RE - 4967 - Sessão: 24/01/2019 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) do Município de Progresso contra sentença do Juízo da 29ª Zona (fls. 163-166), que desaprovou a prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2016 – a qual também é integrada pelos respectivos dirigentes partidários –, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 20.000,00, “identificado como gasto eleitoral oculto e sem identificação dos doadores originários”, e a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário prevista no art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Em suas razões, o recorrente sustenta que já possuía os valores em caixa no ano anterior, os quais não foram apontados na respectiva prestação de contas. Diz que a despesa foi realizada no interesse do partido, não se tratando de gasto eleitoral.

Requer a reforma da sentença, para ser afastada a determinação de recolhimento do valor ao Erário.

Nesta instância, com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela intimação do recorrente para que junte aos autos o “contrato de serviços advocatícios firmado com Fábio Gisch – Sociedade Individual de Advocacia Eireli – ME para o ano de 2016 e que embasou o pagamento da quantia de R$ 20,000,00 de honorários advocatícios declarada na presente prestação de contas” (fls. 193-195v.).

É o relatório.

 

(Em parecer oral, o representante do Ministério Público manifestou-se sobre a juntada aos autos do contrato de serviços advocatícios referente a despesas efetuadas pelo recorrente, conforme requerido em anterior promoção ministerial. O Procurador Regional Eleitoral salientou a importância da análise do objeto do contrato para determinar se os gastos foram eleitorais - e deveriam assim ter sido declarados nas contas de campanha - ou gastos de exercício - não eleitorais. Sublinhou que a Resolução TSE n. 23.463/15, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos dos partidos políticos nas prestações de contas de 2016 - como é o caso em tela -, estabelece, em seu art. 29, §§ 1º e 1º-A, esta distinção entre a natureza dos gastos.

Concluiu o Procurador Regional Eleitoral que o contrato de prestação de serviços advocatícios juntado naquela data não tratava de defesa judicial, mas de assessoria, caracterizando-se como gasto de campanha eleitoral, previsto no § 1º do art. 29 da Resolução TSE n. 23.463/15, que deveria, assim, ter sido declarado na prestação de contas de campanha, com a devida menção à origem dos recursos despendidos. 

O parecer ministerial foi de que houve irregularidade, razão pela qual opinou pelo desprovimento do recurso.)

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo (fls. 168 e 171) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Do pedido preliminar da Procuradoria Regional Eleitoral

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) do Município de Progresso recorre da sentença proferida pelo Juízo da 29ª Zona Eleitoral, que desaprovou suas contas anuais, relativas ao exercício financeiro de 2016. A desaprovação teve como fundamento a suposta realização de gasto eleitoral com recursos sem identificar os doadores originários, tendo o juízo determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário prevista no art. 47, inc. II, da mesma resolução.

O parecer técnico conclusivo das fls. 134-135, acolhido pelo magistrado, apontou a provável natureza eleitoral da despesa de R$ 20.000,00 relativa a serviços advocatícios (nota fiscal à fl. 119), situação que requereria a correta contabilização do recurso com a identificação dos doadores originários.

O partido recorrente, por seu turno, diz que a despesa refere-se à assessoria jurídica prestada ao partido, ao longo do exercício de 2016. Acrescenta que o seu candidato no pleito de 2016 – Gilberto Gaspar Constantin – teve assessoria jurídica própria para o período eleitoral, devidamente demonstrada na respectiva prestação de contas.

Diante da controvérsia, a Procuradoria Regional Eleitoral emitiu parecer com preliminar pela intimação do recorrente para apresentação do respectivo contrato de prestação de serviços, a fim de verificar a natureza desses serviços.

Todavia, com a devida vênia ao ilustre Procurador Regional Eleitoral, tenho como inviável, nesta fase processual, a intimação do recorrente para oportunizar a apresentação de documentos.

Essencialmente, porque, em sede recursal, a lógica processual impede a reabertura do contraditório, sob pena, inclusive, de supressão de instância no que tange à cognição de outros elementos não existentes ao tempo da sentença.

Como se não bastasse, o recorrente teve inúmeras oportunidades de apresentar documentos, mas deixou todas precluírem.

Primeiramente, o partido foi intimado (fl. 111) para que, no prazo de 30 dias, apresentasse os documentos complementares referidos no relatório preliminar da unidade técnica, a qual solicitava, expressamente, na al. “c”, os contratos de prestação de serviços, entre eles, os advocatícios (fl. 106). Em vez de apresentar ao menos os documentos que dispunha e requerer mais tempo para os demais, o recorrente compareceu aos autos, 15 dias depois de esgotado o prazo, para requerer mais trinta dias ao argumento de que a agência bancária do Município de Progresso havia sido “explodida pelos bandidos”, fato que impediria a obtenção de cheques microfilmados.

Concedido prazo, pelo juízo de origem, até 1º de setembro, apenas no dia 08 daquele mês o partido juntou aos autos os documentos das fls. 119-129, dentre os quais não se encontra o contrato expressamente solicitado.

Depois, notificado do parecer conclusivo, que indicava o recolhimento da quantia de R$ 20.000,00 ante a falta de identificação da origem do recurso, limitou-se a apresentar defesa escrita desacompanhada de qualquer documento.

Juntado o parecer do Ministério Público Eleitoral de primeiro grau pela desaprovação das contas, “haja vista a impossibilidade de identificação do(s) doador(es) originários do ativo que serviu para custear serviços advocatícios sem precedentes na prestação de contas anterior (2015)” e intimado o partido para os fins do art. 40 da Resolução TSE n. 23.464/15, o ora recorrente manifestou-se à fl. 157 simplesmente reiterando os termos da defesa.

Por último, teve o recorrente mais uma oportunidade de apresentar o contrato de prestação de serviços advocatícios com o presente recurso, situação que seria plenamente aceita por esta Corte, em conformidade com o disposto no art. 266 do Código Eleitoral.

Como se observa, foram pelo menos quatro as oportunidades que o partido teve para juntar o contrato em questão, não havendo justificativas para retroceder a marcha processual, fato que no mínimo acarretaria tratamento desigual em relação aos demais prestadores que observam o rito do processo de prestação de contas e atendem às diligências da Justiça Eleitoral.

Esse entendimento vai ao encontro da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, como se observa na ementa a seguir transcrita:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MOVIMENTAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO.

COMPROMETIMENTO DA TRANSPARÊNCIA E ÓBICE À FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA JUSTIÇA ELEITORAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.

1. A juntada de novos documentos é inadmitida, nos processos de prestação de contas, quando é dada a oportunidade de sanear as irregularidades constatadas, efetivando-se a preclusão.

2. As contas anuais dos partidos políticos, cujas falhas detectadas obstaculizem o efetivo controle dos gastos pela Justiça Eleitoral, devem ser desaprovadas.

(...)

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 7565, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 39, Data 23.02.2017, Página 73.) (Grifei.)

Nessa mesma linha, também não vejo como fundamental a baixa dos autos em diligência. Não só pelo esgotamento de oportunidades conferidas ao prestador para o esclarecimento pretendido, mas também pela desnecessidade da complementação documental para o exame do mérito.

Assim, neste contexto, estou desacolhendo o pleito ministerial, passando à análise da questão de fundo.

Mérito

No mérito, como já referido, a agremiação partidária teve as contas desaprovadas porque declarou uma despesa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) com assessoria jurídica, gasto este que, por não guardar similitude com as despesas realizadas nos anos anteriores, foi considerado pelo juízo de primeiro grau como “despesa eleitoral oculta”.

Transcrevo o disposto no parecer técnico conclusivo (fl. 135) adotado pela sentença:

(…) a juntada da nota fiscal da empresa Fabio Gisch Sociedade individual de advocacia Eireli ME – com um valor de R$ 20.000,00 – não afasta a impossibilidade de averiguação de gastos eleitorais declarados nas Contas Anuais.

Esta prática se deve a impossibilidade de identificação do doador originário em época eleitoral. Gastos anuais dos partidos não possuem a obrigatoriedade de comprovação do doador originário quando decorrentes de fundos de investimento. Portanto, para que o recurso possa ser usado em campanha – momento no qual existe a necessidade expressa da identificação do doador originário –, a conta eleitoral deveria estar zerada, como de fato é em relação à prestação de contas eleitoral deste partido, e os gastos seriam lançados na prestação de contas anual para revestimento de legalidade.

Como é cediço, os recursos e gastos eleitorais devem ter escrituração própria, identificando-se os doadores originários. Ou seja, mesmo que o órgão partidário empregue recursos já existentes, arrecadados em anos anteriores, a utilização na campanha eleitoral requer sejam transferidos para a conta “doações para campanha”, consoante prescreve o art. 6º da Resolução TSE n. 23.464/15, aplicável ao exercício 2016 em relação ao mérito, devendo, ainda, ser observada a regra disposta no art. 8º, § 4º, inc. I, da mesma resolução, verbis:

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei n. 9.096, de 1995, art. 39, § 1º).

§ 4º Para efeito do disposto no § 3º, a utilização ou distribuição de recursos financeiros recebidos de pessoas físicas em benefício de campanhas eleitorais deve observar as seguintes regras:

I – os valores decorrentes de doações recebidas pelo órgão partidário que forem destinados, total ou parcialmente, à utilização em campanha eleitoral devem ser previamente transferidos para a conta bancária de que trata o inciso II do art. 6º – “Doações para Campanha” –, com o necessário registro que permita a clara identificação da origem dos valores e a identidade do doador originário (STF, ADI n. 5.394);

Realizadas essas premissas, resta apurar se o valor de R$ 20.000,00 pago ao escritório de advocacia Fabio Gisch Sociedade Individual de Advocacia (fl. 119), declarado pelo recorrente como gasto ordinário com assessoria jurídica prestada ao partido, estaria de fato ocultando despesa eleitoral realizada com infringência à legislação, como entendido pelo juízo de primeira instância. Vejamos.

Muito embora não tenha vindo aos autos o contrato de prestação de serviços, a despesa foi demonstrada por meio da nota fiscal n. 201652, que discrimina os serviços como “honorários de assessoria jurídica” (fl. 119).

O recurso utilizado para fazer frente à despesa, por seu norte, foi recebido nos exercícios anteriores e encontrava-se aplicado na modalidade “renda fixa” no Banco do Brasil (fls. 51 e 73), razão pela qual se presume lícito. Com efeito, eventuais irregularidades na origem da receita comportariam apontamentos nas prestações de contas dos respectivos exercícios, não na presente, relativa a 2016.

Ainda, não se trata de recurso proveniente do Fundo Partidário, que só pode ser utilizado nos estritos termos do art. 17 da Resolução TSE n. 23.464/15 e exige rigorosa fiscalização por parte da Justiça Eleitoral.

Trata-se de montante ordinário, já existente na conta bancária do partido no final do exercício anterior (fls. 122 e v.), importando referir que o órgão partidário não arrecadou recursos no ano de 2016, à exceção do recebimento de juros e rendas de aplicações financeiras (fl. 08).

Nesse contexto, seria exigível a identificação dos doadores originários do recurso se o recorrente tivesse contabilizado despesa como de campanha eleitoral ou, ainda, tivesse transferido valores para candidatos. Não o fazendo e, mais do que isso, tendo declarado o valor como despesa partidária, não se pode presumir seja gasto eleitoral oculto, lembrando que nas relações jurídicas se presume, via de regra, a boa-fé.

Observo que, nas “Notas explicativas” (fl. 11), os dirigentes partidários, acompanhados do advogado que subscreve a peça recursal e da contadora responsável pela contabilidade, informaram que “as despesas foram de caráter operacional, sendo de manutenção da conta bancária, de retenções de impostos, serviços técnicos profissionais de contabilidade e assessoria jurídica, material de expediente e registros de livros contábeis”. Essa informação, a meu juízo, goza de presunção de veracidade, até prova em contrário.

Portanto, entendo inexistirem elementos nos autos a demonstrar ter sido realizada a despesa em prol de campanha eleitoral, não se mostrando razoável, data venia, condenar a grei partidária ao recolhimento da quantia por mera presunção.

Anoto, por fim, que na data de hoje, às 14h43min, o partido recorrente protocolou cópia do contrato de prestação de serviços advocatícios em questão (protocolo n. 26057/2019, fls. 234-240) o qual, considerando o voto previamente lançado no sentido de provimento do recurso, não tem o condão de modificar o entendimento desta julgadora.

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar aduzida pela Procuradoria Regional Eleitoral, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar as contas do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) de Progresso, relativas ao exercício financeiro de 2016, afastando a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e de suspensão do recebimento de recursos provenientes do Fundo Partidário.