gilvane, no sentido de que recebeu emprestado R$ 15.000,00 em 2015 e que Gilvane já tinha lhe falado que o valor estava reservado para a compra de um carro. Daí, em maio/2016, Gilvane disse que queria a devolução do dinheiro, o que foi feito somente em setembro/2016 - quatro meses depois.

Segue o depoimento de Márcia e também de Ataídes de Oliveira, pois relativo aos mesmos fatos.

Márcia de Oliveira Nascimento, sobrinha de Darci Pretto, mencionou que em 2015 comprou um imóvel no município e não tinha dinheiro para comprar a mobília. Daí, pediu R$ 15.000,00 emprestado, recebendo da sua tia em três ocasiões. Ela referiu que esse dinheiro seria usado para comprar um carro. Em maio, sua tia falou que precisaria do dinheiro. Em setembro, ligou para seu tio e falou que teria o dinheiro, mas não depositou porque os bancos estavam em greve. Como seus tios não puderam ir a Porto Alegre naquele final de semana, levou o dinheiro para Darci Júnior fazer o depósito. Esse dinheiro não seria usado para campanha eleitoral. Nunca lhe foi pedido apoio político em razão do empréstimo. Não vota em Ijuí. Conseguiu o dinheiro porque vendeu um carro para seu irmão, que lhe deu em dinheiro vivo. Seu irmão pegou parte do dinheiro com sua mãe. Nada sabe da campanha eleitoral do seu tio. Nega ter feito doação de campanha para seu tio.

Ataídes de Oliveira, cunhado de Darci Pretto da Silva e pai de Márcia de Oliveira Nascimento, referiu que em setembro levou sua filha até a casa de Darci Júnior para ela entregar um dinheiro. Não sabe do que seria esse dinheiro.

Como referido, já em 12/09/2016 Gilvane tinha à sua disposição o montante suficiente para a compra do carro, que lhe custaria pouco menos de dez mil reais. Mas, pela negociação, pagaria com combustível, o que aconteceu somente no mês seguinte, como já analisado acima.

Ou seja, o montante depositado por Darci Júnior misturou-se aos demais valores das finanças pessoais de Gilvane, não havendo vinculação direta dos cheques apreendidos aos pagamentos dos combustíveis utilizados por Paulo Salatiel de Almeida Moura. Veja-se ainda que, conforme extrato bancário das fls. 1.067/1.068, Gilvane teve um crédito de R$ 14.983,00 em sua conta em 12/09/2016 e, nos dias seguintes, foram descontadas, além de despesas diversas, seis cheques, de números 209, 208, 211, 201, 206 e 205. Por fim, no dia 04/10/2016, restava na sua conta bancária um saldo de R$ 2.094,50.

Por outro lado, os cheques apreendidos no Posto Burmann correspondem a outra numeração: 202, 203, 204, 207, 210 e 212 (fl. 109). Além disso, neles constava anotação para que fossem descontados, respectivamente, nos dias 05, 10, 24 e 25/10/2016.

Essas circunstâncias evidenciam que os cheques destinavam-se ao pagamento dos vales distribuídos e utilizados em larga escala no Posto Burmann e Patias.

Soma-se a isso o que restou apurado nos autos do RE 682-33.2016.6.21.0023, citado alhures, de relatoria da Desa. Eleitoral Marilene Bonzanini, ocorrido em relação ao candidato eleito Claudiomiro Pezzeta, que disputou a eleição pela mesma coligação de Darci, cuja prova demonstra o mesmo modus operandi do demonstrado neste feito, tudo no Posto Burmann e Patias.

Assim, correta a sentença ao reconhecer a captação ilícita de sufrágio por meio da entrega de vale-combustível em troca de voto, a exemplo do ocorrido em relação ao eleitor Nerceu e à distribuição dos vales-combusível no Posto Burmann, Patias e Cia. Ltda.

Contudo, não verifiquei a demonstração da responsabilidade de Julio Cesar Henrique Jeremias e de Gilvane Andreatta Pretto da Silva no tocante à perpetração dos ilícitos.

A responsabilização por ato ilícito no Direito Eleitoral corresponde a uma categoria especial.

José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 8a. ed., pp. 226-227) ensina que:

No Direito Eleitoral vigora um sistema peculiar, havendo forte influência da responsabilidade objetiva. Aqui, a culpa – ou sua anuência – nem sempre é determinante para a fixação da sanção jurídica. Nesse ponto, está em harmonia com a tendência contemporânea. Há casos em que se impõe a presença de culpa, admitindo-se, todavia, sua presunção. Nesta, destacam-se mecanismos como a culpa in re ipsa, isto é, divisada nas próprias circunstâncias que cercam o evento lesivo ou mesmo na impossibilidade de o beneficiário ignorá-lo. Aqui, a afirmação da culpa é extraída do óbvio: se houve resultado danoso ao bem jurídico, é porque a culpa de alguém se fez presente, seja em razão de um agir, seja de um não agir. E normalmente esse alguém é o próprio beneficiário do ilícito, a quem toca a prova de circunstância exonerativa. Em destaque, ainda, a culpa in eligendo, que decorre do dever de bem escolher prepostos e representantes (denominados “cabos eleitorais”) para a prática de atos.

Certo é que a responsabilidade nos domínios eleitorais é mais voltada para a efetiva proteção dos bens jurídicos tutelados, da liberdade do eleitor, da lisura e normalidade das eleições, da legitimidade dos resultados, da sinceridade das eleições, da liberdade do voto, da representatividade do eleito, pouco importando a perquirição de aspectos psicológicos ou genéticos dos infratores. Relevante é demonstrar a existência objetiva de fatos denotadores de abuso de poder, de abuso dos meios de comunicação social, corrupção ou fraude. É que estes comprometem de modo indelével as eleições, porque ferem os princípios e valores que as informam.

A responsabilidade deve sempre ser afirmada pelo Estado, no bojo de regular processo judicial – até porque o Estado detém o monopólio da jurisdição.

Há de se fazer uma diferenciação entre a responsabilização do candidato e do terceiro, por ato ilícito.

Se, de um lado, o candidato pode ser responsabilizado como mero beneficiário de uma determinada conduta ilícita, de outro, em relação ao terceiro, vigora a responsabilidade subjetiva.

Há de ser demonstrada a realização de uma conduta, comissiva ou omissiva, que possa ser emoldurada em um ilícito eleitoral.

No caso de Julio Cesar Henrique Jeremias, a responsabilização pelo abuso do poder econômico fundamentou-se na compra, por intermédio de sua empresa Portobello Saneamento e Construções Ltda., de significativa quantidade de combustível junto ao Posto Ouro e Prata, que teria sido distribuído para inúmeras pessoas em troca de votos para o candidato Darci Pretto da Silva.

De fato, nos autos há registro de grande quantidade de consumo de combustíveis pela empresa Portobello junto ao posto Ouro e Prata, anotação na agenda profissional de Darci da referência “Posto Ouro e Prata”, relatórios, extratos e compensação de cheques na conta de Julio Cesar.

Entretanto, não há demonstração do vínculo entre Julio e Darci, muito menos no sentido de que o primeiro tivesse conhecimento de que os combustíveis seriam utilizados para perpetração de ilícitos.

Aliás, inexiste nos autos a evidência de que Julio Cesar tenha realizado qualquer ato que possa ser caracterizado como abusivo.

Em relação a Gilvane Andreatta Pretto da Silva, sua responsabilização fundou-se no uso de cheques de conta-corrente em seu nome para compra de combustíveis. Contudo, ela aduziu que se destinava à compra de veículo.

Ainda que a versão dada possa ser pouco crível, como dito pelo magistrado, o fato é que não há nos autos elementos que possam inferir e demonstrar que Gilvane tinha conhecimento de que os cheques seriam utilizados para compra de combustíveis, muito menos que seriam dados em troca de apoio e votos.

À responsabilização de terceiro não candidato não bastam suposições ou indícios, mas sim a evidência de um agir voltado ao ilícito, ônus do qual o autor da ação não se desincumbiu em relação a Julio e Gilvane, não candidatos.

Dessa forma, tenho que o decreto condenatório de JULIO CESAR HENRIQUE JEREMIAS e GILVANE ANDREATTA PRETTO DA SILVA não se sustenta diante da fragilidade da prova, nos termos da reiterada jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ENTIDADE SINDICAL. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO.

1. Com base na compreensão da reserva legal proporcional, compete à Justiça Eleitoral verificar, baseada em provas robustas admitidas em Direito, a ocorrência de abuso de poder, suficiente para ensejar as severas sanções previstas na LC nº 64/1990. Essa compreensão jurídica, com a edição da LC nº 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento desse ilícito poderá afastar o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alíneas d, h e j, da LC nº 64/1990).

2. A normalidade e a legitimidade do pleito, referidas no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, decorrem da ideia de igualdade de chances entre os competidores, entendida assim como a necessária concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, sem a qual se compromete a própria essência do processo democrático.

3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, "o abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito. Já o uso indevido dos meios de comunicação se dá no momento em que há um desequilíbrio de forças decorrente da exposição massiva de um candidato nos meios de comunicação em detrimento de outros" (REspe nº 4709-68/RN, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10.5.2012).

4. Conquanto algumas das publicidades realizadas pelo sindicato tenham sido julgadas regulares pela Justiça Eleitoral, outras extrapolaram os limites da liberdade de expressão e revelaram propaganda eleitoral negativa. Contudo, não há, na hipótese dos autos, fato grave a ensejar condenação, pois, nos termos da nova redação do art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar nº 64/1990, não se analisa mais a potencialidade de a conduta influenciar no pleito (prova indiciária da interferência no resultado), mas "a gravidade das circunstâncias que o caracterizam". Entendimento que não exclui a possibilidade de eventuais publicidades irregulares serem analisadas em outra ação e em conjunto com outros possíveis ilícitos eleitorais. Conforme a jurisprudência deste Tribunal, "a caracterização do abuso do poder econômico não pode ser fundamentada em meras presunções e deve ser demonstrada, acima de qualquer dúvida razoável, por meio de provas robustas que demonstrem a gravidade dos fatos. Precedentes

(REspe n. 518-96/SP, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 22.10.2015). 5. Recurso ordinário desprovido. (Recurso Ordinário n. 457327, Acórdão de 08.9.2016, Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo 185, Data 26.9.2016, Páginas 138-139.)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso de Julio Cesar Henrique Jeremias e Gilvane Andreatta Pretto da Silva, absolvendo-os das condenações impostas, e nego provimento ao apelo de Darci Pretto da Silva.

Além da captação ilícita de sufrágio e do abuso do poder econômico reconhecidos na sentença, apurou-se a infração prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, cujo teor é:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar Justiça Eleitoral relatando fatos indicando provas pedir abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas arrecadação gastos de recursos.

[…]

§2°. Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato ou cassado, se já houver sido outorgado.

Como se percebe, a regra tem por escopo sancionar ilegalidades na captação de recursos de campanha, bem como realização de despesas ilícitas.

Considerando a gravidade da penalidade imposta ao infrator, qual seja, a cassação do diploma, exige-se, à configuração do ilícito, que a conduta guarde relevância dentro do contexto da campanha, atingindo efetivamente bem jurídico tutelado, qual seja, a lisura do financiamento da campanha.

As contas de campanha de Darci Pretto da Silva foram desaprovadas no juízo a quo, mantido nesta Corte, consoante a seguinte ementa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO.VEREADOR. PRELIMINARES AFASTADAS. SENTENÇA DEVIDAMENTE PUBLICADA NO MURAL ELETRÔNICO. DESLEALDADE PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA. RITO E PRAZOS PROCESSUAIS DEVIDAMENTE PREVISTOS EM RESOLUÇÃO. PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. ART. 372 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MÉRITO. GASTOS DE CAMPANHA ACIMA DO DECLARADO. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016.

1. Preliminares afastadas. 1.1 Conforme certidão nos autos, a decisão foi devidamente publicada no mural eletrônico, inexistindo qualquer irregularidade. 1.2 Nos processos de prestação de contas de campanha, a atuação do Ministério Público Eleitoral é deveras importante e tem participação imprescindível para a correta análise da movimentação de recursos. A Resolução TSE n. 23.463/15 é voltada para o propósito de livre atuação do órgão ministerial, prevendo expressamente a atribuição para, a qualquer tempo, provocar a Justiça Eleitoral sobre a realização de diligências para verificação da regularidade e da efetiva realização dos gastos informados, impugnar as contas, bem como apontar irregularidades não identificadas pela análise técnica, não havendo deslealdade no desempenho de suas funções. 1.3 Inexiste qualquer irregularidade na celeridade dos prazos previstos para a apresentação das contas de candidatos, visto que decorrente do rito estabelecido na Resolução suprarreferida. 1.4 A prova emprestada ao presente processo de prestação de contas consiste em interceptação telefônica e em resultado de ordem de busca e apreensão de documentos, atos realizados com prévia autorização judicial, de forma regular, não se tratando de prova produzida unilateralmente pelo Ministério Público Eleitoral, mas do aproveitamento do resultado de elementos colhidos em sede de procedimento investigatório. Além disso, o prestador teve ampla oportunidade para manifestar-se sobre elas.

2. Mérito. As provas coligidas permitem concluir que o candidato prestou contas omitindo despesas em valor representativo. Tais despesas se deram, via de regra, com combustíveis, superando em 166% o total declarado na prestação. Irregularidade grave, evidenciando a falta de transparência e comprometendo a confiabilidade que deve caracterizar a prestação de contas da campanha eleitoral. Mantida a desaprovação.

Provimento negado.

(RE 393-03.2016.6.21.0023, julgado em 13 de novembro de 2017, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes.) (Grifei.)

Muito embora a desaprovação das contas não conduza, por si só, à configuração do ilícito descrito no art. 30-A da Lei das Eleições, tenho que, na espécie, o conjunto probatório não só demonstra a ilicitude na captação e nos gastos dos recursos movimentados na campanha, como revela a gravidade da conduta de modo a atrair a sanção de cassação do mandato.

Com efeito, conforme o Relatório n. 03/2016 da busca e apreensão (fls. 93-111), cumprida no dia 01.10.2016, foram localizados e apreendidos 46 vales do Posto Burmann, no valor de R$ 39,50; 13 vales no valor de R$ 19,75; 2 vales no valor de R$ 38,80; 2 vales no valor de R$ 25,00; 1 vale no valor de R$ 310,00; 1 vale no valor de R$ 58,00; 17 vales de 10 litros de gasolina comum; 3 vales de 5 litros de gasolina comum; 6 cheques do Banrisul em nome de Gilvane Andreatta, companheira de Darci Pretto da Silva, (cheque 000202, expedido em 01.9.2016, no valor de R$ 1.940,00; cheque 000203, expedido em 05.9.2016, no valor de R$ 776,00; cheque 000204, expedido em 09.9.2016, no valor de R$ 1.940,00; cheque 000207, expedido em 13.9.2016, no valor de R$ 2.716,00; cheque 000210, expedido em 16.9.2016, no valor de R$ 1.672,00; e cheque 000212, expedido em 22.9.2016, no valor de R$ 1.940,00) e 1 cheque do Banrisul em nome de “Eleição 2016 Darci Pretto da Silva”, expedido em 30.9.2016, no valor de R$ 174,00.

O candidato omitiu valor representativo das despesas, superando em 166% o total declarado na prestação.

Nessa medida, tenho que a conduta é relevante e atingiu efetivamente o bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a lisura do financiamento da campanha, devendo ser mantida a sentença.

Recurso do Ministério Público Eleitoral

Requer a reforma parcial do julgado em relação aos seguintes pontos: a) reconhecer a legitimidade passiva de Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias, condenando-os às sanções do art. 41-A da Lei n. 9.504/97; b) majorar a multa aplicada em relação a Darci Pretto da Silva para valor não inferior a R$ 26.000,00, estabelecendo essa quantia para os demandados Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias; c) julgar procedente a ação em relação aos representados Ubiratan Machado Erthal e Mário Sérgio dos Santos pela prática de abuso do poder político.

O ponto em relação à legitimidade passiva de Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias já foi examinado em preliminar, ao início desse voto.

No que diz respeito à multa aplicada em razão da captação ilícita de sufrágio, ou seja, dez mil UFIR, correspondente a R$ 10.641,00, tenho que o seu patamar foi fixado em observância aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Com efeito, a captação ilícita de sufrágio reconhecida relaciona-se ao eleitor Nerceu Roque da Silva, sendo que a multa estabelecida pelo art. 41-A da Lei das Eleições deve variar entre mil e cinquenta mil UFIRs, de modo que o valor de 10.000 UFIRs já se distanciou do mínimo para o ilícito, sendo suficiente para sancioná-lo.

O Ministério Público Eleitoral postula, ainda, que seja julgada procedente a ação em face dos representados Ubiratan Machado Erthal e Mário Sérgio dos Santos pela prática de abuso do poder político.

No que refere aos demandados Mário Sérgio dos Santos (subordinado a Ubiratan), conhecido como Marião, e Ubiratan Machado Erthal (gerente do DEMASI – Departamento Municipal de Águas e Saneamento de Ijuí), entendeu o juízo a quo não haver indícios de que os pedidos de prestação de serviços (esparramamento de pedras no estabelecimento comercial da empresa São Miguel e colocação de tubos de canalização na propriedade da empresa Guto Madeiras) estivessem voltados para a captação ilícita de votos.

Transcrevo os fundamentos da sentença e os incorporo ao presente voto como razões de decidir:

Os indícios dessa imputação são as interceptações telefônicas em que Darci solicita a Ubiratan, gerente do DEMASI (Departamento Municipal de Águas e Saneamento de Ijuí), e a Mario, subordinado de Ubiratan, a execução de duas obras: a utilização de uma patrola para esparramar pedras no estabelecimento comercial da empresa Expresso São Miguel e a colocação de tubos de canalização na propriedade da empresa Guto Madeiras. Tais pedidos, bem como a execução da obra a pedido da transportadora, são incontroversos, já que devidamente comprovados e inclusive confirmados pelos representados.

Sabe-se que o abuso de poder político se caracteriza pelo uso indevido de cargo ou função pública com a finalidade de obter votos para determinado candidato. No entanto, embora o representado Darci tenha postulado aos funcionários públicos a execução dos serviços, não há elementos suficientes para caracterizar que isso tenha ocorrido com a finalidade específica de obtenção de votos.

Primeiro, porque as ligações nas quais os representados tratam sobre as obras ocorreram nos dias 06 e 10/10/2016, conforme relatórios de interceptação telefônica das fls. 256/261 e 568/569; ou seja, após as eleições, que ocorreram em 02/10/2016. Segundo, porque em nenhum momento os interceptados dizem ou dão a entender que se trata de contraprestação ofertada em troca de votos.

A prova oral vai no mesmo sentido.

Dante Iuri Ponsi Trindade referiu que trabalhava no DEMASI. Conhece o demandado Darci e que ele possui o hábito de usar a palavra “eu”, ao conversar com as pessoas. É um costume dele. Nas eleições, não sabe qual candidato Ubiratan Erthal apoiava. Sobre tubos que estão próximos ao trevo do bairro Modelo, fls. 1576, conhece o local, sendo uma madeireira na RS 155. É onde termina a tubulação de esgoto do bairro Modelo. A pessoa que comprou a madeireira estava tentando autorização pra canalizar o esgoto, tendo pressionado o Prefeito Municipal para resolver o problema. Então, foram deixados os tubos no local para sinalizar que seria feito algo. Saiu em 15/08/2016 e os tubos já estavam lá. Acredita que não tenham sido colocados os tubos na gestão do Prefeito Balin, pois algumas licenças deveriam ocorrer, como da FEPAM. Sempre há solicitações das pessoas aos vereadores para resolver problemas. Existem leis municipais para incentivo a empresas, mediante cobrança de taxas. É filiado ao Partido dos Trabalhadores. Foi filiado ao PDT até 1994. depois, em 2002, filiou-se ao PT. Conhece o dono da madeireira como Guto. Os tubos foram levados ao local para acalmar Guto, que era insistente. Foi uma determinação do Prefeito Municipal. Houve situações semelhantes, mas mais simples. Deu exemplos. Todas as obras do Demasi são anotadas. Mario era lotado na Secretaria de Obras, mas não sabe seu cargo. O controle de frequência dele era do Demasi, pois lá era onde trabalhava. Ele auxiliava a Secretaria de Obras também. Ele ocupava cargo de confiança na época.

Paulo Feri, proprietário da empresa São Miguel, disse que já solicitou serviço de patrola, mas de uma vez, sendo que algumas vezes concedidos outras não. Sempre tentou usar estes serviços como empresário local. Lembra que outubro foi chuvoso. Como o fluxo é muito grande de caminhões, de tempos em tempos é necessário repor a camada de pedras. Solicitou o serviço através da Secretaria de Obras, o que é feito pelo seu gerente. Espalhar as pedras é um serviço que demora em torno de cinquenta minutos. Nunca pagou por este serviço, mas compra as pedras. Nunca pediu para Darci Pretto sobre o serviço. É sua assinatura nas fls. 21/29. Na ocasião, foi feito o serviço. Conhece Ubiratan Erthal. Não recebeu proposta de benefício em roca de votos. Conhece Mario, conhecido como Marião. Esses serviços falados não possuem relação com as eleições. Nas fls. 256, há uma conversa entre Joel e Darci, sendo que Joel é o seu funcionário. Joel não fez campanha eleitoral, nem tem filiação partidária. Imagina que Joel pode ter tido contato com Darci Pretto. Em 2014, não efetuou pagamento pelo serviço realizado. Seus funcionários não podem fazer campanha eleitoral. É regra na empresa.

Joel de Aguiar, gerente comercial da empresa Expresso São Miguel, referiu que Paulo já havia feito pedido formal. Daí, falou com Ubiratan para espalhar as pedras, na questão de horário. Esse serviço estava desvinculado com a questão eleitoral. Não sabe se houve pagamento pelo serviço. Não lembra se falou por telefone com Mario, mas acha que sim, para ser mandada a máquina. Tinha que haver combinação de horário para não atrapalhar as atividades das empresas, pois as pedras trancariam o acesso dos caminhões. Havia chovido bastante nos dias anteriores, com reclamação dos clientes. Foi após as eleições. O serviço era extremamente necessário. Não sabe se Ubiratan fez campanha para Marcos Barrichelo. Darci Pretto não lhe cobrou voto em troca do serviço. Trabalha na Expresso São Miguel há uns vinte anos. Esse serviço já tinha sido feito em outras ocasiões, sendo necessário uma vez por ano ou a cada dois anos. No total, acha que foram menos de dez vezes. Por telefone foi feito uma vez, mas daí se pediu para Paulo fazer por escrito. Não sabe se o pedido foi feito antes ou depois do período eleitoral. Não fez campanha para ninguém. Foi Mario que coordenou o serviço. Ele não fez pedido de votos. Sabe que existe legislação municipal de incentivo a empresas. O serviço foi feito em aproximadamente meia hora. As pedras foram compradas pela empresa. Não é filiado a partido político. Conhece Darci Pretto há mais de cinco anos, entre cinco e dez anos. Conhece o secretário Bira há uns cinco anos. Conheceu Marião uns oito ou dez anos atrás, quando foi feito um serviço. Não sabe se Marião fez campanha eleitoral para Darci Pretto. Não sabe quando foi feito o pedido formal do serviço. Foi Paulo quem entregou o pedido na Prefeitura.

Paulo Roberto Tamiozzo Avila referiu que Ubiratan e Mario trabalharam com ele na Secretaria de Obras e Demasi. Nunca viu Darci oferecer algo em troca de votos. Ficou sabendo que houve trabalho com britas em uma empresa, com autorização da chefia. É normal a prestação de serviços. É filiado no PDT. Todo o serviço prestado deve ser anotado no Livro de Bordo. Para espalhar a brita, não é necessário pedido escrito, se tem ordem do Secretário ou Prefeito.

Como não há indícios de que os pedidos estivessem voltados para a captação ilícita de votos, portanto, entendo não configurado o abuso posto na inicial. Em consequência, descabe analisar aqui se o procedimento adotado administrativamente foi correto ou não, até porque o pedido se limita à condenação dos representados pelo abuso de poder político. Eventualmente, a discussão sobre a legalidade ou não dos atos aqui discutidos poderá ocorrer em outra demanda, mas não vinculada à questão eleitoral. Logo, improcede o pedido de declaração da inelegibilidade de Ubiratan Machado Erthal e de Mario Sergio dos Santos.

Como muito bem apreendido no parecer da douta Procuradoria Eleitoral quanto aos representados Ubiratan e Mário Sérgio, não restou demonstrado o vínculo subjetivo entre eles e a campanha de Darci Pretto.

Tanto no que concerne aos serviços com a patrola quanto aos de colocação de tubos, a prova oral não fornece elementos hábeis a afirmar que houve a colaboração dos representados Mário Sérgio e Ubiratan no esquema engendrado por Darci Pretto da Silva de prestação de serviços com o uso da máquina pública em troca de votos, devendo ser mantida a sentença de improcedência no ponto.

Assim, é de ser desprovido o recurso do Ministério Público Eleitoral.

Recurso do Partido Democrático Trabalhista de Ijuí

No que diz respeito ao apelo do PDT de Ijuí de aplicação do § 4º do art. 175 do Código Eleitoral, para que os votos conferidos ao candidato eleito sejam computados à coligação pela qual concorreu, tenho por prover o apelo.

Com efeito, assim dispõem os §§ 3º e 4º do art. 175 do Código Eleitoral:

Art. 175

§3º Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados.

§4º O disposto no parágrafo anterior não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro. (Grifei.)

Conforme se observa, sendo a decisão proferida após o pleito, os votos do candidato devem ser atribuídos ao partido pelo qual tiver sido feito o seu registro.

Nesse sentido, a jurisprudência do TSE:

Recurso Contra Expedição de Diploma. PRELIMINARES AFASTADAS. MÉRITO.

TOTALIZAÇÃO DE VOTOS. INDEFERIMENTO DE REGISTRO ANTES DAS

ELEIÇÕES. VOTOS NULOS. NÃO-PROVIMENTO.

1. São legitimados para interpor recurso contra expedição de diploma partidos políticos, coligações, candidatos registrados especificamente para a eleição e o Ministério Público Eleitoral. Precedentes: RCEd nº 643, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 6.8.2004; AgRg no REspe nº 25.269, Rel. Min. Caputo Bastos, DJ de 20.11.2006.

2. Eventual provimento do recurso provocará modificação dos quocientes eleitoral e partidário, nas eleições proporcionais do Rio Grande do Sul, circunstância que afeta diretamente os objetivos políticos e demonstra o interesse processual dos recorrentes.

3. A interpretação dos §§ 3º e 4º do art. 175 do Código Eleitoral demonstra que deve prevalecer a situação jurídica do candidato no momento da eleição. "(…) Para afastar a aplicabilidade do § 4º do art. 175, o necessário é ser a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento do registro proferido antes da eleição; não que, antes dela haja transitado em julgado: indeferido ou cassado o registro, antes do pleito, a mera pendência de recurso contra a decisão não assegura ao candidato nem ao partido - sempre na hipótese de eleições proporcionais - a contagem do voto para qualquer efeito. (…)" (TSE, MS nº 3.100/MA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 7.2.2003).

4. O pedido de registro de candidatura de Paulo Roberto Kopschina foi indeferido antes das eleições, mediante o provimento de recurso ordinário pelo TSE, em 12.9.2006. A despeito da interposição de embargos de declaração e de recurso extraordinário, ainda pendente de juízo de admissibilidade, o pedido de registro continuava indeferido ao tempo das eleições. Os votos obtidos pelo candidato não podem ser revertidos em favor de sua legenda, devendo ser considerados nulos.

5. Recurso contra expedição de diploma não provido.

(Recurso contra Expedição de Diploma n. 674, Acórdão, Relator Min. José Augusto Delgado, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 24.4.2007, Página 179.)

Dessarte, deve ser dado provimento ao recurso do PDT de Ijuí, para que sejam computados a favor da coligação pela qual concorreu (Frente Trabalhista – PDT/PPS) os votos obtidos por Darci Pretto da Silva, por força do disposto no art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral.

ANTE O EXPOSTO, preliminarmente, VOTO no seguinte sentido: a) rejeitar as prefaciais de nulidade e de legitimidade de Nandir dos Santos, Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias; b) reconhecer a legitimidade do PDT de Ijuí para intervir no feito como terceiro interessado.

NO MÉRITO:

a) Negar provimento ao recurso de DARCI PRETTO DA SILVA, mantendo integralmente sua condenação;

b) dar provimento ao recurso de Gilvane Andreatta Pretto da Silva e Julio Cesar Henrique Jeremias, absolvendo-os da condenação imposta na sentença;

c) negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral;

d) dar provimento ao recurso do Partido Democrático Trabalhista de Ijuí, ao efeito de determinar, por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, que os votos conferidos a DARCI PRETTO DA SILVA sejam computados para a coligação pela qual concorreu (Frente Trabalhista – PDT/PPS), devendo ser empossado o(a) primeiro(a) suplente da coligação;

e) determinar, após transcorrido o prazo para embargos de declaração, ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, a comunicação desta decisão à respectiva Zona Eleitoral, para cumprimento.