RE - 1713 - Sessão: 18/12/2018 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de CANDELÁRIA contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 4.420,52, recebida de origem não identificada (fls. 105-107).

Em sua irresignação (fls. 112-115), o recorrente argumenta que todos os recursos tiveram como origem os filiados da agremiação, de acordo com a nova redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95, promovida pela Lei n. 13.488/17, que autoriza as doações realizadas por pessoas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiadas. Invoca a aplicação retroativa do novo regramento, por tratar-se de lei mais benéfica. Cita, como referência, o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal relativamente à aplicação da Lei Complementar n. 135, intitulada “Lei da Ficha Limpa”. Colaciona jurisprudência oriunda do TRE-MT. Informa que não houve dolo por parte da agremiação e defende a ocorrência de erro meramente formal, que representa a única irregularidade identificada nas contas. Requer a reforma da sentença.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, ou pela aplicação, de ofício, das sanções de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, pelo período de 1 (um) ano e da multa no percentual máximo de 20%. No mérito, manifestou-se pela manutenção da sentença que desaprovou as contas e determinou o recolhimento da quantia de R$ 4.420,52 ao Tesouro Nacional, devendo ser acrescida a multa de 20% sobre o valor irregular, bem como a determinação de suspensão do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) ano (fls. 120-133).

Conferida oportunidade para o recorrente se manifestar do parecer ministerial (fl. 135), o prazo concedido transcorreu in albis (fl. 141).

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

A prefacial suscitada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral comporta acolhimento.

Até o advento da Lei n. 13.165/15, o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95, estabelecia a sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário por um período de 1 a 12 meses:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.

§ 3o  A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas de partido, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, da importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação

Após a edição da Lei n. 13.165/15, houve a modificação da sanção legal incidente nas hipóteses de desaprovação das contas, passando a cominar a pena de devolução da importância considerada irregular acrescida de multa de até 20%:

Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento).

A jurisprudência definiu que essa nova sanção deverá ser aplicada nas prestações de contas relativas ao exercício financeiro de 2016, conforme definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2009. DESAPROVADA PARCIALMENTE. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS.

1. QUESTÃO DE ORDEM. As alterações promovidas no caput do art. 37 da Lei nº 9096/1995, reproduzidas no art. 49 da Res.-TSE nº 23.464/2015, são regras de direito material e, portanto, aplicam-se às prestações de contas relativas aos exercícios de 2016 e seguintes. Entendimento contrário permitiria que contas das agremiações partidárias relativas a um mesmo exercício financeiro fossem analisadas com base em regras materiais diversas, o que não se pode admitir. É preciso conferir tratamento isonômico a todos os partidos políticos, sem alterar as regras aplicáveis a exercícios financeiros já encerrados, em razão do princípio da segurança jurídica. O Plenário do TSE, analisando a questão relativa à alteração legislativa promovida pela mesma lei ora em análise na Lei das Eleições quanto ao registro do doador originário nas doações, assentou que "a regra constante da parte final do § 12 do art. 28 da Lei nº 9.504/97, com a redação conferida pela Lei nº 13.165/2015, não pode ser aplicada, [...] seja porque a lei, em regra, tem eficácia prospectiva, não alcançando fatos já consumados e praticados sob a égide da lei pretérita" (ED-REspe nº 2481-87/GO, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 1º.12.2015). A modalidade de sanção em decorrência da desaprovação de contas prevista na nova redação do caput do art. 37 da Lei nº 9.096/1995, conferida pela Lei nº 13.165/2015, somente deve ser aplicada às prestações de contas relativas ao exercício de 2016 e seguintes.

[...]

5. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, Prestação de Contas n. 96183, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume, Tomo 54, Data 18.3.2016, pp. 60-61.) (Grifei.)

Considerando que a aplicação da multa de até 20% é decorrência lógica da desaprovação das contas, deve ser anulada a sentença recorrida, por ausência da observância dos seus consectários legais.

Esse tem sido o posicionamento adotado por este Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRELIMINAR SUSCITADA PELA PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL. SENTENÇA OMISSA. AUSENTE A DETERMINAÇÃO DA APLICAÇÃO DE MULTA DE ATÉ 20% SOBRE O VALOR IRREGULAR. ART. 37 DA LEI N. 13.165/15. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. NULIDADE. Preliminar de nulidade da sentença. A decisão de primeiro grau desaprovou as contas do partido referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional e a suspensão das quotas do Fundo Partidário após a vigência da Lei n. 13.165/15, que passou a cominar a sanção de devolução dos valores considerados irregulares acrescidos de multa de até 20%. Regramento a ser aplicado nas prestações de contas relativas ao exercício financeiro de 2016. Nulidade da sentença por omissão em aplicar os consectários legais decorrentes da sua conclusão. Restituição ao juízo de origem.

(TRE-RS - RE: 10534 ERECHIM - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 16.7.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 127, Data: 18.7.2018, p. 6.)

Cabe observar que o mesmo entendimento foi seguido no tocante às prestações de contas de exercícios anteriores a 2016 que aplicaram indevidamente a multa de 20% e deixaram de determinar a suspensão do Fundo Partidário:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2015. PRELIMINAR ACOLHIDA. SENTENÇA OMISSA. AUSENTE A DETERMINAÇÃO DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DECORRÊNCIA LÓGICA DO ART. 37, § 3º, DA LEI N. 9.096/95. ALTERAÇÃO DA NORMA NÃO APLICADA AO EXERCÍCIO EM ANÁLISE. RETORNO DOS AUTOS PARA ORIGEM. NULIDADE.

Acolhida preliminar. Omissão na sentença em aplicar e fundamentar a pena de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, nos termos do que dispunha o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95. Penalidade extraída do texto legal após a edição da Lei n. 13.165/2015, passando a cominar a pena de devolução da importância considerada irregular, acrescida de multa. Modificação a ser aplicada nas prestações de contas relativas ao exercício financeiro de 2016, conforme definição do Tribunal Superior Eleitoral. Incidência, no caso, da sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 a 12 meses, nos termos do art. 48 da Resolução TSE n. 23.432/14.

Retorno dos autos a origem. Nulidade da sentença.

(TRE-RS, RE 16-37, Rel. Dr. Jamil A. H. Bannura, julg. em 14.11.2017.)

Ressalta-se que não é possível aplicar o entendimento de que a questão está madura para julgamento, determinando a aplicação da multa, de ofício, pelo Tribunal, com fundamento na disposição contida no art. 1.013, § 3º, inc. III, do CPC, conforme requerido pelo órgão ministerial, em razão da supressão de instância no tocante à dosimetria da penalidade, a par da violação ao princípio do duplo grau de jurisdição.

No que se refere à falta de aplicação da sanção prevista no art. 36, inc. I, da Lei n. 9.096/95, norma reproduzida no art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, anoto que a penalidade da suspensão de recursos do Fundo Partidário, até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral, somente tem sentido durante a tramitação do feito e não após a prolação da decisão que julga as contas, pois nela deve ser determinado que os recursos de origem não identificada retornem integralmente aos cofres públicos, como ocorreu no particular.

Interpretação diversa poderia redundar na imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico interno, sendo certo que após a prolação da sentença nem sequer teria lugar o exame de novos esclarecimentos.

Nesse sentido, colaciono recente precedente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ART. 7º DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. REFORMA DO VALOR DA MULTA APLICADA. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Afastada a preliminar de nulidade. Omissão da sentença em determinar a penalidade de suspensão das quotas do Fundo Partidário decorrente do reconhecimento da existência de arrecadação de recurso de origem não identificada. A interpretação teleológica do texto do art. 36, inc. I, da Lei dos Partidos Políticos evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito, sob pena de imposição de sanção por tempo infinito, penalidade não admitida no ordenamento jurídico interno. 2. Arrecadação de recursos em contrariedade com o disposto no art. 7º da Resolução TSE n. 23.464/15. Documentação apresentada incapaz de expor claramente a origem dos recursos. Falha representando 93,59% da arrecadação no período, impondo o juízo de desaprovação das contas. Considerada a conduta colaborativa do órgão partidário para a fixação da multa. Redução para o percentual de 5% sobre o valor impugnado. 3. Parcial provimento.

(TRE-RS - RE: 2481 NÃO-ME-TOQUE - RS, Relator: EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Data de Julgamento: 22.11.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 214, Data: 26.11.2018, p.  6.)

Dessa forma, impõe-se o reconhecimento da nulidade da sentença, devendo os autos retornarem ao juízo de origem, para que nova decisão seja proferida em seu lugar, com a observância das disposições legais vigentes após a edição da Lei n. 13.165/15 e aplicáveis ao exercício financeiro de 2016, em conformidade com a Resolução TSE n. 23.464/15.

ANTE O EXPOSTO, VOTO por acolher a matéria preliminar para o fim de anular a sentença, determinando o retorno dos autos a origem, nos termos da fundamentação.